quinta-feira, 26 de março de 2015

A história ignominiosa do PS: O I Governo Constitucional do PS

    Vimos no artigo anterior (http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2015/02/a-historia-ignominiosa-do-ps-de-26-de.html ) como o PS liderou com a CIA a contra-revolução de 25/11/1975, e assestou as primeiras machadadas nas conquistas da revolução com o seu Sexto Governo Provisório (ataques à Reforma Agrária e à Comunicação Social independente e democrática, saneamentos à esquerda, recuperação de figuras do fascismo, etc.).
    Entramos agora no I Governo Constitucional (23/7/1976 a 23/1/1978) quase todo do PS e chefiado por Mário Soares. Tínhamos colocado a seguinte questão no artigo anterior: «Será que é desta que vamos assistir ao PS a construir denodadamente o “socialismo democrático”, o “socialismo da abundância” e, inclusive, o “socialismo auto-gestionário” que Mário Soares tanto tinha defendido?» Questão retórica, claro. Como iremos ver, o PS do I Governo Constitucional iria revelar (factualmente e documentalmente):
    -- A sanha feroz na eliminação de todas as conquistas da revolução;
    -- A completa ausência de escrúpulos em se prestar a todas as traficâncias com a direita assumida, chegando ao cúmulo de se aliar ao CDS a meio do mandato;
    -- A recuperação empenhada do capitalismo e dos latifúndios, sem ouvir ninguém, mormente os trabalhadores, e sem qualquer contenção no uso de meios repressivos.
*    *    *
A partir do presente artigo vamos simplificar a nossa exposição restringindo-nos aos factos mais relevantes. Sublinharemos a amarelo os que nos parecem merecer maior atenção.
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I Governo Constitucional: O PS no desmantelamento feroz das conquistas democráticas e socializantes da Revolução de Abril
   
1976
Agosto
Notícia
Comentário
3/8. M. Soares apresenta o Programa do Governo num discurso de 3 horas:
«nem recuperação capitalista nem capitalismo de Estado de fachada socialista» [1]; «procurar-se-á reanimar a iniciativa privada» [2]; «coexistência concorrencial entre sectores público e privado» (aplausos do PS, PPD e CDS) [3]; «processo político das nacionalizações está encerrado» [4]; «planeada a revogação da lei da unicidade sindical» [5]; «revisão da lei da greve em marcha» [6] (aplausos do PS, PPD e CDS).
As frases-chave do discurso são um portento de direitismo -- merecedor dos aplausos do PPD e CDS -- e de hipocrisia e mentira.
Quanto ao direitismo, temos as afirmações [2], [4], [5] e [6] que anunciam os vectores de desmantelamento de «Abril». Quanto à hipocrisia, note-se a afirmação [1] que, ao gosto «esquerdista», diz, de facto, «nem capitalismo nem socialismo»; afirmação mentirosa porque o PS tudo fará pela recuperação capitalista. Hipocrisia e mentira também na afirmação [3]: os gestores que o PS nomeia para o sector público (empresas e bancos nacionalizados) tudo farão, em geral, para o destruir. Sem concorrência.
6/8. M. Soares: «o nosso objectivo é a integração económica na Europa»
Veremos mais tarde porquê.
8/8. M Soares: «seria bom que os trabalhadores dessem provas de realismo político».
«Realismo» dos trabalhadores à Soares: deixarem-se explorar «A Bem do Capital».
12/8. M. Soares: «O governo socialista já pode “reconstruir o país”».
Para o PS a reconstrução do país é a reconstrução do Capital. E a instalação dos amigalhaços «socialistas» a enriquecerem-se com a ajuda do aparelho de Estado.
20/8. M Soares apresentará ao país novas medidas de austeridade.
PSs: especialistas de longa data em austeridade. Para os trabalhadores, reformados e pensionistas, claro.
    
    O CR continua ao serviço da reacção: programa do governo PS «muito realista», diz Melo Antunes (2/8);  julgamento dos pides em conserva (6/8) mas o proeminente agente Sachetti é libertado (7/8); Comando da PSP do Porto envolvido na rede bombista (comandante Mota Freitas – protegido do CDS que a 24/12 se manifestou contrário à sua exoneração -- e 2.º comandante Sampaio Cerveira), mas nada acontece (9/8); idem, quando surgem novos acusados da PSP e o energúmeno Ferreira Torres (10/8); Spínola regressa a 12/8, vai para Caxias mas já está em liberdade e sorridente junto com Palma Carlos a 14; a 17, fica-se a saber que o chefe dos operacionais da rede bombista é Ramiro Moreira. CR impávido.
   A 18/8, diz Vasco Lourenço que se vai «atingir uma sociedade socialista em convivência democrática e em paz». Espantosa, premeditada e despudorada burla de «o Lourenço».
     A 24/8, 39 sindicatos não afectos à Inter, dos 70 que apoiaram a «carta aberta», manifestam-se em Coimbra contra a criação de nova central sindical. Demonstração clara que só os muito amarelos estavam disponíveis para a futura UGT.
    A 28/8, a CIP diz que «sector privado não teme confronto com sector público». Pudera! Com o apoio estatal do PS (e, mais tarde, do PPD, CDS) não há razão para temores. A 31/8 são lançados petardos contra fábrica em autogestão. M. Soares, um amoroso da autogestão, fica calado.
     
Setembro
Notícia
Comentário
4/9. Manuel Alegre, Secretário de Estado da Comunicação Social: «RTP ao serviço do povo».
Um brincalhão, este Alegre. Entretanto a RTP será inundada de PSs.
10/9. Medidas do governo apresentadas na AR por M. Soares. Para além de muitas pequenas medidas (do tipo alargar período de pagamento de imposto complementar) avultam: a revogação da unicidade sindical; a «regulamentação» do despedimento sem justa causa.
Ataques aos trabalhadores em marcha: desuni-los e atemorizá-los ameaçando com a perda do posto de trabalho. A Inter protesta a 16/9 junto do Ministério do Trabalho por estar a ser preparada legislação laboral sem participação dos trabalhadores. Mas os tempos tinham mudado.
21/9 Medeiros Ferreira: «ingresso no Mercado Comum considerado “essencial”».
A voz do dono.
28/9. «Saneamento à esquerda»: Sottomaior Cardia exonera o Professor Teixeira Ribeiro de Reitor da Universidade de Combra. A juventude do PPD aplaude. A Assembleia Magna da Universidade não aceita o saneamento.
Teixeira Ribeiro, de estatura moral intocável, tinha sido Vice-Primeiro-Ministro do V Governo Provisório e defensor de Vasco Gonçalves. Motivos de sobejo para o ódio cego do PS.
A 5/10 a Academia de Coimbra manifesta-se contra a exoneração de Teixeira Ribeiro e a nomeação do Reitor pelo MEIC (pelo PS).
     
    A 12/9 é anunciado que o 13.º mês será pago em títulos de Tesouro e a 27/9 é anunciado o aperto do cinto aos pobres e o alargamento aos ricos: congelar salários, aumentar preços, agravar impostos e... indemnizar capitalistas e agrários. Para supervisar a obra de «reconstrução do país» Carlucci-CIA visita a 30/9 o «rei do Norte» Pires Veloso.
    
Outubro
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Comentário
2/10. Afastados repentinamente directores militares da RTP (entre eles o tenente-coronel Pinto Simões). Despediram-se outros 3 em solidariedade com os «dignos e competentes camaradas enxovalhados».
Eis o que entendia M. Alegre a 4/9 por colocar a «RTP ao serviço do povo».
Instala-se o monopólio do PS na RTP. A 5/12 Soares inicia na TV1 o programa «Linha Directa», uma espécie de «Conversas em Família» de Marcelo Caetano à mistura com propaganda eleitoral.
13/9. Professores do Ensino Superior manifestam-se contra o MEIC de Sottomaior Cardia.
As medidas reaccionárias de Cardia (uma das figuras mais lamentáveis do PS) revoltaram alunos, professores e funcionários. Incluindo do PS. Mas... a 17/10, a JSD nas suas «jornadas democráticas» aprovou por aclamação uma moção de apoio a Cardia.
(Cardia teve depois que recuar em várias medidas.)
29/9. Congresso do PS: «não haverá debate ideológico»; mas «vai ser definida a linha política do partido».
Democracia à PS, num Congresso onde Soares «conteve ímpetos da ala esquerda» e o Ministro do Trabalho Marcelo Curto defende a «carta aberta» [futura UGT].
    
    3/10: atraso no julgamento dos pides. 9/10: julgamento dos pides mais uma vez adiado. Ex-presos politicos contra juiz que absolveu o 1.º pide julgado (11/10). Juiz que absolveu o pide fora alvo de inquérito por usar «métodos inquisitórios contrários ao princípio da investigação penal» (12/10). Julgamento do pide que asassinou o escultor José Dias Coelho adiado sine die (20/10). (Mais tarde, a 25/11 o pide que matou José Dias Coelho diz que foi acidente com arma de fogo!) Uns amigalhaços dos pides, estes democratas do PS e do CR!
    A 18/10, a CIP (que entretanto levantou a cabeça) contesta a lei sobre a autogestão e a 19/10 critica a inoperâncio do sector público (empresas nacionalizadas). No dia seguinte, a Setenave anuncia que já reparou 50 navios em 1976, dos quais 40 estrangeiros. A nacionalizada Setenave está operante.
    A 4/10 o PPD apresenta a sua nova designação: PSD. A 22/10 Octávio Pato declara ao Diário de Lisboa que o PCP não exclui uma aliança com o PSD!
    
Novembro
Notícia
Comentário
4/11. Lopes Cardoso demite-se do governo por «falta de apoio real» do governo PS (de facto, falta de apoio da clique soarista).
A demissão de Cardoso é comentada assim, a 5/11, por Amaro da Costa (CDS): «derrota para o PCP e vitória para a CAP». De facto, Cardoso não era nenhuma maravilha (ver n/ artigo anterior). Mas era bem melhor que o seu sucessor António Barreto, liquidador da Reforma Agrária.
19/11. Jaime Gama: «o Alentejo é hoje uma Bulgária em Portugal»
Para Gama os alentejanos são búlgaros.
30/11. M. Soares à chegada a Genebra: «Eu e Willy Brandt estamos completamente sintonizados».
Unha com carne... dos capitalistas alemães.
     
