quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Desenvolvimento Sustentável: II - Recursos Naturais


Continuando a analisar aspectos centrais da sustentabilidade do desenvolvimento económico (http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2013/08/desenvolvimento-sustentavel-i.html ) vamos no presente artigo procurar ver, ainda que de forma sucinta, o que se passa com recursos naturais não reprodutíveis que consideramos vitais no actual estádio civilizacional. É este o caso de fontes energéticas como o petróleo, o carvão e o gás natural, bem como o de certos metais.
Comecemos pelo petróleo, que em 2008 representava 33,5% do consumo total de energia ([1]). Segundo um relatório da OPEC ([2]) o tempo de vida das reservas dos maiores 17 produtores mundiais era em 2010 de 64 anos. Mesmo contando com a contribuição de outros países e com a possibilidade de explorar novas jazidas (de mais difícil exploração que as actuais), o cenário é preocupante. O panorama do gás natural (59 anos ao ritmo de 2010, [3]) é semelhante. Para o carvão (118 anos ao ritmo de 2010, [4]) é um pouco melhor.
A tendência de decréscimo da produção de jazidas de petróleo e gás natural abarca, já não apenas esta ou aquela jazida, mas sim regiões inteiras do planeta conforme mostram as figuras abaixo para o caso do petróleo ([5]).
 Produção de petróleo nos EUA. Notar o declínio a partir de 1987.

Produção de petróleo no Mar do Norte. Notar o declínio a partir de 1999.

A agravar ainda mais o cenário temos que, enquanto o aumento populacional é, como vimos, praticamente linear, o mesmo não acontece com o consumo de energia, que sugere uma tendência exponencial, conforme mostra a figura ([6]): 

Consumo mundial de energia de 1860 a 2010. «Mtoe» significa Million Tonnes of Oil Equivalent (equivalente a milhão de toneladas de petróleo).

Para além de não renováveis, petróleo, carvão e gás são fontes de energia poluentes e que seriam melhor empregues noutras aplicações de grande importância (fabrico de compostos químicos específicos) em vez da mera queima para produzir energia. Por estas razões tem-se vindo a procurar fontes de energia não poluentes que possam substituir com eficácia o petróleo, carvão e gás.
O peso relativo de energias renováveis tais como a energia hidroeléctrica, solar, eólica, geotermal e o biofuel, é ainda reduzido: presentemente contribuem a nível mundial com um modesto total de 13 % e não deverá aumentar muito mais. A esperança depositada na fusão termonuclear, que dotaria a humanidade de uma fonte limpa e quase inesgotável de energia, parece estar ainda longe de se concretizar. Apesar de previsões de que um reactor termonuclear estaria pronto em finais de 2012 ([7]) tal não se verificou. Novas datas vão sendo sempre avançadas quando as antigas não se verificam. Fala-se agora em 2018-2025 ([8]). Provavelmente ainda decorrerão muitos anos até que se disponha de tecnologia de fusão adequada e em larga escala capaz de substituir as chamadas fontes fósseis (petróleo, gás natural e carvão).
Se o problema da energia é espinhoso, o das reservas de metais não o é menos. Acontece apenas que o primeiro tem sido abundantemente tratado na imprensa enquanto o segundo é quase esquecido. Todavia, o problema das reservas de metais é, de certo modo, ainda mais difícil do que o da energia. A tabela abaixo mostra os valores das reservas de metais comuns, em toneladas, segundo estimativas de 2006 ([9]). A coluna «Reservas Prospectivas» engloba as anteriores e toma em consideração outras fontes já identificadas e que poderão ser exploradas no futuro. As duas últimas colunas da tabela mostram o tempo de vida das reservas em anos, a manter-se a taxa de consumo de 2006.

Reservas e reservas prospectivas de alguns metais, em toneladas, e respectivo tempo de vida em anos. 
Estimativas de (e referentes a) níveis de consumo de 2006.
Metal
Reservas
Reservas Prospectivas
Tempo de vida das reservas
Tempo de vida das reservas prospectivas
Ferro
72 000 000 000
164 000 000 000
52,2
> 100
Cobre
430 000 000
850 000 000
28,7
56,7
Zinco
200 000 000
420 000 000
20,0
42,0
Chumbo
61 000 000
130 000 000
18,5
39,4
Estanho
5 500 000
10 000 000
18,3
33,3
Ouro
38 000
52 000
15,1
32,6
Prata
245 000
520 000
12,3
26,1

Os valores são tanto ou mais preocupantes que os da energia. As estimativas de reservas de vários metais importantes como o zinco, chumbo, estanho, ouro e prata correspondem a um tempo de vida igual ou inferior a 20 anos e, mesmo entrando em linha de conta com as reservas prospectivas, o tempo de vida está abaixo de 50 anos. No caso da prata situa-se nuns míseros 26 anos! (Ver também o trabalho [10], de 2010, que estima as reservas de prata a acabar em 2029.)
É claro que estes números não são exactos e, no passado, tem havido revisões de estimativas de jazidas e reservas de metais. O caso do cobre é exemplar. O consumo de cobre tem vindo sempre a aumentar, tal como a produção (ver figura abaixo, [11]; ver também [12] que contém um gráfico de procura de cobre extrapolado até 2030); mas a tendência actual é a da subida de preço. O consumo é de tal modo elevado que se estima que, anualmente, corresponde à produção de três minas de cobre de classe mundial ([11]). Certos especialistas pensam, contudo, que as reservas de cobre são mais abundantes do que as conhecidas e assegurarão a procura por ainda muito tempo.

Produção global de cobre entre 1900 e 2010.

Não obstante, subsistem motivos de preocupação. A escassez ou dificuldade de obtenção de metais, com um mínimo de impacto ambiental, são aspectos também referidos por outras fontes. É o caso dos metais das terras raras (apesar do nome, a maior parte destes metais são mais abundantes do que, por exemplo, o chumbo, embora de forma disseminada); actualmente a China produz 96% destes metais precisamente porque na China a atitude face ao impacto ambiental é permissiva ([13]).
Para alguns metais o consumo disparou em anos recentes devido a desenvolvimentos tecnológicos. O índio é um desses metais. A manterem-se os níveis actuais de produção as reservas conhecidas de índio só satisfarão a procura, segundo estimativas de 2010 ([10]), até 2028!
Já no caso do tântalo e do nióbio, cuja procura subiu imenso desde que se iniciou a explosão dos telemóveis (ver figura abaixo, [14]), o panorama é muito diferente: estima-se que as jazidas e reservas conhecidas satisfarão a procura para os próximos 500 anos.

Produção global de nióbio entre 1997 e 2009.

A finalizar, convém ter em conta que a reciclagem de metais pouco remédio traz ao cenário de escassez de muitos deles, visto que ela já hoje é empregue em larga escala e não deverá ser significativamente aumentada. Estima-se, por exemplo, que 80% do cobre já hoje é repetidamente reciclado ([11]). Além disso, nem toda a reciclagem é tão simples e eficiente como, digamos, a reciclagem do chumbo das baterias dos automóveis: a recuperação do índio por reciclagem de painéis de LCD é de apenas 1%.

