terça-feira, 30 de abril de 2013

Congresso do PS: o Mesmo Rumo

No Congresso do PS, que concluiu neste último fim-de-semana os seus trabalhos, foi adoptado um documento intitulado «Novo Rumo». O PS é conhecido pela sua postura bombástica, algo megalómana. Os próprios títulos dos seus documentos e programas reflectem tal postura. Com António Guterres tivemos «Estados Gerais» (como na Revolução Francesa!); com José Sócrates tivemos «Novas Fronteiras» (como na epopeia do Far-West!); agora, com António Seguro, temos «Novo Rumo». Tudo assim «à grande e à francesa» «pour épater le bourgeois». A forma é que interessa. O conteúdo não interessa. Na realidade, e como sempre, o «Novo Rumo» é o «Mesmo Rumo»: entradas de leão, saídas de sendeiro. Vejamos porquê.
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O PS é, de facto, um partido social-democrata. É o representante português da corrente social-democrata europeia. Esta corrente representa fundamentalmente os interesses da pequena burguesia (pequenos capitalistas, profissões liberais) que, no caso europeu, procura obter dos grandes capitalistas, através de uma política de colaboração de classes, um entendimento, uma «concertação social», que permita aos trabalhadores usufruir das migalhas que caem da mesa do grande capital. Isto, pelo menos, em tempos de vacas gordas. As migalhas, sob a forma de «contribuições sociais», permitiram construir na época áurea do capitalismo ¾ pós segunda guerra mundial, e como contraponto ao rápido desenvolvimento e atracção que na altura do pós-guerra era apanágio dos países de «socialismo real» ¾, o chamado «Estado Social» europeu.
(Diga-se a propósito que o PSD, que se diz social-democrata é, de facto, aquilo que se chama um partido liberal, representante dos interesses do grande capital que colhe com a sua fraseologia populista e liberal o apoio de outros estratos da burguesia, incluindo latifundiários, e de largas camadas pouco politizadas da população como o campesinato. O CDS é um partido democrata cristão, não centrista, que colhe votos nas mesmas áreas do PSD mas com particular incidência na população católica envelhecida, temerosa de quaisquer mudanças [não é por acaso que vemos Paulo Portas nas campanhas eleitorais a percorrer os lares de terceira idade]).
O PS, tal como os demais partidos sociais-democratas europeus, usa grandes frases sobre a construção do «socialismo democrático», do «socialismo de face humana». De facto, nem o PS nem qualquer outro partido europeu congénere alguma vez construiu ou irá construir o «socialismo». Usam a palavra «socialismo» como fachada, como cobertura da sua política de colaboração de classes em prol da defesa do capitalismo, em particular do grande capital financeiro. Este «segredo de Polichinelo» ainda colhe dividendos entre os trabalhadores, nomeadamente aqueles que estão influenciados pela elite dos trabalhadores enquistados nos sindicatos amarelos da UGT, bem como os trabalhadores influenciados pela diáspora da emigração que alimentam ilusões sobre o PS poder fazer de Portugal uma segunda França, Alemanha ou Holanda.
A grande representatividade do PS está assim explicada. Não se trata de atracção dos trabalhadores pelo «socialismo». Os trabalhadores votantes do PS nem sabem o que isso é. Votam no PS porque este é uma «esquerda de confiança»: juntamente com os senhores doutores e no quadro de uma «concertação social» (leia-se colaboração de classes) conseguirão manter o «Estado Social», actualmente em processo de erosão.
Em certos países europeus (França, Alemanha, Holanda, …) os respectivos partidos sociais-democratas têm (talvez melhor, têm tido) uma participação interessada (talvez melhor, interesseira) de certas camadas de trabalhadores. Aqueles que usufruíram de regalias importantes do respectivo «Estado Social» no âmbito da extracção imperial de mais-valias de países neocolonizados. A colaboração de classes era abertamente reconhecida e aceite por esses trabalhadores usufrutuários do «império»; pelas aristocracias operárias que pelos seus rendimentos pouco ou nada se distinguiam dos rendimentos da pequena burguesia. No caso português a situação é bem diferente. Essa distinção existe e, precisamente por isso, o PS português como dissemos acima representa apenas os interesses da pequena burguesia, nomeadamente dos senhores doutores e de todos os que aspiram a subir ao escalão de grande burguesia. Para o PS os interesses dos trabalhadores virão sempre em terceiríssimo lugar. Para o PS o respeitinho pelas desigualdades é muito bonito.
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Para o PSD e o CDS a arte de enganar não necessita de grande sofisticação. Algumas mentirolas e um pouco de demagogia populista é quanto basta para convencer os seus votantes despolitizados ou politicamente atrasados. Os votantes mais politizados sabem perfeitamente quais os interesses que o PSD e o CDS representam.