    1/11: Sá Carneiro em Congresso rejeita a tese da «democracia avançada», mas «queremos que se faça o socialismo»!
   Congresso do PCP (14 e 15/11): «governo PS não corresponde» («não corresponde»?), mas preconiza «maioria de esquerda» como alternativa ao governo PS e preconiza a continuação na OTAN. Vá-se lá entender!
    A 28/11, é dito num encontro em Coimbra dos sindicatos da «carta aberta»: «não à hegemonia de partidos». Como se na UGT não houvesse hegemonias de partidos! Incidentalmente, note-se que nem todos os trabalhadores portugueses mostraram (nessa época de bastante liberdade) consciência de classe. É óbvio que o «todos» nunca existe. Mas em Portugal esteve-se muito longe disso; a propaganda do clero no Norte e Centro e a contaminação social-democrata via emigrantes (cantando maravilhas sobre a França e a Alemanha) não são alheias ao facto. Exemplo demonstrativo: a 29/12, na FACAR (grande empresa nortenha de tubos de aço e moldes, intervencionada pelo Estado), a maioria votou «sim» ao regresso dos patrões (544 em 1.061). A entrega aos patrões não favoreceu os trabalhadores. Logo no início dos 1980 a empresa «entrou em crise» e veio a fechar.
     
Dezembro
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Comentário
28/12. M. Soares depois de uma visita ao Brasil: «O Presidente Geisel ... é um homem compreensivo e com uma grande abertura de espírito». Soares disse também que Geisel era um «general humaníssimo».

A visita de Soares tinha como finalidade a «conquista da confiança dos empresários». Na visita saiu-se com várias tiradas reaccionárias, como «queremos implantar em Portugal os valores cristãos da civilização». Geisel foi o general da ditadura militar-fascista brasileira que se distinguiu pela escalada do terrorismo fascista (torturas, assassinatos e desaparecimentos).
31/12. O governo negoceia com o FMI um empréstimo de 1,5 mil milhões de escudos de «ajuda» financeira.
PS: especialistas em pedidos de «ajudas» ao Império. A 19/12 Soares também tinha dito: «capital estrangeiro bem-vindo a Portugal»
     
    O que mais avulta em finais de Novembro e em Dezembro é a escalada Barreto contra a Reforma Agrária. Aqui fica o recorte final sobre este tema.
     
A Liquidação da Reforma Agrária (RA) por António Barreto
       
    Lopes Cardoso demitiu-se a 4/11 de Ministro da Agricultura. A liquidação da RA não estava a ir suficientemente depressa, como queria a clique soarista. Revela Cardoso: «O Primeiro-Ministro [Soares] reprovou-me o facto de eu não conseguir impedir o controlo do Partido Comunista no Alentejo. Só temos dois meios de combater o domínio do PC: seguir a minha política ou mandar a guarda Republicana. Como não penso que um Governo Socialista possa enviar a Guarda Republicana contra os camponeses, temo que se encontrem num beco sem saída» (citação com referência em José Soeiro, Reforma Agrária. A Revolução no Alentejo, 2013). Soares não tinha os escrúpulos de Cardoso. O que ele queria era liquidar a RA e correr com o PCP, à bala se preciso fosse. Para tal, escolheu o homem adequado: António Barreto.
    
22/11. Forças militarizadas junto às UCPs.
02/12. «Plano regulador da RA» será apresentado [por Barreto] dentro de dias.
05/12. Governador Civil de Beja (PS): «relançamento da economia acabará com a hegemonia do PC no Alentejo».
07/12. Barreto envia a GNR para impedir a ocupação de herdades que tinham sido declaradas legalmente como reservas da RA e militariza o alentejo. Barreto: «O Alentejo não será a Sibéria», «O Alentejo, tal como está, é uma empresa organizada quase militarmente para a tomada do poder, para a opressão dos trabalhadores e de todos os cidadãos alentejanos».
10/12. Barreto: «Procurou-se instaurar no Alentejo uma máquina infernal, um Estado privado.»
12/12. Manifestação na Herdade da Lobata impedida por poderosa cintura de segurança.
20/12. Barreto suspende o Centro Regional da Reforma Agrária de Portalegre.
21/12. Sindicalistas detidos sem culpa formada, por capricho de Barreto, afirmam: «Ninguém mais do que os trabalhadores quer ver cumprida a lei [da RA] com rigor». Mas é claro que a lei não interessava a Barreto e soaristas. Eles eram os donos da Lei.
    
    Com Barreto, como diz José Soeiro, irá reinar o «arbítrio, a prepotência, a ilegalidade, o estrangulamento económico e financeiro, o assalto à mão armada às UCPA, a selvajaria, a prisão arbitrária de dirigentes sindicais e das UCPA e Cooperativas, a violência física e psicológica contra os trabalhadores agrícolas, contra as UCPA e Cooperativas». Barreto será para sempre recordado como um dos mais raivosos inimigos da revolução. O livro de José Soeiro documenta bem todas as acusações contra Barreto. Alguns dos documentos são bem reveladores. Como a linguagem fascista do oficial da GNR ao perguntar à dirigente sindical Luzia Veredas se queria ser uma nova Catarina Eufémia (existem testemunhas); como a prisão sem qualquer culpa formada, dos dirigentes sindicais Luzia Veredas e José Godinho; como Jaime Neves no QG de Évora, em Dezembro de 1976, a apoiar os ataques à RA; ou, ainda, como os assassinatos dos trabalhadores António Casquinha (17 anos) e José Geraldo (57 anos) da UCP Bento Gonçalves, assassinatos que ficaram impunes até hoje numa clara ilustração do que significa a justiça no sistema capitalista!
    Para além das acções de intimidação, aliciamento de trabalhadores para saírem das UCPs, proibição de venda da cortiça, cortes no crédito, etc., António Barreto aprofundou o ataque às UCPs com a Lei de 29/9/77 que liberalizou o direito de reserva dos grandes agrários dentro das próprias UCPs (!) a qual «não será aí demarcada [dentro das UCPs] caso seja afectada a viabilidade económica da exploração delas». Na prática, os PSs à frente do Ministério da Agricultura, dos Centros da RA e de outros organismos, nunca viam que a viabilidade económica fosse afectada. Começaram as desanexações em massa com grande aparato bélico fornecido pelos governadores civis, também do PS. A lei também aumenta a pontuação das herdades expropriáveis, de 50 para 70 mil pontos, dificultando fortemente a expropriação.
    As acções de Barreto, embora não tivessem destruído totalmente a RA -- dada a grande oposição unitária dos trabalhadores e suas lutas legais, bem como o grande combate movido pelo PCP, praticamente o único partido que esteve sempre ao lado dos trabalhadores na construção e luta pela RA -- enfraqueceram-na seriamente. Além disso, Barreto serviu de batedor da direita, indicando o caminho da liquidação final da RA. Foi e será sempre este o papel histórico da «socialismo democrático» do PS: indicar à restante direita, que segue na sua esteira, como fazer para restaurar o capitalismo e, mais tarde, como implementar o neoliberalismo dominado pelo grande capital financeiro. Em 1988, já consolidado o processo anti-RA do PS, e com a adesão de Portugal à CEE, Cavaco Silva, com a conivência do PS, decretou a morte da moribunda RA com a lei 109/88 de 20/8/1988 que reconstituíu os latifúndios.
    A propósito: os ataques à RA, a violência contra as UCPs, contra os respectivos trabalhadores e sindicatos, nunca mereceram protesto dos grupos esquerdistas. O seu papel tinha-se esgotado com o 25 de Novembro. O actual MAS, contra toda a verdade histórica, tem mesmo a lata de escrever: «Durante os 18 meses do PREC, o PCP [...] opôs-se [...] à reforma agrária» (MAS: Que partido queremos?).
    O ódio imperial contra a RA ainda hoje é de monta. Em Julho de 2013 era noticiado que «O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem condenou o Estado português a pagar cerca de 1,5 milhões de euros de indemnização a famílias que viram as suas herdades expropriadas em 1975, por via da reforma agrária.» Incrível, mas verdade. Os milhares de alentejanos que ficaram na miséria com a liquidação da RA não mereceram uma tal atenção e comiseração do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
    Quanto ao povo português, o que ganhou com a destruição da RA? Nada. Só perdeu. Em produção e em bem-estar social no Alentejo. Quanto à produção, já vimos em artigo anterior como a área cultivada aumentou com a RA. O gráfico abaixo (do INE) mostra como a área cultivada tem sistematicamente diminuído desde o fim da RA.
     
1977
Janeiro
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Comentário
1/1. Bancários paralisam contra medida do Ministro das Finanças, Medina Carreira (na altura do PS) que revogou a cláusula do contrato colectivo de trabalho que limitava a 29 contos o vencimento máximo dos quadros superiores dos bancos, nomeadamente administradores.
Medina Carreira, o homem da austeridade. Mas não para os quadros superiores dos bancos. Quanto a isso, STOP!
     
    Neste mês avultam as manobras ziguezagueantes de Sá Carneiro para subir ao poleiro. A 13/1, ataca o governo: «o país está entre a bancarrota e o desenvolvimento paulatino apoiado do exterior»; a 16, recusa a ideia de uma «guerra» com o PS (está a jogar na aliança); a 23, diz que já está de bem com M. Soares; a 26, o PSD diz desejar a sua inclusão no grupo socialista da Europa.
    A 19/1 o PS procura a adesão de Portugal à CEE (os 9). Benelux e França opõem-se. As diligências irão continuar. (A 11/2 PSD também apoia adesão à CEE.) A 31/1 António Reis (PS) considera afastada a aliança com o PSD. (A 5/2 o PSD propõe na AR um «governo de  maioria».)
    A 25/1, mais agentes da pide saem em liberdade!
     
Fevereiro
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8/2. «Reorganização da imprensa estatizada»
«Reorganização» significa privatização.
22/2. M. Soares no regresso de tour pela Europa em conquista de apoios para entrada na CEE: «não podemos isoladamente caminhar para o socialismo».
Governos da CEE: uns apaixonados pelo socialismo.
     
    Mês fértil em lutas dos trabalhadores. A 5/2, na inauguração da nova fábrica da Secil, M. Soares enfrentou a crítica dos trabalhadores, cujo representante referiu entre outras coisas que a recepção a Soares lembrava as do passado. A 18, grevistas dos têxteis enfrentam cargas da GNR. A 24, os patrões dos têxteis não aparecem, conforme acordado, nas negociações com os trabalhadores; estes paralisam em todo o país. A 28, o plenário dos trabalhadores têxteis decide manter a greve. O regresso ao passado, com a repressão da GNR, agressões a trabalhadores, clima de intimidação nas empresas e a arrogância dos patrões (e de fascistas conhecidos), é cada vez mais clara.
    A 27/2 mais pides, julgados, saem em liberdade!
    