[1] 2010 Survey of Energy Resources, World Energy Council. Os contributos percentuais de outras fontes de energia em 2008 eram: carvão, 26,8 %; gás, 20,9 %; nuclear, 5,8 %; hidro, 2,2 %; outras energias renováveis (solar, vento, geotermal, biofuel), 10,6%.
[2] "OPEC Share of World Oil Reserves 2010". OPEC. 2011. Os dados que referimos encontram-se na wikipedia.
[3] Dados do artigo How long will oil and gas reserves last? Itar-Tass News Agency, 29/07/2011.
[4] Dados divulgados pela World Coal Association.
[5] Gráficos adaptados da US Energy Information Agency, publicados por Gail Tverberg (2007) Our world is finite: Is this a problem?. Energy Bulletin. Neste trabalho são referidos dois cenários possíveis de declínio do PIB dos EUA ocasionados por limitações de petróleo e gás natural; um, com início em 2010 e, o outro, com início em 2020.
[6] A figura é de http://www.manicore.com/anglais/documentation_a/articles_a/palace_may2001.html (consultada em 2012). Essencialmente os mesmos dados aparecem em BP Energy Outlook 2030, BP Statistical Review, London 2011.
[7] Declaração de Mike Dunne, director do National Ignition Facility dos EUA.
[9] Mineral Commodity Summaries, 2006. US Geological Survey.

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Desenvolvimento Sustentável: I - Crescimento Populacional



Um tema que vem sendo bastante debatido nas últimas duas ou três décadas é o da sustentabilidade do desenvolvimento económico. Na série de artigos que hoje iniciamos propomo-nos abordar várias facetas importantes do tema, como se segue:

I -    Crescimento Populacional: o presente artigo que divulga dados do crescimento da população do globo e suas regiões, com implicações óbvias na sustentabilidade económica;
I I - Recursos Naturais: reservas de recursos naturais estratégicos, em particular os ligados à produção de energia;
III - Disparidade entre Países: os mais e menos culpados pelo gasto de recursos naturais e o que seria possível alcançar numa perspectiva mais igualitária;
IV - A Causa da Insutentabilidade: a causa das causas e os mitos da social-democracia;
V -   Sobreprodução-Subconsumo: desperdício de recursos e penúria de bens, duas faces da mesma moeda;
VI - Valor para Todos?: as contradições insustentáveis da exploração do valor do trabalho, no capitalismo.
*    *    *
É habitualmente apresentada como tese central da sustentabilidade económica, a seguinte: dada a finitude dos recursos da Terra, um crescimento económico ad infinitum baseado nesses recursos é impossível. Poder-se-á pensar em obter recursos noutros planetas, mas isso não só estará certamente relegado para daqui a muitos anos ([1]) como não resolve um problema essencial: o dos recursos que a própria vida criou na Terra ao longo de uma história geológica de centenas de milhões de anos: carvão, petróleo e gás natural.
É claro que a menção «ad infinitum» é uma força de expressão; quanto mais não seja porque a Terra e a vida que sustenta serão destruídas daqui a aproximadamente 7,59 biliões (milhares de milhões) de anos quando o Sol se transformar numa gigante vermelha. Não há tempo infinito para a vida na Terra. Por outro lado, como centenas, milhares, milhões ou biliões de anos são horizontes temporais para além de qualquer futurologia da evolução da humanidade, vemo-nos restringidos a pensar em termos da evolução populacional e das reservas de recursos num modesto espaço de tempo, extrapolando os nossos conhecimentos actuais; com todos os riscos inerentes a qualquer extrapolação.
No que respeita à evolução da população as estimativas até 2050 publicadas em 2004 pela ONU ([2]) são apresentadas na figura abaixo. Só a «estimativa baixa» prevê um decaimento populacional a partir de 2035; os números entretanto conhecidos de 2003 a 2012 (respectivamente, em biliões e segundo dados do Banco Mundial: 12,65, 12,80, 12,96, 13,11, 13,27, 13,43, 13,59, 13,75, 13,91, 14,07) não sugerem tal estimativa, mas sim a estimativa alta.


População total mundial de 1950 a 2000 com estimativas até 2050
(segundo relatório do Banco Mundial de 2004).

Num artigo recente ([3]), o cientista americano Peter Gleick prevê que algures, por meados deste século, se assistirá pela primeira vez ao dia a partir do qual a população mundial começa a declinar, o dia a que ele chama «o dia mais importante do século XXI». Baseia-se, para tal afirmação, na constatação de que em muitos países a população está a declinar (crescimento negativo). Na lista de países que Gleick apresenta, só constam, contudo, países de pequena dimensão, entre os quais Portugal, que registou, pela primeira vez desde há muito tempo, um crescimento negativo em 2011 (-0,76%) e, de novo, em 2012 (-0,29%). Usando dados do Banco Mundial, o número de países com taxa de crescimento negativa, entre 215 países e regiões autónomas, evoluiu da seguinte forma de 2003 a 2012: 25, 24, 22, 24, 26, 27, 27, 27, 20, 22. É uma evolução que não apoia a tese de Peter Gleick.
Os 10 maiores países do mundo em termos de população são os seguintes: China (1.344.130.000), Índia (1.241.491.960), Estados Unidos (311.591.917), Indonésia (242.325.638), Brasil (196.655.014), Paquistão (176.745.364), Nigéria (162470737), Bangladesh (150.493.658), Federação Russa (142.960.000), Japão (127.817.277) e México (114.793.341). Ora, conforme mostra a figura abaixo (sempre com dados do Banco Mundial), nesses 10 países e no mundo, a taxa de crescimento mantém-se positiva, exibindo uma clara tendência para baixar apenas na Índia, Brasil, Paquistão e China. A Federação Russa é um caso anómalo: a sua população registou crescimentos negativos até 2009 em consequência de aumentos de mortalidade (em particular, infantil) desde que o socialismo colapsou em 1990 e se assistiu à hegemonia do capitalismo mafioso.
Taxas de crescimento populacional de oito países populosos e do Mundo.

A nível mundial a desaceleração da taxa de crescimento tem sido bastante lenta (da ordem de 1 por 10.000 ao ano).
As últimas previsões da ONU ([4]) por continente estão ilustradas na figura abaixo. A população europeia também continuará a decrescer. As populações das Américas começarão a decrescer lentamente a partir de meados do século. Mas a população da África continuará a crescer a ritmo acelerado, quase que alcançando a da Ásia perto do final do século. A da Ásia decrescerá a partir de meados do século. Para além disso, e segundo estas previsões, o crescimento populacional da África (se as previsões se revelarem certas) mais do que compensará o decrescimento da Ásia. A África viria assim a substituir a Ásia como fornecedora de mão-de-obra barata.

Previsões de crescimento populacional por continente (dados do Banco Mundial).

Concluindo, todos os números de que actualmente se dispõe, bem como as previsões de evoluções futuras facultadas pela ONU (baseadas em modelos matemáticos sofisticados) estão em desacordo com a previsão de Peter Gleick. Parece que não será tão cedo que se irá assistir à inversão da explosão demográfica a partir da segunda revolução agrícola (ver figura abaixo, [5]).

A evolução da população mundial desde o neolítico.

Note-se, porém, que já de há muito se passou de uma evolução exponencial da população (aproximadamente desde o ano 1000 até finais do século XIX) para uma evolução praticamente linear ([6]):

Crescimento da população mundial de 1950 a 2006 (Dados de [6]).

