domingo, 17 de março de 2013

«Que se lixe a Troika!»… E NÃO SÓ!

O movimento «Que se lixe a Troika!» tem vindo a dinamizar a mobilização popular contra as políticas de austeridade impostas pela Troika. E com assinalável sucesso, a avaliar pela grande afluência nas manifestações que convocaram. Bem maior do que nas manifestações convocadas pela CGTP.
Já referimos, em artigo anterior, que o «apartidarismo» do movimento «Que se lixe a Troika!» tem consequências. A mais grave é a do baixo nível de esclarecimento e até da confusão que deixa reinar nas cabeças dos manifestantes. São exemplos disso, os seguintes: a) a ideia de que «os políticos são todos os mesmos» ¾ uma frase curiosamente repetida até à exaustão precisamente por aqueles que sempre votaram nos mesmos políticos, pelo que a frase deverá ser efectivamente lida como círculo vicioso: «os mesmos políticos são todos os mesmos»; b) a ideia de que poderá existir um «poder popular» acima dos interesses de classe, um poder que prescinda dos partidos ¾ no fundo, trata-se da velha e comum falta de compreensão de que os partidos existem precisamente porque representam os interesses de determinadas classes e estratos sociais, instalados nos seus quadros dirigentes (não estamos aqui a referir-nos aos votantes); c) a ideia de que um movimento espontaneísta de «todo o povo», fraternalmente unido (o velho ideário pequeno-burguês), pode opor-se como um todo à Troika; d) finalmente, a ideia de que o principal mal é o de fora, o principal mal é da Troika.
Diz-se «Que se lixe a Troika!». Não se diz «Que se lixe a Troika e quem os ajuda!» ou mais claramente «Que se lixe a Troika e PS, PSD e CDS!». Esta última formulação desfaria claramente as confusões acima indicadas. Claramente denunciaria que o mal não é só dos troikanos de fora. O mal principal é, de facto, dos troikanos de dentro. E mais: se vencermos os troikanos de dentro os de fora também serão vencidos, mas o contrário não é verdadeiro. Nesta medida, a palavra de ordem «Que se lixe a Troika!» é, lamentavelmente, extremamente redutora e causadora de confusões:
Os verdadeiros culpados da miserável situação em que está mergulhado o país, da destruição de Portugal, da exploração brutal do povo trabalhador português, não estão lá fora. Estão cá dentro: foram (e são) os quadros dirigentes e governamentais do PS, PPD/PSD e CDS. Todos eles ao serviço do grande Capital, nomeadamente do capital improdutivo do sector bancário.
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As políticas impostas pela Troika são as políticas desejadas pelos banqueiros. Pelos nossos banqueiros também. Já demonstrámos isso várias vezes com factos e números em artigos anteriores. Efectivamente a nossa demonstração é apenas uma de milhentas patrocinadas por economistas de diversas escolas, keynesianas e marxistas. E até mesmo por alguns economistas convencionais (neoclássicos, mas não neoliberais).
A política de austeridade da Troika é simplesmente isto: uma máquina de extorsão de dinheiro das camadas trabalhadoras para tapar os furos ¾ através dos «resgates» ¾ criados pelas operações fraudulentas da banca (alicerçadas em «bolhas de crédito fácil e de despesismo público) para que banqueiros, gestores e seus homens de mão continuem ricos e habilitados a prosseguir nas mesmas operações fraudulentas. Precisamente aquelas operações que, no actual capitalismo financeirizado, conferem lucros elevados aos grandes investidores (lucros expressos em capital fictício, a pagar no futuro pelo Zé-pagode). Aquelas operações que motivaram os resgates do BPN, BCP, CGD e BANIF, cujas causas e escândalos associados só a pouco e pouco vão sendo do domínio público. Tudo porque afinal BPN, BCP, CGD e BANIF sempre tinham «activos tóxicos», embora Teixeira dos Santos, ministro das finanças do governo PS dissesse em Novembro de 2009 que não. Embora o jesuítico Vítor Constâncio, figura de proa também do PS, enquanto administrador do Banco de Portugal, também não tivesse sabido de nada.
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A nosso ver, pelo menos duas conclusões se impõem:
- Continuar a gritar «Que se lixe a Troika!» não incomoda minimamente os nossos troikanos de dentro. Nada, absolutamente nada. Muito pelo contrário. Sorriem-se beatificamente, porque enquanto os «papalvos» gritam «Que se lixe a Troika!» atirando com as culpas «para fora» continuarão eles a mandar. E até podem dizer que a culpa é da Troika e não deles. Vítor Gaspar já veio dizer que o problema da dívida pública irá até 2040 e que ele não tinha previsto que a recessão ia ser tão grave e trazer tanto desemprego. Enfim, falta de previsão… Em 2040 provavelmente já não haverá Troika; nessa altura é muito possível que Gaspar diga que, coitado (!), além de não conseguir prever o que se ia passar a Troika bem o lixou estragando-lhe as previsões!
- É necessário construir de raiz um novo movimento de esquerda, marxista, que ultrapasse todos os desvirtuamentos dos partidos que se reclamam do marxismo, incluindo os desvirtuamento dos partidos comunistas responsáveis pelas aberrações que tiveram lugar na URSS e na China (e noutros lugares). Aberrações que são a causa principal, a causa fundamental, do descrédito em que caiu a ideia do socialismo entre os próprios trabalhadores. A causa, afinal, pela qual até esta nojeira de capitalismo que temos continua largamente popular, mesmo entre os trabalhadores, e ainda iremos aturar mais do mesmo.
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Quanto a este último aspecto vale a pena olhar para os resultados de um inquérito, conduzido recentemente pela Universidade Católica (UC), acerca das intenções de voto nos partidos, comparando com os resultados de inquérito idêntico realizado no passado Setembro. Os resultados foram (com a comparação entre parêntesis): PS 31% (=), PSD 28% (+4%), CDU 12% (-1%), BE 8% (-3%), CDS 5% (-2%). Isto é, apesar de todas as manifestações, apesar de todos os descontentamentos com a Troika, o PSD melhora a sua posição (cresce 4% nas intenções de voto face a Setembro) enquanto a esquerda, CDU e BE perdem (!) nas intenções de voto. Pode-se argumentar, como muita vez se faz, que os resultados são apenas estimativas. É certo. Contudo, a UC tem já reconhecida experiência na condução de trabalhos estatísticos deste género e os resultados passados têm andado próximo da verdade. O argumento, portanto, não colhe; a não ser para os que preferem continuar a assobiar para o lado.
Que se passa à esquerda? O BE, tal como previmos há bastante tempo, continua todo entretido no seu namoro ao PS: «foi dado um passo importante» disse João Semedo a propósito da carta de António Seguro à Troika (19/2); «O BE não fecha as portas à esquerda», a propósito da carta do PS a convidar para aliança na eleição autárquica do Porto (13/3). Isto é, o BE não tem dúvidas que o PS é de esquerda, logo não lhe fecha as portas! Um ridículo espantoso!!! Como se fosse o BE a abrir as portas ao PS; a conferir-lhe a bênção de esquerda, a ungir o PS com os santos óleos. E o PS, ungido pelo BE, assim seguirá avante pela estrada da redenção de esquerda.
O PCP continua a alternar sinais contraditórios (entremeados com posições não marxistas na análise de situações internacionais; ver, por exemplo, o que dissemos nos artigos sobre «A Primavera Árabe»). Tanto toma posições que nos parecem inteiramente correctas, como a da rejeição do convite do PS respondendo, com todo o acerto, de que se tratava de uma proposta para o PCP fazer de muleta ao PS e de «calculismo eleitoral em busca de capitalizarem em Outubro aquilo que deveriam fazer hoje [apresentar moção de censura ao Governo]», como defende em panfletos distribuídos na rua medidas comezinhas, do género das que até a direita defende, como preços controlados e aumentos de salários e pensões. No quadro do nosso actual sistema capitalista (e é nesse que o PCP advoga tais medidas) controlo de preços (de facto, congelamento ou fixação de máximos) e aumentos salários e pensões não passam de boas intenções. Pela simples razão de que o sector produtivo capitalista não consegue suportar tais medidas. E não consegue porque está debilitado, parcialmente liquidado e nas mãos de estrangeiros. E continuará assim porque a banca não está a conceder empréstimos ao sector produtivo, conforme se queixam desde há muito as PMEs. A banca e investidores financeiros estão mais interessados em continuar nos jogos de casino. Portanto, as «12 medidas imediatas contra a exploração e o empobrecimento» advogadas pelo PCP, no quadro do actual sistema capitalista, não passam de boas intenções. Voltamos sempre ao problema crucial e fulcral da banca. Sem uma banca nacionalizada ao serviço do «povo» as «12 medidas» não irão ser implementadas porque tal é impossível; isto sem prejuízo de uma ou outra migalha poder passar. Ora, o PCP não fez ainda uma única afirmação clara sobre o sector bancário. Apesar de ter quadros que entendem do assunto, como o bem conhecido ex-deputado Octávio Teixeira.
Na esquerda não parlamentar o MAS tem surgido com boas apreciações da situação política, interna e externa. O seu manifesto contém, contudo, gritantes incorrecções históricas no que se refere ao papel do PCP durante a revolução do 25 de Abril, denunciando além de falta de rigor um sectarismo «anti-estalinista» muito próprio dos partidos trotskistas, do género: tudo que os «estalinistas» (com um entendimento demasiado lato de «estalinista») dizem, disseram ou fizeram está errado. A nosso ver o MAS pode trazer uma contribuição útil à esquerda necessária, nomeadamente se não cair no esquematismo e dogmatismo, se não cair no endeusamento da figura de Trotsky considerando-o como o detentor de toda a verdade e só a verdade (ver nosso artigo «A Teoria de Tudo e a Última Verdade»). Esperemos também que o MAS consiga legalizar-se como partido, ultrapassando a prepotência do Tribunal Constitucional bem denunciada pelo bastonário da Ordem dos Advogados Marinho Pinto (ver o JN ou o portal do MAS).
Quanto ao PCTP/MRPP lá continua carregando às costas com Estaline e Mao Tsé-Tung. Carregando também com o ex-Secretário Geral Arnaldo Matos, «grande educador do povo» e um dos primeiros a felicitar Ramalho Eanes pelo 25 de Novembro de 1975, apelando nessa altura a que se aproveitasse a ocasião para liquidar o PCP; fisicamente. De grupelho provocatório e tropa de choque contra militantes do PCP e de outros partidos de esquerda (para grande gáudio da burguesia) passou a tocar uma partitura mais suave com Garcia Pereira. Mas as aberrações Estaline e Mao continuam a dar o tom a este partido de verborreia de esquerda, meio trauliteiro e visceralmente anti-marxista.
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Em suma, o que se passa à esquerda permite que a direita continue a sorrir-se beatificamente sob os gritos de «Que se lixe a Troika!», com Marcelo Rebelo de Sousa a representar chocarreiramente o seu papel de iluminado politólogo de serviço. Até quando?

