sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Desenvolvimento Sustentável: I - Crescimento Populacional



Um tema que vem sendo bastante debatido nas últimas duas ou três décadas é o da sustentabilidade do desenvolvimento económico. Na série de artigos que hoje iniciamos propomo-nos abordar várias facetas importantes do tema, como se segue:

I -    Crescimento Populacional: o presente artigo que divulga dados do crescimento da população do globo e suas regiões, com implicações óbvias na sustentabilidade económica;
I I - Recursos Naturais: reservas de recursos naturais estratégicos, em particular os ligados à produção de energia;
III - Disparidade entre Países: os mais e menos culpados pelo gasto de recursos naturais e o que seria possível alcançar numa perspectiva mais igualitária;
IV - A Causa da Insutentabilidade: a causa das causas e os mitos da social-democracia;
V -   Sobreprodução-Subconsumo: desperdício de recursos e penúria de bens, duas faces da mesma moeda;
VI - Valor para Todos?: as contradições insustentáveis da exploração do valor do trabalho, no capitalismo.
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É habitualmente apresentada como tese central da sustentabilidade económica, a seguinte: dada a finitude dos recursos da Terra, um crescimento económico ad infinitum baseado nesses recursos é impossível. Poder-se-á pensar em obter recursos noutros planetas, mas isso não só estará certamente relegado para daqui a muitos anos ([1]) como não resolve um problema essencial: o dos recursos que a própria vida criou na Terra ao longo de uma história geológica de centenas de milhões de anos: carvão, petróleo e gás natural.
É claro que a menção «ad infinitum» é uma força de expressão; quanto mais não seja porque a Terra e a vida que sustenta serão destruídas daqui a aproximadamente 7,59 biliões (milhares de milhões) de anos quando o Sol se transformar numa gigante vermelha. Não há tempo infinito para a vida na Terra. Por outro lado, como centenas, milhares, milhões ou biliões de anos são horizontes temporais para além de qualquer futurologia da evolução da humanidade, vemo-nos restringidos a pensar em termos da evolução populacional e das reservas de recursos num modesto espaço de tempo, extrapolando os nossos conhecimentos actuais; com todos os riscos inerentes a qualquer extrapolação.
No que respeita à evolução da população as estimativas até 2050 publicadas em 2004 pela ONU ([2]) são apresentadas na figura abaixo. Só a «estimativa baixa» prevê um decaimento populacional a partir de 2035; os números entretanto conhecidos de 2003 a 2012 (respectivamente, em biliões e segundo dados do Banco Mundial: 12,65, 12,80, 12,96, 13,11, 13,27, 13,43, 13,59, 13,75, 13,91, 14,07) não sugerem tal estimativa, mas sim a estimativa alta.


População total mundial de 1950 a 2000 com estimativas até 2050
(segundo relatório do Banco Mundial de 2004).

Num artigo recente ([3]), o cientista americano Peter Gleick prevê que algures, por meados deste século, se assistirá pela primeira vez ao dia a partir do qual a população mundial começa a declinar, o dia a que ele chama «o dia mais importante do século XXI». Baseia-se, para tal afirmação, na constatação de que em muitos países a população está a declinar (crescimento negativo). Na lista de países que Gleick apresenta, só constam, contudo, países de pequena dimensão, entre os quais Portugal, que registou, pela primeira vez desde há muito tempo, um crescimento negativo em 2011 (-0,76%) e, de novo, em 2012 (-0,29%). Usando dados do Banco Mundial, o número de países com taxa de crescimento negativa, entre 215 países e regiões autónomas, evoluiu da seguinte forma de 2003 a 2012: 25, 24, 22, 24, 26, 27, 27, 27, 20, 22. É uma evolução que não apoia a tese de Peter Gleick.
Os 10 maiores países do mundo em termos de população são os seguintes: China (1.344.130.000), Índia (1.241.491.960), Estados Unidos (311.591.917), Indonésia (242.325.638), Brasil (196.655.014), Paquistão (176.745.364), Nigéria (162470737), Bangladesh (150.493.658), Federação Russa (142.960.000), Japão (127.817.277) e México (114.793.341). Ora, conforme mostra a figura abaixo (sempre com dados do Banco Mundial), nesses 10 países e no mundo, a taxa de crescimento mantém-se positiva, exibindo uma clara tendência para baixar apenas na Índia, Brasil, Paquistão e China. A Federação Russa é um caso anómalo: a sua população registou crescimentos negativos até 2009 em consequência de aumentos de mortalidade (em particular, infantil) desde que o socialismo colapsou em 1990 e se assistiu à hegemonia do capitalismo mafioso.
Taxas de crescimento populacional de oito países populosos e do Mundo.