[1] No Congresso Internacional de Astronáutica de 2007 o administrador da NASA afirmou que «Em 2057, centenário da era espacial, deveremos estar a celebrar 20 anos do homem em Marte». Mas esses 20 anos serão manifestamente insuficientes para ter lugar qualquer exploração significativa de recursos do subsolo.
[2] World Population to 2300, Economic and Social Affairs Dept., UN, 2004. Ver também World Population Prospects: The 2008 Revision. Population Newsletter, no. 87, Junho 2009, Dept. Economic and Social Affairs, United Nations.
[3] Peter Gleick, The Most Important Day of the 21st Century, 6 de Junho de 2013, Science Blogs: http://scienceblogs.com/significantfigures/index.php/2013/06/06/the-most-important-day-of-the-21st-century/
[4] Citado em: Michael Roberts, The Global Search for Value, 30 de Julho de 2013: http://thenextrecession.wordpress.com/2013/07/30/the-global-search-for-value/
[5] Figura adaptada de:.Statistical Appendix. The World Economy and Developing Countries since WWII. Commission on Growth and Development (entidade patrocinada pelo Banco Mundial e pelos governos da Austrália, Suécia, Holanda e Reino Unido). A 2.ª revolução agrícola permitiu alimentar milhares de trabalhadores que no início da revolução industrial (Inglaterra, Dinamarca, Holanda) se transferiam do campo para a cidade. A dimensão dos domínios agrícolas aumentou, introduziram-se novas culturas em larga escala (milho, batata), novos métodos de preparação e rotação dos solos, plantação e colheita. Mais tarde, no séc. XIX, introduziu-se maquinaria. A pecuária também sofreu avanços notáveis.
[6] Angus Maddison, Historical Statistics of the World Economy, 1-2006. Dados do domínio público em http://www.ggdc.net/maddison/historical_statistics/horizontal-file_03-2009.xls .

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

O roubo diário dos portugueses bem denunciado em «Os que acordaram agora e os que nunca dormiram»