terça-feira, 12 de março de 2013

A Primavera Árabe. Parte IV (Síria)

IV – Das Revoluções à Actualidade
(Ver Preâmbulo da Parte IV no artigo «A Primavera Árabe. Parte IV (Preâmbulo, Tunísia))

Síria
A revolução síria ¾ contra a ditadura oligárquica dos Assad, em defesa de um regime democrático, liberdades elementares e melhores condições de vida para os trabalhadores e largas camadas desprezadas e pauperizadas da população (como certas tribos e etnias; por exemplo, os curdos) ¾ desenvolveu-se em condições extremamente complexas, dado que, para além dos antagonismos de classe, tiveram grande influência as rivalidades tribais, inter-étnicas e inter-religiosas. A brutalidade repressiva do regime, representando o poder da minoria oligárquica e seus clientes ¾ a burguesia cliente do clã al-Assad, com seus fiéis alauítas e associados tribais ¾, levou rapidamente a uma guerra civil, imposta pela minoria opressora para esmagar a revolução. Uma guerra imposta pelo regime e indesejada pela oposição.
Inicialmente, tal como na Líbia, o imperialismo ianque (e seus apaniguados europeus) ficou algo hesitante sobre o rumo a seguir. A aproximação recente de Bashar ao imperialismo, a consolidação do capitalismo neoliberal na Síria com a instalação de corporações ocidentais de exploração do gás e petróleo, eram trunfos importantes do imperialismo; o que viesse a surgir de uma revolução, uma incógnita. A Rússia não teve hesitações: a posse da base naval de Tartus no mediterrâneo, de grande importância estratégica, não dava lugar a hesitações no que dizia respeito a apoiar al-Assad e seus amigos. A posição da China de apoio ao regime é explicável, para além dos interesses da China no gás e petróleo sírios (referidos na Parte III), pelo ambicioso programa de ajuda chinesa à Síria no desenvolvimento de mísseis balísticos.
Vejamos, então, de forma simplificada, como se desenvolveu a revolução síria ([1]).
Primeiros Incidentes (26 de Janeiro de 2011 a 13 de Março de 2011)
Em 26/1/2011 imola-se pelo fogo Hasan Hakleh em «protesto contra o governo sírio», tal como Bouazizi tinha feito na Tunísia. Seguem-se outros protestos espontâneos, dispersos pelo país. Por vezes estes protestos revelam o transbordar da indignação popular, por motivos que até aí eram suportados em silêncio. Tal foi o caso em 17/2, quando o espancamento de um lojista pela polícia leva a um bloqueamento de estrada por centenas de manifestantes aos gritos de «O povo sírio não será humilhado» ([2]). Em 6/3 vários rapazes de Deraa são presos por terem escrito nas paredes «O povo quer derrubar o regime». Alguns protestos eram de solidariedade com a luta anti-Kadafi ([3]). Em 10/3 e 11/3 iniciam-se greves da fome de presos políticos. O regime conteve facilmente e de forma moderada estes protestos. Agências noticiosas internacionais, em particular as ligadas ao imperialismo, perante este panorama, concluem pela estabilidade do regime. Era fechar os olhos ao vulcão vendo apenas pequenas fumarolas.
Primeiras manifestações (15 de Março de 2011 a 25 de Março de 2011)
Neste período as manifestações são principalmente participadas por jovens desempregados, estudantes, membros de tribos em números moderados: centenas a poucos milhares, sob o lema de «fim ao estado de emergência, direitos civis, reformas políticas». Deve-se ter em conta que na Síria vigorava o estado de emergência desde 1963 (!), estando proibidas manifestações, greves, associações, etc. Qualquer manifestação era considerada um acto ilegal de desafio ao regime e severamente punida. Inicialmente as manifestações surgem espontaneamente, por contactos entre pessoas, em particular pela Internet; não existe qualquer tipo de organização por grupos ou partidos.
A 15/3 têm lugar as primeiras manifestações em várias cidades: al-Hasakah, Deraa, Deir ez-Zor (Dayr az-Zawar), e Hama, todos importantes centros industriais, com excepção de Deraa. São feitas prisões e algumas manifestações são infiltradas por agentes de segurança gritando a sua lealdade a Bashar. O Ministro do Interior negou primeiro (16/3) que tivessem ocorrido manifestações; depois, admitiu-as dizendo que era apenas um grupo de pessoas a fazer desacatos no soukh de Damasco.
As manifestações sobem de tom a 18/3 («Sexta-feira da dignidade»). Depois das orações milhares de manifestantes inundam várias cidades clamando «Deus, Síria, Liberdade» e slogans contra o tremendo aumento do custo de vida e a corrupção. Tem lugar uma violenta repressão por parte das forças de segurança: nada de balas de borracha ou gás lacrimogéneo; foram logo usadas balas reais pelas forças de segurança apoiadas por helicópteros. Em Deraa, onde a oposição ao regime sempre tinha sido forte ([4]), os manifestante gritam contra Rami Makhlouf, o magnata da economia, primo de Bashar. A repressão é feita com tiros de helicóptero e tanques de água. Há vítimas mortais. Apesar disso as manifestações não abrandam em Deraa; pelo contrário, aumentam de tom, numa evidente demonstração de determinação e coragem popular. A 20/3 as instalações do B'ath e do Syriatel de Deraa são destruídas e sete polícias mortos. Algumas tribos sírias lançam um manifesto declarando-se a favor da revolução.
Os protestos, agora de dimensão apreciável, alastram a Banias, Homs e Hama. A repressão das forças de segurança continua e atinge o cúmulo no fim da tarde de 23/3 quando abrem fogo contra jovens desarmados que marchavam para Deraa. A 24/3, 20.000 manifestantes de Deraa (população: 80.000) juntam-se no cortejo fúnebre das vítimas (9): foram metralhados pela polícia; o número de vítimas sobe para 100. Incidentes de repressão policial com vítimas mortais (homens, mulheres e crianças) repetem-se até 25/3 em várias cidades ([5]). Há vários detidos (e nas prisões sírias a tortura é corrente). Uma figura importante do regime aparece na TV a dizer que a violência é devida a «agentes provocadores» que conspiravam contra o regime sírio. Quando interrogada sobre quem estava por trás da conspiração não conseguiu apontar nada nem ninguém. Entretanto, tentou deitar poeira nos olhos dizendo que iam ser formadas comissões para «estudar» os diferentes pedidos de reformas do povo sírio e que iria ser aumentada a função pública ([6]).
Comités de Coordenação Locais
Até esta altura as manifestações tinham sido convocadas por comités locais de jovens. Nos finais de Março estes comités organizaram-se num organismo (algo solto) chamado Comités de Coordenação Locais (CCL). Uma das figuras proeminentes do CCL é Suheir Atassi, filha de Jamal Atassi (ver artigo anterior), activista da oposição síria. O CCL apelava a acções pacíficas de protesto e de desobediência civil. Opõe-se a qualquer intervenção militar externa.