A nível mundial a desaceleração da taxa de crescimento tem sido bastante lenta (da ordem de 1 por 10.000 ao ano).
As últimas previsões da ONU ([4]) por continente estão ilustradas na figura abaixo. A população europeia também continuará a decrescer. As populações das Américas começarão a decrescer lentamente a partir de meados do século. Mas a população da África continuará a crescer a ritmo acelerado, quase que alcançando a da Ásia perto do final do século. A da Ásia decrescerá a partir de meados do século. Para além disso, e segundo estas previsões, o crescimento populacional da África (se as previsões se revelarem certas) mais do que compensará o decrescimento da Ásia. A África viria assim a substituir a Ásia como fornecedora de mão-de-obra barata.

Previsões de crescimento populacional por continente (dados do Banco Mundial).

Concluindo, todos os números de que actualmente se dispõe, bem como as previsões de evoluções futuras facultadas pela ONU (baseadas em modelos matemáticos sofisticados) estão em desacordo com a previsão de Peter Gleick. Parece que não será tão cedo que se irá assistir à inversão da explosão demográfica a partir da segunda revolução agrícola (ver figura abaixo, [5]).

A evolução da população mundial desde o neolítico.

Note-se, porém, que já de há muito se passou de uma evolução exponencial da população (aproximadamente desde o ano 1000 até finais do século XIX) para uma evolução praticamente linear ([6]):

Crescimento da população mundial de 1950 a 2006 (Dados de [6]).

[1] No Congresso Internacional de Astronáutica de 2007 o administrador da NASA afirmou que «Em 2057, centenário da era espacial, deveremos estar a celebrar 20 anos do homem em Marte». Mas esses 20 anos serão manifestamente insuficientes para ter lugar qualquer exploração significativa de recursos do subsolo.
[2] World Population to 2300, Economic and Social Affairs Dept., UN, 2004. Ver também World Population Prospects: The 2008 Revision. Population Newsletter, no. 87, Junho 2009, Dept. Economic and Social Affairs, United Nations.
[3] Peter Gleick, The Most Important Day of the 21st Century, 6 de Junho de 2013, Science Blogs: http://scienceblogs.com/significantfigures/index.php/2013/06/06/the-most-important-day-of-the-21st-century/
[4] Citado em: Michael Roberts, The Global Search for Value, 30 de Julho de 2013: http://thenextrecession.wordpress.com/2013/07/30/the-global-search-for-value/
[5] Figura adaptada de:.Statistical Appendix. The World Economy and Developing Countries since WWII. Commission on Growth and Development (entidade patrocinada pelo Banco Mundial e pelos governos da Austrália, Suécia, Holanda e Reino Unido). A 2.ª revolução agrícola permitiu alimentar milhares de trabalhadores que no início da revolução industrial (Inglaterra, Dinamarca, Holanda) se transferiam do campo para a cidade. A dimensão dos domínios agrícolas aumentou, introduziram-se novas culturas em larga escala (milho, batata), novos métodos de preparação e rotação dos solos, plantação e colheita. Mais tarde, no séc. XIX, introduziu-se maquinaria. A pecuária também sofreu avanços notáveis.
[6] Angus Maddison, Historical Statistics of the World Economy, 1-2006. Dados do domínio público em http://www.ggdc.net/maddison/historical_statistics/horizontal-file_03-2009.xls .