Num nosso anterior artigo («Portugal em queda livre»: http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2013/07/portugal-em-queda-livre.html ) mencionámos os «arranjos» de fixação de preços entre empresas (como EDP, transportes, comunicações, etc.) e o sector financeiro, «arranjos» que alimentam défices de biliões de euros que mais tarde os bancos vão receber por via dos resgates. Mencionámos, a esse propósito, uma entrevista do economista José Gomes Ferreira, na SIC em 25/3/2013, onde este esclarece bem a questão. http://www.youtube.com/watch?v=KhH3diNzhRQ.
Referimos, então, que o povo (o povo trabalhador) é duplamente roubado: roubado pelos preços artificialmente elevados e roubado mais tarde para realimentar os cofres bancários. Enquanto o segundo tipo de roubo é mensal (cortes em salários e pensões, etc.) ou anual (impostos) e «dá logo nas vistas», o primeiro é um roubo diário -- diariamente consumimos água e electricidade, pagamos transportes, etc.-- que «dá menos nas vistas»; um roubo camuflado, insinuante e sub-reptício para o qual os porta-vozes do capital arranjam justificações enganadoras nos media (inflação, aumento do preço do petróleo, etc. Eles até nem têm culpa, coitados!).
É sobre esse tipo de espantoso roubo diário que nos vamos aqui debruçar. E vamos fazê-lo divulgando (contribuindo para divulgar) uma carta aberta da autoria de Agostinho Lopes, militante destacado do PCP e ex-Deputado na AR, carta essa que tem vindo a circular na Internet. Fazemo-lo por uma dupla razão:
a) Porque é uma carta inteiramente e excepcionalmente esclarecedora da questão (muito mais do que a entrevista de JG Ferreira), revelando um excelente acompanhamento e estudo do tema. Por isso mesmo merecedora da mais ampla divulgação possível. Consideramo-la de leitura indispensável!
b) Porque é de toda a justiça realçar que, muito antes de JG Ferreira, o PCP tinha (e tem) vindo sistematicamente a denunciar a situação e, para além disso, a lutar na AR contra a roubalheira de que somos vítimas. Tem, portanto, inteira razão Agostinho Lopes quando intitula a carta «Os que acordaram agora e os que nunca dormiram».
Segue-se a referida carta com algumas notas nossas de esclarecimento de termos e siglas entre parênteses rectos. (A carta, infelizmente, pelo uso de siglas não definidas e certo jargão técnico perfeitamente escusável, compromete a divulgação por uma larga audiência; divulgação tão necessária!!!)
*    *    *
«Os que acordaram agora e os que nunca dormiram
Carta a José Gomes Ferreira
Assunto: "rendas excessivas" em sectores protegidos e entrevistas do ministro da Economia e Emprego Álvaro Santos Pereira e do ex-secretário de Estado da Energia Henrique Gomes
por Agostinho Lopes (*)
06MAI13
Caro José Gomes Ferreira
Ao visionar duas entrevistas recentes na SIC Notícias, com o ministro da Economia e Emprego (23ABR13) e com o ex-secretário de Estado da Energia Henrique Gomes (24ABR13) lembrei anteriores declarações suas, entrevistado a 25 de Março, na Edição da Tarde do SIC Notícias, sobre a captura de "rendas excessivas" por determinados sectores económicos, e que na altura, me suscitou a ideia de lhe escrever. Não o fiz então, faço-o agora, no contexto da mesma matéria reavivada pelas referidas entrevistas.
Valorizando o conjunto das denúncias feitas nas entrevistas, pela sua real importância para a generalidade dos portugueses, consumidores domésticos, e para a competitividade das empresas portuguesas, permita-me tecer algumas considerações e fazer alguns possíveis esclarecimentos.
De forma veemente, o JG Ferreira pronuncia-se contra as "rendas excessivas" capturadas por alguns sectores económicos/empresas, ditos produtores de bens e serviços não transaccionáveis [bens e serviços que, ao contrário dos transaccionáveis, não são susceptíveis de transacção nos mercados internacionais -- devido, p. ex. a custos de transporte proibitivos face ao valor intrínseco, ou por estarem intimamente relacionados com localização específica -- sendo apenas transaccionáveis no mercado interno: água, electricidade, combustíveis, transportes, saneamento, iluminação pública, etc.], e os grupos financeiros portugueses como os principais destinatários finais dessas "rendas". "O último beneficiário é o sector financeiro", diz e bem o JG Ferreira. Mas há afirmações suas que me merecem alguns comentários.
Repara [Refere] JG Ferreira que o conhecimento de tais "rendas excessivas" se verificou com o Programa da Troika. "A Troika chegou e viu"! Que ninguém fez ou tinha feito nada sobre o assunto. "Tudo isto acontece e o país assiste impávido e sereno". Que a excepção é o ministro Álvaro Santos Pereira, que por isso mesmo "os lóbis querem deitar abaixo". Que em vez da liberalização, o necessário era "tabelar o preço" e dizer-lhes, "vendem abaixo desta tabela". Que há um responsável de uma dessas empresas que diz, como o "consumo está a cair" o "preço tem de subir". E ninguém o contraria"! Para respeitar a "Lei da concorrência" "estamos a prejudicar os consumidores". Nos combustíveis "low cost" "ninguém deixa instalar estas bombas". Etc, etc, etc. (Possíveis erros na transcrição das citações!)
Ora a história destes assuntos, nomeadamente em matéria de electricidade, gás natural e combustíveis, não é bem assim!
Talvez não se tenha dado por ele, com a ideia de que o PCP é uma histórica aldeia gaulesa irredutível, mas não tem grande importância!
O que é certo é que todas estas questões e problemas foram, ao longo dos últimos anos, muitas e muitas vezes denunciadas pelo PCP. Que não se limitou às denúncias, mas apresentou soluções! Houve de facto muita gente distraída! Mas não foi o PCP. Numa Audição Parlamentar após a sua demissão, o Eng. Henrique Gomes, referiu que aqueles sectores e aquelas empresas têm um enorme poder sobre os órgãos de comunicação social (e não só, digo eu, e dirá, também, certamente o J G Ferreira!)! Daí uma enorme cortina de silêncio, que continua até hoje, e até se adensa…sobre estas questões e o PCP! [O controle da classe capitalista sobre os media que temos sistematicamente referido nos nossos artigos.]
Andou muita gente distraída sobre as denúncias e intervenções do PCP sobre o assunto. Para não maçar muito, e sem ir muito atrás, algumas breves lembranças.
No já longínquo ano de 2006, intervindo na Assembleia da República (AR) a 17 de Dezembro, sobre o aumento dos preços de venda de electricidade, referimos os vícios genéticos/estruturais desses preços como resultado da "remuneração da produção vinculada no âmbito dos CAE [Contratos de Aquisição de Energia], o excesso de produção térmica, o preço da electricidade paga na cogeração, o preço da electricidade produzida por via eólica, entre outros".
Quantas vezes referimos as consequências da segmentação (o dito, "unbundling"), numa das reestruturações da EDP, entre a produção e a distribuição, liquidando a perequação [repartição equitativa] de custos que havia ao longo da cadeia de valor do sistema e "inventando" em consequência o "Défice Tarifário" e os custos do acesso à Rede. Ou o caso absolutamente extraordinário, entre as empresas portuguesas, da justificação da ERSE [Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos] da subida desses custos (acesso às redes), porque havia redução de consumo – não é apenas o empresário, citado por JG Ferreira! (A ERSE, diz o mesmo por exemplo para o abastecimento do GN [gás natural]: "Deste modo, o menor consumo de gás natural perspectivado para o próximo ano, face ao considerado nas tarifas actualmente em vigor, resulta num aumento dos custos unitários do acesso" (Comunicado da ERSE de 15JUN12)
E tudo isto acontecia, enquanto a EDP, ia somando lucros anuais (desde 2005) superiores a mil milhões de euros! Já posteriormente, quantas vezes denunciámos o escândalo da garantia de potência, oferecida pelos Governos PS aos grandes electroprodutores (66,6 milhões em 2011!)? Ou os escandalosos mais de 24 milhões de euros anuais pagos na factura de electricidade de cada cidadão, de "rendas" das terras das barragens – expropriadas há décadas pelo Salazar a preços de miséria a muitos pequenos agricultores! (De 2010 para 2011 estas rendas passaram de 13,406 para 24,205 milhões, porque uma Portaria (542/2010 de 21 de Julho) passou o indexante de actualização do IPC [índice de Preços no Consumidor] para uma taxa swap (por onde andava já este bicho!!!) interbancária acrescida de meio ponto percentual!
E sobre os preços dos combustíveis, onde as "rendas excessivas" estão muito mais bem disfarçadas, quantas vezes questionou o PCP sucessivos ministros da Economia e secretários de estado da Energia, e a Autoridade da Concorrência (e até a Comissão Europeia por escrito e o Comissário da Concorrência Almunia oralmente), relativamente a uma questão que o JG Ferreira levanta!
O facto dos preços em Portugal antes de impostos, serem mais elevados do que na generalidade dos países da União Europeia, decorrente dos diferenciais adicionados aos índices Platts de Roterdão (referência para Portugal), serem maiores no nosso país! O que ninguém percebe, excepto a AdC [Autoridade da Concorrência], que o justifica pela posição periférica do País!!! Mas como, se os combustíveis consumidos cá, são produzidos, em geral, cá? AdC com uma também extraordinária, concepção do funcionamento do mercado grossista dos combustíveis líquidos… como é verificável num dos seus Relatórios sobre o assunto. Ou porque razão, o País não criou uma efectiva concorrência aos combustíveis líquidos, pelo uso do GN Comprimido (GNC) e GN Liquefeito (GNL), e expansão do uso do GPL, no transporte rodoviário, com o estabelecimento de redes nacionais de abastecimento de GNC e GNL, e alargamento da rede já existente de GPL! (Anote-se: uma recente Comunicação da CE (COM(2013) 17 final) e uma consequente Proposta de Directiva comunitária (COM(2013) 18 final), avançam exactamente nesta direcção! E questionar porque razão sucessivas maiorias PS, PSD e CDS chumbaram (três ou quatro vezes) o projecto de lei do PCP para a criação da rede nacional de GNC! E quantas vezes reclamamos da dita rede combustíveis low cost, de que se fala há anos?
E a pergunta a que nenhum Ministro respondeu (nem a AdC, que considerava que nas suas investigações, não tinha que analisar os lucros das empresas, apesar de confrontada com evidentes lucros de monopólio!) porque razão se multiplicaram por 5 os lucros da GALP quando por decisão do Governo PSD/CDS, foram liberalizados a partir de 1 de Janeiro de 2004, os preços dos combustíveis líquidos! De uma média de lucros anuais (depois de impostos) entre 2000/2003 de 138,8 milhões de euros, a GALP teve entre 2004 e 2011, uma média de 667,8 milhões de euros!
Quantas vezes, apresentamos projectos de resolução (PJR), com recomendações aos governos, visando atenuar, reduzir, eliminar essas rendas. Para não o sobrecarregar com informação excessiva, veja, por exemplo, o PJR 449/XII/2ª (Preços de Energia compatíveis com o poder de compra dos portugueses e a produtividade da economia nacional), e os PJR 277/XII/1ª (Preços máximos nos combustíveis, travar a especulação e PJR 343/XII/1ª (Uma estratégia para a promoção de combustíveis alternativos na mobilidade rodoviária) já com o actual Governo e maioria PSD/CDS! (documentos anexados).
E quantas vezes, foram chumbados pelo PS, PSD e CDS, os requerimentos do Grupo Parlamentar do PCP, para que fossem ouvidos os responsáveis da EDP e GALP sobre a origem dos (super)lucros das suas empresas? Muitas vezes! Com o registo, de que alguns colegas jornalistas do JG Ferreira, apodavam tais tentativas do PCP, de esclarecer as "rendas excessivas", como atitudes demagógicas!
Quem tiver dúvidas sobre o que afirmamos, pode retirá-las facilmente, pela leitura da intervenção do PCP sobre a matéria, acessível e disponível na página da net da Assembleia da República. Vantagens das novas tecnologias…
Caro JG Ferreira
Estes problemas são de facto há muito conhecidos e denunciados pelo PCP. Eles têm como raiz principal (mas não única) a privatização de grandes empresas públicas de bens e serviços essenciais, em sectores de bens não transaccionáveis (BnT), muitas vezes monopólios públicos, transformando-as em monopólios (se quiser, em oligopólios, com uma empresa dominante) privados. Associando processos de reestruturação, como o referido para a EDP, e a (aparente) liberalização dos respectivos mercados.
Aliás, a predação dos sectores de BnT sobre os sectores de bens transaccionáveis (BT) (empresas exportadoras, PME da indústria, agricultura, pescas) até está calculada. No livro "O Nó Cego da Economia", Vitor Bento, aponta um valor equivalente a 15% do PIB entre 1990 e 2010! Questão que várias vezes levantei nos debates travados na AR! É fácil perceber a enorme "fraude" e mistificação, com que tantos, tantas vezes abordam o problema da competitividade da economia portuguesa, sem qualquer referência a esta predação!
E a montagem (desmantelando outras estruturas públicas) de custosas entidades ditas reguladoras, como a prática evidencia não regulam nada… Alguém, já se interrogou (agora que se está novamente a legislar na AR sobre as ditas entidades) porque razão a ERSE não viu, não descobriu, não detectou, ao longo de anos de actividade, os 4 mil milhões de euros de rendas excessivas, que o Estudo externo mandado fazer a pedido da Troika, calculou?!
Mas é evidente, que as ditas entidades reguladoras não se libertam das teias/malhas (teóricas/neoliberais, relações de poder, promiscuidade política) da estrutura monopolista do sector de BnT! Nem os governos.
Como muito bem diz o JG Ferreira, "enquanto o governo não disser assim: quem manda no país não são meia dúzia de banqueiros e os presidentes das grandes empresas que estão no PSI 20, na Bolsa, quem manda no país não são eles, isto não muda"!
E não vai mudar, porque os que estão neste governo, como nos anteriores são os "paus mandados" dos mandantes, a tal "meia dúzia de banqueiros e os presidentes das grandes empresas que estão no PSI 20"!
E o ministro Álvaro, pese a sua farronca, não é melhor que os outros. Faz é um esforço para passar por entre os pingos da chuva… É fácil ver (um dos rapazes da Troika sinalizou-o recentemente), em matéria de rendas excessivas quase tudo continua como dantes, quartel-general em Abrantes! Na energia eléctrica, o corte de 1800 milhões (menos de 50% das rendas excessivas calculadas por entidade externa!) que era para ser feito até 2020, já foi alisado para lá dessa data até 2030, ou seja até 2020 o corte fica em 1 200 milhões.
Se quiser um Balanço recente sobre a matéria, é ler o recente estudo de Eugénio Rosa "Rendas (lucros) excessivas da EDP…" de 02MAI13 em www.eugeniorosa.com!
E porque na sua entrevista se falou da nova Lei da Concorrência, uma das ditas reformas estruturais de que se gaba o ministro A Santos Pereira, o JG Ferreira já se questionou, porque razão a dita legislação nada avançou nas matérias "posição dominante colectiva" e "abuso de dependência económica"? De facto o governo PSD/CDS, o ministro Álvaro com a tutela do tema, e a sua maioria na Assembleia da República, e também com a ajuda do PS, concretizaram uma alteração minimalista e insuficiente da legislação, impedindo – pela inviabilização das propostas do PCP – o desenvolvimento legislativo de três questões fundamentais: a introdução do conceito de "posição dominante colectiva" (hoje presente em legislação de outros países europeus), o aperfeiçoamento e tipificação do "abuso de posição dominante" e sobretudo do "abuso de dependência económica", e ainda a introdução do conceito de "dumping" e a sua penalização em termos concorrenciais. Ora eram estes progressos legislativos que poderiam fazer alguma mossa aos monopólios do sector de BnT!!!
É fácil perceber, porque razão António Mexia abriu a garrafa de champanhe, quando o Governo se viu livre de Henrique Gomes! (Poucos meses antes (Dezembro de 2011), em audição parlamentar, tinha eu feito uma profecia ao então secretário de Estado sobre o seu destino, caso levasse até ao fim a sua missão. Não me enganei!)
E não é difícil, compreender a situação de promiscuidade EDP/poder político dominante: basta olhar para a fotografia a duas páginas do Conselho de Supervisão da EDP, na revista da EDP nº 25 de fevereiro/março 2012. Só ex-ministros PS, PSD e CDS são seis (com o A Mexia são sete)! Só representantes visíveis da Banca e Grupos do PSI 20 (BCP, BES, Liberbank, J. Mello, Colep/BIG, CIMPOR, CIN) são outros tantos! Todos, naturalmente, fanáticos da austeridade e dos baixos salários (dos outros)! Acredite, JG Ferreira, a fotografia ampliada, dava um excelente cenário/pano de fundo para um debate nos Negócios da Semana, sobre energia eléctrica…
Pedindo-lhe compreensão para a extensão da missiva,
Com os meus melhores cumprimentos,
[*] Agostinho Lopes, responsável pela Comissão de Assuntos Económicos junto do CC do PCP e ex-Deputado na AR »