Cenoura e chicote (26 de Março de 2011 a 30 de Abril de 2011)
O regime começa a dar-se conta de que está em curso uma espiral de revolta que a repressão das forças de segurança não consegue travar. Adopta a velha táctica da cenoura e do chicote, entremeando acções repressivas de larga escala, agora envolvendo o exército apenas como ameaça, com concessões e promessas de concessões que dêem uma aparência de diálogo e respeitabilidade. Organiza também manifestações em seu apoio.
A 26/3 o regime liberta 200 presos políticos e os seus porta-vozes dizem que tudo não passa de agitação de gangues armados. A 27/3 um conselheiro presidencial diz que o estado de emergência irá terminar. A 29/3, centenas de milhares manifestam-se em apoio de Bashar em Damasco, Alepo, Hasaka, Homs, Hama e Tartus (a base naval russa, pois claro!). A 30/3 o presidente Bashar faz um discurso onde atribui as culpas da insurreição a «conspiradores estrangeiros» ([7]) e que iria ser estudada a questão do levantamento do estado de emergência ([7]). Os protestos continuam. O regime emite um decreto aumentando os salários da função pública (outra velha táctica). Decreta também que as sextas-feiras deixam de ser feriados (nos países muçulmanos as sextas-feiras são como os nossos Domingos), devendo escolas e fábricas trabalhar!; trata-se de impedir as manifestações que ocorriam tradicionalmente depois das orações das sextas-feiras.
As manifestações continuam nos dias seguintes, agora com slogans pedindo a demissão de Bashar e do governo. A 3 de Abril Bashar nomeia um novo primeiro-ministro e encarrega-o de formar governo. A 6/4 o regime faz algumas concessões aos sunitas e promete para breve a concessão de cidadania aos curdos. Estes tinham-se juntado aos protestos em 1/4, tal como membros da comunidade cristã.
Note-se que até esta altura a participação nas manifestações era principalmente de jovens oriundos das camadas mais empobrecidas dos trabalhadores, pequena burguesia, campesinato. Participar nas manifestações era sempre um acto de coragem que punha a vida em perigo. Entretanto, a própria brutalidade do regime veio a empurrar outras camadas da população, ainda hesitantes ou expectantes, a participar em acções tendentes ao seu derrube.
A 8/4 («Sexta-feira da resistência») têm lugar importantes manifestações em Deraa, Latakia, Homs, Damasco e outras cidades. A 11/4 manifestam-se os estudantes da Faculdade de Ciências da Universidade de Damasco; um estudante é espancado até à morte. A 12/4, tanques rodeiam um subúrbio de Baniyas, iniciando a presença cada vez maior do exército na contenção (ainda não na repressão) dos protestos. As mulheres começam a tomar um papel activo na revolução, como em Bayda onde 300 mulheres marcham pedindo a libertação de 350 homens.
A 16/4, Bashar discursa na Assembleia Popular dizendo «esperar» levantar o estado de emergência e que o governo tem de «ir de encontro às aspirações populares». Usa outras belas e inconsequentes palavras.
As manifestações continuaram e a repressão brutal também (cerca de 470 mortos até 18/4). A 19/4 a lei do estado de emergência é revogada. Pouca diferença faz. No mesmo dia os participantes de um funeral são alvejados pelas forças de segurança: 3 mortos. O tiroteio dura duas horas. A 26/4 dá-se uma repressão particularmente violenta em Homs: as forças de segurança matam e prendem muitos manifestantes, perseguem os feridos nos hospitais onde mataram e raptaram alguns. Chegaram a matar dadores de sangue! No dia 27, um grande número de forças de segurança apoiadas pelo exército entram em Deraa e desatam a atirar a matar contra pessoas que faziam as suas orações, bem como contra residências. Dão-se altercações entre as forças de segurança e forças do exército, com oficiais e recusarem ordens e a atirarem sobre as forças de segurança.
O cenário de repressão violenta continua até Maio. As novidades são: estudantes de várias Universidades juntam-se aos protestos; a classe operária dá mostras de entrar em acção, com os sindicatos do governorado de Deraa a cortar as suas ligações ao Ba'ath; o exército participa cada vez mais nas operações de repressão com tanques, helicópteros e franco-atiradores; surgem defecções (um oficial recusa participar na repressão de Deraa e 230 membros de Ba'ath saem do partido em protesto contra o uso da força); EUA e ONU mostram preocupação pela situação e o regime diz agora que está a enfrentar uma insurreição islamita (deixou cair a tese da conspiração estrangeira).
O Exército envolve-se abertamente na repressão (1 de Maio de 2011 a 30 de Junho de 2011)
Nos dias 1 e 2 de Maio de 2011 o exército participa pela primeira vez activamente (já não só em operações de contenção) na repressão brutal: os tanques bombardeiam as casas de Deraa e a população é obrigada a refugiar-se no Líbano. A repressão brutal é dirigida pelo irmão de Bashar, Maher Assad.
As intervenções com tanques sucedem-se em Homs e Al-Rastan (5/5). Em alguns casos os revoltosos enfrentam as forças da repressão e chegam a liquidar alguns militares, como em Homs num ataque a um posto de controlo do exército. As acções repressivas com o envolvimento de tanques desenrolam-se durante todo o mês de Maio. A 24 de Maio as vítimas mortais civis são já da ordem de 1000. A UE decide acções de embargo de armamento e sanções contra figuras do regime, mas não contra Basah al-Assad; o imperialismo ainda joga na carta Bashar pensando ser possível uma solução de compromisso. Há relatos de execuções de soldados que se recusam a cumprir ordens de oficiais. São queimadas sedes do Ba'ath, deitadas abaixo estátuas de Hafez e do chefe do Hezbollah (Hassan Nasrallah) subsidiado pela Síria e pelo Irão. A 28/5, são cortadas as comunicações entre Rastan e Talbiseh e o exérciro entra nas cidades a disparar com tanques e metralhadoras. O cadáver de um rapaz de 13 anos aparece com sinais de tortura.
A própria brutalidade do regime apressou o engrossar das fileiras da oposição. Um regime que usa tais níveis de repressão para se manter no poder perde, obviamente, toda a legitimidade em largas camadas da população, ameaçando a sua própria base de social de sustentação.
A 2 de Junho a Human Rights Watch apresenta na ONU um relatório intitulado «Nunca Vimos tais Horrores: Crimes contra a Humanidade em Deraa». Durante Junho continuam as barbaridades cometidas pelo exército sírio em várias cidades, incluindo próximo da fronteira com a Turquia para impedir as populações de se refugiarem. Surgem mais casos de rapazes torturados, bem como de soldados executados por se recusarem a cumprir ordens de repressão.
A 19 de Junho constitui-se o Conselho Nacional Sírio.
Conselho Nacional Sírio
O Conselho Nacional Sírio (CNS) agrupa fundamentalmente a oposição burguesa que procura uma saída ao regime de Assad. É um Conselho formado por notáveis burgueses, separados das massas e exteriores ao conflito. É a força política que tem sido interlocutora do imperialismo (principalmente França e EUA) e seus aliados (Turquia, Qatar, Jordânia, Arábia Saudita) e tem apelado à intervenção externa.
É constituída pelas seguintes forças políticas:
- A Irmandade Muçulmana (IM) com grande audiência na comunidade sunita, comunidade que constitui 74% da população. Tal como no Egipto a IM era(é) dominada pela burguesia sunita e recolhe apoios dos países mais reaccionários e pró-imperialistas como a Arábia Saudita.
- A Declaração de Damasco. Formada em 2005, representa a burguesia urbana democrática.
- A Coligação dos Sírios Democráticos e Seculares. Reclama ser uma coligação de pequenos partidos de várias etnias e religiões. É encabeçada por uma jornalista ligada à França que tem reclamado a intervenção estrangeira.
- Partido Democrático Sírio do Povo. É uma fracção do antigo Partido Comunista Sírio que se opôs ao Ba'ath (a outra fracção ficou dentro do Ba'ath). Em 2005, renunciou ao marxismo-leninismo e declarou adoptar a social-democracia de estilo ocidental.
- Conselho Supremo da Revolução Síria. Grupo de coordenação de comités de jovens que parece ter uma posição centrista, entre uma «solução pacífica» (leia-se com ingerência de potências estrangeiras) mas declarando o apoio à oposição armada.
Os presidentes do CNS foram: Burhan Ghalioun (29/8/2011 a 10/6/2012), sociólogo formado em Paris, visto como próximo da IM, oposto a relações com a oposição armada e criticado por conduta autocrática; Abdulbaset Sieda (11/6/2012 a 9/11/2012), professor universitário curdo, quis estreitar ligações com a oposição armada mas foi criticado por representantes curdos de fazer o jogo da Turquia; George Sabra (10/11/2012 até hoje, 17/1/2013), cristão, ex-comunista, estudou nos EUA, esteve preso durante 8 anos, preside ao Partido Democrático Sírio do Povo.
Note-se que a Turquia, embora exibindo-se como amiga da Síria, apoiava secretamente Assad (pelo menos até meados de 2012, quando começou a vaga dos refugiados e quando o imperialismo começou abertamente a jogar na carta CNS). Esteve sempre contra o Exército da Síria Livre (ver à frente) e chegou mesmo a entregar às forças de segurança sírias um dos seus fundadores ([8]).