Março
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Comentário
13/3. M. Soares: «não há outra alternativa que não seja a adesão plena [à CEE]».
«não há outra alternativa» à recuperação capitalista.
23/3 Marcelo Curto anuncia todo sorridente o fim da intervenção estatal em [grandes] empresas privadas.
Mais um passo a caminho do socialismo.
     
    Continuam as lutas dos trabalhadores. A 2/3, uma força policial dispersa manifestantes dos CTT à porta do Min. do Trabalho. A 4, operários da construção civil paralisam em todo o país. A 5, a CGTP diz que as medidas anunciadas pelo governo «não têm nada a ver com o socialismo» e que, embora algumas medidas possam ter resultados positivos, as medidas mais importantes só terão impacto negativo na vida dos trabalhadores: a alteração do regime geral dos preços permitindo mais rápidos e constantes aumentos de preços por parte do patronato em artigos essenciais; o minicabaz de compras só abrange 15% das despesas familiares; o aumento de 20% do imposto sobre as transacções (futuro IVA); a modificação dos horários dos trabalhadores do comércio; o aumento das tarifas telefónicas; as medidas que levam à desvalorização do escudo. A 21, os metalúrgicos lutam pelo CCT. A 24, os antigos patrões regressam à Guérin com escolta polícial.
    A 26/3, Cunhal volta a reafirmar no Porto a ideia de «maioria de esquerda»!
     
Abril
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Comentário
3/4. Maldonado Gonelha (PS): «sindicalismo leninista acabou em Portugal».
A «carta aberta» não se vincula aos festejos da Inter e lamenta que no PREC «ser empresário é ser quase criminoso».
Gonelha é o novo Ministro de Trabalho. Irá desempenhar face aos trabalhadores industriais papel semelhante ao de Barreto face aos trabalhadores rurais.
Não existe nem nunca existiu um «sindicalismo leninista» nem os empresários foram tratados como criminosos durante o PREC. Mas Gonelha tinha de adoptar um tom histérico, anti-PCP, de criação de falsas vítimas em prol da «carta aberta» e da desunião dos trabalhadores.
14/4. Gonelha em reunião do PS onde se elaborou o «projecto sindical»: «o projecto sindical dos socialistas entrará necessariamente em choque com a Intersindical», porque «a Inter segue de perto o PCP e as concepções leninistas que o PS repudia»
Resposta da Inter: «governo utiliza as palavras “diálogo” e “concertação social” como mero expediente táctico para tentar confundir a opinião pública, porque tudo indica que irá continuar a sua política de ataques sistemáticos ao movimento sindical e às outras organizações dos trabalhaores, irá testar soluções para os problemas económicos e sociais na perspectiva do interesse dos capitalistas».
Foi exactamente o que veio a acontecer. O anti-PCP do PS – com frases erróneas mas de efeitos diabolizadores -- foi sempre uma justificação em prol dos interesses do capital.
23/4. Jaime Gama explica: 1) «socialismo democrático é o governo de uma democracia por socialistas» e 2) «Inter é a consubstanciação de uma central sindical corporativa».
E «o governo de uma democracia por socalistas que defendem o capitalismo», o que será?
Registe-se o insulto soez à Inter, comparando-a aos sindicatos corporativos do fascismo, obrigados à colaboração com o patronato. Colaboração contra a qual a Inter combateu heroicamente. Na realidade, a caracterização de Gama iria aplicar-se como uma luva à UGT. De marca PS.
     
    Este é o mês de empolamento da «carta aberta», futura UGT, visando a divisão dos trabalhadores nas suas lutas contra o patronato, atrelando-os ao carro da recuperação capitalista: a 15/4, o PS reprova a participação de militantes na Inter, o PSD diz ter «consciência da gravidade da situação» e o CDS e Secretariado Nacional do PS defendem a «criação de sindicatos paralelos aos do PCP»; a 17/4 a «carta aberta», que tinha sido um mero grupo de fura-geves dos quadros superiores, controlado pelo PS e PSD, transforma-se em «orgão intervencionista» que busca aliciar os trabalhadores menos conscientes; a 20/4 Gonelha faz uma crítica acesa ao movimento sindical: «há desemprego... como resolver... é preciso investir... mas Estado não tem para investir... como se sai daqui? É apelando ao sector privado nos seus sectores próprios» e queixa-se que a Inter se opõe a isto. Gonellha, como bom PS, só vê a saída capitalista ao «como se sai daqui?». A 18/4, Gonelha diz que «a Inter não é democrática» e «neste momento não há central sindical» (!)
    A 1/4 corre a notícia de que José Manuel de Mello (implicado no golpe do 11 de Março) regressa a administrador da Lisnave. A 13/4, o EMGFA prevê mudanças nas chefias, sendo o fascista Soares Carneiro um dos convidados.
     
Maio
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Comentário
1/5. M. Soares no regresso de Estrasburgo, sobre a nacionalização da banca: «não se pode voltar atrás».
De facto, pode, e Soares já está a tratar disso. A 17/5 é aprovada por PS e PSD uma Lei que delimita os sectores público e privado e admite que sectores que foram totalmente ou parcialmente nacionalizados passem ao sector privado.
7/4. Soares em Madrid: «PS passará à oposição se fosse imposto governo de coligação» e  «PS não entrará em governo de coligação»
Soares está a 7 meses de se desmentir. Já a 10/4 o PS-Soares manifesta «abertura do governo ao diálogo com o CDS».
8/4. Soares: «governaremos sós, não nos aliaremos» e corrige notícias vindas de Madrid: «nunca falei  que o PS passase à oposição»
A História registará o número extraordinário de correcções mentirosas de Soares, do «não disse isso».

23/4. Soares diz não às coligações.
Soares irá repetir ainda inúmeras vezes o mesmo. Até se coligar com o CDS.
31/4 Soares na Cimpor: «temos de caminhar em frente – o futuro está no socialismo!»
Como caracterizar o personagem? Impostor compulsivo?
     
    Mês anti-Cardia: a 12/5 há uma carga da PSP sobre estudantes perto do tribunal da policia onde se julgava um deles; a 13, a Academia do Porto está em greve e decorrem em todo o país manifestações de estudantes contra Cardia; a 18, o MEIC é contestado por todas as Universidades; a 22, o MEIC aceita uma contraproposta sobre os órgãos de gestão das Universidades; a 25, o MEIC «abre as portas ao diálogo com os estudantes».
    A 22/5 a comissão nacional do PS discute o «documento Gonelha»; a ala mais radical do PS abandona a sala e o documento é aprovado em família... soarista. A 23, a revelação: «PS abriu caminho ao pluralismo sindical.»
    A 27/5, o Sindicato dos Metalúrgicos de Lisboa reivindica direitos e regalias contratuais, contra uma portaria que lhes retirou esses direitos, e denuncia que 1.800.000 contos foram metidos no bolso do patronato. A fraude que dá pelo nome de Manuel Alegre procura meter medo aos metalúrgicos agitando o espantalho do Chile: «não esqueçam a lição do Chile!». Aparentemente, para Alegre, ou Soares ou Pinochet.
    Apesar da – de facto, por causa da – recuperação capitalista todos os indicadores económicos pioraram. A taxa de inflação é de 24,1%.
    O síndrome de negação do PCP continua: a 30/5 propõe entendimento com o PS!
     
Junho
Notícia
Comentário
3/6. Salgado Zenha: «PS considera o convite [para reunir com PSD e CDS] um acto de agressão». O convite tinha em vista uma «convergência democrática».
Veremos, mais tarde, a prelecção bajuladora do CDS na AR, proferida por Zenha.
9/6. Marcelo Curto afirma que, na reunião da OIT, a CGTP tinha alinhado nas votações com a URSS. (Como se isso fosse crime.)
14/6. A CGTP mostra as Actas da OIT: «Actas da OIT desmentem categoricamente Marcelo Curto».
     
    A 16/6, o Conselho de Ministros concede maiores facilidades ao capital estrangeiro, liberalizando a transferência de lucros e de dividendos.
   26/6: Está em marcha um «projecto Roque Lino» para a informação; fala-se que vão ser despedidos 2.200 trabalhadores dos jornais estatizados. A 28, o Conselho da Informação mostra-se preocupado com o «projecto Roque Lino».
    A 29/6, Sousa e Castro – que tinha afirmado que «a palavra socialismo não foi abolida do CR» é confrontado por Carlos Candal: enquanto Presidente da Comissão de Extinção da PIDE/DGS Sousa e Castro é responsável pela libertação maciça de pides. Já tínhamos referido este assunto. Sousa e Castro é uma das figuras mais sinistras do CR. (A 2/7 as Associações dos ex-presos políticos antifascistas manifestam-se contra Sousa e Castro.) Os fascistas movem-se à vontade e arrogantemente. A 29/6, Kaulza de Arriaga apresentou o MIRN - Movimento Independente para a Reconstrução Nacional.
    A 18/6, decorre o Congresso do PS francês. O PS enviou uma delegação. Jean Pierre Chevenement declara no Congresso que a  divisa do PS francês devia ser: «nem perecer -- como no Chile -- nem trair -- como em Portugal». A delegação do PS português abandona a sala.
     