Três blogs de interesse



De entre vários (mas não muitos!) blogs que, no nosso entender, primam pela qualidade dos seus artigos revelando uma postura estudiosa e séria, indicamos hoje aqui três:

1 - O blog/página pessoal de Eugénio Rosa: http://www.eugeniorosa.com/
Quanto a nós este é o melhor de todos os blogs sobre temas económicos de Portugal, com análises oportunas, bem fundamentadas e fáceis de ler mesmo para o leigo em economia. Reputamos este blog de indispensável para se entender o que se está a passar em Portugal. Outros blogs de economistas portugueses são escassos e, tanto quanto pudemos observar, de fraca a muito fraca qualidade.
Eugénio Rosa é um economista doutorado pelo ISEG, com grande experiência. É consultor da CGTP e membro do C.G. da Associação Mutualista e da A.G. e supervisão da Caixa Económica Montepio Geral.
Deixamos aqui ficar duas recomendações (haveria muito mais!) de leitura:
«A quebra do investimento em Portugal»:
«Mais importante que pensar no pós-troika é impedir que a troika e este governo destruam ainda mais a economia e a sociedade portuguesa»:
Neste artigo surge (logo no início) uma expressão que pode embaraçar o leigo (muito pouco habitual nos artigos de Eugénio Rosa). Trata-se da expressão «pró-cíclica» na frase: «política recessiva pró-cíclica de cortes nos rendimentos…». Uma tendência pró-cíclica entre duas variáveis significa, no jargão dos economistas, uma tendência de correlação positiva (quando uma variável sobe a outra também tende a subir e quando uma desce a outra também tende a descer). O contrário é contra-cíclico, que significa uma correlação negativa (quando uma sobe a outra tende a descer, etc.). Neste caso, o significado da frase é de que os cortes estão a aumentar acompanhando (em correlação positiva com) o aumento da recessão.

2 – O blog de Michael Roberts: http://thenextrecession.wordpress.com/
Michael Roberts é um economista inglês, consultor de investimentos, autor do livro «The Great Recession» (ver apresentação do livro em: http://www.youtube.com/watch?v=rSDN5sbPzw8 )
Os artigos de Michael Roberts são de uma enorme ajuda para entender o que se está a passar na economia a nível mundial, em particular nas chamadas economias capitalistas desenvolvidas e nas economias emergentes (como os BRICS). Muitos artigos analisam as diversas correntes da economia e seus proeminentes defensores. Motivam também, através de comentários, a interacção com outros destacados economistas a nível internacional (alguns já por nós citados, como o Steve Keen, Andrew Kliman e José Tapia Granados). Vários artigos são de leitura fácil. Outros, exigem alguns conhecimentos técnicos. Todos de leitura instrutiva e agradável.
Já anteriormente transcrevemos (com comentários) um artigo de Michael Roberts (http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2013/06/o-restauro-do-euro-meio-cheio-ou-meio.html ). Aqui vão mais duas sugestões de leitura:
«Defending the indefensible»
«Welfare capitalism – it's just great!»

