sábado, 2 de julho de 2016

Brexit – A Opinião de PCs sobre um Importante Evento



Vários PCs saudaram o Brexit como um acontecimento importante que pode vir a mudar muita coisa na luta dos trabalhadores europeus. Achamos que têm inteira razão.
   
Temos vindo constantemente a denunciar a UE como uma construção de opressão dos povos,  dos trabalhadores, especialmente os dos países mais fracos, submetidos aos interesses do grande capital monopolista, em particular ao capital representado pela aliança imperialista Alemanha-França. É uma aliança ligada a interesses económicos, políticos e militares hegemónicos dos EUA, nomeadamente através da NATO que, com a ajuda da UE, tem vindo a crescer enormemente, e provocadoramente, através de um sem número de constantes ingerências, guerras e conflitos locais que colocam o risco de uma guerra mundial num nível elevado.
    
Será que são só os comunistas que têm esta opinião? De forma nenhuma. Numa entrevista à RT (29/06/2016) sobre o Brexit disse assim, sem papas na língua, um ex-editor do Wall Street Journal e ex-conselheiro do Federal Reserve Bank: «A UE é um mecanismo de controlo dos EUA» (EU is a US control mechanism). Lembrou, a propósito, que o projecto de uns Estados Unidos da Europa remontavam aos tempos do Presidente Truman, o iniciador da Guerra Fria, como projecto da OSS (e do agente Allen Dulles) a antecessora da CIA. Allen Dulles e o seu irmão John Foster Dulles foram grandes inspiradores da NATO e da reconstrução de uma Alemanha Ocidental reaccionária, membro da NATO, e tolerante para com altas figuras do Estado Nazi, como o chanceler Adenauer e o banqueiro de Hitler Hjalmar Schacht. Quanto à França, a seguir à segunda guerra mundial, era para se tornar uma dependência da Grã-Bretanha e EUA. De Gaulle nem sequer foi convidado quer para a preparação da frente da Normandia quer para as primeiras conversações do pós-guerra. Só soube do desembarque da Normandia depois de ele se ter dado. Apesar disso, De Gaulle e a burguesia francesa logo correram com os comunistas para fora do poder – e os comunistas franceses foram praticamente os únicos franceses que verdadeiramente lutaram contra os nazis durante a ocupação – e correram a aliar-se à burguesia alemã.
   
Isto tudo para dizer que na formação da CEE e da sua continuadora UE há uma lógica e «pecados originais». Elas nunca foram, como alguns pretendem fazer crer, uma «Europa» de solidariedade de povos trabalhadores. Foram sempre uma criação do capital monopolista e uma componente do imperialismo. Para dizer também que não admira a preocupação – logo expressada em várias declarações públicas –, de Obama e John Kerry como porta-vozes da burguesia estado-unidense, com a saída da Grã-Bretanha do Brexit e seu possível efeito de contágio.
   
Mas vejamos as declarações de alguns PCs que são muito esclarecedoras do que está em jogo. Começamos pela excelente análise da secção II.2 do Comunicado do C.C. do PCP de 25-26 de Junho de 2016. (Aliás, todo o comunicado é importante e recomendamos vivamente a sua leitura atenta em http://www.pcp.pt/comunicado-do-comite-central-do-pcp-de-25-26-de-junho-de-2016  )
   
2. Os recentes desenvolvimentos na União Europeia confirmam o cenário de profunda crise social, de estagnação económica e persistente tendência deflacionária e de aprofundamento da instabilidade no sector financeiro. Acentuam-se todas as contradições que percorrem o processo de integração capitalista e que confluem numa crescente crise da União Europeia e na manifestação de elementos de desagregação.
   
A vitória da saída da União Europeia no referendo realizado no Reino Unido constitui um acontecimento de enorme importância política para os povos do Reino Unido e da Europa. Representa uma alteração de fundo no processo de integração capitalista na Europa e um novo patamar na luta contra a União Europeia do grande capital e das grandes potências, e por uma Europa dos trabalhadores e dos povos.
   
O PCP saúda e respeita o facto de o povo britânico ter decidido de forma soberana os destinos do seu país, facto tão mais importante quanto este referendo se realizou num quadro de gigantescas e inaceitáveis pressões e chantagens dos grandes grupos económicos transnacionais, do capital financeiro e de organizações como o FMI, a OCDE e a própria União Europeia. O resultado do referendo britânico é assim, também, uma vitória sobre o medo, as inevitabilidades, a submissão e o catastrofismo. 
  