Julho, Agosto e Setembro
    O ritmo da recuperação capitalista e latifundiária não agrada a todos os sectores da burguesia. Sucedem-se movimentações para rearranjo do poder. Inicialmente, por iniciativa do PSD, parece estar próximo um acordo tripartido PS-PSD-CDS (4/7 e 15/7); o CDS chega a dizer que o «governo pode cair dentro dos próximos dias» (17/7). A 23/7, o PSD passa a privilegiar o PS nos entendimentos parlamentares; está na mira um governo PS-PSD. Mas, a 31/7, há um recuo na «lua de mel» PS-PSD, talvez porque a 28/7 o PSD se absteve na votação de empréstimos externos aprovados na AR com votos do PS.
    A 6/8 o CDS fala em moção de censura até ao final do ano. 18/8: Secretariado do PS: «necessário um pacto de progresso [!]». 25/8: Soares desmente remodelação para breve e CDS procura outra dinâmica para «convergência tripartida». 26/8:  CDS volta a ameaçar com moção de censura. 27/9: PS está «confiante numa atitude patriótica [do CDS]». 28/8: «compromisso histórico a tentar pelo governo com os partidos da oposição»; de facto, só com PSD e CDS. 30/8: Sá Carneiro em reunião «secreta» a convite de Soares. 28/9: Freitas do Amaral: «desenha-se a possibilidade de um entendimento [com o PS]». 
    Agrava-se a situação económica, apesar de todas as ajudas ao capital: as exportações apenas cobrem 44% das importações (3/9); é anunciado o 2.º pacote de medidas de austeridade: nova desvalorização do escudo (embora o BdP ameace processar os jornais que falarem em próxima desvalorização do escudo!); subidas de preços incluindo gasolina e transportes (7/8). A 14/8, a gasolina fica mais cara e é  racionada, embora Soares diga na TV, a 26/8, que não «não conheceremos bichas nem racionamentos». 23/9: a taxa de desemprego é de 16%.
    De todo o cinzento panorama económico, só uma luz sobressai. Vem da Reforma Agrária: «Portugal tem [só] de importar 530 mil toneladas de trigo, 73% menos que no ano passado».
     A 2/8, M. Soares e dois ministros PS participam nas solenes exéquias do Cardeal Cerejeira, um dos maiores esteios do fascismo português. A 18/8 o CR aprova a Lei da RA!
    A 22/9, um bom exemplo de sabotagem do sector público. O patronato da construção civil tinha vindo a espalhar boatos de falta de cimento, desencadeando corridas a abastecimentos vultuosos, visando a exaustão de stocks, bichas e racionamento. (Este modus operandi da reacção é velho como o mundo e foi muito usado no Chile de Allende; aliás, deve ter sido daí que o patronato português importou a receita). Os reaccionários enfrentaram, contudo, um gestor público que não estava feito com eles. O Eng.º Torres Campos, Presidente do Conselho de Gerência da empresa pública Cimpor diz que as «notícias falsas [de falta de cimento] postas a circular em certa imprensa, no inicio do Verão [também no JN], da existência de fornos parados, levou à criação de um clima de carência com os utilizadores a anteciparem as suas aquisições, o que originou uma falta artificial. Essas notícias são uma tomada de posição de natureza essencialmente política, que tem como objectivo pôr em causa o funcionamento das empresas públicas e, assim, a existência das nacionalizações.»
     
Outubro
Notícia
Comentário
23/10. M. Soares em comício: «não contem connosco para governar connosco e à nossa custa».

Aumenta a pressão do CDS e PSD. 17/10: PSD dá prazo [para o PS se definir] até ao fim do mês. 22/10: CDS quer que PS se defina. 30/10: PSD disposto a concretizar moção de censura em Novembro.
     
    A política direitista e tecnicamente incompetente do PS é de tal monta que elementos do PS começam a contestá-la. A 6/10, 19 elementos do PS acusam a cúpula «de apoio incondicional à política suicida do governo», dizendo «Que recuperação económica?: devemos 25 milhões de contos e não temos com que pagar... Um volume grande de desemprego, uma inflação galopante atingindo níveis elevados, um investimento (público e privado) muito abaixo do previsto, endividamento externo perigosamente grave; uma desvalorização da moeda que rondará os 40% em Dezembro [...]». A 10/10, Manuela Silva, ex-Secretária de Estado do Planeamento justifica a saída do governo: «medidas económicas não estão de acordo com o projecto socialista». Até o direitista Medeiros Ferreira está zangado! A 12/10 justifica a sua demissão dos Negócios Estrangeiros: «tomei conhecimento de factos dolorosos que a minha dignidade não podia aceitar... mesmo do primeiro-ministro». M. Soares desmentiu a seguir ter feito «diplomacias paralelas». Mas já sabemos o que valem os desmentidos de Soares...
    A 11/10 é noticiado que vem aí o pacote 3 do FMI. A 26/10, que o supremo tribunal militar libertou o pide Mortágua.

Novembro
Notícia
Comentário
17/10. Roque Lino demitiu-se de Secretário de Estado da Comunicação Social. Motivo: o seu chefe de gabinete foi preso e acusado de crime (rede de tráfico de capitais e de automóveis).
O primeiro caso retumbante pós-25 de Abril de comportamento criminoso de altas figuras do Estado.
Chancela: PS.
     
    A 12/11, o CDS reafirma «ou pacto ou moção de censura». A 13, António Reis diz que «PS nunca fará acordos com apenas um partido». A 14, Salgado Zenha afirma que «confrontos entre portugueses seriam agravados pela entrada de outro partido no governo».
    Carlucci-CIA tem a 4/11  uma audiência em Belém. Quer saber como está a ir a colónia e deixar umas dicas de como resolver a situação. Para Carlucci-CIA um governo com CDS seria, sem dúvida, interessante
    15/11, caso «ALGOT»: governo acusado de indiferença face ao despedimento eminente de 1.200 trabalhadores. 25/11: défice da balança comercial está agora em 83%! 30/11: PS vai apresentar moção de confiança.
     
Dezembro
    A 6/12, é apresentada na AR a moção de confiança do PS. Chumba.
    As reservas de divisas só dão para 4 a 6 semanas (14/12) e Eanes vai à RFA, como um mendigo de mão estendida, e em substituição de funções governamentais, apelar ao investimento (12/12). Sabe-se que já prepara o II Governo (10/12). Há dias em que uma coisa e a sua contrária são noticiadas, como a 22/12: «Acordo PS-CDS esteve iminente. Socialistas mais virados outra vez para o PSD?»
    Algum temor do PS de ser ultrapassado à direita leva Jaime Gama a dizer, a 5/12, em Aveiro: «isolamento do partido comunista prejudicaria o campo democrático». Tese logo esquecida. O patético apelo de Carlos Brito à «maioria de esquerda» a 8/12 na AR, logo mostrou à direita que o PCP estava firme numa posição reformista e fora da realidade, que não incomodava minimamente as manobras da direita.
    A 29/12, é oficial: Soares é convidado a formar governo. A 30/12, os  «socialistas e centristas [estão] mais próximos uns dos outros».
    
1978
Janeiro
Notícia
Comentário
13/1. O Presidente da RTP, o militante do PS Edmundo Pedro, é detido por posse de dezenas de G3: «eram para defender [em 25/11/75] a Constituição», diz ele. As armas destinar-se-iam à «luta antitotalitára», «pensa» (sic) o Secretariado Nacional do PS. Opinião de um administrador PS da RTP: «uma situação aborrecida». Como quem diz: não havia necessidade de ter divulgado isto.

Eis, finalmente, revelado o «mistério» das armas que tinham desaparecido de Beirolas pouco antes do 25 de Novembro de 1975! As tais que estavam nas mãos dos comunistas para fazer a guerra civil. Afinal – surpresa! -- estavam nas mãos do PS. E estavam nas mãos do PS com o amén de militares ligados aos Nove. De facto, a 14/1, é noticiado que o Estado-Maior do Exército «confirma a distribuição de armas no 25 de Novembro». Só no dia 25? A 17/1, consta que o general Galvão de Figueiredo, à data vice-chefe do EME – logo, tutelado por Vasco Lourenço – teria sido o entregador das armas. Muitos pormenores deste «mistério» ainda hoje não foram trazidos à luz do dia. E há quem os conheça.
20/1. Edmundo Pedro pediu demissão da RTP e de dirigente do PS. Salgado Zenha: «democrática e patriótica a solução adoptada» e que «vivemos em ditadura durante 50 anos, habituamo-nos a certos maniqueismos de linguagem e de tipo mental, [...]».
Segundo Zenha, há que dizer o melhor possível de Edmundo Pedro. Um democrata e um patriota. Nada de maniqueísmos de linguagem! Safa!
     
   A 6/1, sabe-se que um acordo PS-CDS irá ser brevemente anunciado, apesar de todas as afirmações contrárias, de poucos dias antes, proferidas por altíssimos dirigentes do PS (ver acima). A 11, é noticiado que o FMI em Lisboa forçou a solução. A 19, é oficial: o PS faz governo com o CDS. A 22, Manuel Alegre diz que «o governo não é de coligação mas sim de base PS com personalidades centristas»! A 26, Salgado Zenha diz que o novo governo vai «fortificar a democracia». A 31, tem lugar a 1.ª reunião do novo conselho de ministros. O reaccionário coronel Firmino Miguel, Ministro da Defesa, é o n.º 2 do governo.
    A sabotagem económica continua: açambarcamento -- a 3/1 é noticiado que grandes quantidades de batata apodrecem nos armazéns – e especulação -- a 27/1 são detectados crimes de especulação de preços em cinco empresas. A 7/12/77 um dos gurus do neoliberalismo, Frederico von Hayek, tinha dito no Grémio Literário em Lisboa: «justiça social é impossível com a planificação económica». Portugal estava já, pela mão do PS, nesse bom caminho. Quanto mais à solta estiver o Capital, melhor!
*    *    *

    Janeiro de 1978. Três anos e oito meses depois do 25 de Abril de 1974 o PS tinha efectuado uma viragem de 180º. Da grandiloquente vozearia a favor do marxismo, do socialismo auto-gestionário, do «É aos trabalhadores que compete organizar a democracia» (Mário Soares à chegada a Lisboa em 28/4/74), nada restava. O PS, tendo liderado com a CIA a vitória da contra-revolução, não tinha agora os mínimos escrúpulos em aliar-se à extrema-direita, ao CDS, onde se acolitavam muitas figuras do antigamente. Algo na altura julgado impossível. Quer por muitos do PS quer pelos comunistas subscritores da peregrina ideia da «maioria de esquerda»!

quinta-feira, 12 de março de 2015

Ciência e Marxismo: Materialismo Histórico (1)

Preâmbulo
    
    Nos artigos anteriores ([1]) debruçámo-nos sobre dois pilares fundamentais da ciência: o postulado básico do materialismo (ou realismo, como usam dizer os cientistas receosos de conotações políticas) e o método dialéctico. Karl Marx e Friedrich Engels aplicaram de forma pioneira esses pilares na construção da teoria científica explicativa da evolução das sociedades humanas: o materialismo histórico. Karl Marx, para além disso, procedeu durante muitos anos à análise da economia capitalista, de que resultou a sua obra magna: O Capital.
    Em O Capital, Marx apresenta frequentemente análises da evolução de sistemas socio-económicos, baseadas no materialismo histórico. Todavia, o que mais releva nesta sua obra são as investigações, os resultados e as leis da economia capitalista que descobriu. O seu cunho específico de tratado de economia motiva que deixemos para artigos específicos este assunto. Vamos, por conseguinte, cingir-nos na conclusão da nossa série de «Ciência e Marxismo» à apresentação de alguns aspectos do materialismo histórico que nos parecem de maior interesse, designadamente na compreensão da história e da política.
    Neste artigo apresentamos as duas grandes teorias evolutivas surgidas nos meados do século XIX: o materialismo histórico e a teoria da evolução das espécies por selecção natural. Procuraremos, de forma sucinta, expor alguns aspectos semelhantes nas duas teorias bem como os abusos que alguns têm feito dessas semelhanças. Em artigos posteriores argumentaremos o estatuto científico do materialismo histórico. Para tal tencionamos abordar sucessivamente os temas «História: acaso ou lei?», «leis científicas», «predições e retrodições», «evolução dos sistemas socio-económicos», «o materialismo histórico hoje».
*    *    *
1 Duas Obras que Abalaram o Mundo
1.1 O Manifesto do Partido Comunista de Marx e Engels
1.2 A Origem das Espécies de Darwin
1.3 Marxismo e Darwinismo
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1 Duas Obras que Abalaram o Mundo
     