3 – O blog de Zoltan Zigedy (ZZ's blog): http://zzs-blg.blogspot.pt/
Zoltan Zigedy é um escritor e jornalista americano. O seu blog contém muitos artigos sobre temas políticos que colocam questões pertinentes e convidam à reflexão. Aqui vão duas sugestões de leitura:
«Some Marxist Ideas Made Easy»
Algumas apreciações/ilustrações do artigo têm particularmente em mente os EUA. Com modificação mínimas aplicam-se também, contudo, a Portugal e à Europa. 
«"Middle Class Revolution”: A New End of History?»
http://zzs-blg.blogspot.pt/2013/07/middle-class-revolution-new-end-of.html

sábado, 3 de agosto de 2013

Desigualdade Social: Portugal e os Outros (III)



No presente artigo completamos alguns aspectos dos precedentes (http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2013/07/desigualdade-social-portugal-e-os.html, http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2013/07/desigualdade-social-portugal-e-os_17.html). Dividimo-lo em duas secções: 1-Desigualdade Social; 2-Pobreza.
*    *    *
1 - Desigualdade Social
No artigo anterior observámos a evolução temporal da desigualdade social (medida pelo índice de Gini, IG) de alguns países que passaram por transformações económicas e sociais importantes. As observações evidenciam uma diminuição da desigualdade social na sequência de revoluções que conduzem a um sistema superior de relações sociais de produção, e, inversamente, um aumento da desigualdade na sequência de uma regressão para um sistema inferior (retrógrado) de relações sociais de produção.
Mas há mais a dizer sobre isto. A figura abaixo ([1]) mostra a evolução do IG, segundo os dados da OCDE, em 33 economias capitalistas desenvolvidas (aquelas que são estudadas pela OCDE). A evolução é representada em termos do valor médio do IG relativamente a meados dos anos oitenta (a que foi atribuído o valor 100 para fins comparativos). Vemos que em 2011 o IG subiu em média 10% face ao valor de meados dos anos oitenta. No período anterior a tendência nos países da OCDE era para o IG baixar (ver exemplos no artigo anterior). Foi a introdução das políticas neoliberais nos anos oitenta (Reagan e Thatcher), que levou ao crescimento do IG. As recentes medidas de austeridade têm continuado a sustentar o aumento de desigualdade, com as camadas pobres a ficarem mais pobres e as camadas ricas a ficarem ainda mais ricas. Um exemplo gritante é precisamente o de Portugal onde o número de milionários tem aumentado e os que já eram ricos têm ficado ainda mais ricos (conforme recentemente noticiado nos jornais).


O crescimento do IG médio nos países da OCDE a partir dos anos oitenta.

Na figura a seguir representámos a evolução mediana do IG para todos os países do mundo (para os quais há valores de IG; ver [2]) a traço preto, com uma curva de tendência a vermelho. A partir de meados dos anos oitenta, embora nos países capitalistas desenvolvidos se observasse uma tendência de crescimento do IG, não se pode dizer que tal tendência fosse observável a nível mundial. A tendência de aumento da desigualdade social a nível mundial só se verificou a partir de cerca de 1992; isto é, a partir da destruição dos sistemas socialistas da URSS e do leste europeu. Tal destruição, conforme referem vários autores (ver, em particular, [3]), para além de ter imposto o capitalismo mafioso na URSS e noutros países, acabou com as ajudas dos países de economia socialista aos países do terceiro mundo, sustentando-os nas lutas que travavam contra a penetração rapace do imperialismo, e permitiu total liberdade ao imperialismo para conduzir políticas de exploração e opressão económica em quase todo o mundo, ligando os interesses dos monopólios imperiais aos interesses das burguesias locais, com o aumento das desigualdades sociais e da pobreza.


Evolução do IG mediano para todos os países do mundo no período de 1960 a 2010, a preto, com curva de tendência a vermelho.

2 - Pobreza
Fizemos notar na parte I (http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2013/07/desigualdade-social-portugal-e-os.html) as insuficiências da utilização de um limar relativo de pobreza, do tipo «60% da mediana da distribuição do rendimento» tal como é usado no Eurostat (com a agravante da estranha visão do Eurostat tendente a exibir uma imagem da Europa sem pobreza: http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2012/11/os-10-e-os-25-do-fundo.html).
O Banco Mundial (BM) avalia a pobreza dos países em termos de limiares absolutos: 1,25, 2 ou 2,5 dólares de 2005 por dia e em paridade de poder de compra (PPC). Até aqui tudo bem. Resta saber o que faz o BM com os números que recolhe e estima.
Considere-se a notícia trombeteada em 29 de Fevereiro de 2012 por várias agências de notícias de que segundo o BM a pobreza a nível mundial tinha declinado entre 2005 e 2008. Na versão divulgada pela Bloomberg: «O Banco Mundial disse hoje que o número de pessoas que vivem com menos de 1,25$ por dia declinou entre 2005 e 2008». Uma das principais missões do BM -- instituição apresentada como uma espécie de cooperativa onde figuram 5 instituições e 187 países (mais pormenores em futuro artigo) --, é proclamada como: «Ajudar governos de países em desenvolvimento a reduzir a pobreza através de fornecimento de dinheiro e de conhecimentos técnicos que necessitem num largo leque de projectos». De facto as «ajudas» de instituições como o BM, hegemonizadas pelos EUA e vocacionadas para defender os interesses do capitalismo e do imperialismo, são frequentemente presentes envenenados. Mas, claro, o BM e outros agentes do capitalismo procuram sempre fazer passar a mensagem de que estão a resolver questões sociais a nível mundial.
Concretamente, será que é verdade que a pobreza a nível mundial declinou entre 2005 e 2008? Vamos analisar esta questão.
*    *   *
O BM procura obter dados fiáveis sobre indicadores de pobreza dos países que solicitam ajuda. Conforme descrito na respectiva folha informativa do BM ([4]) é usual os dados serem obtidos por aplicação de modelos matemáticos a valores reais provenientes de inquéritos a amostragens de famílias. Com base em tais modelos o BM quantifica a percentagem da população cujo rendimento diário (note-se: rendimento individual e não de agregado familiar) está abaixo de um certo limiar. Na informação disponibilizada na Internet, e que vai de 1978 até à actualidade, são estabelecidos dois limiares -- 1,25 e 2 dólares de 2005 em PPC. Este trabalho do BM é seguramente útil e feito, parece-nos, com o rigor possível.
Vejamos o que podemos inferir do repositório de dados do BM para 1,25$ ([5]). Ao respectivo indicador, percentagem da população que vive diariamente com menos do equivalente a 1,25 dólares de 2005, chamaremos POB1,25. Comecemos por referir que um elevado número de países não tem qualquer entrada no conjunto: para além de muitos países europeus também não aparecem quaisquer dados (seja de que ano for) de outros países; supostamente nunca foram avaliados pelo Banco ([6]) no citado período. Apenas constam 102 de 214 estados e regiões autónomas. Além disso, para estes 102 países faltam valores do POB1,25 para muitos anos: o conjunto de dados é muito rarefeito. O ano com mais valores do POB1,25 no conjunto de dados é 2008 e tem entradas para 47 países. Podemos desde já fazer uma observação para estes 47 valores: a correlação com o índice de Gini (0,25) não é estatisticamente significativa. Na figura abaixo vemos que há países com IG semelhante e POB1,25 muito diferente (casos de Moçambique e Uruguai) bem como países com POB1,25 muito semelhante e IG muito diferente (casos do Paquistão e Honduras).



Diagrama de dispersão de IG e POB1,25 (2008).

Passemos à avaliação do POB1,25 no período de 2005 a 2008. Surge um embaraço devido à rarefacção do repositório: os países que têm dados em todos esses anos são muito poucos e, obviamente, não podemos comparar anos em que entram uns países com outros anos em que entram outros. Como o ano terminal do período em causa é 2008, é-se desde logo obrigado a efectuar uma primeira operação preliminar: remover todos os países que não têm dados em 2008. Efectivamente, para poder efectuar uma análise fundamentada sobre descidas e subidas do POB1,25, para um número representativo de países e um intervalo temporal tão grande quanto possível, procedemos às seguintes operações:
a)      Eliminámos países sem valor do POB1,25 no ano de 2008, um dos anos com mais entradas no repositório: 47 países.
b)      Eliminámos países com dois ou menos valores.
c)      Considerámos um intervalo temporal abrangendo o intervalo de interesse (2005 a 2008) com menor rarefacção e boa representação dos vários continentes.
d)     Eliminámos os países que não têm valor de entrada num ano antecedendo o ano inicial do intervalo considerado em c), já que não permitem interpolações iniciais.
e)      Procedemos a interpolações lineares ([7]) para os anos em falta.
Com estas operações preliminares obteve-se a tabela abaixo com dados completos para 37 países (11 da Europa, 12 da América do Sul, 9 da Ásia e 5 de África), mais de um terço do total de países com valores no repositório.