O caso muda de figura no que respeita ao PS. A necessidade de convencer trabalhadores e a fracção de pequena burguesia de tendência radical coloca dificuldades ao discurso do PS. Teve de elevar a arte do ludíbrio a cúmulos de virtuosismo. Essa arte assenta nos seguintes ingredientes:
1) A repetição de que o PS é de «esquerda» apesar da sua política privilegiar a burguesia, sendo essencialmente indistinguível da política do PSD e PSD/CDS (não nos esqueçamos que, entre outras coisas, o PS foi o primeiro partido a coligar-se num governo com o CDS a seguir ao 25 de Abril; isto quando ainda usava uma fraseologia marcadamente de esquerda, inclusive marxista);
2) A utilização de fraseologia pretensamente modernista, baseada em congeminações de filósofos ao serviço do capitalismo, para emprestar um ar douto às suas políticas de direita (recordemos, por exemplo, as justificações da ministra da Educação dos governos Sócrates baseadas nas «ciências da educação» desenvolvidas por filósofos burgueses franceses);
3) A utilização na mesma frase de apontadores para a direita e para a esquerda (do género «O PS é a esquerda responsável» em que o «responsável» serve de contraponto à esquerda, como se dissesse «O PS, apesar de ser de esquerda é também o partido da ordem burguesa», ou ainda «Há por aí uma esquerda irresponsável mas nós não somos desses»; incrivelmente o diletante BE também diz coisas semelhantes!);
4) A utilização de frases ambíguas, frequentemente com utilização de conceitos «acima das classes» (o conceito de «cidadania» redescoberto por Manuel Alegre e consortes é um exemplo; a seguir à Revolução Francesa e demais revoluções liberais todos passaram a ser cidadãos perante as leis da sociedade burguesa, com uns ¾ os burgueses ¾ mais cidadãos que os outros; o conceito só é de esquerda no âmbito da sociedade feudal). Todas as frases ambíguas do PS devem ser sempre lidas nas sua interpretação mais direitista.
Vejamos, então, o que saiu deste último Congresso do PS:
  • «O PS honrará as dívidas do país e respeitará as obrigações de membro da Zona Euro» (Seguro, 26/4). Isto, devidamente lido, quer dizer que o PS tenciona submeter-se inteiramente aos ditames da troika (exemplo de 4).
  • «O nosso compromisso é o de mudar a Europa, para que coloque toda a sua força, a sua energia, os seus instrumentos, em prol da criação do emprego, da criação de desenvolvimento e prosperidade» (Seguro, 26/4). A primeira parte da frase, «O nosso compromisso é o de mudar a Europa», é um exemplo da tendência megalómana do PS: já não vão só mudar Portugal; vão também mudar a Europa! E é também um exemplo de 4: que Europa? A UE? A das instituições Europeias (comissões, etc.)? Merkel e Hollande? Partidos europeus que representam os trabalhadores? Partidos europeus que representam o capital? Depois seguem-se as boas intenções: «criação do emprego, [da] criação de desenvolvimento e prosperidade». Mas por que meios a divina «Europa» acima das classes «usando toda a sua força, a sua energia» (já estamos a ver a deusa a abrir a túnica e a arregaçar as mangas) vai criar emprego, desenvolvimento e prosperidade? Será que essa «Europa» está agora ausente do consulado Passos-Gaspar?
Enfim, belas frases bombásticas que não dizem nada, não esclarecem nada. Absolutamente nada.
  • A 27/4 Seguro, quanto a propostas económicas, tirou um coelho do chapéu. Um coelho de 12,5 biliões (mil milhões) de euros para ajudar a criar emprego. Em termos simples, 7,5 biliões viriam da banca portuguesa e 5 biliões do Banco Europeu de Investimento. Dos 7,5 biliões 4,5 seriam obtidos por diminuição do rácio entre o capital da banca e os seus activos ponderados pelo risco. Esse rácio foi colocado pelo Banco de Portugal em 10% a partir de 31/12/2012; anteriormente estava a 9% e é a esse valor que Seguro quer regressar, libertando cerca de 4,5 biliões. Não estamos, contudo, a ver o Banco de Portugal a voltar atrás numa decisão baseada numa ponderação de riscos sem fazer soar campainhas de alarme na troika e no BCE. Aliás, se fosse assim tão simples usar este coelho bancário, o amigo dos banqueiros Gaspar já há muito o teria usado.
  • Quanto a propostas políticas, Seguro defendeu a necessidade de uma maioria absoluta «porque tem de haver condições de estabilidade política» (repetindo uma ideia-chave que o PS sempre usou em anteriores eleições). Referiu também não descartar coligações governamentais dizendo que «O estado de emergência em que o país está não dispensa ninguém», um belo exemplo de frase ambígua com apontadores para a esquerda e para a direita (exemplo de 3). Na realidade a frase era para ser lida como apontador para direita, como fez questão de esclarecer o deputado Manuel Seabra: «Desiludam-se aqueles que pensam que o consenso se faz à Esquerda». Pronto, aí temos o BE sem a possibilidade de passar um atestado de bom comportamento ao PS (ver n/ artigos de 4/1 e 17/3).
