domingo, 30 de setembro de 2012

A manifestação de Sábado e questões do momento

A grandiosa manifestação popular de ontem (Sábado, 29 de Setembro), que terá juntado mais de 300 mil pessoas no Terreiro do Paço (neste momento ainda não existem números definitivos), foi das mais grandiosas alguma vez registadas no país. Deu uma imagem muito clara do elevado nível de descontentamento de vastas camadas da população -- sobretudo dos trabalhadores que aí estiveram em peso, representando um grande número de sindicatos --, e da sua oposição frontal ao pacto de agressão governo-troika.
Aspectos da manifestação que merecem atenção e foram concordantemente noticiados: a participação pela primeira vez de muitos cidadãos e cidadãs; a participação activa de representantes das forças armadas e forças de segurança que, quando entrevistados, declararam sem peias estarem ao lado do povo; a participação de jovens desempregados ou com empregos precários.

Embora convocada pela CGTP-IN, à manifestação aderiram muitas organizações fora da CGTP (os sem emprego, os precários, polícias, GNRs, militares, etc.) e um mar de gente comum redundando numa manifestação que jornalistas e comentadores da RTP acertadamente caracterizaram de grande, popular e supra-partidária. Factos são factos.
De registar a posição oficial da UGT de não participação na manifestação. Isto é, a UGT demarcou-se desta grande manifestação do descontentamento popular. Cabe aos trabalhadores dos sindicatos da UGT tirarem as devidas conclusões.

É difícil prever quais as consequências práticas, a curto prazo, desta movimentação popular. Mas uma coisa é certa: começam a aparecer fissuras, discordâncias, expressões de nervosismo e também o cerrar de fileiras no bloco do grande capital que, a longo prazo, podem ser importantes. Neste capítulo, são de assinalar:
- Marcelo Rebelo de Sousa, ideólogo do PSD, em contraponto ao que tem dito Passos Coelho, veio defender uma remodelação ministerial para ter um governo com «ganho dinâmico» com «novas caras com maior credibilidade». Veio também ralhar com Paulo Portas que acusou de querer «tirar o corpinho» quando «percebeu o que se passava na rua»; isto é, de querer abandonar o barco demasiado cedo. Entretanto, lembrou que «não há como fugir à troika».
- O consultor do governo para as privatizações, António Borges, que já esteve no Banco de Portugal (já em anteriores artigos deste blog denunciámos a política perniciosa do BdP), na Goldman Sachs e agora é director do departamento europeu do FMI, perdeu as estribeiras numa entrevista na RTP, chamando «ignorantes» aos empresários que se manifestaram contra a TSU (Taxa Social Única) a pagar pelos trabalhadores. António Borges é um dos tais neoliberais puros e duros, que sabem tudo melhor que ninguém, excepto, é claro, essa coisa de prever quando e porquê ocorre uma crise económica, ou por que razão as medidas neoliberais não produzem os resultados que apregoavam. Doutores em tretas, cuja sapiência se resume a meia dúzia de dogmas que proferem de forma altaneira, patéticos e ridículos, mas sumamente perigosos. O Borges é um dos tais mais papistas que o papa. A troika diz que desconhecia a medida sobre a TSU; a avaliar pelo descontrolo do Borges foi ele o pai da ideia. Para que os trabalhadores portugueses saibam e não esqueçam. Entretanto o episódio reflecte a fissura entre os mais puros neoliberais, Gaspar-Borges-style, e muitos capitalistas que, por várias razões (principalmente ameaça de impostos, crédito difícil) se demarca desse rumo. Mostra também o nervosismo que começa a assaltar as fileiras neoliberais; revelado também pelas últimas entrevistas titubeantes de Vítor Gaspar.
- Dentro das fileiras do PSD revelam-se também muitas fissuras. Ferreira Leite e Marques Mendes lançam críticas. Noutro registo, foi agora a vez de António Capucho dizer que Borges perturba a estabilidade do governo com disparates. Uns pela estabilidade; outros contra a estabilidade.
- A Associação Portuguesa de Bancos, perante uma nova lei preparada pelo governo (texto final ainda desconhecido) que visa a prevenção de incumprimentos dos clientes (como, por exemplo, quando estes deixam de conseguir pagar hipotecas), manifestou-se contra, considerando-a de «inútil» e «inconveniente». Isto é, a APB, que devia estar agradecida ao governo, acha que até uma tímida lei pode ser contra os seus interesses. Quer continuar à rédea-solta, fazendo o seu business as usual, sem intervenções governamentais.
- Os comentários dos editorialistas do Diário Económico (representante dos interesses do grande capital), incensando Cavaco Silva como única figura capaz de «temperar a contestação social», mostram reservas contra impostos sobre juros de valores mobiliários (no fundo, a repetição da velha e bolorenta ideia de que se os ricos forem ricos algumas migalhas irão para os pobres). A petição do Diário Económico contra um novo aumento de impostos é também uma medida que, a coberto de fraseologia popular, tem como objectivo o cerrar de fileiras do grande capital.