Valores de POB1,25 para 37 países. Dados do Banco Mundial completados por interpolação linear (valores interpolados a sombreado).

1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
ARG
1,8
2,1
1,9
3,9
4,3
3,8
4
4,2
5,1
8,3
12,6
9,8
6,3
4,6
3,7
2,7
1,9
BLR
0,02
0
0,2
0,4
0,57
0,73
0,9
0,6
0,3
0,5
0,6
0,4
0,2
0,2
0,1
0,1
0,1
BOL
6,85
8,5
10,7
12,9
15
17,2
20,3
23,3
26,9
21,4
22
20
19,5
18,2
16,2
13,1
15,6
BRA
17,9
17
14,2
11,3
12,4
12,3
11
11,4
11,6
11,8
10,6
11,2
9,8
8,5
7,6
7,1
6
CAF
83,2
81,3
79,4
77,5
75,6
73,8
71,9
70
68,1
66,2
64,3
62,4
62,5
62,6
62,6
62,7
62,8
CHN
63,8
53,7
59,8
54,1
36,4
47,8
48
35,6
33,2
30,8
28,4
24,4
20,3
16,3
15,2
14,2
13,1
COL
6,3
7,98
9,65
11,3
13
14,1
15,1
16,2
17,9
19,2
20,3
19,6
19
12,7
11
8,8
11,3
CRI
8,1
6,9
5,8
6
7
5,3
4,2
5,4
5,5
6
6
5,8
5,3
3,9
4
2,2
2,4
CIV
17
17,8
19,5
21,1
22,1
23,1
24,1
23,9
23,7
23,5
23,3
23,4
23,5
23,6
23,6
23,7
23,8
HRV
0,04
0,05
0,06
0,07
0,08
0,09
0,1
0,2
0,1
0,1
0,1
0,1
0,1
0,1
0,1
0,1
0,1
DOM
4,7
4,7
4,7
4,7
4,7
5
5,07
5,13
5,2
3,7
5,7
6,6
8,1
6,1
4,2
3,8
3,3
ECU
13,8
13,9
14,1
10
11,5
13
14,5
23,9
20,7
17,9
15,0
12,2
10,7
9,1
6,1
7,2
6,5
EGY
4,1
3,7
3,3
2,9
2,5
2,33
2,15
1,98
1,8
1,84
1,88
1,92
1,96
2
1,9
1,8
1,7
SLV
15,3
13,6
11,8
10
11,5
14,5
17,4
13,8
14,1
14,4
14,8
13,3
11,5
11,6
5,3
6,6
5,4
HND
27,3
23,5
35,9
27,3
31,4
20,6
25,5
25,4
21,7
18
28,2
26,2
25,3
26,4
22,9
16,3
21,4
IDN
54,4
54,4
50,7
47,1
43,4
44,8
46,7
47,7
41,6
35,4
29,3
26,7
24,0
21,4
28,6
24,2
22,6
JOR
2,8
2,54
2,28
2,02
1,76
1,5
1,45
1,4
1,35
1,3
1,25
1,2
0,93
0,67
0,4
0,25
0,1
KAZ
3,36
4,2
4,47
4,73
5
6,72
8,44
10,2
11,9
13,6
5,2
3,1
1,7
1,05
0,4
0,2
0,1
KGZ
14,9
18,6
21,2
23,9
26,5
29,2
31,8
32,4
32,9
33,5
34
24,1
14,2
22,9
5,9
1,9
6,4
LAO
55,7
54,4
53,1
51,9
50,6
49,3
48,4
47,2
46,2
45,1
44
42,3
40,6
39,0
37,3
35,6
33,9
LVA
0
0
0
0
0,4
0,6
0
0
0
0
0
0,4
0,3
0,27
0,23
0,2
0,1
LTU
1,78
2,2
1,47
0,73
0
0,15
0,3
0,3
0,3
0,4
0,4
0,4
0,4
0,35
0,3
0,25
0,2
MRT
42,6
42,8
36,4
30
23,4
22,9
22,3
21,8
21,2
22,3
23,3
24,4
25,4
24,9
24,4
23,9
23,4
MEX
4,8
4,2
3,6
5,75
7,9
8,25
8,6
7,05
5,5
4,7
3,9
2,75
1,6
1,15
0,7
0,95
1,2
MDA
17
16,6
16,2
15,9
15,5
15,1
27,2
39
32,8
26,5
17,5
6,8
8,1
12,5
2
0,9
1,1
NER
72,8
75,5
78,2
75,7
73,1
70,6
68,0
65,5
62,9
60,4
57,8
55,3
52,8
50,2
48
45,8
43,6
PAK
61,9
59,2
56,4
53,6
50,9
48,1
38,6
29,1
31,1
33,2
35,9
31,5
27,0
22,6
22,6
21,8
21
PRY
5,2
7,3
9,4
11,5
11
10,5
13
14,2
12,7
11,1
15,8
10,7
8,1
7,2
10,9
8,8
5,6
PER
12,5
12,7
12,9
8,93
4,97
1
14,3
15,8
12,4
14,5
12,4
9,5
7,4
8,6
7,2
7,9
6,2
POL
0
4,2
3,27
2,33
1,4
0,75
0,1
0,1
0,1
0,1
0,1
0,1
0,1
0,1
0,1
0,1
0,1
ROU
0,4
0,45
5
4,18
3,35
2,53
1,7
2,7
3,7
2,7
2,9
1,9
1,4
1,2
1
0,8
0,5
RUS
1,3
1,5
1,93
2,37
2,8
2,63
2,47
2,3
1,6
0,9
0,3
0,3
0,1
0,2
0,1
0
0
SVK
0
0,08
0,15
0,23
0,3
0,29
0,28
0,26
0,25
0,24
0,23
0,21
0,2
0,2
0,1
0,1
0,1
THA
8,6
6,35
4,1
3,3
2,5
2,3
2,1
3,2
3
2,3
1,6
1,48
1,36
1,24
1
0,7
0,4
TUR
1,87
1,99
2,1
2,09
2,08
2,06
2,05
2,04
2,03
2,01
2
2,5
2,4
2
1,5
1,1
0
UKR
0
0,67
1,33
2
1,9
1,93
1,97
2
1,5
1
0,5
0,2
0,3
0,1
0,1
0,1
0
URY
0,9
0,8
0,7
0,6
0,7
0,6
0,8
0,65
0,5
0,6
0,8
1
1,2
1,4
0,7
0,5
0,3

Note-se que a tabela respeita inteiramente os dados do BM; apenas os completa de uma forma estatisticamente correcta: na ausência de informação o modelo de proporcionalidade por interpolação linear é o modelo que melhor se comporta em termos médios. Das 629 entradas da tabela 271 entradas (43,1%) foram completadas por interpolação.
Com base na tabela é agora possível calcular um valor médio do POB1,25 no período considerado. O gráfico do POB1,25 médio é mostrado na figura seguinte. Verifica-se que houve um declínio do POB1,25 médio a partir de 1999 e até 2008; isto é, a notícia da Bloomberg em sentido lato é verdadeira. Contudo, e ao contrário do que a notícia pode levar a crer, de 2007 para 2008 quase não houve descida e, além disso, a maior descida do POB1,25 médio no período 1999-2008 não foi a de 2005 para 2006 (1,27%) mas sim a de 2002 para 2003 (1,6%). Acresce que descidas do POB1,25 médio já se tinham verificado no passado; por exemplo, de 1994 a 1995 verificou-se uma descida de 0,91%, enquanto a descida de 2007 para 2008 foi bem menor: 0,11%.