  • Ainda na política assinale-se que não houve uma única referência ao abandono do memorando com a troika e à renegociação da dívida, como bem notou Carvalho da Silva, um dos dinamizadores do Congresso das Alternativas que tanta fé punha numa concertação com o PS. Razão tínhamos nós, logo no início desse evento, em afirmar que tal Congresso não serviria para mais nada do que emprestar um tom de esquerda ao PS (ver n/ artigo de 21/9/2012).
  • No Congresso PS não podia, é claro, faltar uma frase lapidar de cretinice modernista de Francisco Assis: «Não recebemos lições de ninguém em termos de modernização do Estado Social». Assim mesmo. Num país de enormes carências básicas, com cerca de 1/3 de pobres, com um pálido fantasma de «Estado Social», Assis crê que a única coisa que faz falta é a modernização. Como se fôssemos uma espécie de Suécia em que o que só faz falta em termos de modernização é qualquer coisa como a distribuição gratuita de escovas de dentes eléctricas nas consultas odontológicas. E, caro leitor: faça favor de não avançar com ideias e sugestões ao Assis. Ele sabe tudo e não aceita lições de ninguém. É o mega-meta-filósofo.
  • Para aumentar o carisma de Seguro, assistiu-se no Congresso a uma sessão de bajulice bem ao estilo PS, com Álvaro Beleza elogiando declamatoriamente Seguro como «um homem excepcional de grandes qualidades humanas e liderança» e terminando nestes termos: «Tu sabes somar, sabes mais porque és honesto, dedicado, humano, rigoroso, atencioso». Parece que Seguro ficou muito emocionado. Não sabemos se alguns dos presentes não tiveram por momentos a sensação de estarem na Coreia do Norte a assistir ao elogio de Kim Jong-un. Enfim, como diriam os «nuestros hermanos» foi de «ir às lágrimas».
Novo Rumo? Não. O mesmo rumo de sempre.
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Arriscamos, sem grande risco, um prognóstico: o PS irá ganhar as próximas eleições legislativas e irá governar sozinho.
Vão ser mais quatro anos de degradação económica e social, pontuada talvez por uma ou outra pequena melhoria episódica, dependente não da «arte» do PS mas da forma como o capitalismo imperial conseguir aliviar momentaneamente a crise.
Vão ser mais quatro anos perdidos.
Perdidos também em termos da construção de uma alternativa e movimento de esquerda credíveis.
À esquerda, os grandes responsáveis e culpados desta situação são o BE, os renovadores comunistas, os do Congresso das Alternativas e outros do mesmo estilo, que, em vez de riscarem o PS da equação, continuam a alimentar em largas camadas da população a ilusão de que o PS é de esquerda.
São culpados os que, em vez de estudarem tudo que tem sido criado em anos recentes em termos de novas contribuições para (e de) uma praxis de esquerda, em vez de se debruçarem sobre a análise histórica e económica aprofundada das experiências socialistas, preferem a lei do menor esforço, trilhando caminhos rotineiros e utilizando ideias que cheiram a mofo e estão irremediavelmente condenadas ao fracasso. Como a disparatada ideia da «aliança de esquerda» com o PS.

quarta-feira, 24 de abril de 2013

A Direita em Rédea Solta


O panorama político em Portugal continua dominado pelas manobras da direita que, com completo cinismo e inteiro à vontade, prossegue no saque de rendimentos às classes pobres a favor do grande capital financeiro nacional e internacional.
Conforme já referimos em artigos anteriores a posição da esquerda parlamentar é de tibieza, com a proposição de medidas cosméticas e a concentração de atenções em questões menores, deixando de lado a questão essencial que passa por ultrapassar o incurável capitalismo através de medidas socializantes. Deixando de lado a questão das questões: a necessidade de nacionalizar a banca. Não há resolução da crise que não passe pela nacionalização da banca, o centro nevrálgico do capital financeiro.
A falta de um efectivo esclarecimento e de uma postura de chamar os bois pelos nomes tem levado a manifestações folclóricas, que não incomodam minimamente a direita. Manifestações que, sem contribuirem para um efectivo esclarecimento, fazem perdurar as ilusões nas massas, mantendo a ideia de que bastará uma mudança de governo (para o PS, claro) para resolver a crise. Manifestações que só servem para manter uma situação de marasmo ideológico e de falta de combatividade popular. Manifestações que não irão levar a lado nenhum se essa combatividade não aumentar de molde a passar a acções de rua com um sentido de luta mais elevado, como por exemplo fizeram os egípcios quando ocuparam a praça Tahrir e não a abandonaram até obterem o que queriam. Para agravar a situação certa esquerda (o BE e não só) está convencida que a solução passa por um entendimento com o PS. Um entendimento com uma inamovível cúpula direitista que desde o 25 de Abril sempre esteve amarrada aos interesses do grande Capital!