A 20 de Junho Bashar fez um longo discurso atirando as culpas da insurreição para cima dos «vândalos», «indivíduos radicais e blasfemos» e «conspiradores estrangeiros», embora admitindo que as reclamações dos manifestantes eram legítimas! Ofereceu amnistia aos manifestantes pacíficos mas avisou que o exército continuaria a abater os «terroristas». Disse também que 64.000 pessoas eram procuradas por crimes de «sedição» e «terrorismo»!
A 24/6 pela primeira vez a população do centro de Damasco manifestou-se; foi imediatamente alvejada (6 mortos).
Manifestações massivas (1 de Julho de 2011 a 31 de Julho de 2011)
Durante todo o mês de Julho têm lugar manifestações grandiosas de dezenas e centenas de milhares: 500.000 em Hama e 10.000 em Alepo (a maior até essa data) a 1/7; 600.000 em Hama a 8/7 (observadas pelos embaixadores da França e EUA; 700.000 em Hama e 350.000 em Deir ez-Zor a 15/7; 650.000 em Hama e 450.000 em Deir ez-Zor a 22/7). Manifestações importantes ocorrem também em Damasco e Homs. A repressão brutal (alvejamentos, prisões em massa, execuções sumárias de homens, mulheres e crianças) pelo exército continua; as deserções também, e agora em maiores números (p. ex., 100 da Força Aérea e tripulações de 4 tanques a 16/7). A 29/7 deserta um coronel do exército em Deir az-Zor com outro pessoal militar e funda o Exército da Síria Livre.
Exército da Síria Livre
Formado por milícias revolucionárias (ligadas a comités revolucionários de índole marxista) e desertores das forças armadas do regime (inicialmente das brigadas estacionadas em Homs, Idlib e Deir az-Zor), o Exército da Síria Livre (ESL) é o verdadeiro representante das massas populares insurrectas da Síria. Por alturas de Outubro de 2011 contava já 10.000 homens que operavam em acções ofensivas de pequena escala contra forças de segurança, milícias lealistas e mercenários do regime.
Sendo os soldados espelho das massas populares sírias, o ESL reflecte, por isso mesmo, todas as contradições existentes na sociedade síria, agrupando todo o leque de tonalidades políticas e étnicas, desde os secularistas e revolucionários marxistas aos sunitas da IM.
Tem-se sempre pronunciado contra a intervenção externa.
Deparou, pelo menos até Novembro de 2012, com a hostilidade do CNS que teme a insurreição popular representada pelo ESL, preferindo o apoio e a intervenção imperialista.
A 31/7 ocorre a mais violenta repressão até à data numa série de cidades num esforço do regime de travar o movimento popular antes do mês do Ramadão. O imperialismo começa a ter dúvidas sobre uma solução com al-Assad. Hillary Clinton diz a 11/7 que o «Presidente Assad não é indispensável [no poder]».
Manobras políticas (1 de Agosto de 2011 a 28 de Setembro de 2011)
O início do Ramadão a 1/8 e as sequelas da brutal repressão dos meses anteriores constrangeu a um recuo o movimento popular.
A ONU condena pela primeira vez as violações dos direitos humanos na Síria a 3/8. A Liga Árabe condena o governo sírio a 7/8. Surgem novas fissuras nos lealistas: 41 ex-elementos do Ba'ath e ligados à administração apelam à paragem da repressão e a uma política de transição. Forma-se uma milícia de energúmenos pró-Assad, a shabiha, que persegue violentamente todos os opositores. A 16/8 a shabiha invade e pilha um campo de refugiados palestinianos. A repressão do regime continua por todo o lado: no próprio dia em que Bashar assegurava a Ban Ki-moon que as operações militares e policias tinham parado, ocorriam alvejamentos de manifestantes em Homs com vítimas mortais (estimadas entre 9 e 16). A 19/8 uma manifestação de 6.000 pessoas num subúrbio de Damasco pede que Assad seja julgado no Tribunal Internacional de Haia. No mesmo dia é anunciada a constituição da Comissão Geral da Revolução Síria.
Comissão Geral da Revolução Síria
 A Comissão Geral da Revolução Síria (CGRS) é uma coligação de 40 grupos oposicionistas e comités locais. Diz apoiar a rebelião armada através de conselhos provinciais militares em prol da construção de uma Síria democrática, livre, com dignidade e respeito pelos direitos humanos.
É difícil dizer qual o posicionamento político da CGRS, provavelmente algo ambíguo. Entretanto, a recusa em colaborar com o CNS parecia indicar uma posição anti-imperialista que, de facto, mais tarde, não se concretiza.

A 21/8 Assad diz que vai implementar reformas e perseguir os «terroristas». A Rússia pede aos EUA e UE mais tempo para Assad implementar as reformas! Os CCL da Síria declaram que compreendem os pedidos de insurreição armada interna e de intervenção armada estrangeira, mas que se opõe a ambos (uma declaração tipicamente centrista, pequeno-burguesa). O procurador-geral de Hama demite-se a 1/9 alegando a brutalidade do regime, em particular a execução de 72 presos políticos na prisão de Hama. Em Homs, a 6/9, os CCL reportam que as tropas atiram contra tudo que se move. A 9/9 têm lugar manifestações pedindo ajuda internacional para parar a repressão. A 12/9, religiosos alauítas da seita de Bashar denunciam a violência cometida pelo regime: «Declaramos a nossa inocência destas atrocidades cometidas por Bashar al-Assad e seus ajudantes pertencentes a todas as seitas religiosas».
Operações de «limpeza» do exército sírio (29 de Setembro de 2011 a 29 de Novembro de 2011)
Neste período ocorrem muitas operações do exército com vista a «limpar» as cidades de opositores. O ESL alega ter destruído 17 tanques a 29/9. Durante este período, contudo, o ESL é forçado a seguir uma táctica de ataques de emboscada com rápida retirada.
A 4/10 a Rússia e a China vetam sanções contra a Síria. A 10/10 a UE elogia o CNS mas sem o reconhecer. A 23/10 o Irão, importante aliado da Síria, critica o regime pelas «mortes e massacres». Isto não impede, mais tarde, o Irão de intervir militarmente na Síria em apoio de Assad.
Greve Geral de 26 de Outubro de 2011
O CNS convoca uma greve geral a nível nacional para o dia 26/10/2011 apelando à participação de todos os trabalhadores, lojistas, lavradores, artesãos e estudantes. Já antes tinham tido lugar greves espontâneas em certas regiões. Esta é a primeira que decorre a nível nacional e, segundo [9], é particularmente bem sucedida em regiões afastadas umas das outras, nomeadamente em Homs, Hama, Idlib e Deir az-Zor, nas zonas suburbanas de Alepo e Damasco e em Deraa. Verificaram-se também greves parciais nas cidades costeiras de Latakia, Banyas e Jableh. Também, segundo [9], a greve afecta mercados, lojas, escolas, escritórios e serviços públicos, mas as áreas industriais quase não são afectadas. A explicação deste facto passa pelas seguintes constatações (que podem não esgotar a explicação): 1 - Ao contrário do que aconteceu no Egipto e na Tunísia, a revolução Síria, com grande semelhança com o que aconteceu na Líbia, apanhou a classe operária impreparada, sem lutas anteriores (exceptuando as greves espontâneas de 1980-81), sem uma ideia clara dos seus interesses e sem direcção ideológica; 2 - A propaganda «socialista» do regime e seus sindicatos oficiais criou um ambiente de apatia; 3 - Quando a revolução começou, instigada principalmente por jovens desempregados e representantes das camadas urbanas pobres, as condições 1 e 2 geraram confusão, cepticismo, desconfiança e divisões sectárias e religiosas.
Note-se que, apesar da espantosa profusão de partidos políticos, oficiais e clandestinos, praticamente todos eles, com excepção do Ba'ath, eram apenas pequenos grupos de intelectuais sem qualquer ligação às as massas populares. Na luta contra a opressão totalitária do regime não admira, portanto, que grande parte das massas populares virassem as suas atenções para aqueles que poderiam ajudá-los a conquistar a «democracia»: França, Inglaterra e EUA.

A 28/10 manifestantes em Homs reclamam a imposição de embargo aéreo. O dia 7/11 é um dia de terror em Homs: as tropas inavdem casas e matam indiscriminadamente, perpetrando toda a casta de atrocidades. A oposição síria descreve como «área de desastre humanitário». A 15/11 o CNS pede à ONU forças de manutenção da paz. A 18/11 têm lugar grandes manifestações nos subúrbios de Damasco, em Alepo, Homs, Hama, Deir a-Zor e Deraa. O governo sírio declara que concordará com observadores estrangeiros sob certas condições. A 21/11 o minsitro dos negócios estrangeiros britânico William Hague tem conversações oficiais com o CNS mas não com o ESL. Cada vez mais o imperialismo joga numa saída «pacífica» com o CNS. A 25/11 os países BRICs apelam à Síria para iniciar conversações com a oposição. A 26/11 o ESL mata soldados lealistas numa emboscada em Idlib sem sofrer vítimas.
Guerra civil , fase inicial (1 de Dezembro de 2011 a 25 de Janeiro de 2012)
A 2 de Dezembro de 2011 a ONU pela primeira vez caracteriza a situiação na Síria como de guerra civil, tornando público que até ao momento já ocorreram 4000 mortos. Entretanto, regista-se um encontro entre o CNS e elementos do ESL para fins de co-operação, com o CNS a aconselhar o ESL a limitar-se a «operações defensivas»…
As deserções o exército do regime continuam. O ESL aumenta as suas fileiras e torna-se mais ousado nas operações. A 11/12 dá-se uma batalha perto da fronteira com a Jordânia entre o ESL e o exército de Assad (EA), sem que o EA consiga deslojar o ESL das suas posições (em Busra al-Harir). No mesmo dia tem lugar uma greve geral em toda a Síria; a oposição diz que todas as lojas fecharam, incluindo em Damasco.
A Greve Geral com início em 11 de Dezembro de 2011
Apoiada pelo CNS e pela CGRS, bem como por outras forças políticas, esta greve geral sem fim anunciado, foi melhor preparada que a anterior. Desta vez, a classe operária participa com algum significado.
A greve afecta particularmente Homs, Hama e Alepo, o maior centro comercial e industrial da Síria. Homs, Hama, Deraa e Idlib ficam paralizadas. Na maior fábrica têztil de Alepo um terço dos trabalhadores adera à greve ([Mousa Laqdani. Syria: Open ended general strike gains ground – a major clash is bbeing prepared. IMT 14/12/2011]). Paralizam também empresas de áreas suburbanas de Damasco. Todos os trabalhadores das pedreiras da vila industrial de Haseya aderem à greve. As forças de segurança atacam ferozmente os grevistas. Chegam a incendiar uma fábrica em Alepo onde os trabalhadores aderiram à greve (Siân Ruddick, General strike in Syria intensifies the revolt. Socialist International Issue: 2283, 17 December 2011) A opção por greve «indefinida» parece claramente um erro.