Entretanto, as condições de vida em Portugal continuam a agravar-se. A última má notícia é a da Segurança Social estar em Setembro com um deficit estimado em 700 milhões de euros (dizem eles), enquanto em Março o governo previa um saldo positivo de 98,5 milhões de euros! Má notícia para pensionistas e para os que estão perto da reforma.
O governo responde às más notícias em estilo de fuga p'ra frente. Agora quer avançar com as privatizações da TAP e da CGD. O que restará quando privatizar tudo?
Impõe-se, portanto, o aumento e cerrar de fileiras do povo trabalhador, continuando e reforçando a pressão sobre os dignitários do grande capital, com novas lutas e novas formas de luta. Neste sentido, a greve geral que a CGTP está a preparar é uma óptima ideia. 

O PS continua a posicionar-se no sentido de aproveitar a onda de descontentamento popular para vir a ganhar as próximas eleições, formando um novo governo que não trará nada de novo num sentido substancial; isto é, num sentido que permita sair (digo, sair, e não atenuar e/ou mascarar) da espiral de esmagamento económico do povo trabalhador português. Se não, vejamos apenas estes dois apontamentos:
- Noticiava o jornal Sol, em 28 de Setembro (véspera da manifestação) que José Seguro -- o homem da abstenção violenta e construtiva quando deixou passar medidas gravosas do governo Passos Coelho, medidas que logo se via em que direcção apontavam – admitia que os sacrifícios não acabaram e abria a porta a Passos. O OE era para chumbar, mas isso não significava que os socialistas tinham cortado as ligações formais com o Governo (!) E acrescentava José Seguro jesuiticamente: «Um democrata jamais pode pôr fim ao diálogo político. O diálogo político é essencial em democracia»; «Mas o diálogo deve traduzir-se em melhorias concretas na vida dos portugueses. O Governo fala muito em diálogo, mas pratica pouco». O que significa isto? Duas coisas: 1 - José Seguro apoia, no fundamental, as medidas do governo de «sacrifício» para os trabalhadores; 2 - José Seguro, através do chumbo do OE e do «diálogo» com o governo, quer mostrar que está no «contra» mas, atenção, não um «contra» qualquer; é sim, um «contra construtivo», preparando a subida para o Poder com uma solução que poderemos designar de «evolução na continuidade», aproveitando a célebre frase do fascista Marcelo Caetano.
- Murteira Nabo, militante do PS e ministro das Obras Públicas em 1995 no governo de António Guterres, veio afirmar num artigo do Diário Económico, com o título sintomático «O interesse nacional» (simples má escolha de palavras num título que Salazar não desdenharia escrever?), que seria desejável um «consenso alargado a efectuar, pelo menos, entre o Governo, o PS e os Parceiros Sociais até à data de entrega do Orçamento de Estado para 2013…». Governo (PSD-CDS) + PS + UGT. Que tal? No fundo, Murteira defende a lógica do pacto com a troika mas com um cerrar de fileiras contra a esquerda, contra os trabalhadores: um entendimento do governo com o PS e UGT seria, segundo ele, remédio santo.

Ao PS (isto é, aos dirigentes do PS; todos eles, incluindo Manuel Alegre) interessa continuar o esquema da alternância no Poder (ver n/ artigo «Ora agora danças tu»). Desde o 25 de Novembro de 1975 que o PS representa o esmagamento das aspirações populares mais progressistas, ao serviço do capital. Representa uma gigantesca máquina de enganar os trabalhadores com a palavra «socialismo». Representa, tal como os outros partidos de direita PSD e CDS, uma gigantesca máquina de aproveitar o Poder para dar tachos aos amigos e mostrar folhas de serviço aos capitalistas de forma a obter lugares para os governamentais como administradores e gestores de empresas.

O PSD e CDS são partidos de direita, nas palavras e nos actos. Nunca se afirmaram como de esquerda.
O PS é um partido de direita nos actos (e em muitas palavras), que se afirma de esquerda em (algumas) palavras. O PS é uma fraude.

Um futuro governo PS não modificará substancialmente em nada a política neoliberal e o pacto com a troika; manterá a lógica de direita, a submissão ignominiosa ao grande capital que o PS tem representado desde o 25 de Novembro de 1975 e que a História registará; representará a alternância da direita no Poder, representará mais do mesmo, representará a derrota do movimento popular.

Para os trabalhadores e cidadãos progressistas do PS, que querem romper com este círculo vicioso da direita no Poder, abrem-se, a nosso ver, apenas três perspectivas: ou a alteração completa do PS de alto a baixo, arredando os seus dirigentes (esta perspectiva parece-nos improvável ou mesmo utópica), ou a migração para partidos consequentes de esquerda (partidos em que os actos sejam consentâneos com as palavras), ou ainda a formação de um novo partido de esquerda.