POB1,25 médio dos países da tabela anterior.

Mas há mais a dizer quando se analisa a evolução do POB1,25 dos países separadamente. Concretamente, determinemos quantos países viram o seu POB1,25 diminuir no período de tempo considerado (17 anos).
Se, de forma simplista, tomarmos apenas em conta os anos inicial e final (1992 e 2008) a resposta é: 25 em 37 países (67,6%). É uma resposta que proporciona uma visão optimista mas enganadora. De facto, uma diminuição de 1992 para 2008 pode ser meramente acidental: existem muitas maneiras de escolher um ano inicial e um ano final para obter resultados optimistas! Uma possível alternativa seria determinar a diferença entre os extremos (máximo e mínimo) do POB1,25 no citado período. É, todavia, uma alternativa não razoável, porque: a) tal valor ocorre em anos diferentes nos vários países; b) pode corresponder a um acréscimo em vez de um decréscimo; c) pode ocorrer multiplamente. Por exemplo, o máximo e o mínimo do POB1,25 para a Jordânia ocorrem nos anos terminais (1992 e 2008) e verifica-se um decréscimo (de 2,7%); já para a Bielo-Rússia os extremos (máximo e mínimo) ocorrem em 1993 e 1998 e verifica-se um acréscimo; para a Letónia o máximo ocorre em 1997 (0,6%) e verifica-se existir uma multiplicidade de mínimos (0%) correspondendo a um decréscimo para alguns e a um acréscimo para outros.
De facto, a pergunta que parece mais razoável colocar é esta: ao chegar a um ano final de referência, digamos 2008, será que, baseados na amostra de 37 países, se pode concluir ter havido uma diminuição significativa da pobreza por se ter atingido o nível mais baixo do POB1,25? A resposta baseia-se no cálculo da diferença entre o valor correspondente a 2008 e o valor mínimo obtido desde o ano inicial de referência (1992) até ao penúltimo ano ([8]): 2007. O resultado é 12. Só 12 países (menos de um terço do total) chegam a 2008 com um POB1,25 menor do que já alguma vez tinham conseguido no passado (remontando a 1992). Uma resposta bem pessimista! Efectivamente, não se verificou, deste ponto de vista, nenhum progresso relativamente a 2006 e 2005 e até se verificou um retrocesso relativamente a 2007! Estas constatações ilustram bem o cuidado que é necessário ter quando deparamos com declarações optimistas de entidades oficiais baseadas em resultados médios (ou acumulados: somas). Conclusões semelhantes se retirariam se em vez do limiar 1,25$ se usassem outros limiares.
As figuras abaixo foram produzidas com os dados do BM ([9]), Mostram os milhões de pessoas, em várias regiões do mundo, que vivem abaixo de um certo limiar de rendimento diário, no período de 1981 a 2008. Para além dos habituais 1,25 $/dia e 2 $/dia, mostramos também a evolução para o limiar de 4 $/dia, valor próximo da média do RSI (rendimento social de inserção, [10]).

POB1,25
POB2
POB4
População (em milhões) que vive abaixo de um dado limiar diário de rendimento. De cima para baixo: POB1,25=1,25 $(2005)/dia, POB2=2 $(2005)/dia e POB4=4  $(2005)/dia.

Uma descida clara dos níveis de pobreza em todos os indicadores (POB1,25, POB2 e POB4) apenas se verifica nos países da Ásia Oriental e Pacífico. Para o POB1,25 verifica-se uma subida de 1981 para 2008 nos países da África subsariana, Ásia do Sul, Médio Oriente e Norte de África (pequena neste caso). Esta constatação complementa e apoia a nossa análise anterior. A situação da evolução da pobreza agrava-se quando se consideram limiares mais realistas, como o POB4 correspondente ao nosso RSI. Neste caso, as subidas são enormes em todas as regiões do mundo com excepção da Europa e Ásia Oriental e Pacífico. È claro que, tratando-se de valores acumulados, cada uma das regiões envolve situações diversas dos respectivos países. Assim, embora na Europa, na sua totalidade, haja descida da pobreza pelo POB4, o que é certo é que tal não se verifica em certos países, como Portugal, onde em vez de descer tem vindo a subir.
Note-se que na evolução do POB4 ainda se verifica uma pequena tendência (acumulada) de descida de 2002 para 2008. Se usássemos o POB5 tal tendência seria muito reduzida (quase nula).
Em suma, todas estas observações não suportam a visão optimista de que finalmente a pobreza está a descer em todo o mundo. Pelo contrário, a pobreza a nível mundial tem vindo a subir de modo significativo. As razões deste fenómeno são as mesmas que apontámos acima para a desigualdade social e que podemos resumir assim: imperialismo neroliberal à solta, sem países socialistas para o refrearem.
*    *    *
Os meios de comunicação social, dominados pelos capitalistas, constantemente procuram incutir nos cidadãos, directamente ou por formas sub-reptícias, a ideia de que a existência de pobreza é uma necessidade, nomeadamente pela falta de recursos para acabar com a pobreza. Na realidade a questão da pobreza não é uma questão da falta de recursos, mas sim uma questão da distribuição de recursos e de políticas sociais adequadas, nomeadamente as conducentes ao pleno emprego. Questões que o capitalismo, por sua própria natureza, é incapaz de resolver.
Vamos citar aqui apenas os títulos esclarecedores de dois artigos bem fundamentados da Oxfam, uma confederação internacional de 17 organizações representadas em mais de 90 países que estuda o problema de construir um «futuro livre da injustiça da pobreza»:
1 - «O rendimento anual das 100 pessoas mais ricas de todo o mundo seria suficiente para acabar quatro vezes com a pobreza global»: http://www.oxfam.org/en/pressroom/pressrelease/2013-01-19/annual-income-richest-100-people-enough-end-global-poverty-four-times
2 - «Os impostos sobre os biliões "privados" que estão hoje escondidos em paraísos fiscais seriam suficientes para acabar coma pobreza extrema, a nível mundial, duas vezes»: http://www.oxfam.org/en/eu/pressroom/pressrelease/2013-05-22/tax-havens-private-billions-could-end-extreme-poverty-twice-over .

Referências
[3] Roger Keeran, Thomas Kenny (2004) O Socialismo Traído. Por trás do colapso da União Soviética. Edições Avante! (Roger Keeran é professor no SUNY/Empire State College e Thomas Kenny é economista).
[4] Income Poverty: Data Availability and Analyses Tools (World Bank).
[5] http://data.worldbank.org/indicator/SI.POV.DDAY (consultado em Abril de 2012).
[6] Presume-se que devido a nunca terem solicitado ajuda.
[7] A interpolação linear entre dois valores rodeando valores em falta, preenche esses valores segundo uma regra simples de proporcionalidade.
[8] Note-se que o mínimo não se altera com a operação de interpolação efectuada na tabela.
[10] O Relatório do ISS de 2008 indica 84,9€ como o valor médio mensal do RSI. Este valor corresponde a 2,83€/dia. Tendo em conta a correspondência em PPC do dólar e do euro em 2008 (http://stats.oecd.org/Index.aspx?datasetcode=SNA_TABLE4), este valor corresponde a 4,35 $/dia. A diferença entre o dólar de 2005 e de 2008 é pouco importante.