A 16/12, revelando o seu cepticismo quanto a uma solução Assad, a Rússia aumenta as críticas ao regime durante a redacção de uma resolução da ONU.
Os massacres pelo EA continuam. A 21/12 tem lugar um particularmente brutal na vila de Kfar Owaid perto da Turquia: mais de 1000 mortos com o EA a usar morteiros, metralhadoras, tanques e bombas de deflagração depois de ter cercado os habitantes. Nesse mesmo dia os apoiantes de Assad assistem em Damasco à erecção de uma estátua de 7 metros em honra do soldado sírio. A 23/12 dão-se explosões de dois carros armadilhados em Damasco; o regime acusa a Al Qaeda com base num suposto portal web da IM; sabe-se mais tarde que esse portal era falso e tinha sido preparado pelo próprio regime sírio um dia antes das explosões.
A 27/12 chegam a Damasco observadores da Liga Árabe (LA). Nesse dia, 11 tanques que tinham estado a bombardear Homs retiram antes da entrada dos observadores na cidade. Toda a visita dos observadores da LA é uma mascarada a que se presta o reaccionário chefe da delegação, o general sudanês Mustafa Dabi, chefe dos serviços secretos do Sudão e acusado de crimes de guerra no Darfur. Chegou ao cúmulo de numa entrevista à BBC (31/12) ter dito que não tinha visto franco-atiradores em Deraa quando um vídeo mostrava um membro da delegação dizendo que tinha visto franco-atiradores no centro de Deraa.
A 4 de Janeiro de 2012 um alto funcionário do Ministério da Defesa, Hamad, deserta. Em entrevistas nega a tese dos «terroristas» ajudados pelo estrangeiro. Confirma também os massacres contra civis desarmados e revela que o governo gastou 40 milhões de dólares desde Março de 2011 em pagamentos a milícias lealistas para esmagar as manifestações. Revela também ter visto provas da ajuda ao governo Sírio da parte do Irão e do Iraque.
Durante Janeiro ocorrem deserções de altas patentes militares que se juntam ao ESL. A 10/1 num discurso na Universidade de Damasco Assad volta a acusar os «conspiradores estrangeiros» por trás dos «terroristas». A 11/1, um ex-observador da Liga Árabe acusa a missão de observação de ter sido uma «farsa». Diz ainda: «O que vi foi um desastre humanitário. O regime não está só a cometer um crime de guerra, mas sim uma série de crimes contra o povo […] Os franco-atiradores estão por todo o lado a atirar contra civis. O povo está a ser raptado. Os prisioneiros estão a ser torturados e nenhuns foram soltos». Acrescentou ainda: «O regime não acedeu aos nossos requisitos; de facto, tentaram enganar-nos, levar-nos para longe do que estava a acontecer, para vermos coisas sem interesse».
Entretanto, por todo o país ocorriam manifestações e recontros com as forças da repressão. Ocorrem homicídios de jornalistas estrangeiros. As forças de segurança ocupam a Universidade de Alepo a 15/1. O governo rejeita a resolução da Liga Árabe a 23/1, no sentido de estabelecer um governo de unidade nacional (resolução, aliás, irrealista).
Guerra civil, grandes operações (26 de Janeiro de 2012 a 17 de Janeiro de 2013)
Neste período as operações do ESL sobem claramente de envergadura, com o controlo de áreas urbanas e regiões do país. Começa logo em 26/1 com a ocupação de um subúrbio de Damasco. São divulgadas notícias de que o regime começa a duvidar da lealdade de várias forças militares e por isso não as utiliza ([10])
Por todo este período continuam a verificar-se: manifestações constantes; massacres de civis desarmados por parte do EA; execuções em massa por parte do EA; prisões em massa e casos de tortura até à morte por parte das forças repressivas do regime; deserções continuadas e cada vez mais massivas para o ESL.
A 27/1 o ESL toma Homs, Hamah e um subúrbio de Damasco. Captura 7 soldados que acusa de serem iranianos (dos guardas da revolução); o Irão nega. A 29, o EA com 2000 homens e tanques tenta recuperar o subúrbio de Damasco; o ESL retira depois de dois dias de combates. Estes prosseguem na região com avanços e recuos do ESL.
Em algumas regiões da Síria tinham surgido formas de auto-governo. Um caso exemplar é o da cidade de Zabadani, perto de Damasco. Em 18 de Janeiro o ESL controlava a cidade e o EA assinou uma trégua com o ESL. Formou-se o Conselho Local de Zabadani Livre, que se encarregou de toda a administração da cidade. Num ambiente de democracia popular e secularista, reinou a paz e a estabilidade em Zabadani. As milícias locais de ESL eram formadas pelo próprio povo de Zabadani. Era uma experiência que não convinha ao regime que contagiasse outras localidades. O cessar-fogo foi quebrado pelo EA a 4/2. A 13/2 o EA, com apoio de milícias iranianas e do Hezbollah, invadiu a cidade e perpetrou repressões brutais ([11,12]). Zabadani continuou, entretanto, a lutar contra o EA.
Por essa altura, o CNS e a CGRS (mostrando, agora, a sua verdadeira face) apelam conjuntamente à intervenção estrangeira para salvar a Revolução de ser militarizada!
A 4/2 tem lugar um intenso bombardeamento de Homs que prossegue nos dias seguintes; a milícia Shabiha invade hospitais e mata e rapta feridos. A 7, o Ministro da Defesa russo visita a Síria e diz que a Rússia apoia o plano da Liga árabe. A 10, a Russia Today, citando fontes chinesa, reporta que 15.000 tropas de elite iranianas se preparam para entrar na Síria; o Irão não confirma nem desmente. A 12, a Liga Árabe apresenta a sua posição irrealista (abrir «vias de comunicação» entre a oposição e o governo) na ONU; o governo sírio rejeita-a. A 13, o regime acusa a Al-Qaeda de participar na insurreição; o Conselho da Revolução rejeita: «rejeitamos categoricamente estas afirmações e quaisquer tentativas da rede al-Qaeda de interferir na nossa revolução […] somos um povo que luta pela liberdade, dignidade e um Estado democrático». A 15, o governo anuncia um referendum sobre uma «nova Constituição» para 26/2 (!).
Ban-ki Moon reconhece e condena a 16/2 as atrocidades do regime; uma resolução da ONU reconhecendo a necessidade de mecanismos de contenção das atrocidades do regime (vulgo, sanções) tem os votos contra da Rússia, Bielorússia, China, Coreia do Norte, Birmânia, Síria, Irão, Tanzânia, Bolívia, Venezuela, Equador, Nicarágua e Cuba. A justificação do voto do delegado venezuelano é exemplar no que se refere à confusão de certa «esquerda» para quem o inimigo do meu inimigo é meu amigo; diz, por exemplo, a certa altura (comentários nossos): «O governo Sírio não está a enfrentar uma oposição democrática que usa meios pacíficos e constitucionais [quais são esses meios?!] para atingir os seus fins. Como sabemos, ela pratica e apoia o terrorismo [Assad dixit] e sobrevive através de apoio estrangeiro [cá temos de novo a tese da «conspiração estrangeira»; milhares e milhares arriscam nas ruas as suas vidas só para satisfazer o estrangeiro! Alguém acredita nisto? É certo, contudo, que a oposição síria procurou e obteve apoios no estrangeiro; qual a revolução que não o fez?]. Esta oposição armada [agora «armada»; antes «desarmada» e mártir] recusa participar num diálogo democrático e pluralista [Simplesmente incrível! Como se o regime de Assad proporcionasse diálogos democráticos e pluralistas!] que nós, como amantes da paz, encorajamos no mundo.» A 17/2, é revelado que drones dos EUA sobrevoaram a Síria para obter informações. A 19, navios de guerra iranianos cruzam o Suez e chegam a Tartus. O apoio do Irão a Assad é agora feito às claras. A 29, as forças de segurança avançam sobre Homs, o ESL recua e o regime impede a entrada do Crescente Vermelho em Homs a 4 de Março.
Nesse 4 de Março o sogro de Bashar declara que está «horrorizado» com a brutal repressão e apela ao genro para implementar reformas democráticas. Durante Março, Abril e Maio registam-se avanços e recuos do ESL; no campo diplomático regista-se os falhanços das missões de Kofi Annan sobre a implementação de um cessar-fogo. A 19/4, um desertor do regime divulga documentos secretos do regime confirmando a premeditação e preparação das operações brutais de repressão sobre civis dearmados. Durante Abril e Maio registam-se novos massacres cometidos pelo EA, nomeadamente a 23/4 em Hama e a 29/5 em Dair az-Zor. Na universadade de Alepo dão-se novos ataques a estudantes pela shabiha. A 20/5 registam-se ataques do ESL em vários pontos do centro de Damasco. A 30/5 o ESL anuncia que dá 48 horas a Bashar para cessar a violência e aceitar um plano de paz internacional; O regime não liga importância e continua os massacres durante os meses seguintes; massacres contra civis desarmados, desertores, elementos do ESL ou suspeitos de apoiar o ESL.
A 6 de Junho 78 civis são massacrados pelo EA actuando conjuntamente com a Shabiha, nas vilas de Qubair e Maarzaf na província de Homs. A 14, observadores da ONU sentem o «cheiro da morte» quando entram em al-Heffa que tinha sido bombardeada continuamente durante 8 dias. A 16, o ESL anuncia que controla al-Bayada. A 18, torna-se conhecido que dois barcos de guerra russos se dirigem para a Síria levando 300 fuzileiros e uma dúzia de tanques. A Rússia já não nega que tem fornecido conselheiros militares e armamento a Bashar. A 25, 7 médicos de Alepo são presos, torturados e queimados vivos pelos serviços secretos sírios. A 27, são atacadas estações de TV; sabe-se mais tarde que os autores pertencem a um grupo radical islamita. A 4 de Julho o ESL diz controlar 40% da Síria. A 6/7 iniciam-se combates em Idlib. A 7/7 regista-se o primeiro abate de um avião pelo ESL. A 16, travam-se violentos combates em bairros de Damasco. A partir de 18 de Julho começa um grande fluxo de refugiados em direcção à Turquia. A 21/7, o EA diz controlar de novo Damasco. A 26, o ESL ocupa partes de Alepo e apodera-se de um ponto estratégico na fronteira com a Turquia. A 27, o ESL toma a base aérea de Alepo.
A 1 de Agosto de 2012 é revelada a primeira evidência de execuções sumárias por parte dos rebeldes (não se confirma serem do ESL). A 2/8, Kofi Annan resigna do cargo de enviado especial da ONU na Síria. A 3, ocorre um massacre em Hama (62 pessoas mortas pelo EA). Uma resolução da ONU denuncia o uso por Assad de tanques, artilharia, helicópteros e aviões de guerra contra o povo sírio e pede ao governo a imediata cessação destas acções; obtém votos contra da Rússia, Bielorússia, China, Coreia do Norte, Birmânia, Síria, Irão, Tanzânia, Bolívia, Venezuela, Nicarágua e Cuba. Desta vez o Equador absteve-se. Durante Agosto dão-se deserções importantes, como a do Primeiro-Ministro, Hijab, que foge com a família para a Jordânia (os ratos abandonam o barco). A 11, os rebeldes obtêm armas antiaéreas (provavelmente da Alemanha). A 12, a UPI News Agency (EUA) revela que, segundo oficiais da oposição síria, a CIA está a controlar o fluxo de armas para os rebeldes: «Nem uma bala entra na Síria sem aprovação dos EUA. Os americanos querem que a rebelião continue mas não estão a fornecer equipamento suficiente para fazer cair o regime de Damasco». A 14, Hijab diz que Assad só controla 30% da Síria. Até ao fim de Agosto e por Setembro fora desenrolam-se vários combates de envergadura (Alepo, Damasco, Homs, Deraa) e massacres de civis pelo EA (alguns reportados como crimes de guerra pela ONU).
Por esta altura o CNS já não é mais que um instrumento dos EUA. Em Abril tinha-se criado o «Grupo dos Amigos da Síria» que engloba os EUA, UE, Liga Árabe, Organização Islâmica e Conselho dos Países do Golfo. Representa uma grande aliança pró-imperialista que maneja o CNS. O próprio ESL vem sofrendo uma evolução reaccionária, com a direcção militar a afastar-se do movimento revolucionário e a receber fundos da Arábia Saudita e Qatar para armamentos, bem como a usar campos de treino na Turquia ([13]). A França e os EUA prestam também apoio às milícias reaccionárias. O slogan do ESL já não é, como no início da revolução, «Um, um, um o povo Sírio é só um», mas sim «em marcha, em marcha por Alá». A par do ramo reaccionário, subsistem, contudo, revolucionários honestos (milhares, segundo [13]) representando trabalhadores, camponeses e população urbana, nomeadamente as camadas pobres.
A 16 de Setembro o comandante dos Guardas Revolucionários do Irão admite pela primeira vez que as suas forças de elite operam na Síria. A 28/9, o Conselho dos Direitos Humanos da ONU condena a Síria e abre um inquérito sobre crimes de guerra. A Rússia, China e Cuba votam contra. O ESL lança a «batalha decisiva» por Alepo. A 30, surgem evidências de que oficiais do Iémen combatem ao lado do EA. Idem, a 2/10, relativamente ao Hezbollah. A 6/10 há troca de artilharia entre a Síria (EA) e a Turquia, um cenário que se repete noutros dias com o EA a declarar que persegue rebeldes. A 10/10 o ESL anuncia que controla 10 cidades e vilas junto à Turquia. A14/10, a Human Rights Watch acusa o regime de estar a usar bombas de deflagração (de fabrico russo). A 20/10, massacre perpetrado pelo EA em Deir az-Zor.
De finais de Outubro até ao momento actual (17 de Janeiro de 2013) os combates prosseguiram. As maiores dificuldades do ESL residem na capacidade do EA em utilizar a força aérea, tanques e artilharia pesada (tal como a Líbia de Kadafi). O ESL ocupa cidades que mais tarde são recuperadas pelo EA usando maior capacidade de equipamento bélico. Tem conseguido, contudo, manter-se em muitas regiões fronteiriças e afastadas de Damasco. Verificam-se também infiltrações de islamismo radical e sectarismo nas fileiras da oposição.
Em 11 de Novembro é criada a Coligação Nacional das Forças da Oposição e Revolucionárias Sírias.
Coligação Nacional das Forças da Oposição e Revolucionárias Sírias (CNFORS)
A CNFORS formou-se a 11 de Novembro de 2012 numa conferência em Doha, Qatar. É constituída pelas seguintes organizações
- CNS
- CCL
- ESL
A coligação tem como Presidente Moaz al-Khatib, um geólogo e pregador islâmico sunita, considerado moderado por alguns. Contudo, disse que os letrados sunitas deviam participar no futuro político da Síria e que a sharia devia formar a base do futuro sistema judicial; tudo isto, entremeado de declarações pluralistas e de igualdade religiosa com várias afirmações contraditórias (p. ex., tanto condenou a certa altura o radicalismo islâmico dos salafistas, como noutra altura o defendeu perante os EUA). O facto de outras figuras de proa do CNFORS serem menos reaccionárias (como Suheir Atassi) não invalida o facto de que o CNFORS representa uma evolução muito negativa da revolução síria, nomeadamente pela submissão do CCL e do ESL aos reaccionários pró-imperialistas do CNS ([14]).