Vejamos alguns desenvolvimentos recentes:
  • As previsões dos principais indicadores, quer provenientes da troika quer de Gaspar, têm-se revelado totalmente falsas. É uma história que se repete e continuará a repetir-se. O défice do Orçamento de Estado (OE) de 2012, que em Janeiro e Fevereiro de 2013 juravam a pés juntos ser de 4,9%, é agora reconhecido que foi de 6,6%, ultrapassando substancialmente a fasquia dos 5%.
  • No início de Março a troika considerava impor novas medidas de austeridade (assunção pelo Estado de dívidas com as PPPs e com empresas públicas) que supostamente agravariam a dívida pública (DP) em 18%. O chumbo de certos artigos do OE pelo TC enfureceu Gaspar e a troika. Gaspar falou que tal deixaria um buraco de 1326 milhões de euros nas contas públicas. A troika veio exigir novas medidas para compensar o chumbo do TC. Gaspar não conseguiu inventar nada melhor que uma poupança de 800 milhões à custa de cortes em subsídios por desemprego e por doença! A febre direitista de Gaspar, a sua incompetência e insensibilidade são tão gritantes que um ex-assessor do ministro da Economia classificou-o de «psicopata social» (12/4), dizendo ainda «Cada dia que passa mostra que Vítor Gaspar é o ministro das Finanças mais arrogante e mais incompetente desde o reinado de D.Maria II», isto de mistura com críticas a António Borges e à banca.
  • Recordemos que o objectivo da austeridade era fazer baixar a dívida pública (DP). Na prática, o que é que a terapia da austeridade conseguiu fazer à DP? Apenas isto: o seu aumento que já está perto dos 120% (estima-se que em 2013 suba a 123,6%) em vez dos 108% de 2012 e dos 83,7% quando a troika impôs o seu acordo de resgate!!! E enquanto sobe a DP, sobe o desemprego e desce o PIB. Como dizia o jornal New York Times (15/4) o «Remédio da austeridade está matar o doente europeu». Numa parte dedicada exclusivamente a Portugal, o jornal escreve que «os economistas dizem que Portugal vai provavelmente ter um défice orçamental, este ano, maior que o acordado (com a troika) (...) porque as políticas nacionais, sem surpresa, causaram uma recessão mais profunda que o previsto». Note-se o «sem surpresa». Parece que surpreendido só está Gaspar.
  • Um artigo de Mark Thoma publicado no Economist's View (8/4) refere: «[…]o artigo do Financial Times cita o jornal português Público onde diz “Portugal entrou num ciclo de recessão. As pessoas não têm razão para acreditar que o futuro será melhor. O programa [de ajuste com a troika] falhou e tem de mudar». Será isto surpreendente? De forma nenhuma... Pode alguém que não esteja cego por fé ideológica em contracções fiscais acreditar que a austeridade não é um tiro no pé? E contudo, tivemos a oportunidade de ler o relatório da Comissão Europeia sobre Portugal [a propósito da decisão do TC]: […] ameaça cortar fundos se o governo português não segue as suas prescrições […]; recomenda que não deve ter lugar uma discussão democrática […]. Isto ultrapassou tudo que eu imaginaria. Fui ver se o dia das mentiras não tinha sido movido para 7 de Abril. Isto está a passar-se na realidade e não precisa de mais comentários…»
  • O FMI mantém uma postura de cinismo despudorado, com Abebe Selassie (4 de Abril) a mostrar-se desapontado pelo facto dos preços da electricidade e das telecomunicações não terem descido… Também disseram que as metas orçamentais para 2013 foram revistas para não causar recessão. Inicialmente, a meta do défice de 2012 era de 4,5% e passou a 5% (de facto ficou em 6,6%), e a de 2013, de 3%, passou a 4,5%. Agora, o novo objectivo do défice para 2013 é de 5,5%, o de 2014 é de 4% e só em 2015 é que o défice deverá cair abaixo dos 3%, ficando nos 2,5% do PIB. Alguém se acredita nisto, sabendo que Portugal foi o país periférico onde as previsões do défice mais falharam? Entretanto, foi já reconhecido que as novas metas do défice agravaram as necessidades de financiamento em 4700 milhões de euros; isto é, continuaremos a assistir à destruição do sector produtivo de que um exemplo recente é o fecho dos estaleiros de Viana.
  • Entretanto, soube-se recentemente que o fundamento «científico» da austeridade de científico não tinha nada; os neoliberais que o inventaram nem contas numa folha Excel souberam fazer. Voltaremos noutra altura a este assunto. Registe-se também o «alerta da troika» (13/4) de que a «dívida de Portugal é detida sobretudo por especuladores». Mas estes indivíduos são parvos ou quê? É evidente que a dívida portuguesa, tal como a grega e outras é detida em grande parte por especuladores. Há alguma novidade nisto? Aliás, desde há muito que bancos «respeitáveis» da UE se dedicam à especulação financeira. O BCE sabe disso e todos os bancos centrais sabem disso. Onde está a surpresa? É evidente que a arte de vender gato (papeis praticamente sem valor ou mesmo sem valor) por lebre (como se tivessem valor) está nas mãos de corporações de especuladores licenciados em vigarices e respaldados por governos de direita. Certamente não será o leitor anónimo que vai comprar títulos de dívida portuguesa. Disse também o FMI (Christine Lagarde) que a zona euro «deve limpar sistema financeiro e fechar bancos "onde necessário"». Deram-se agora conta que nem com muitos anos de resgates conseguem salvar os banqueiros especuladores mais comprometidos com activos tóxicos e com fraudes.