1.1 O Manifesto do Partido Comunista de Marx e Engels
    
    Em Fevereiro de 1848 apareceu num jornal para emigrantes alemães em Londres, o Deutschen Londoner Zeitung, uma obra intitulada Manifest der Kommunistischen Partei (Manifesto do Partido Comunista) da autoria de Karl Marx e Friedrich Engels. Karl Marx era Doutor em filosofia (com uma tese sobre os antigos filósofos materialistas Demócrito e Epicuro), filósofo, escritor e jornalista político, e mais tarde economista auto-didacta. Friedrich Engels, filho de um industrial de algodão em Manchester, tinha tido ensejo de estudar as condições de trabalho e vida do proletariado inglês, tornando-se um escritor político. O Manifesto, escrito como veículo de esclarecimento e agitação política da Liga dos Comunistas (1847-1852) – a primeira organização internacional do proletariado em cuja criação Marx e Engels tiveram um papel destacado – deu brado. Foi rapidamente traduzido e publicado em inglês em 1850 e em várias outras línguas europeias nos anos seguintes ([2]).
    O comunismo, como ideologia de conteúdo impreciso, não era criação de Marx e Engels. Remontava a Grachus Babeuf em França (jornalista que tinha participado na Revolução Francesa e sido executado em 1797 pelo seu papel na Conspiração dos Iguais), sendo mais tarde defendido em vários matizes por uma série de personalidades destacadas, francesas e inglesas. O que era novo, sim, era o cuidado científico que Marx e Engels colocavam nas suas análises, que as tornavam sumamente perigosas para a classe dominante na Europa: a burguesia. Antes de Marx e Engels socialismo e comunismo tinham sido meras curiosidades e utopias; algumas, contudo, tendo sido experimentadas na prática, como os falanstérios de Carles Fourier ([3]).
    Com o Manifesto de Marx e Engels a compreensão do papel historicamente transitório do capitalismo e da burguesia tornou-se esmagadora. Um claro sintoma disso é que antes de Marx e Engels nunca a Igreja e o papado – que sempre foram esteios ideológicos das classes dominantes – se incomodaram muito com socialismo e comunismo. Mas em 1849, precisamente um ano depois da publicação do Manifesto, o Papa Pio IX (o Papa que se autodeclarou infalível) sentiu-se motivado a publicar a encíclica Nostis et Nobiscum onde afirma: «Quanto a estes ensinamentos e a estas teorias é agora do conhecimento geral que o fim específico dos seus proponentes é introduzir no povo as ficções perniciosas do socialismo e comunismo usando erradamente as palavras “liberdade” e “igualdade”. O objectivo final [...] é excitar por contínuos distúrbios os trabalhadores e outros, em especial os da classe mais baixa [...] Estão a prepará-los para a pilhagem, o roubo e a usurpação, primeiro da propriedade da Igreja e depois da de todos os demais. A seguir profanarão todas as leis, humanas e divinas, destruirão a adoração divina e subverterão toda a ordem das sociedades civis» ([4]).
    Imagem brutal que apresentava socialistas e comunistas (a distinção não era clara na época) quais piratas sedentos de pilhagens, escorrendo sangue e com o punhal entre os dentes ([5]). Tudo isto porque não se tratava apenas de uma vaga e vâ ameaça à classe dominante; tratava-se de uma ameaça concreta, cientificamente fundamentada. De facto, como dizia Engels no Prefácio à edição do Manifesto de 1883 ([6]):
    «O pensamento fundamental que percorre o Manifesto: que a produção económica, e a articulação social que dela com necessidade decorre, de qualquer época histórica, forma a base da história política e intelectual dessa época; que, consequentemente, toda a história (desde a dissolução da antiquíssima posse comum do solo) tem sido uma história de lutas de classes, lutas entre classes exploradas e exploradoras, dominadas e dominantes, em diversos estádios do desenvolvimento social; que esta luta, porém, atingiu agora um estádio em que a classe explorada e oprimida (o proletariado) já não se pode libertar da classe exploradora e opressora (a burguesia) sem simultaneamente libertar para sempre a sociedade toda da exploração, da opressão e das lutas de classes – este pensamento fundamental pertence única e exclusivamente a Marx.»
    A natureza científica de uma teoria evolutiva da história assente em causas materiais – «a produção económica, e a articulação social que dela com necessidade decorre» – transparece neste trecho do Prefácio de Engels. A concepção materialista da história remontava, contudo, a uma obra de Marx e Engels anterior ao ManifestoA Ideologia Alemã, de 1845 – e a uma obra de Marx do mesmo ano, as famosas Teses sobre Feuerbach. A concepção deu lugar a uma teoria bem alicerçada e explanada em obras posteriores, designadamente nos Fundamentos da Crítica da Economia Política (1857-61) e n’ O Capital (vol. I de 1867) de Marx, bem como no Anti-Dühring (1878) e n’A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado (1884) de Engels.
    De realçar que nunca anteriormente a Marx e Engels alguém tinha sequer sugerido a possibilidade de uma teoria evolutiva e materialista da história. Para os que criticavam (e criticam) o materialismo histórico de Marx e Engels, não era (é) a ideia de evolução na história que era (é) difícil de aceitar. Toda a gente aceita que houve evolução na história. Difícil, sim, era aceitar a existência de causas materiais da evolução e de que a causa última era a produção de bens. Causas que prescindiam de Deus (como toda a ciência prescinde) e que explicavam a transitoriedade de modos de produção e de classes dominantes, prevendo em particular a transitoriedade do modo de produção capitalista e da burguesia.
     
1.2 A Origem das Espécies de Darwin
     
    Em 1859, onze anos depois da publicação do Manifesto, apareceu, também em Londres, o livro de Charles Darwin popularmente designado por A Origem das Espécies ([7]). Ao contrário de Marx e Engels, Darwin era já um cientista de renome. Isto não o livrou, contudo, de receber uma maioria de críticas desfavoráveis e até exaltadas do lado da Igreja, como a do geólogo e padre anglicano Adam Sedgewick num jornal da época ([8]): «Não posso concluir sem expressar o meu profundo ódio à teoria [de Darwin], pelo seu materialismo cheio de determinação [...]; pelo seu repúdio total das causas finais, que assim indica uma compreensão destituída de moralidade por parte dos seus proponentes». Um concílio de bispos alemães em 1860 também se pronunciou deste modo: «Os nossos primeiros pais foram formados imediatamente por Deus. Por isso, declaramos que a opinião daqueles que não receiam dizer que o ser humano, o homem enquanto corpo, surgiu no fim de uma mudança contínua e espontânea da natureza imperfeita para a mais perfeita, é claramente oposta à Sagrada Escritura e à Fé».
  Manifestações, portanto, de repúdio do materialismo, da ideia de evolução material, de se ter prescindido da divindade como causa final.
    Efectivamente, Darwin seguiu na sua obra o postulado de que qualquer teoria explicativa das espécies vivas deveria ser materialista para ser científica – excluindo, portanto, o desígnio do Criador ou misteriosas forças vitais –, evolutiva e capaz de explicar o aparecimento da espécie humana. A teoria darwiniana partia da constatação da existência de variabilidade populacional e da hereditariedade, postulando um «mecanismo» material – a «luta pela existência» devido à pressão populacional e o desempenho relativo nessa luta – que levaria a que indivíduos com características favoráveis (melhor desempenho) pudessem mais facilmente transmitir essas características à geração seguinte, enquanto os possuidores de características desfavoráveis teriam dificuldades nessa transmissão hereditária.
    Note-se que entre os cientistas da época a ideia da evolução das espécies não era inteiramente nova. Lamarck, Diderot, Holbach, Maupertuis e Buffon já tinham expressado essa ideia ainda que de forma especulativa, sem alicerces sólidos nas observações empíricas. Além disso, a questão da «origem» não estava resolvida. Lamarck, por exemplo, embora rejeitasse a ideia de Deus, admitia a evolução de ramos separados de organismos levada a cabo por misteriosas forças vitais teleológicas ([9]). As ideias evolucionistas tiveram também de sustentar um duro combate contra as ideias metafísicas de ausência de evolução (o chamado essencialismo), como as do mais proeminente geólogo da época, Charles Lyell, que criticou Lamarck por este defender a evolução das espécies.
    Apesar das oposições (que persistiram até hoje entre os criacionistas religiosos dos EUA, Alemanha, Turquia e de outros países) a Teoria da Selecção Natural conheceu de imediato uma grande aceitação do mundo científico ([10]). É hoje uma teoria sólida, com alicerces provenientes de várias áreas científicas, como a paleontologia, a anatomia comparada, a genética, etc. Todos os dias a teoria recebe novas confirmações. A sua aceitação é praticamente universal embora, como em todas as teorias científicas, subsistam aspectos que exigem novos aportes explicativos (por exemplo, a transição do mundo inorgânico para o orgânico).
     
