quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Por enquanto, Passos-Gaspar, 1 – Povo, 0

Aqueles que chegam agora às lutas populares irão dar-se conta que a luta por objectivos profundos (não objectivos reivindicativos pontuais) -- neste caso a derrota da lógica neoliberal implementada no pacto com a troika e que está a destruir o país arruinando a vida dos trabalhadores --, é difícil; não tem sucessos rápidos e exige a continuação perseverante de uma pressão firme e crescente, envolvendo passo a passo formas de luta superiores.
Não tenhamos ilusões sobre as últimas manifestações e a concentração junto ao Conselho de Estado. O governo Passos Coelho continua firme e sólido na tarefa de servir o grande capital à custa do povo trabalhador.
Disse Carvalho da Silva (JN, 25/9/2012), figura que nos merece toda a consideração pelo seu passado em defesa dos direitos dos trabalhadores: «Para já, anular o aumento da TSU foi uma derrota das políticas do actual Governo.» Não foi uma derrota. Foi apenas uma manobra táctica para enganar o povo. O governo substituiu a medida sobre a TSU por medidas igualmente (se não mais) gravosas: aumento do IRS, já a partir de Janeiro do próximo ano, afectando mais de dois milhões de portugueses!. Isto numa altura em que um estudo de uma entidade estrangeira (Mercer: European Survey on Employee) revelava que os salários em termos absolutos (isto é, ainda sem entrar em conta com a inflação) em Portugal baixaram em 2012, pela primeira vez em 14 anos!
PSD e CDS continuam firmes na imposição de austeridade, no pacto de agressão ao povo português. O CDS, depois de uma hesitação crítica «para povo ver», diz agora ser «compreensível» mais impostos. Nenhumas medidas foram, como era de esperar, tomadas contra o grande capital. Austeridade apenas para os trabalhadores (e alguns estratos da pequeno-burguesia).
Entretanto o deficit orçamental está na ordem dos 6% (dizem). A meta inicial era de 4,5% mas a troika (quem é amigo, quem é?) aumentou-a para 5%. Todos os indicadores apontam que a austeridade não está a funcionar. De facto, como já dissemos em estudos anteriores, a austeridade leva inevitavelmente a círculos viciosos (do tipo aumento de juro à baixa de rendimento à aumento de juro) que agravam o problema em vez de o resolver, hipotecando o futuro do país. Tal como na Grécia. Tal como noutros países no passado, que acabaram por levar ao incumprimento das dívidas (e em alguns a expulsão definitiva do FMI). A austeridade funciona tal e qual como nos filmes de gangsters, em que alguém é apanhado pela máfia de empréstimo de dinheiro a juros incomportáveis que amarram a vítima a extorsão permanente pela rede mafiosa. Neste caso, em termos simples, a austeridade é isto: um tapete rolante de extorsão de rendimentos dos trabalhadores, dos 90% da população, para depositar nos bolsos do grande capital nacional e estrangeiro. Para que o grande capital seja «indemnizado» da perda de lucros nos sectores produtivos e possa continuar a jogar na especulação financeira.
A concentração de protesto junto ao palácio de Belém, aquando da reunião do Conselho de Estado, foi imponente e deveria ser continuada no futuro. Contudo, parece-nos que é necessário mais do que isso. É necessário exigir repetida e veementemente a alteração da composição do Conselho de Estado; e, portanto, da lei que o institui. Já em tempos recuados da monarquia existiam conselhos de estado; eram compostos por feudais que no essencial estavam todos de acordo entre si e com o rei. Eram, em geral, uma forma de o rei se libertar perante o povo do odioso das posições que tomava. Chegámos ao século XXI e aqui, em Portugal, a ideia-base permanece essencialmente a mesma: o Conselho de Estado é uma forma de Cavaco Silva, perante o povo português, poder lavar as mãos como Pilatos. Se não, vejamos. O Conselho de Estado é constituído por membros que o são por inerência dos cargos que desempenham ou que ocuparam e por membros designados pelo Presidente da República e eleitos pela Assembleia da República. A composição actual (portal da presidência da República) é a seguinte:

M. Assunção Esteves (Pr AR)                  PSD
P. Passos Coelho (PM)                              PSD
R. Moura Ramos (juiz, Pr TC)                  ?
A. José de Sousa (juiz, Prov J)                  ?
C. V. César (Pr. GR Açores)                    PS
A. João Jardim (Pr. GR Madeira)             PSD
A. Ramalho Eanes                                    PRD (
»PS)
Mário Soares                                             PS
Jorge Sampaio                                           PS
João Lobo Antunes                                   ?
Marcelo Rebelo de Sousa                                     PSD
Maria Leonor Beleza                                 PSD
Vítor A Brinquete Bento                          »PSD-CDS
A. Bagão Félix                                          CDS
Francisco Pinto Balsemão                         PSD
António José M Seguro                            PS
Luís Marques Mendes                               PSD
Manuel Alegre                                          PS
Luís Filipe Menezes                                  PSD

De 19 membros, 9 são do PSD-CDS e 5 são do PS. Daqueles de que não se sabe a filiação, um pelo menos (Ramalho Eanes), deverá andar próximo do PS. Outro, Vítor Brinquete, substituiu Dias Loureiro (implicado no caso BPN) e quase de certeza é da área do PSD-CDS. Em suma, temos 10 membros (maioria) PSD-CDS, 6 do PS respeitável (com o amigo do Carlucci-CIA, Mário Soares, e o comedidíssimo Sampaio), dois respeitáveis juízes e um respeitável cientista. Onde está o povo trabalhador, que não o vejo? Onde está a esquerda consequente? Para que consulta o PR o Conselho de Estado? Aventamos duas hipóteses que podem funcionar separadamente ou em conjunto: 1 – Para se ouvir a si mesmo, isto é, à maneira dos reis, para legitimar as posições que de antemão já tomou; 2 – Para obter dos conselheiros novas pistas, novas ideias, de como prosseguir na rota de enganar o povo português.
É urgente colocar a exigência de alteração total do Conselho de Estado. A actual farsa excessiva do Conselho de Estado deve acabar. O actual Conselho de Estado é um Conselho dos ricos, do grande capital.
De que estão à espera os partidos de esquerda, PCP e BE, para colocar esta exigência?