Um tema que vem sendo bastante debatido nas
últimas duas ou três décadas é o da sustentabilidade do desenvolvimento económico.
Na série de artigos que hoje iniciamos propomo-nos abordar várias facetas
importantes do tema, como se segue:
I - Crescimento Populacional: o presente
artigo que divulga dados do crescimento da população do globo e suas regiões,
com implicações óbvias na sustentabilidade económica;
I I - Recursos Naturais: reservas de recursos
naturais estratégicos, em particular os ligados à produção de energia;
III - Disparidade entre Países: os mais e menos
culpados pelo gasto de recursos naturais e o que seria possível alcançar numa
perspectiva mais igualitária;
IV -
A Causa da Insutentabilidade: a
causa das causas e os mitos da social-democracia;
V - Sobreprodução-Subconsumo:
desperdício de recursos e penúria de bens, duas faces da mesma moeda;
VI - Valor
para Todos?: as contradições insustentáveis da exploração do valor do trabalho,
no capitalismo.
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É habitualmente apresentada como tese central
da sustentabilidade económica, a seguinte: dada a finitude dos recursos da
Terra, um crescimento económico ad
infinitum baseado nesses recursos é impossível. Poder-se-á pensar em obter
recursos noutros planetas, mas isso não só estará certamente relegado para
daqui a muitos anos ([1]) como não resolve um problema essencial: o dos
recursos que a própria vida criou na Terra ao longo de uma história geológica
de centenas de milhões de anos: carvão, petróleo e gás natural.
É claro que a menção «ad infinitum» é uma força de expressão; quanto mais não seja porque
a Terra e a vida que sustenta serão destruídas daqui a aproximadamente 7,59
biliões (milhares de milhões) de anos quando o Sol se transformar numa gigante
vermelha. Não há tempo infinito para a vida na Terra. Por outro lado, como centenas,
milhares, milhões ou biliões de anos são horizontes temporais para além de
qualquer futurologia da evolução da humanidade, vemo-nos restringidos a pensar
em termos da evolução populacional e das reservas de recursos num modesto
espaço de tempo, extrapolando os nossos conhecimentos actuais; com todos os
riscos inerentes a qualquer extrapolação.
No que respeita à evolução da população as
estimativas até 2050 publicadas em 2004 pela ONU ([2]) são apresentadas na figura
abaixo. Só a «estimativa baixa» prevê um decaimento populacional a partir de
2035; os números entretanto conhecidos de 2003 a 2012 (respectivamente, em
biliões e segundo dados do Banco Mundial: 12,65, 12,80, 12,96, 13,11, 13,27, 13,43, 13,59,
13,75, 13,91, 14,07) não sugerem tal estimativa, mas sim a
estimativa alta.
População total
mundial de 1950 a 2000 com estimativas até 2050
(segundo relatório do
Banco Mundial de 2004).
Num artigo recente ([3]), o cientista
americano Peter Gleick prevê que algures, por meados deste século, se assistirá
pela primeira vez ao dia a partir do qual a população mundial começa a
declinar, o dia a que ele chama «o dia mais importante do século XXI». Baseia-se,
para tal afirmação, na constatação de que em muitos países a população está a
declinar (crescimento negativo). Na lista de países que Gleick apresenta, só
constam, contudo, países de pequena dimensão, entre os quais Portugal, que
registou, pela primeira vez desde há muito tempo, um crescimento negativo em
2011 (-0,76%) e, de novo, em 2012 (-0,29%). Usando dados do Banco Mundial, o
número de países com taxa de crescimento negativa, entre 215 países e regiões
autónomas, evoluiu da seguinte forma de 2003 a 2012: 25, 24, 22, 24, 26, 27, 27, 27, 20, 22. É uma evolução que não apoia a tese de Peter Gleick.