  • Mas a febre da especulação, característica de um sistema sócio-económico podre (vem-nos à cabeça a França de Luís XV, de feudalismo decadente, entregue às famosas especulações financeiras do vigarista John Law), já não se cinge às corporações financeiras. Soube-se agora que as empresas de transportes de Lisboa e Porto se dedicaram a esse jogo com o objectivo de varrer as dívidas para baixo do tapete. Obtiveram empréstimos da banca baseados em derivativos (no caso, "swaps"). Em termos simples é isto: apostaram com a banca que a bola da roleta cairia no vermelho e nesse caso tapariam parte da dívida; como a bola caiu no preto não só não taparam a dívida como sofreram um elevado prejuízo. Resultado: estão agora com um rombo de 3 biliões de euros que se espera que eu e o leitor iremos pagar!!! Eu e o leitor, não os culpados, envolvidos na operação: gestores das empresas públicas dos transportes e gestores bancários.
  • A balela da política de austeridade é tão gritantemente errada que começam a levantar-se vozes dos sectores de direita contra ela. Kenneth Rogoff, Professor da Universidade de Harvard disse: «Espera-vos 15 anos de estagnação se não houver perdão da dívida»; há quem diga que serão muito mais que 15 anos. O próprio Mário Soares acha agora que devíamos fazer como em tempos fez a Argentina: pura e simplesmente não pagar a dívida (lá ficariam os papeis de títulos de dívida sem valor). Na entrevista à Antena 1, Mário Soares defendeu como imperativo a mudança de Governo e o fim da austeridade. Disse ainda: «Com essa ânsia de se ser útil à senhora Merkel, estão a estragar o país e a vender tudo. Em dois anos, este Governo destruiu quase tudo em Portugal». Só que o agora de esquerda Mário esquece a quota-parte que teve na destruição de Portugal, com a entrega ao desbarato de empresas públicas ao capital privado enquanto esteve no poder e, mais recentemente, o incitamento que deu a Sócrates de entrar num resgate com a troika.
  • Com muitas vozes no Eurogrupo cépticas quanto à política de austeridade, acabou por ser concedido a Portugal um prazo de 7 anos para pagar a dívida. Como muito bem disse Jerónimo de Sousa (13/4) «Significa um adiamento da renegociação da dívida, uma dívida que se vai manter latente, porque eles permitiram um alargamento do prazo, mas isto significa que os credores vão receber mais dinheiro em juros [ênfase nossa], porque os anos se estendem, os juros aumentam, ficam sempre a ganhar». Considerou ainda «uma vergonha» que a moratória «ainda vá precisar do selo do Bundestag [o parlamento alemão] para autorização». Também o ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Paulo Portas, foi alvo do líder comunista, que considerou e muito bem um «ultraje» o governante ter alegadamente admitido que Portugal vive hoje em regime de protectorado. «O tal patriota, nacionalista, que andava sempre com a bandeira da independência na mão é o mesmo que diz que já vivemos sob protectorado. Com dirigentes destes bem podemos dizer que a manter-se esta situação ainda os Filipes estavam cá, ou os seus descendentes, a mandar em Portugal».
·         Entretanto, continua o regabofe na banca (lucros chorudos -- aumentos de capital dos bancos rendem até 100% --, vencimentos milionários de gestores, cartelização que está a ser alvo de uma investigação da Autoridade de Concorrência, etc.), o desemprego e a pobreza aumentam e os salários baixam. Portugal foi o país do euro que mais destruiu empregos no quarto trimestre de 2012 e aquele em que se verificou uma das maiores descidas do custo de mão-de-obra.
 

A direita europeia segue em frente. Hollande, perante Merkel, é, como era de esperar, mais uma demonstração do direitismo PSista. A própria constituição europeia pode ser violada, como no caso de Chipre em que se deu o amén para sacar dinheiro directamente das contas dos contribuintes. Tudo serve para «recapitalizar» os bancos. Merkel acha mesmo que o que é preciso para resolver os problemas da Europa é acabar com os salários mínimos. Resolver, portanto, os problemas do grande capital, não os problemas dos trabalhadores.
E como a própria direita europeia se sente livre de violar a constituição europeia não é de admirar que a direita portuguesa procure também alijar a constituição (João Jardim) ou pelo menos «reformar» o Estado (Passos Coelho). É que esta coisa da democracia é um luxo que a burguesia só concede quando ainda dispõe de umas migalhas para manter os pobres quietos. Logo que as migalhas se acabam os pobres tornam-se «subversivos» e está na altura de apertar a tarraxa, sem contemplações por constituições. Como dizia um reaccionário francês em apertos semelhantes (Odilon Barrot), «a legalidade mata-nos». Em hora de apertos, em que o que se necessita é de sacar à bruta rendimentos ao povo, toca, portanto, a alijar os fundamentos legalistas da democracia burguesa. É esta a via actual que a direita portuguesa (e de outros países) está a explorar.