O Comité Central do PCP saúda os comunistas britânicos e outras forças de esquerda que – rejeitando falsas dicotomias e combatendo discursos reaccionários e xenófobos – assumiram e afirmaram no referendo a voz defensora dos valores da democracia, dos direitos laborais e sociais, do progresso, da solidariedade, amizade e cooperação entre os povos.
   
Não ignorando as múltiplas motivações que estiveram presentes na convocação deste referendo e os elementos de carácter reaccionário e de manipulação política que se manifestaram na campanha – elementos que o PCP combate e rejeita frontalmente –, o Comité Central do PCP realça que os resultados do referendo expressam, antes de mais, a rejeição das políticas da União Europeia.
   
O PCP repudia o irresponsável posicionamento de alguns sectores que propagam o medo e a ideia de que os resultados do referendo constituem um desenvolvimento negativo. O exercício de direitos democráticos e de soberania dos povos não pode ser visto como um problema. Pelo contrário, o referendo britânico é reflexo de sérios e profundos problemas que já existem há muito e que resultam de um processo de integração corroído de contradições, visivelmente esgotado e cada vez mais em conflito com os interesses e justas aspirações dos trabalhadores e dos povos.
  
O referendo britânico constitui uma oportunidade para se enfrentarem e resolverem os reais problemas dos povos, questionando todo o processo de integração capitalista da União Europeia e abrindo um novo e diferente caminho de cooperação na Europa, de progresso social e de paz.
   
Medidas ou manobras que ignorem o significado político deste referendo; que se refugiem em estigmas sobre o povo britânico; que tentem contornar ou mesmo perverter a vontade daquele povo; ou que apontem para fugas em frente de natureza antidemocrática e de maior concentração de poder ao nível da UE, só contribuirão para o aprofundamento de problemas e contradições, entre os quais o desenvolvimento de posições e forças reaccionárias e de extrema-direita. Forças e posições que se manifestaram no referendo britânico e que se alimentam das consequências das políticas da União Europeia, cada vez mais antidemocráticas, anti-sociais e de opressão nacional.
O PCP sublinha que o Conselho Europeu dos próximos dias 28 e 29 de Junho deve, desde já, lançar as bases para a convocação de uma cimeira intergovernamental com o objectivo da consagração institucional da reversibilidade dos Tratados, da suspensão imediata e revogação do Tratado Orçamental, bem como da revogação do Tratado de Lisboa.
   
O PCP sublinha a necessidade e importância de medidas e acções no âmbito da política externa portuguesa que, no quadro da desvinculação do Reino Unido da União Europeia, garantam os interesses nacionais, estimulem o prosseguimento de relações de cooperação económica mutuamente vantajosas com aquele país e salvaguardem os interesses e direitos dos portugueses que ali residem e trabalham.
   
Num quadro em que se evidencia de forma incontornável que a União Europeia não responde às necessidades dos trabalhadores e dos povos, o PCP sublinha a necessidade de enfrentar corajosamente os constrangimentos decorrentes do processo de integração capitalista europeu e de, simultaneamente, se encetar um caminho de cooperação baseado em estados soberanos e iguais em direitos. Em particular, realça a urgência e a necessidade de Portugal se preparar e estar preparado para se libertar da submissão ao Euro de modo a garantir os direitos, o emprego, a produção, o desenvolvimento, a soberania e a independência nacionais.
   
Extractos do comunicado do PC da Grã-Bretanha (de 24/06/2016 no Morning Star):
   
Uma Vitória da Soberania Popular – Uma Derrota do Eixo UE-FMI-NATO 
   
O resultado do referendo representa um enorme golpe, potencialmente desorientador, da classe capitalista que governa a Grã-Bretanha, dos seus políticos de aluguer e dos seus aliados imperialistas da UE, EUA, FMI e NATO.
   
[…] A esquerda deve agora redobrar os seus esforços para tornar o resultado do referendo numa derrota de todo o eixo UE-FMI-NATO.
   
É claro que o governo Cameron-Osborne perdeu a confiança do eleitorado […]. Deve imediatamente demitir-se.
   