Para além da reaccionária CNFORS que absorveu as forças progressistas dentro do CCL e do ESL, subsistem outros grupos na oposição síria. Já mencionámos a CGRS. Existe também o Comité de Coordenação Nacional das Forças de Mudança Democrática (CCNFMD), que agrupa um conjunto de partidos de esquerda que primeiro buscou uma «solução pacífica» para depois passar a apoiar o ESL, e a Brigada dos Mártires de Idlib (um grupo armado de importância militar que actua principalmente em Idlib mas tem secções noutras regiões do país). O CCNFMD não recebe quaisquer apoios em armamento (ou outros), conta apenas com o apoio popular (debatendo-se com enormes dificuldades de armamento) e rejeita terminantemente a intervenção estrangeira. Existem ainda frentes jihadistas e organizações curdas, umas apoiando outras rejeitando a integração na futura Síria. E existe também uma oposição parlamentar (!) nomeadamente a Frente Popular para a Mudança e Libertação, coligação do fascista PSNS com o Comité Nacional para a Unidade dos Comunistas Sírios que não é mais do que uma fracção do PCS(Baktash), membro da FNP! ([15]) Os comunistas sírios não param de espantar.
Em Dezembro surgiram alegações dos EUA de que Assad teria em mente usar armas químicas, o que pode ser apenas um pretexto de intervenção «ocidental»; todavia, conselheiros militares russos disseram a Assad para concentrar os stocks de armas químicas  em apenas «um ou dois» locais a fim de os salvaguardar. O ESL, entretanto, tem conseguido capturar várias bases aéreas e inutilizá-las. A 10/1/2013 o Pentágono revelava que a Rússia e a Ucrânia estavam a fornecer armas aos rebeldes pagas pelo Qatar e Araábia Saudita, situação no mínimo estranha. A 2/1/2013 o número de mortos segundo a ONU era de 60 mil.


 *    *    *
É muito difícil ter uma ideia clara de todos os aspectos políticos em jogo na actual guerra civil da Síria. Guerra indesejada pela oposição e imposta pelo governo. Parece-nos, porém, que o regime de Assad tem os dias contados, embora possa ainda resistir por algum tempo. O velho imperialismo ocidental, obviamente, procurou marcar posições no conflito e posicionar os seus peões no CNS. A 27/1/2013 os «amigos da Síria» tinham estacionado mísseis Patriot na fronteira com a Turquia; apenas para «fins defensivos»… Mas o mesmo se passa, também obviamente, com os imperialismos emergentes da Rússia e China. Como vimos, quer a Rússia quer a China têm grandes interesses na Síria que eram bem servidos pelo regime de Assad.
Sectarismo, islamismo, falta de liderança dos trabalhadores e das camadas jovens, são os maiores males da oposição. A componente consequentemente revolucionária, ligada aos trabalhadores, campesinato pobre e camadas urbanas empobrecidas e desempregadas tem uma organização débil. Tudo parece apontar para uma solução de democracia burguesa, encabeçada pelos notáveis do CNS; uma solução «à Líbia» mas com particularidades específicas dadas as rivalidades étnicas e religiosas quase ausentes na Líbia. Uma solução em que correntes islamitas como a IM podem vir a desempenhar papel importante, como aconteceu no Egipto. Mas outras soluções, abertamente reaccionárias (tipo Irão) e fraccionistas (inclusive com separação de regiões) são possíveis.
No caso de se instalar uma democracia burguesa, as massas populares ganharão um certo número de liberdades, deixando para trás o totalitarismo oligárquico asfixiante e insuportável dos Assad, com melhores condições de luta por direitos básicos, nomeadamente o direito de formar partidos e sindicatos independentes, e o direito à greve. Tudo novidades históricas para o povo trabalhador sírio que necessita urgentemente de liderança que ajude a ultrapassar as ilusões islamitas e o veneno sectarista quer religioso quer étnico que só tem contribuído para prejudicar a revolução e tornar a Síria uma presa mais fácil dos imperialistas e das forças reaccionárias obscurantistas.