Os 10 maiores países do mundo em termos de
população são os seguintes: China (1.344.130.000), Índia (1.241.491.960),
Estados Unidos (311.591.917), Indonésia (242.325.638), Brasil (196.655.014),
Paquistão (176.745.364), Nigéria (162470737), Bangladesh (150.493.658),
Federação Russa (142.960.000), Japão (127.817.277) e México (114.793.341). Ora,
conforme mostra a figura abaixo (sempre com dados do Banco Mundial), nesses 10
países e no mundo, a taxa de crescimento
mantém-se positiva, exibindo uma clara tendência para baixar apenas na
Índia, Brasil, Paquistão e China. A Federação Russa é um caso anómalo: a sua
população registou crescimentos negativos até 2009 em consequência de aumentos
de mortalidade (em particular, infantil) desde que o socialismo colapsou em
1990 e se assistiu à hegemonia do capitalismo mafioso.
Taxas de crescimento
populacional de oito países populosos e do Mundo.
A nível mundial a desaceleração da taxa de
crescimento tem sido bastante lenta (da ordem de 1 por 10.000 ao ano).
As últimas previsões da ONU ([4]) por
continente estão ilustradas na figura abaixo. A população europeia também continuará a decrescer.
As populações das Américas
começarão a decrescer lentamente a partir de meados do século. Mas a população da África continuará a crescer a ritmo acelerado, quase que
alcançando a da Ásia perto do final do século. A da Ásia decrescerá a partir de
meados do século. Para além disso, e segundo estas previsões, o crescimento
populacional da África (se as previsões se revelarem certas) mais do que compensará
o decrescimento da Ásia. A África viria assim a substituir a Ásia como fornecedora
de mão-de-obra barata.
Previsões de crescimento
populacional por continente (dados do Banco Mundial).
Concluindo, todos os números de que actualmente
se dispõe, bem como as previsões de evoluções futuras facultadas pela ONU (baseadas
em modelos matemáticos sofisticados) estão em desacordo com a previsão de Peter
Gleick. Parece que não será tão cedo que se irá assistir à inversão da explosão
demográfica a partir da segunda revolução agrícola (ver figura abaixo, [5]).
A evolução da
população mundial desde o neolítico.
Note-se, porém, que já de há muito se passou
de uma evolução exponencial da população (aproximadamente desde o ano 1000 até
finais do século XIX) para uma evolução praticamente linear ([6]):
Crescimento da população mundial
de 1950 a 2006 (Dados de [6]).
[1] No Congresso
Internacional de Astronáutica de 2007 o administrador da NASA afirmou que «Em
2057, centenário da era espacial, deveremos estar a celebrar 20 anos do homem
em Marte». Mas esses 20 anos serão manifestamente insuficientes para ter lugar
qualquer exploração significativa de recursos do subsolo.
[2] World Population to 2300, Economic and
Social Affairs Dept., UN, 2004. Ver também World Population Prospects: The 2008 Revision. Population Newsletter,
no. 87, Junho 2009, Dept. Economic and Social Affairs, United Nations.
[3] Peter Gleick, The Most Important Day of the 21st Century,
6 de Junho de 2013, Science Blogs: http://scienceblogs.com/significantfigures/index.php/2013/06/06/the-most-important-day-of-the-21st-century/
[4] Citado em:
Michael Roberts, The Global Search for Value, 30 de Julho de 2013: http://thenextrecession.wordpress.com/2013/07/30/the-global-search-for-value/
[5] Figura adaptada
de:.Statistical Appendix. The World Economy and Developing Countries since WWII. Commission on
Growth and Development (entidade patrocinada pelo Banco Mundial e pelos
governos da Austrália, Suécia, Holanda e Reino Unido). A 2.ª revolução agrícola
permitiu alimentar milhares de trabalhadores que no início da revolução
industrial (Inglaterra, Dinamarca, Holanda) se transferiam do campo para a cidade.
A dimensão dos domínios agrícolas aumentou, introduziram-se novas culturas em
larga escala (milho, batata), novos métodos de preparação e rotação dos solos,
plantação e colheita. Mais tarde, no séc. XIX, introduziu-se maquinaria. A
pecuária também sofreu avanços notáveis.
[6] Angus Maddison, Historical Statistics of the World Economy,
1-2006. Dados do domínio público em http://www.ggdc.net/maddison/historical_statistics/horizontal-file_03-2009.xls
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