1.3 Marxismo e Darwinismo
     
    O Materialismo Histórico (MH) e a Teoria da Selecção Natural (TSN) são teorias evolutivas baseadas num mecanismo ou «força motriz» material: a produção de bens usados pelas sociedades humanas, no caso do MH; o desempenho dos seres vivos na luta pela existência, no caso da TSN.
    Diz assim o cientista Anton Pannekoek ([11]): «Se olharmos para o marxismo vemos uma grande conformidade com o darwinismo. Tal como com Darwin, a importância científica do trabalho de Marx consiste em que ele descobriu a força propulsora, a causa do desenvolvimento social. Ele não teve de provar que tal desenvolvimento ocorria; toda a gente sabia que desde os tempos mais primitivos novas formas sociais sempre suplantaram as mais antigas, mas as causas e os objectivos desse desenvolvimento eram desconhecidos».
    Ao contrário de uma crença ainda hoje generalizada, também o reconhecimento da existência de classes sociais e lutas de classes não se deve a Marx ([12]); muito antes de Marx já outros tinham reconhecido isso, quer protagonistas destacados da Revolução Francesa quer historiadores burgueses como François Mignet (1796-1884) que disse assim na sua História da Revolução Francesa: «as classes aristocráticas tinham interesses que eram opostos aos do partido nacional. Por isso a nobreza e o alto clero, que se sentavam à direita, estavam constantemente em oposição a esse partido, excepto durante alguns dias de entusiasmo universal» ([13]).
    Marx também tinha testemunhado em vários países lutas de classes. Tinha visto em Inglaterra lutas entre agricultores e capitalistas industriais, e entre estes e trabalhadores. De onde provinham estas classes e seus antagonismos? A grande contribuição de Marx (com a colaboração de Engels) foi mostrar que as distinções de classe tinham a ver com as funções que cada uma desempenhava no processo produtivo. Diz Pannekoek a esse propósito: «É a produção das necessidades materiais da vida que forma a estrutura principal da sociedade e que determina as relações políticas e as lutas sociais» e «É o desenvolvimento de ferramentas, dessas ajudas técnicas que os homens dirigem, que é a causa principal, a força propulsora de todo o desenvolvimento social. [...] Isso leva a novas relações de classe, novas instituições sociais e novas classes. [...] As classes que predominam no velho processo de produção procuram preservar artificialmente as suas instituições, enquanto as classes emergentes procuram promover o novo processo de produção […]».
    Portanto, quer no marxismo (MH) quer no darwinismo (TSN), temos: 1) variabilidade populacional, 2) uma força motriz material da evolução, e 3) novas entidades que ao longo da evolução emergem e substituem as antigas num processo dialéctico (ver nosso artigo sobre dialéctica: [14]).
    Marx e Engels compreenderam de imediato a enorme importância da teoria de Darwin. Engels obteve uma das primeiras cópias d’A Origem das Espécies e logo escreveu a Marx ([15]): «A propósito, Darwin, que estou agora a ler é absolutamente esplêndido. Havia um aspecto da teleologia que ainda tinha de ser demolido e isso foi feito agora. Nunca até hoje tinha sido feita uma tentativa tão grandiosa de demonstrar a evolução histórica na natureza e seguramente nunca com tão bom efeito.» Um ano mais tarde, depois de ler a obra de Darwin, Marx também elogia a teoria de Darwin (em carta a Ferdinand Lassalle citada em [15]) e frequenta as lições públicas sobre a teoria da evolução proferidas por Thomas Huxley (1862).
    Mais tarde Marx ofereceu uma cópia d’O Capital a Darwin, tendo este agradecido em carta enviada a Marx (1873) desta forma ([16]): «Caro Senhor: Agradeço-lhe a honra que me fez de me enviar a sua grande obra sobre o Capital, e sinceramente desejaria ser mais merecedor de recebê-la, de compreender mais do tema importante e profundo da economia política. Apesar dos nossos estudos terem sido tão distintos, acredito que ambos desejamos profundamente a extensão do conhecimento e que tal a longo prazo certamente contribuirá para a felicidade da humanidade.»
    Em suma, como é dito em [15]: «Darwin fez para a compreensão da natureza o que Marx e Engels fizeram para a compreensão da sociedade humana – derrubaram a teleologia e o essencialismo [metafísica] e estabeleceram uma base materialista para a compreensão de como os organismos evoluem.»
    Apesar das semelhanças metodológicas e estruturais entre o MH e a TSN é óbvio que as diferenças entre as duas teorias são enormes. Nem poderia ser de outro modo. O homem é dotado de razão e linguagem, que permitem a transmissão e enriquecimento de ideias; fabrica, aperfeiçoa e projecta utensílios, enquanto as ferramentas usadas por alguns animais são ferramentas de ocasião que encontra na natureza; a sociabilidade humana é muito diferente da sociabilidade dos animais sociáveis; as leis sociais das sociedades humanas não são, como nos animais sociais, um mero prolongamento das leis biológicas. (Ver mais sobre este tema em [11].)
    É importante realçar estes aspectos porque, passados os primeiros anos de alguma perplexidade com a TSN por parte da burguesia, esta soube digerir a seu favor a «selecção natural». Serviu-se, para tal, dos argumentos do filósofo burguês Herbert Spencer (1820-1903), o criador da tese da «sobrevivência dos melhor dotados» ou «dos mais fortes» que justificou a tendência predatória e cruel do capitalismo em nome do sucesso dos mais fortes, dos mais bem dotados (de saúde, de força física, de capacidade dominadora, etc.). Spencer defendia que, tal como entre os animais eram os mais fortes que eliminavam os mais fracos na luta pela existência, o que conduzia ao apuramento da «raça», também na sociedade humana o mesmo deveria ter lugar, pelo que se deveria eliminar a educação pública, as bibliotecas públicas, as campanhas de vacinação, as leis de segurança no trabalho e mesmo o apoio aos «pobres não merecedores».
    De facto, a competição social nas sociedades humanas tem muito pouco a ver com «fortaleza» ou «fraqueza» no sentido usual. No sistema capitalista a causa determinante de sucesso é a capacidade de acumular e dispôr de grandes capitais, embora os bem-sucedidos possam ser física e mentalmente fracos e mal dotados. Não são as qualidades pessoais que determinam o sucesso da competição capitalista; os pequenos capitalistas soçobram muitas vezes na competição não por serem «homens fracos» mas porque dispõem de menos capital, de menos capacidade de influir no governo, etc. Por outro lado, os trabalhadores não competem com os capitalistas. Dado não possuírem capitais só lhes resta vender a sua força de trabalho, ainda que fossem melhor dotados fisicamente e mentalmente que os seus patrões. Muitas vezes caem na pobreza não por falta de qualidades mas porque sempre foram mal pagos e ficaram sem emprego. São as leis económicas e sociais do capitalismo que fazem com que uma enorme multidão de bem dotados sucumba, e o mesmo aconteceu ao longo da história com outros sistemas socio-económicos baseados em classes.
    As leis biológicas do darwinismo não podem pura e simplesmente aplicar-se às sociedades humanas.
    Como se sabe, os nazis foram (são) grandes apoiantes do social-darwinismo de Spencer. Em nome dele escravizaram as raças «pior dotadas» e aplicaram as «leis eugénicas» na eliminação de milhares de deficientes e «doentes genéticos» em centros especiais. Mas não foram (são) só os nazis que simpatizaram com o social-darwinismo. Numa aula de catequese em Nova Iorque disse assim o magnate John D. Rockefeller ([15]): «O crescimento dos grandes negócios é apenas a sobrevivência dos mais fortes... A rosa American Beauty só pode ser produzida no esplendor e fragrância que alegram quem a contempla porque os botões temporões em torno dela são sacrificados. Isto não é uma tendência malévola nos negócios. É simplesmente o funcionamento de uma lei da natureza e uma lei de Deus».
    O social-darwinismo continua vivo no actual pensamento neoliberal, com a sua defesa dos grandes monopólios, melhor dotados para vencer a competição «darwiniana» nos mercados (não importa como), a promoção dos resgates dos «demasiadamente grandes para sucumbir» e, simultâneamente, a condenação de serviços sociais que só interessam aos mais fracos. E, sem dúvida, nazis, Rockefellers e neoliberais estavam (estão) de acordo com Spencer quando este disse: «O socialismo, tendo como finalidade abolir a luta pela existência no mundo humano trará necessariamente uma crescente deterioração física e mental».
Foreword
    
    We discussed two fundamental principles of science in preceding articles ([1]): the basic postulate of materialism (or realism, as use to say scientists afraid of political connotations) and the dialectical method. Karl Marx and Friedrich Engels applied these principles in a pioneer way to the construction of the scientific theory explaining the evolution of human societies: the historical materialism. Furthermore, Karl Marx proceeded during many years to the analysis of capitalist economy, the outcome of which was his magnum opus Capital.
    Marx often presents analyses of socio-economic systems in Capital, which are based on historical materialism. Nonetheless, what stands out in this work of his are the investigations, the results, and the laws of capitalist economy that he discovered. Its specific stamp of a tretatise on economics motivates us to leave this matter to specific articles. Consequently, we will restrict ourselves in the conclusion of our series "Science and Marxism" to the presentation of some aspects of historical materialism that we believe having relevant interest, namely in the understanding of history and politics.
    In this article we present the two grand evolutive theories that made their appearance in the middle of the 19th century: the historical materialism and the theory of evolution of species by natural selection. We will attempt to briefly bring forward some similarities of both theories as well as the abuses that some have made of these similarities. In following articles we will sustain the scientific status of historical materialism. To achieve this purpose we intend to discuss in sequence the following topics: "History: chance or law?", "scientific laws", "predictions and retrodictions", "evolution of socio-economic systems", "historical materialism today".
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1 Two Works that Shook the World
1.1 Marx and Engels' Manifesto of the Communist Party
1.2 Darwin's The Origin of Species
1.3 Marxism an Darwinism
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1 Two Works that Shook the World
     