[1] A Timeline of the Syrian civil war da Wikipédia (versão inglesa) é de uma enorme ajuda para a cronologia e, em certa medida, para a compreensão dos eventos.
[2] Maus atendimentos e tratamentos às mãos da polícia eram habituais na Síria. Como aliás era também o atendimento da população pelos funcionários públicos. Qualquer funcionário público comportava-se como um pequeno Napoleão, atendendo o público quando queria, sempre com arrogância, solicitando sempre montes de papéis e, é claro, sempre à espera do suborno. Um quadro que conhecemos bem do Portugal do fascismo. No dia 17/2/2011 as coisas correram mal para o polícia sírio que se armou em Napoleão, bem como para os seus superiores imediatos. A indignação popular rebentou, as pessoas juntaram-se em torno da vítima e os acontecimentos escalaram de tal forma que até o Ministro do Interior teve de vir pedir desculpas! «Pequenos» incidentes como este diagnosticam o estado das massas. Ver descrição vívida em: Isa al-Jaza'iri, Syria:The people have had enough – Terror will not save the regime, International Marxist Tendency, 22 de Março de 2011.
[3] O pavor do regime face ao que estava acontecer noutros países da Primavera Árabe era de tal forma que o Ministro dos Negócios Estrangeiros veio publicamente apoiar a Arábia Saudita, um inimigo tradicional da Síria, no esmagamento da revolução do Bharain!
[4] Deraa (tal como Homs) fica numa área predominantemente tribal: a confederação N'eim, sempre marginalizada pelo regime, que chegou a forçar deslocações desta e de outras tribos para áreas habitadas pelos curdos. No seguimento do evento de 16/3 (prisão dos rapazes que pintaram slogans nas paredes da escola de Deraa) uma delegação tribal foi-se encontrar com o chefe da polícia política, Atif Najib para pedir a soltura dos rapazes. Num gesto tradicional os componentes da delegação retiraram os turbantes (símbolo de virilidade e dignidade) e puseram-nos em cima da mesa dizendo que os repunham quando o assunto ficasse resolvido. Najib pegou nos turbantes e lançou-os ao cesto do lixo. Em resposta a este comportamento desrespeitoso as tribos de Deraa uniram-se ao protesto de 18/3 (ver mais em Haian Dukhan Tribes and tribalism in the Syrian revolution. Open Democracy, Free Thinking of the World. 19 December 2012. http://www.opendemocracy.net/haian-dukhan/tribes-and-tribalism-in-syrian-revolution).
[5] Nesta altura há já cerca de 250 vítimas mortais desde o início da revolução.
[6] Parece que Bashar hesitou bastante entre o tom a adoptar no discurso: se no tom de linha dura ou no tom conciliatório. Ver: Isa al-Jaza'iri, Syria's Day of Martyrs – major confrontation being prepared, International Marxist Tendency, 1 de Abril de 2011.
[7] A tese de que os jovens que participavam em manifestações em várias cidades do país, arriscando todos os dias a sua vida, eram ou estavam ao serviço de «conspiradores estrangeiros» é verdadeiramente incrível. O próprio regime evidentemente não acreditava nela. Lamentavelmente alguns ideólogos do PCP, admiradores do «socialismo» dos Assad, viriam mais tarde a repetir esta tirada!
[8] Mousa Laqdani. Seven months into the Syrian Revolution, masses still striving for a breakthrough. IMT, 12 de Outubro de 2011.
[9] Mousa Laqtani, Syria: While regime organises sham rallies, general strike grips vast parts of the country. IMT, 27/10/2011.
[10] Mousa Laqdani. Syria: The regime is shaking – elements of dual power emerge. IMT 29/1/2013.
[11] wikipedia
[12] Al Arabiya News Syria’s Al-Zabadani city remains unperturbed by violence Jan 28, 2012.
[13] Mousa Laqdani. Syria: Reaction on both sides of the divide! IMT 15/8/2012.
[14] Parece, contudo, que a figura de Moaz al-Khatib não é de molde a obter as simpatias dos EUA, que tanto quanto se sabe, parecem vê-lo como uma espécie de Khomeini da Síria.
[15] Aron Lund. Divided they Stand. An Overview of Syria's Political Opposition Factions. Olof Palme International Center.

sexta-feira, 8 de março de 2013

Nova Evidência Científica a Favor de Marx

A Grande Recessão de 2007-2009 tem vindo a estimular estudos económicos sobre as causas das crises e, de uma forma geral, sobre o que determina os ciclos de expansão-recessão das economias capitalistas, os «ciclos de negócios». Já referimos em artigos anteriores que, para os marxistas, a causa principal dos ciclos tem a ver com a queda dos lucros dos capitalistas. Expusemos em termos simples, a propósito disso, a chamada lei da queda tendencial da taxa de lucro (ver nosso artigo «A Crise do Euro. Parte I») descoberta por Karl Marx.
Como se sabe, em Ciência não basta que uma teoria se apresente como internamente consistente. Exige-se que ela possa também explicar os factos, a evidência empírica. Ora, se em muitos ramos da Ciência é possível obter dados prontos a usar, ou realizar experiências adequadas que os produzam, este aspecto não é tão fácil em Economia, que depende obviamente da evolução histórica. Assim, Marx não dispunha no seu tempo de sequências históricas de valores económicos (séries temporais) que lhe permitissem avaliar adequadamente as suas teorias (embora procurasse fazê-lo com os dados de que dispunha). Só actualmente dispomos de dados (e instrumentos de análise desses dados) permitindo avaliar as teorias sobre as causas dos ciclos. Por exemplo, dispomos para os EUA (o país com mais bem validadas e mais longas séries de dados) de valores económicos, como por exemplo os lucros trimestrais das empresas, que vão desde 1947 até à actualidade.
Um trabalho recente de um economista investigador da Universidade de Michigan, José T. Granados ([1]), trouxe nova evidência a favor da teoria de Marx (e não só).
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No seu trabalho, José Granados começa por referir que, relativamente às causas dos ciclos económicos, as diversas escolas económicas se dividem em dois grandes grupos:
a) As que defendem que os ciclos têm causas exógenas, exteriores ao sistema económico.
b) As que defendem que os ciclos têm causas endógenas, internamente geradas pelo sistema económico.
As teorias defensoras de causas exógenas estão hoje largamente desacreditadas. Por exemplo, o economista W. S. Jevons procurou explicar a existência de ciclos, em artigos de 1875 a 1882, como sendo causados por variações climáticas, sendo estas, por sua vez originadas por manchas solares. Na mesma linha de raciocínio o economista H. L. Moore usou, em livros publicados entre 1914 e 1023, a explicação das variações climáticas, mas agora atribuídas ao planeta Vénus. E. Huntington, em 1920, propôs-se explicar as recessões como devidas ao aumento da taxa de mortalidade: o aumento da mortalidade causa tristeza, logo causa depressão nos negócios. Enfim, tudo explicações esotéricas que faziam da Economia uma autêntica astrologia.
Outras teorias mais recentes de causas exógenas invocam misteriosos choques externos (I. Adelman, F. Adelman, 1950), choques tecnológicos (Schumperer, Hayek), choques na oferta (para J. Hamilton, 1988, 1994, os choques na oferta tinham a ver com os preços do petróleo), etc. Os neoclássicos, incluindo os neoliberais, invocam também explicações casuísticas mal definidas, como mudanças demográficas, influências políticas e um rol de outras explicações enigmáticas como a «natureza humana» ([2]); como dizia Ben Bernanke, presidente da Reserva Federal dos EUA para «explicar» a Grande Recessão: «É a natureza humana, a não ser que alguém possa encontrar um meio de modificar a natureza humana iremos ter mais crises e nenhuma delas se assemelhará a esta, porque nenhuma crise tem qualquer coisa em comum com outra, excepto a natureza humana.». Um esclarecimento espantoso como se vê. Continuamos no domínio da astrologia.
Karl Marx foi o primeiro que apresentou uma teoria coerente que explicava os ciclos económicos por causas endógenas: a causa principal (a causa das causas) dos ciclos económicos é o volume de lucros, submetido à lei da queda tendencial da taxa de lucro. Como se sabe, o lucro é o móbil do capitalismo. Marx explicava os ciclos como uma alternância entre períodos de expansão, em que a introdução de novas indústrias favorece altas taxas de lucro, e períodos de recessão, em que a introdução de novas tecnologias, a fim de ganhar a luta competitiva, força os capitalistas a substituir homens por máquinas e outros equipamentos, diminuindo preços e baixando consumos, logo baixando também os lucros ([3]).
Não foi só Marx a propor o lucro ¾ mais propriamente, a rentabilidade ¾ como causa das causas das crises. O americano Wesley Mitchell (1874-1948), que escreveu uma obra sobre ciclos de negócios em 1913 (Business Cycles) e foi professor em várias universidades americanas e presidente do prestigiado NBER (National Bureau of Economic Analysis) também defendeu a tese de que era a rentabilidade a causa dos ciclos.
O polaco Michal Kalecki e o inglês John Maynard Keynes (que foi beber muitos dos seus argumentos a Kalecki) também propuseram (respectivamente em trabalhos de 1932 e 1936) uma teoria explicativa dos ciclos baseada em causas endógenas ([4]). Mas para eles a causa das causas é o investimento.
Diz Keynes (itálicos nossos): «[durante a expansão] muito do novo investimento mostrou uma rentabilidade não insatisfatória. A desilusão começa porque subitamente se levantam dúvidas sobre a confiança da rentabilidade prospectiva, talvez porque a rentabilidade corrente mostra sinais de decrescimento […]». Portanto, para os keynesianos é o investimento que controla os ciclos, não os lucros. E porque decresce o investimento? Porque «subitamente se levantam dúvidas». Temos, assim, os keynesianos a basear as suas explicações em causas subjectivas («dúvidas», «confiança»), não mensuráveis. De facto, mais apropriadamente se designaria de assentes em causas exógenas as explicações dos keynesianos. Note-se, porém, a frase «talvez porque a rentabilidade corrente mostra sinais de decrescimento». Portanto, Keynes não parece muito seguro sobre se é o investimento ou a rentabilidade a causa das causas. Esta falta de segurança não é inédita em Keynes, conhecido por constantemente desdizer o que tinha dito antes. O próprio Kalecki, num trabalho de 1933, veio desdizer o que tinha dito antes, apresentando a rentabilidade como a variável «que estimula o desejo de investir. Isto é inteiramente consistente com a realidade, já que o incentivo para investir é a rentabilidade esperada, a qual é estimada com base na rentabilidade das fábricas existentes».
Em suma: quem tem razão? Os marxistas, que explicam os ciclos económicos apresentando a rentabilidade como a causa das causas, ou os keynesianos que atribuem esse papel ao investimento?
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O trabalho de José Granados analisa as séries de valores trimestrais dos lucros e investimentos fixos (i.e., investimentos de capital fixo, excluindo portanto salários) das empresas dos EUA, desde 1947 até ao fim do 3.º trimestre de 2009 ([5]). Trata-se, portanto, de um período correspondente a 251 trimestres.
Durante este período ocorreram 11 recessões. Estas foram definidas por um organismo oficial dos EUA, o NBER (National Bureau of Economic Analysis), tendo em conta não só taxas de crescimento do PIB mas ainda outros factores como rendimento das famílias, emprego, produção industrial e volume de vendas. O início e o fim de cada recessão são também definidos pelo NBER.