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Livro sobre o Fim da URSS

Livros de qualidade sobre o colapso da URSS e o início da nova Rússia não são fáceis de encontrar. Divulgamos aqui uma análise de um bom livro sobre o assunto, da autoria de Carlos Marques, publicada pela «socialist economics» e vertida por nós para português.
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«"O Fim da URSS e a Nova Rússia", análise de um livro de Angelo Segrillo»
«Acabei de ler um livro que achei de grande interesse e recomendo a quem quer que busque compreender as causas e o processo que levaram ao fim da União Soviética ¾ tema de inegável e incontornável interesse para qualquer socialista ¾, bem como os processos políticos e económicos que tiveram lugar na Rússia nos anos noventa.
Trata-se de um pequeno livro de 152 páginas dividido em 7 capítulos e 3 apêndices que é de leitura informativa e compulsiva, e me tomou mais tempo a acabar do que inicialmente supunha. A informação, apesar de sumariada, é apresentada com profundidade, focando os aspectos políticos e económicos.
O autor é Angelo Segrillo, um Professor de História da USP (Universidade de São Paulo, Brasil), que foi o primeiro Brasileiro a estudar a moderna história da URSS e da Rússia baseando os seus estudos em documentos disponibilizados por arquivos russos. No âmbito de um curso de mestrado que levou a cabo no Instituto Pushkin de Moscovo, durante 1989-1992, teve a possibilidade de testemunhar em primeira mão os eventos que tiveram lugar nesses anos fatídicos. Mais tarde voltou à Rússia em 1997-1998 para completar os seus estudos de doutoramento, com base nos quais publicou um livro (“O declínio da União Soviética – Um estudo das causas” Record Ed., 2000).
O livro, cujo título é “O fim da URSS e a nova Rússia – de Gorbachev ao pós-Yeltsin” (Vozes Ed., 2000), contém muita informação valiosa para a compreensão do processo de restauração do capitalismo na Rússia, bem como sobre as políticas desastrosas e criminosas que levaram à nova Rússia. O livro concentra-se na apresentação de factos e dados, sob forma sumariada, sem muitos comentários pessoais do autor, o que o torna um documento objectivo e rigoroso.
Eis uma breve descrição dos capítulos:
1.       “As origens históricas da Perestroika”– aborda de forma compacta os problemas económicos que emergiram da época estganante de Brejnev e as dificuldades da URSS em acompanhar a revolução científica e tecnológica que teve lugar no Ocidente (computadores, robótica, tecnologias da informação, etc.);
2.       “As diferentes fases da perestroika” – aborda as quatro fases principais que acabaram por levar à restauração do capitalismo e ao fim da URSS, como se segue: 1) A fase de descentralização socialista (1985-1987); 2) A fase de transição (1988); 3) A fase de economia de mercado (1989-1990); 4) A fase de desintegração da URSS e restauração completa do capitalismo (1990-1991).
3.       “Os problemas étnico-nacionais da URSS” – aborda as tensões étnicas e nacionalistas criadas pelas políticas implementadas e pela crise económica que emergiu delas.
4.       “A nova Russia” – aborda uma multiplicidade de tópicos do período de 1992 a 1999, descrevendo as condições em que se encontrou a Rússia após a desintegração da URSS, os mentores dos planos económicos de Yeltsin, a fraude e roubo da propriedade pública pela privatização, as políticas de Yeltsin e dos oligarcas mafiosos que tomaram o poder, a confrontação de 1993 que demonstrou o carácter de ditadura burguesa do novo regime, a guerra da Chechénia, a vitória do Partido Comunista da Federação Russa nas eleições de 1995, as eleições presidenciais de 1996, uma descrição concisa dos oligarcas e da sua intriga anticomunista, a crise de 1998 e as medidas de Primakov, a enorme corrupção de Yeltsin e do seu gang de oligarcas.
5.       “O movimento comunista na Rússia pós-Soviética” – descreve os partidos comunistas que se formaram por desintegração do PC da URSS na Rússia pós soviética.
6.       “O cenário politico na Rússia às vésperas do século XXI” – relata eventos políticos a partir de 1999 e a chegada ao poder de Putin como presidente.
7.       “Palavras finais” – Conclusões e considerações finais do autor.
Na minha opinião o livro mostra claramente a culpa de Gorbachev e dos indivíduos que ele escolheu para o Politburo na restauração do capitalismo e desintegração da URSS, pondo um fim a mais de setenta anos de existência do primeiro Estado socialista (não, não me estou a esquecer da Comuna de Paris, mas apenas a referir a URSS como primeiro Estado socialista dada a vigência efémera da Comuna de Paris e as suas contradições e inacabamento do processo revolucionário, de que a não nacionalização dos bancos é um exemplo).