1.1 Marx and Engels' Manifesto of the Communist Party
     
    In February 1848 a manuscript with the title Manifest der Kommunistischen Partei (Manifesto of the Communist Party) and whose authors were Karl Marx and Friedrich Engels appeared in a London newspaper for German emigrants, the Deutschen Londoner Zeitung. Karl Marx had a Ph.D. in philosophy (with a thesis on the ancient materialist philosophers Democritus and Epicurus); he was a philosopher and political writer and journalist, and later a self-learned economist. Friedrich Engels, son of a cotton industrialist in Manchester, had had the opportunity to study the working and living conditions of the English proletariat, and had become a political writer. The Manifesto, intended as a vehicle of political enlightenment and agitation of the Communist League (1847-1852) – the first international organization of the proletariat, in whose constitution Marx and Engels had a prominent role – stirred up attentions. It was quickly translated and published in English in 1850 and in several other European languages in the following years ([2]).
    Communism, as an ideology with imprecise content, was not a creation of Marx and Engels. It reached back to Grachus Babeuf in France (a journalist who had participated in the French Revolution and had been executed in 1797 for his role in the Conspiracy of the Equals), and had later on been elaborated in several varieties by a series of prominent French and English personalities. What stood out as new was the scientific care that Marx and Engels placed in their analyses, rendering them as highly dangerous to the dominant class in Europe: the bourgeoisie. Before Marx and Engels socialism and communism had been mere curiosities and Utopias; some, however, had been tried out into practical experiments, such as Carles Fourier' phalansteries ([3]).
    With Marx and Engels' Manifesto the understanding of the historical temporary role of capitalism and the bourgeoisie became overwhelming. A clear symptom of this is the fact that before Marx and Engels never the Church or the Popery – permanent ideological supporters of the dominant classes – bothered much about socialism and communism. But in 1849, precisely one year after the publication of the Manifesto, the Pope Pius IX (the Pope that declared himself to be infallible) felt compelled to publish the encyclical Nostis et Nobiscum where he states that "As regards this teaching and these theories, it is now generally known that the special goal of their proponents is to introduce to the people the pernicious fictions of Socialism and Communism by misapplying the terms "liberty" and "equality." The final goal [...] is to excite by continuous disturbances workers and others, especially those of the lower class [...] They are preparing them for plundering, stealing, and usurping first the Church's and then everyone's property. After this they will profane all law, human and divine, to destroy divine worship and to subvert the entire ordering of civil societies" ([4]).
    A brutal image, portraying socialists and communists (the distinction wasn't clear at the time) as pirates thirsty of plunderings, dripping blood and with the dagger between the teeth ([5]). All this because it wasn't the case anymore of a vague and vain threat to the dominant class; the case here was of a concrete threat, since it was scientifically grounded. Indeed, as Engels stated in his Preface to the 1883 edition of the  Manifesto ([6]):
    "The basic thought running through the Manifestothat economic production, and the structure of society of every historical epoch necessarily arising therefrom, constitute the foundation for the political and intellectual history of that epoch; that consequently (ever since the dissolution of the primaeval communal ownership of land) all history has been a history of class struggles, of struggles between exploited and exploiting, between dominated and dominating classes at various stages of social evolution; that this struggle, however, has now reached a stage where the exploited and oppressed class (the proletariat) can no longer emancipate itself from the class which exploits and oppresses it (the bourgeoisie), without at the same time forever freeing the whole of society from exploitation, oppression, class struggles this basic thought belongs solely and exclusively to Marx."
    The scientific nature of an evolutive theory of history based on material causes – "economic production, and the structure of society […] necessarily arising therefrom" – pierces through this excerpt of Engels' Preface. The materialist conception of history dated back to a work of Marx and Engels before the ManifestoThe German Ideology, of 1845 – and to a work of Marx from the same year, the famous Theses on Feuerbach. The conception gave birth to a solidly based and explained theory in following works, namely in the Outlines of the Critique of Political Economy (1857-61) and in Capital (vol. I, 1867) from Marx, as well as in the Anti-Dühring (1878) and The Origin of the Family, Private Property and the State (1884) from Engels.
    Before Marx and Engels no one had even suggested the possibility of an evolutive and materialist theory of history. For those that criticized (and criticize) the historical materialism of Marx and Engels, it was not (it is not) the idea of evolution in history that was (is) difficult to accept. Everybody accepts that there has been evolution in history. What was really difficult to accept was the existence of material causes of the evolution and that the cause in last instance was the production of commodities. Causes that got rid of God (as any science does) and explained the temporary nature of production modes and dominant classes, namely foreseeing the temporariness of the capitalist mode of production and of the bourgeoisie.
     
1.2 Darwin's The Origin of Species
    
    In 1859, eleven years after the publication of the Manifesto, Charles Darwin's book popularly known as The Origin of Species appeared also in London ([7]). In contrast to Marx and Engels, Darwin was already a well-known scientist. This didn't spare him, however, of receiving a majority of unfavorable and even angry critiques from the Church side, as the one of the geologist and Anglican priest Adam Sedgewick, published in a newspaper of the time ([8]): " But I cannot conclude without expressing my detestation of the [Darwin's] theory, because of its unflinching materialism [...]; because it utterly repudiates final causes, and therby indicates a demoralized understanding on the part of its advocates". A council of German bishops in 1860 also pronounced that "our first parents were immediately formed by God. Therefore, we declare that man as regards his body, emerging finally from the spontaneous continuous change of imperfect nature to the more perfect, is clearly opposed to Sacred Scripture and to the Faith."
   Manifestations, therefore, of repudiation of materialism, of the idea of material evolution, of having done with divinity as final cause.
    Darwin, indeed, was faithful in his work to the postulate that any theory explaining the living species would have to be materialist in order to be scientifical – thus, excluding Creator's design or mysterious vital forces – as well as evolutive, and able to explain the appearance of the human species. The Darwinian theory began with the observation of an ubiquitous population variability and heredity, postulating a material "mechanism" – the "struggle for existence" due to populational pressure and the relative performance in that struggle – leading individuals with favorable characteristics (better performance) to more easily transmit those characteristics to the next generation, whereas those possessing unfavorable characteristics would face difficulties in that hereditary transmission.
    Note that the idea of evolution of species wasn't entirely new among the scientists of the time. Lamarck, Diderot, Holbach, Maupertuis and Buffon had already expressed that idea, although in a speculative way, without solid grounds in the empirical observations. Moreover, the "origin" issue wasn't solved.  Lamarck, for instance, though he rejected the idea of God, admitted the evolution of separate branches of living creatures carried through mysterious teleological vital forces ([9]). The evolutionist ideas also had to sustain a bitter struggle against the metaphysical ideas of absence of evolution (the so-called essentialism), as those of the most prominent geologist of the time, Charles Lyell, who criticized Lamarck because of his defence of evolution of species.
    In spite of the oppositions (persisting until today among the religious creationists of USA, Germany, Turkey, and other countries) the Theory of Natural Selection immediately acquired a large acceptance of the global scientific community ([10]). It stands today as a solid theory, with foundations coming from many scientific areas, such as paleontology, compared anatomy, genetics, etc. The theory receives new confirmations everyday. Its acceptance is practically universal, though as in all scientific theories there remain aspects in need of new explanatory contributions (for instance, as regards the transition from the inorganic to the organic world).
     
1.3 Marxism and Darwinism
     
    Historical Materialism (HM) and the Theory of Natural Selection (TNS) are both evolutive theories based on a material mechanism or "driving force": the production of commodities used by human societies, in the case of HM; the performance of living beings in their struggle for existence, in the case of TNS.
    Let us quote the scientist Anton Pannekoek ([11]): "If we turn to Marxism we immediately see a great conformity with Darwinism. As with Darwin, the scientific importance of Marx’s work consists in this, that he discovered the propelling force, the cause of social development. He did not have to prove that such a development was taking place; every one knew that from the most primitive times new social forms ever supplanted older, but the causes and aims of this development were unknown."
    Contrary to a generalized belief still in vogue today, the recognition of the existence of social classes and class struggle is not due to Marx ([12]); long before Marx others had recognized that, namely important protagonists in the French Revolution, as well as bourgeois historians such as François Mignet (1796-1884) who wrote as follows in his History of the French Revolution ([13]): "The aristocratic classes had interests that were the opposite of those of the national party. That was why the nobility and the upper clergy, who sat on the Right, were in constant opposition to that party, except for several days of universal enthusiasm."
    Marx had also witnessed class struggles in several countries. He had seen in England struggles between farmers and industrial capitalists, and between the latter and the workers. Wherefrom sprang out these classes and their antagonisms? The relevant contribution of Marx (with Engels' collaboration) was to show that class distinctions were related to the functions that each one played in the productive process. Pannekoek says to this respect: "It is the production of the material necessities of life that forms the main structure of society and that determines the political relations and social struggles" and "It is the development of tools, of these technical aids which men direct, which is the main cause, the propelling force of all social development. […] This leads to new class relations, new social institutions and new classes […] Those classes predominating under the old process of production try to preserve artificially their institutions, while the rising classes try to promote the new process of production […]".
    Thus, in both Marxism (HM) and Darwinism (TNS) we have: 1) populational variability, 2) a material driving force of evolution, and 3) new entities emerging and substituting the old ones in a dialectical evolutionary process (see our article on dialectics: [14]).
    Marx and Engels immediately understood the huge importance of Darwin's theory. Engels obtained one of the first exemplars of The Origin of Species and wrote right away to Marx ([15]): "Darwin, by the way, whom I’m reading just now, is absolutely splendid. There was one aspect of teleology that had yet to be demolished, and that has now been done. Never before has so grandiose an attempt been made to demonstrate historical evolution in Nature, and certainly never to such good effect". One year later and after having read Darwin's work Marx also praises Darwin's theory (in a letter to Ferdinand Lasalle quoted in [15]) and attends public lectures on the theory of evolution presented by Thomas Huxley (1862).
    Several years later Marx offered an exemplar of Capital to Darwin, who thanked the offer in a letter to Marx (1873) in this way ([16]): "Dear sir; I thank you for the honor that you have done me by sending me your great work on Capital and I heartily wish that I was more worthy to receive it, but understanding more of the deep and important subject of political economy. Though our studies have been so different, I believe that we both earnestly desire the extension of knowledge and that this in the long run is sure to add to the happiness of Mankind."
    We may summarize as in [15]: "Darwin did for the understanding of nature what Marx and Engels did for human society – he overturned teleology and essentialism and established a materialist basis for understanding how organisms change over time.”
    In spite of the methodological and structural similarities of HM and TNS it is obvious that the differences between both theories are huge. This should not come as a surprise. Human beings are endowed with reason and language, allowing the transmission and improvement of ideas; they design, manufacture and improve their tools, whereas tools used by some animal species are tools of occasion, found in nature; human sociability is rather different from animal sociability (of those species that are sociable); the social laws of human societies are not, as in social animals, a mere prolongation of biological laws. (More on this theme is presented in [11].)
    These aspects are worth emphasizing because the bourgeoisie, after a few initial years of perplexity with the TNS, was able to digest the "natural selection" to its advantage. It made use for that purpose of the arguments of the bourgeois philosopher Herbert Spencer (1820-1903), the creator of the thesis of the "survival of the fittest" or of "the strongest ones", providing a handy justification of the cruel and predatory tendency of capitalism put at work for the success of the strongest ones, the best fitted ones (of health, physical strength, dominating capability, etc.). Spencer defended the idea that since among animals the stronger ones eliminated the weaker ones in their struggle for existence, which led to the improvement of the "race", the same should also take place in human society, and consequently public education should be eliminated, as well as public libraries, vaccination campaigns, workers' safety laws, and even charitable support for the “undeserving poor.”
    As a matter of fact, social competition in human societies has very little in common with being strong or being weak in the usual sense. In the capitalist system the determinant cause of success is the capability to accumulate and have the disposal of large capitals, though the well-off may be physically and mentally weak and poorly gifted. The personal qualities do not determine the success of capitalist competition; the small capitalists often succumb in the competition not because they are "weak men" but because they have less capital at their disposal, less capability to influence the government, etc. On the other hand, workers do not compete with the capitalists. Since they do not have capitals the only thing they can do is to sell their labor power, even though they may be better fitted with physical and mental qualities than their bosses. They often fall in poverty not by the lack of qualities but because they were always badly paid and became unemployed. Capitalist economic and social laws are the reason why a large multitude of well-fitted people succumb, and the same can be seen as far as history goes in other socio-economic systems based on classes.
    The Darwinian biological laws are not in any way applicable to human societies.
   As is well-known Nazis were (are) great supporters of Spencer's social-darwinism. On its behalf they enslaved "less fitted" races and applied "eugenic laws" to the elimination of thousands of disabled and "genetically diseased" people. But the Nazis were (are) not alone in their sympathy towards social-darwinism. The tycoon John D. Rockefeller told the following in a Sunday school in New York ([15]): "The growth of large business is merely a survival of the fittest… The American Beauty rose can be produced in the splendor and fragrance which bring cheer to its beholder only by sacrificing the early buds which grow up around it. This is not an evil tendency in business. It is merely the working out of a law of nature and a law of God."
    Social-darwinism is still alive in the present day neoliberal thought, with its defense of large monopolies, those that are best fitted to come out as winners from the "Darwinian" competition in the markets (no matter how they achieve that), the promotion of bailouts of those that are "too big to fail", and the simultaneous condemnation of public services which can only be of service to the weakest ones. And no doubt Nazis, Rockefellers and neoliberals stood (stand) in agreement with Spencer when he said "Socialism, having as its aim to abolish the struggle for existence in the human world, will necessarily bring about an ever growing mental and physical deterioration.”
      