Fig.1. Investimento e lucros das empresas nos EUA desde o 1.º trimestre de 2000 (2000-1) ao início do 1.º trimestre de 2010. As zonas cinzentas correspondem aos períodos recessivos.

A Figura 1 mostra a evolução dos investimentos fixos e lucros das empresas dos EUA, em biliões de dólares, desde o primeiro trimestre de 2001 até ao fim de 2009. As zonas marcadas a cinzento representam períodos de recessão. Como estamos a lidar com dados trimestrais, a recessão começa no trimestre que contém a data de início oficial (definida pelo NBER) e acaba no trimestre que contém a data de fim oficial (também definida pelo NBER). Note-se que a Figura 1 mostra os lucros antes e depois do pagamento de impostos ([6]). Como as conclusões do trabalho de José Granados são semelhantes quer se use a série «antes» quer a série «depois», vamos aqui considerar apenas a série «antes» que designamos por lucros tout court.
Os períodos de tempo entre recessões são designados por expansões. Nos 251 trimestres considerados no trabalho de José Granados, 201 correspondem a expansões e 50 a recessões. A Figura 1 mostra que antes do início da Grande Recessão (2007-4) o lucro já tinha vindo a decrescer, a partir de 2006-3 ¾ isto é, cerca de uma ano antes ¾, enquanto o investimento ainda não mostrava sinais de decrescimento; só veio a decrescer já em plena recessão. Algo de semelhante se verifica na recessão de 2001 a 2002.
Uma avaliação global, para os 251 trimestres, foi feita no trabalho que temos vindo a acompanhar da seguinte forma: calcularam-se taxas trimestrais de crescimento ([7]) e, a partir delas, calcularam-se valores médios das taxas, quer para o investimento quer para os lucros, em determinados trimestres antecedendo o início de uma recessão.

Fig. 2. Taxa média de crescimento trimestral de investimento e lucros em trimestres anteriores a uma qualquer recessão dos EUA.

A Figura 2 mostra os resultados obtidos. No eixo horizontal temos a contagem de trimestres antes de uma qualquer recessão (esta ocorre no trimestre 0, marcado pela barra cinzenta); o valor -1 corresponde ao trimestre anterior ao da recessão, -2 ao segundo trimestre anterior à recessão, etc. A figura mostra claramente que, 6 trimestres antes da recessão, os lucros em média têm um crescimento positivo. Passam, a seguir, a valores negativos; isto é, decrescem de trimestre para trimestre com excepção para o trimestre -2 (segundo trimestre antes da recessão) em que o crescimento médio é de apenas 0,2%. A taxa média de crescimento do investimento permanece, entretanto, positiva, embora menor. Tudo se passa como se a seguir ao primeiro alerta de descida dos lucros a taxa de crescimento do investimento descesse; isto a cinco trimestres antes da recessão. Entretanto, os lucros continuam a decrescer (com a ligeira retoma a 2 trimestres da recessão que se pode atribuir às primeiras vendas ao desbarato) para cair acentuadamente no trimestre anterior ao início da recessão: -1,9% de queda trimestral. Durante a recessão a queda é em média (agora a média refere-se aos trimestres da recessão) de -3,9%. Note-se que só a um trimestre da recessão o investimento decresce pela primeira vez (em termos médios), enquanto isso já vinha a acontecer aos lucros a 5 trimestres antes da recessão.
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Para além da inspecção visual de gráficos adequados, o trabalho de José Granados reporta e discute os resultados da aplicação de dois métodos científicos na análise das séries.
Num desses métodos tem-se em vista avaliar a capacidade de prever os valores presentes de uma das séries à custa de valores presentes e passados da outra série ([8]). Os resultados deste método, aplicado às séries de crescimento trimestral médio de lucro e investimento e para um número adequado de valores passados ([8]) mostram o seguinte: a) os lucros no trimestre presente e em cinco trimestres passados têm um efeito positivo e significativo na previsão do investimento, com 44% da variação do investimento explicável (previsível) pela variação dos lucros; b) o investimento, pelo contrário, tem menor poder explicativo dos lucros (31% em vez de 44%) com a agravante de que só o valor presente do investimento tem um efeito explicativo positivo, os valores passados têm um efeito negativo (têm o sinal contrário do que deviam ter).
O outro método consistiu na aplicação de testes de causalidade ([9]) às séries de lucro e investimento originais (e não às séries de crescimento trimestral médio). Os resultados mostraram que a hipótese do lucro não ajudar a prever o investimento é rejeitada com elevado nível de significância estatística ([10]), enquanto a hipótese do investimento não ajudar a prever o lucro falha várias vezes para um nível de significância moderado ([11]). Em suma, a hipótese de que os lucros causam os investimentos é fortemente suportada pelo teste de causalidade, enquanto o mesmo não acontece quanto à hipótese de os investimentos causarem os lucros.
O trabalho de José Granados contém ainda outros resultados e cita outros autores que em trabalhos dos anos noventa já defendiam que a rentabilidade era o determinante principal do investimento. Será que esta tese, primeiro defendida por Marx, é uma tese exótica que não lembra ao diabo? Certamente que não, e podemos estar seguros que nenhum capitalista se sentirá inclinado a investir num ramo de negócio que não esteja a dar lucros. Contudo Keynes, Milton Friedman e seguidores pura e simplesmente rejeitam a evidência empírica, mesmo quando cientificamente analisada, se essa evidência não lhes agrada. Já vimos isso nos nossos anteriores artigos «A Economia convencional: uma pseudociência»; o trabalho de José Granados revela outros aspectos deste tópico.

[1] José A. Tapia Granados. Does investment call the tune? Empirical evidence and endogenous theories of the business cycle. Artigo submetido em Maio de 2012 e a aparecer brevemente na revista Research in Political Economy.
[2] De facto, nenhuma luminária da economia convencional tem uma explicação credível dos ciclos porque (como já vimos em artigos anteriores) partem do pressuposto que o capitalismo é, por sua própria natureza, o melhor dos sistemas e um sistema estável.
[3] Estamos aqui a condensar em poucas palavras uma explicação que na sua forma completa é bem mais complexa. O leitor interessado pode recorrer à própria fonte (o vol. III de "O Capital", infelizmente não disponível em português), ao artigo de José Granados, ou a qualquer livro ou artigo da vasta bibliografia existente em inglês (e noutras línguas incluindo francês e espanhol, excepto português) sobre economia marxiana. Poderá ver também o que escrevemos em «A Crise do Euro. Parte I».
[4] M Kalecki, Is a capitalist overcoming of the crisis possible? (1932). J M Keynes, General theory of employment, interest and Money (1936).
[5] Estas séries estão disponíveis no portal do BEA - Bureau of Economic Analysis. Os investimentos privados fixos encontram-se na Tabela NIPA 5.3.5. Os lucros encontram-se na Tabela NIPA 6.16 e também na Tabela 1.12 (lucros com ajuste de excedentes (IVA = Inventory Adjustment) e de consumo de capital (CCAdj = Capital Consumption Adjustment). Todos os valores são em biliões de dólares e as séries sofreram um ajuste sazonal. (Muitas séries de dados económicos exibem flutuações sazonais; p. ex., é no período do Natal, logo no 4.º trimestre, que aumentam os consumos das famílias. Estas flutuações sazonais que tendem a mascarar o comportamento anual, são, em regra, retiradas das séries por processos matemáticos adequados, bem conhecidos dos economistas. O BEA faz isso mesmo.)
[6] A série de lucros referida na nota anterior é a série «antes». A série «depois» pode também obter-se usando a Tabela NIPA 1.12.
[7] A fim de obter uma valorização homogénea das taxas de crescimento, todos os valores das séries foram referidos a dólares de 2005, usando para tal as taxas de inflação.
[8] Trata-se do método da regressão linear, usando um critério adequado, baseado na Teoria da Informação, para determinar quantos valores passados da variável preditora usar (a chamada ordem do modelo).
[9] Trata-se dos testes Granger de causalidade, propostos na sua forma original pelo economista Clive Granger (Prémio Nobel da Economia). A série X causa Y se se puder provar com testes estatísticos adequados que valores passados de X fornecem informação estatisticamente significativa sobre Y, quando Y é também descrita pelos seus valores passados. No caso presente o teste de Granger reconheceu como importantes o uso de 9 valores passados da variável preditora, X.
[10] A hipótese é rejeitada para todos os 9 valores passados da variável preditora (o lucro) com probabilidade < 0,001 (1%o).
[11] Nos 9 valores passados do investimento a significância estatística foi bastante acima ou perto de 5% para 4 desses valores. Em outros 4 desses valores esteve acima de 1%. Só num dos valores a significância foi de 1%o.