O Partido Comunista também não tem nenhuma confiança em que um governo Tory liderado por outros deputados a favor do grande negócio, imperialismo e neoliberalismo tais como […] possam opor-se às pressões da City de Londres [corporações financeiras], grande capital, EUA e NATO para impedir a saída da Grã-Bretanha da UE. 
   
[… O Partido Trabalhista] deveria tornar clara a sua determinação em negociar os termos de saída e negociar futuros tratados com a UE e outros países na base de novas disposições que coloquem os interesses do povo trabalhador aqui e internacionalmente acima dos do grande capital e do «mercado livre» capitalista.
   
Em qualquer dos casos será também vital contra-atacar o recrudescimento da xenofobia e racismo atiçados por forças importantes de ambos os lados da campanha do referendo. É essencial a unidade e mobilização das forças progressistas e dos movimentos laborais para explicar os benefícios da imigração e lutar contra o apelo divisivo e anti-trabalhador do UKIP bem como de outros partidos da direita e extrema-direita.

Note-se nos comunicados do PCP e do PCGB a chamada de atenção de que há forças da direita e extrema-direita que apoiaram o Brexit. Marianne Le Pen da França, por exemplo, ficou exultante. Essas forças defendem a nível nacional Estados autoritários, para-fascistas, que a coberto da demagogia populista, esmagam os direitos dos trabalhadores. Isso já acontece, p. ex., na Hungria. Quanto à burguesia pró-UE (anti-Brexit) joga no esmagamento dos trabalhadores através da imposição de um organismo supra-nacional que dite as leis. Acham ser esta a solução mais «suave» e eficiente para controlar a classe trabalhadora. Note-se como, logo a seguir ao resultado do referendo, Juncker, Hollande e Merkel lançaram a ideia de combater futuras «saídas» através de uma maior «integração», nomeadamente… política! Nesta «fuga para a frente», como lhe chama o comunicado do PCP, desapareceriam os Estados e obedecia tudo à batuta de «Bruxelas», isto é, à batuta dos burocratas da CE servidores do imperialismo alemão-francês. Portanto, dos dois lados do Brexit – e sem prejuízo do Brexit reflectir o descontentamento popular – há duas visões burguesas de resolução de contradições insanáveis da actual versão neoliberal europeia do capitalismo monopolista de Estado, em crise.
   
Apresentamos agora extractos do comunicado do PC da Irlanda (24/0672016):
   
Uma Outra Europa É Possível – Uma Outra UE, Não 
   
[…] A decisão do povo [inglês] é a vitória contra o Projecto Medo, atiçado pelo grande capital, instituições bancárias e financeiras globais, com a UE e a elite governante através da UE […]. 
   
Apelamos a um novo referendo, aqui na República, sobre a continuação na UE, em conjunto com um travão a qualquer extensão ou aprofundamento da integração dentro da UE. Precisamos de reafirmar a nossa democracia e soberania nacionais. E também é preciso pôr um fim nas negociações secretas das instituições da UE e dos EUA relativamente ao TTIP [Acordo de Parceria Transatlântico de Comércio e Investimento, a apoteose de «A UE é um mecanismo de controlo dos EUA»]. 
   
O povo trabalhador da Grã-Bretanha enviou uma mensagem altissonante a Londres e Bruxelas, de que estão fartos de ameaças, de asteridade permanente, de colocação dos interesses do grande capital acima dos do povo. […]. 
   
Milhões de trabalhadores de toda a EU saúdam este voto de saída, que pode bem marcar o início do fim da própria UE. O Projecto Medo, congeminado pela UE, foi usado para forçar os povos grego, espanhol, italiano, cipriota e irlandês a aceitar a escravidão da dívida, de que não havia outra alternativa senão resgatar bancos e especuladores em prejuízo dos direitos do povo. […] usando o medo para impor a ideia de que não havia alternativa, para mascarar os ataques brutais contra os direitos e condições de vida dos trabalhadores, com mais erosão da democracia e da soberania nacional. 
   
[…] Em toda a UE o povo trabalhador deve usar a oportunidade que agora se apresenta para afirmar as suas reivindicações, para afirmar e construir a unidade de acção contra estes assaltos massivos. 
   
Numa entrevista com um membro do KKE (Partido Comunista Grego), que publicámos, era feito o alerta de que o resultado do referendo Brexit, qualquer que fosse, não iria só por si modificar a situação dos trabalhadores. Este tema é melhor desenvolvido e esclarecido no texto que se segue do comunicado do CC do KKE de 24/06/2016.
   