Notas e Referências | Notes and References
[2] A primeira publicação em português de uma versão incompleta traduzida do espanhol é de 1873.
The first publication in Portuguese of an incomplete version translated from Spanish dates from 1873.
[3] Os falanstérios eram comunidades de tipo socialista com características urbanas e rurais, com empresas produtivas, e direitos iguais entre homens e mulheres. Constituíram-se alguns falanstérios em França e nos EUA. Um deles, na cidade norte-americana de Red Bank, New Jersey, durou de 1843 a 1854.
The phalansteries were socialist-type communities with urban and rural features, with manufacturing firms, and equal rights of men and women. A few phalansteries were created in France and US. One of them, in the north-American town of Red Bank, New Jersey, lasted from 1843 to 1854.
[4] Papal Encyclicals Online. Nostis et Nobiscum, 8 de Dezembro, 1849. http://www.papale ncyclicals.net/Pius09/p9nostis.htm.
[5] O papado continuou ainda por muito tempo a transmitir essa imagem. Leão XIII dizia na encíclica Quod Apostolici Muneris, em 1879, que comunistas e socialistas eram uma «praga letal que está a penetrar em todas as fibras da sociedade humana e a levá-la à beira da destruição», uma seita de homens «ligados entre si numa malvada confederação, que já não se abrigam em encontros secretos, mas aberta e audaciosamentente avançam à luz do dia, lutando por atingir o que há muito vêm preparando – a destruição de toda a sociedade civil». Note-se que não foi apenas a Igreja católica que institucionalmente se opôs ao marxismo. O mesmo se pode dizer de protestantes, muçulmanos, etc. Não se trata aqui, portanto, de uma particularidade dos católicos.
Popery went on for a long time transmitting that image. Leo XII said, in his encyclical Quod Apostolici Muneris, 1879, that communists and socialists were a "deadly plague that is creeping into the very fibers of human society and leading it on to the verge of destruction", a sect of men "bound together by the closest ties in a wicked confederacy, no longer seek the shelter of secret meetings, but, openly and boldly marching forth in the light of day, strive to bring to a head what they have long been planningthe overthrow of all civil society whatsoever." Note that it was not the Catholic Church alone that institutionally opposed Marxism. The same holds true for Protestants, Muslims, etc. Thus, it is not a Catholic particularity that is here in question.
[6] K. Marx, F. Engels, Manifesto do Partido Comunista, Editorial "Avante!", Lisboa, Portugal, 1997.
Manifesto of the Communist Party, Marx/Engels Selected Works, Vol. One, Progress Publishers, Moscow, 1969, pp. 98-137.
[7] O título completo é: «Sobre a origem das espécies por meio da selecção natural ou a preservação das raças favorecidas na luta pela existência».
The complete title is: On the origin of species by means of natural selection or the preservation of favoured races in the struggle for life.
[8] A citação provém de: Teresa Avelar, Margarida Matos, Carla Rego, Quem tem medo de Charles Darwin?, Relógio d’Água Editores e as autoras, 2004. Este pequeno livro, que vivamente recomendamos, é um dos melhores que lemos sobre a teoria da evolução das espécies.
The citation source is: Teresa Avelar, Margarida Matos, Carla Rego, Quem tem medo de Charles Darwin?, Relógio d’Água Editores e as autoras, 2004. This small book that we strongly recommend is one of the best we have read (including those in English) on the theory of species evolution.
[9] A teleologia (do grego telos = finalidade) é a crença de que todas as coisas são inerentemente construídas com vista a uma finalidade. Exemplo de explicação teleológica: quando as girafas surgiram na Terra já traziam em si mesmas determinadas forças vitais que fizeram crescer os seus pescoços com vista à finalidade de comer as folhas dos ramos mais altos das árvores. Note-se a troca de causa e efeito na explicação teleológica. Nesta, o comer folhas altas é a «finalidade», o efeito cuja causa reside nas forças vitais internas das girafas. Na teoria darwiniana é, pelo contrário, a pressão das condições existentes que leva as primitivas girafas capazes de se alimentar das folhas altas (causa) a terem melhor desempenho na luta pela existência, favorecendo os descendentes de pescoços compridos (efeito).
Teleology (from the Greek telos = end) is the belief that everything is inherently built having in view a purposeful end. Example of a teleological explanation: when giraffes came on Earth they possessed in themselves certain vital forces that drove them to grow their necks for the purpose of eating leaves from the top branches. Note the swap between cause and effect in the teleological explanation. In it, the eating of high standing leaves is the "end", the effect, whose cause lies in internal vital forces of the giraffes. In the Darwinian Theory, on the contrary, it is the pressure of the existing conditions that led those primitive giraffes able to feed on high standing leaves (cause) to have a better performance on the struggle for existence, favoring the descendents with long necks (effect).
[10] Em Portugal, Darwin permaneceu largamente desconhecido até à I.ª República, devido ao atraso jesuítico da ciência em Portugal. A primeira tradução portuguesa d’A Origem das Espécies só foi publicada em 1913! Há uma excepção que merece menção especial: o malacologista açoreano Arruda Furtado, que se correspondeu com Darwin (em 1881) e defendeu a sua obra.
Darwin remained largely unknown in Portugal until the 1st Republic, due to the Jesuit belatedness of science in Portugal. The first translation in Portuguese of The Origin of Species was only published in 1913! An exception deserves special mention: the Azorean malacologist Arruda Furtado corresponded with Darwin (1881) and defended his work.
[11] Anton Pannekoek, Marxism and Darwinism, Charles H. Kerr & Company, Chicago, 1912. Uma obra de grande interesse, descarregável do Marxist Internet Archive (MIA). (Anton Pannekoek, marxista e socialista revolucionário, foi astrónomo, Professor na Universidade de Amsterdão e um pioneiro destacado da astrofísica.)
Anton Pannekoek, Marxism and Darwinism, Charles H. Kerr & Company, Chicago, 1912. This is a very interesting work, downloadable from the Marxist Internet Archive (MIA). (Anton Pannekoek, a Marxist and revolutionary socialist, was an astronomer, Professor at the University of Amsterdam and a prominent pioneer of astrophysics.)
[12] É bem conhecida, a esse respeito, a carta de Marx a Joseph Weydemeyer, de 5 de Março de 1852 (Obras Escolhidas em três tomos, Editorial"Avante!"): «[...] No que me diz respeito, não me cabe o mérito de ter descoberto nem a existência das classes na sociedade moderna nem a sua luta entre si. Muito antes de mim, historiadores burgueses tinham exposto o desenvolvimento histórico desta luta das classes, e economistas burgueses a anatomia económica das mesmas. O que de novo eu fiz, foi: (1) demonstrar que a existência das classes está apenas ligada a determinadas fases de desenvolvimento histórico da produção; (2) que a luta das classes conduz necessariamente à ditadura do proletariado; (3) que esta mesma ditadura só constitui a transição para a superação de todas as classes e para uma sociedade sem classes.»
(Numa sociedade de classes existe sempre uma ditadura de uma classe sobre outras, independentemente de quão democrático seja o regime político.)
The well-known letter of Marx to Joseph Weydemeyer, March 5, 1852 (MIA) says to this respect: "[...] And now as to myself, no credit is due to me for discovering the existence of classes in modern society or the struggle between them. Long before me bourgeois historians had described the historical development of this class struggle and bourgeois economists, the economic economy of the classes. What I did that was new was to prove: (1) that the existence of classes is only bound up with particular historical phases in the development of production, (2) that the class struggle necessarily leads to the dictatorship of the proletariat, (3) that this dictatorship itself only constitutes the transition to the abolition of all classes and to a classless society."
(In a class-based society there is always a dictatorship of one class over the others, no matter how democratic is the political regime.)
[13] François Mignet era amigo íntimo de Louis Thiers, o liquidador da Comuna de Paris. As posições de Mignet e de outros historiadores burgueses (isto é, defensores do capitalismo) estão bem apresentadas na interessante obra de G. Plekhanov, The Initial Phase of the Theory of the Class Struggle, 1898 (descarregável do MIA).
François Mignet was a close friend of Louis Thiers, the liquidator of the Paris Commune. The positions of Mignet and of other bourgeois historians (defenders of the capitalism) are well presented in the interesting work of Plekhanov, The Initial Phase of the Theory of the Class Struggle, 1898 (downloadable from MIA).
[15] A citação provém de Ian Angus, Marx and Engels...and Darwin? The essential connection between historical materialism and natural selection, International Socialist Review, vol. 65, 2009 http://isreview.org/issue/65/marx-and-engelsand-darwin. Não encontrámos a tradução em português.
The citation is from Ian Angus, Marx and Engels...and Darwin? The essential connection between historical materialism and natural selection, International Socialist Review, vol. 65, 2009 http://isreview.org/issue/65/marx-and-engelsand-darwin.
[16] A citação provém Marx, Darwin, and the upheaval in the biological sciences, Workers World Feb 9, 2009 (originally published in the Workers World of March 25, 1983, to coincide with the centennial of the death of Karl Marx), http://www.workers.org/2009/world/marx_darwin_0219/
As posições políticas de Darwin não são conhecidas. Sabe-se apenas que foi sempre anti-esclavagista.
The citation is from Marx, Darwin, and the upheaval in the biological sciences, Workers World Feb 9, 2009 (originally published in the Workers World of March 25, 1983, to coincide with the centennial of the death of Karl Marx), http://www.workers.org/2009/world/marx_darwin_0219/

The political positions of Darwin are not known. Darwin has always openly opposed slavery and its trade.