Este livro em conjunto com outros dois (que ainda não li mas tenciono em breve fazê-lo) “Socialism betrayed: behind the collapse of the Soviet Union” de Roger Keeran e Thomas Kenny e “The contradictions of real socialism – the conductor and the conducted” de Michael A. Lebowitz deverão proporcionar uma visão ampla do assunto, dissipando as falácias da perestroika, os problemas que minaram a construção da sociedade socialista, a natureza insidiosa do capitalismo e a desinformação (e ocultação de factos) produzida pela imprensa burguesa.
Conforme acima mencionado este é um livro muito informativo, cheio de informação preciosa (que tem sido frequentemente esquecida ou mal interpretada) e de fácil leitura.
Carlos Marques»

sexta-feira, 12 de abril de 2013

O Acordo Ortográfico e Outras Indignidades


A história das sociedades classistas tem sido pródiga em exemplos de submissão-aliança da classe dominante dos países oprimidos aos ditames da mesma classe de países opressores. Submissão-aliança cujo objectivo é a exploração conjunta, «aliada», das classes expoliadas dos países oprimidos.
Na história actual dos países capitalistas tal fenómeno -- submissão da classe capitalista, a burguesia, dos países oprimidos, aos ditames da burguesia de países opressores – é sistemático. É uma lei. Entendemos aqui oprimido e opressor num sentido lato, que poderá não envolver um domínio directo, administrativo e militar, do país oprimido por parte do país opressor, como acontece na dominação colonial. O país oprimido pode simplesmente ser um país política e economicamente fraco, coagido por relações desfavoráveis de comércio internacional ou por constangimentos e ditames políticos e económicos impostos por um ou mais países «fortes» no quadro da divisão de trabalho imposta pelo capitalismo a nível regional e mundial. É o que acontece com Portugal no âmbito da União Europeia (UE), dominado por ditames políticos e económicos que servem fundamentalmente os interesses do «eixo» Alemanha-França (com hegemonia da Alemanha) apadrinhado pelos EUA.
A burguesia portuguesa, continuando a sua tradição de dependência/obediência ao capitalismo estrangeiro, está submissa, e de forma geral contente e grata, aos ditames da «aliança» que, no âmbito da UE, estabeleceu com a burguesia do «eixo» (e de outros países da UE). Tal «aliança» constitui, no fundo, um compromisso com as burguesias do «eixo», voltado para a manutenção de determinados padrões de exploração das classes trabalhadoras. Por vezes, tal compromisso é larvar; outras vezes, e em particular em tempos de crise, tal compromisso desabrocha de forma drástica em toda a sua plenitude: é o que acontece presentemente com a submissão da grande burguesia portuguesa aos ditames da Troika. Dissemos acima «de forma geral», porque se o fenómeno é claro no que concerne a grande burguesia, principalmente a do sector financeiro, podem observar-se excepções no que concerne a pequena burguesia (por exemplo a de algumas PMEs que produzem exclusivamente para o mercado nacional). 
O objectivo deste artigo não é, porém, analisar como se traduz nos planos político e económico a referida submissão-«aliança» no caso de Portugal. (Exemplos de dominação económica foram já analisados em artigos anteriores.) Vamos tão somente chamar a atenção para um fenómeno menos analisado: a aculturação que os países oprimidos sofrem por intervenção da respectiva burguesia, que tudo faz para faciltar, ao nível das consciências, a aceitação da «aliança», através da importação de formas e modas culturais exógenas. Em Portugal o fenómeno não se limita apenas às «influências» provenientes de países directamente opressores; extravasou para outros países cujo potencial económico e político pode trazer benefícios à burguesia, como o Brasil e Angola.
Para a grande burguesia a «dignidade nacional» começa e termina nas portas das sua mansões e é avaliada pelo número de dígitos das suas contas bancárias. A aculturação das massas, a perda de dignidade do povo, é-lhe irrelevante.
A aculturação em Portugal teve a sua primeira manifestação pós 25 de Abril logo a seguir à adesão à CEE (antepassada da UE) pela mão do PS. De repente ficámos a saber que era um grosseiro disparate escrever as datas em formato numérico como sempre se tinha escrito, de acordo com a nossa língua-mãe. Fomos informados que em toda a documentação, mesmo a de âmbito puramente nacional, «6 de Maio de 1980», por exemplo, que sempre tínhamos escrito como 6/5/1980, se passava a escrever 1980/05/06; mesmo que isso desse lugar a erros constantes de interpretação, no caso do exemplo lendo à portuguesa «1980, 5 de Junho». «Mas porque diabo hão-de os portugueses ler á portuguesa?», perguntariam provavelmente as sumidades governativas. Por isso mesmo, logo nas escolas primárias se ensinavam as crianças a escrever segundo a nova moda, porque «de pequenino é que se torce o pepino»... a favor do grande capital. Quando o cidadão comum procurava inquirir sobre as razões de tão estranha moda recebia as mais desencontradas e misteriosas justificações. De facto, a justificação era muito simples: a conformação à escrita à inglesa («1980, May 6») usada na documentação da CEE (actual Norma ISO 8601). Como sempre os nossos ajudantes do grande capital, «mais papistas que o Papa», trataram de consolidar a nova moda mesmo na documentação interna, de âmbito nacional. E, «por causa das coisas» impuseram logo o ensino da moda às crianças, não fossem elas crescer escrevendo puramente à portuguesa sem o devido respeitinho pelas normas da «Europa». É que para muitos dos senhores da direita que nos têm governado isto de ser português... enfim, é aceitável, mas ser da Europa do grande capital é muito melhor.