Acerca do Resultado do Referendo na Grã-Bretanha Relativo à Saída da Grã-Bretanha da UE
   
O resultado do referendo na Grã-Bretanha demonstra o crescente descontentamento da classe trabalhadora e das forces populares quanto à UE e às suas políticas anti-povo. Estas forças, contudo, devem separar-se das escolhas de secções e forces políticas da burguesia e adquirir características radicais e anti-capitalistas. O resultado regista o dissipar das expectativas que tinham sido avançadas pelos partidos burgueses, incluindo os da Grécia, bem como das expectativas sobre os mecanismos da UE, de que os povos poderiam ser, alegadamente, prósperos no quadro da UE.
   
O facto de que a questão da saída de um país da UE tivesse sido posta tão intensamente – ainda para mais um país do tamanho da Grã-Bretanha – deve-se, por um lado, às contradições internas da UE e à desigualdade das suas economias e, por outro lado, à confrontação que se desenrola entre centros imperialistas que se agudizaram no quadro da recessão económica. Estes factores reforçam o chamado eurocepticismo, as tendências de saída, mas também as tendências que buscam uma mudança da forma de gestão política na UE e zona euro.
   
Partidos nacionalistas, racistas e fascistas – tais como o Partido da Independência de Farage (UKIP) no Reino Unido, a Frente Nacional de Le Pen em França, a «Alternativa para a Alemanha», e formações similares na Áustria, Hungria, o fascista Aurora Dourada e a Unidade Nacional de Karatzαferis e outros – são veículos de «eurocepticismo» reaccionário. Mas o «eurocepticismo» é também expresso por partidos que usam uma etiqueta de esquerda, que criticam ou rejeitam a UE e o euro, apoiam uma moeda nacional e buscam outras alianças imperialistas, com uma estratégia que opera no quadro do capitalismo.
   
Estas contradições e antagonismos permeiam as classes burguesas de todos os estados membros da UE. Os processos políticos e económicos que decorrem, na Grã-Bretanha e na UE, as negociações sobre a posição da burguesia inglesa após saída, podem levar a novos acordos temporários entre a UE e a Grã-Bretanha. Certo é que, enquanto permanecerem a propriedade capitalista dos meios de produção e o poder burguês, tais desenvolvimentos serão acompanhados de novos e dolorosos sacrifícios para a classe trabalhadora e forças populares.
   
O resultado do referendo britânico desmascara as outras forças políticas na Grécia, que glorificaram a participação grega na UE durante todos estes anos, apresentando-a como um processo irreversível e semeando ilusões sobre a necessidade de ainda «mais Europa de democracia e justiça». Denuncia também aquelas forças que consideram ser uma moeda nacional uma panaceia que conduzirá o povo à prosperidade. A Grã-Bretanha com a sua libra esterlina tomou as mesmas medidas anti-trabalhador e anti-povo que os outros países da zona euro tomaram. Continuará também a tomar as mesmas medidas fora da UE, já que isso é imposto pela necessidade dos monopólios serem competitivos e terem lucos.
   
[…] a UE desde a sua criação tem sido e é uma aliança reaccionária das classes burguesas da Europa capitalista, com o objectivo de explorar o mais que podem os trabalhadores e roubar outros povos do mundo, no quadro da competição com outros centros imperialistas. Não foi e não será um arranjo permanente, tal como alianças semelhantes não foram permanentes no passado. A competição e desigual desenvolvimento do capitalismo, a mudança da correlação de forças, tarde ou cedo trará as contradições à superfície, que já não serão passíveis de ser sanadas por compromissos frágeis e temporários. […]
   
Os interesses do povo grego, do povo britânico, de todos os povos da Europa não devem ficar debaixo de uma «falsa bandeira». Não devem ficar debaixo das bandeiras da burguesia e das suas várias secções, que determinam as suas escolhas e alianças internacionais de acordo com os seus interesses e na base da maior exploração possível dos trabalhadores. Para que a condenação necessária da aliança predatória do capital, a UE, e a luta pela separação de qualquer país dessa aliança seja efectiva, terá de estar ligada ao derrube do poder do capital pelo poder do povo trabalhador. A aliança social da classe trabalhadora com outros estratos populares, o reagrupamento e fortalecimento do movimento comunista internacional são pré-condições da construção da via para esta perspectiva de esperança.