A seguir á questão da data, outras imposições da UE a práticas portuguesas foram chegando: proibição do consumo de petinga e leitão, proibição da arte chávega da pesca, moda de escrever á inglesa valores monetários (p. ex., € 200 em vez de 200 €), etc. Outras práticas foram adoptadas de motu proprio, como o passar por alto a descrição das lutas populares no ensino da História de Portugal (crise de 1385 e outros eventos), e a importação da festividade do Haloween proveniente dos EUA. Então não se está mesmo a ver que o Haloween faltava à cultura portuguesa?
A última manifestação de aculturação corresponde ao «acordo ortográfico». Deu-se como justificação do «acordo» facilitar a comunicação entre os países da CPLP. Contudo, as dificuldades que se levanta(ra)m entre esses países nunca foram e são de comunicação; são de outra índole: pagamento de dívidas, falta de aplicação de articulados de acordos, etc. Não é por diferenças ortográficas que subsistem problemas entre certos países da CPLP! Em  Portugal foi avançada a explicação de que com o «acordo» o mercado das nossas editoriais iria expandir-se para o Brasil. Enumeremos, entretanto, certos factos essenciais da questão:
1.º: O «acordo» representou uma grave perda de correspondência entre a ortografia e a fonética do português de Portugal (bem como perda de correspondência com a etimologia). Em vez de uma regra com poucas excepções, passámos a ter nenhuma regra. Um de inúmeros exemplos gritantes é a palavra «espetador», versão do «acordo» para «espectador»; isto é, aquele que assiste a um espectáculo passa a ser entendido como um manejador de espeto. A aculturação imposta pelo «acordo» é evidente e tem motivado muitos escritores portugueses a não seguirem o «acordo».
2.º: Apesar do «acordo» subsiste um enormíssimo «desacordo» ortográfico entre o português de Portugal e do Brasil.
3.º: As diferenças ortográficas entre o português de Portugal e do Brasil são, digamos, a ponta do iceberg. Muito maiores – enormes -- são as diferenças de léxico e de sintaxe! Na expressão oral são também substanciais as diferenças de pronúncia que não têm nada a ver com a ortografia.
No Brasil, onde nos encontramos neste momento, o desconhecimento do «acordo» parece ser total. Em Portugal – como sempre, «mais papistas que o Papa» -- martelam-nos constantemente a cabeça com o «acordo» como se isso fosse um motivo de orgulho para o povo português. Quanto á ideia do mercado livreiro, informamos que não conseguimos encontrar um único livro escrito em português de Portugal em 3 grandes livrarias da cidade brasileira onde nos encontramos presentemente. Os (poucos) livros de autores portugueses que encontrámos eram todos de casas editoriais brasileiras. Encontrámos também livros da editora Leya mas confeccionados no Brasil, escritos em português do Brasil. Se é que serve para alguma coisa o «acordo» irá servir não Portugal, mas sim o Brasil a entrar no mercado livreiro das ex-colónias de Portugal e talvez também no português.
Enfim, uma pesada machadada na cultura portuguesa, injustificada mesmo pela óptica dos interesses imediatos dos capitalistas, e só possível porque o sentido crítico e de dignidade da intelectualidade portuguesa anda por níveis baixíssimos.
A aculturação serve os interesses do Capital por várias razões: contribui para baixar o sentido de auto-estima; estimula o conformismo e a perda de sentido crítico; remete pra segundo plano a identidade própria e o sentido unitário de luta por intereses próprios, a troco de uma «cultura» cosmopolitista que favorece a penetração da ideologia capitalista e imperialista.
No passado, a burguesia quando se arvorava como defensora da cultura nacional, fazia-o num sentido chauvinista, procurando atrelar os trabalhadores a um «pacto nacional» de cariz mais ou menos fascistóide. Actualmente a burguesia prefere jogar a carta do cosmopolitismo, do «modernismo», usando-a para justificar e tornar aceitáveis os valores culturais imperialistas. É do interesse dos trabalhadores não se deixarem aculturar numa massa amorfa, susceptível a todas as influências externas, submissa a todas as indignidades, mas, pelo contrário, defenderem valores identitários próprios, unidos na luta contra quaisquer ditames, culturais ou outros, do capital internacional.