segunda-feira, 27 de novembro de 2017

«Estalinegrado» do historiador pró-nazi Antony Beevor

“Stalingrad” by the pro-Nazi historian Antony Beevor

O historiador britânico Antony Beevor é um dos actuais expoentes da corrente historiográfica dominante que caracterizámos noutro artigo. Os seus livros de reescrita reaccionária da 2.ª GM estão na moda. O autor tem coleccionado galardões de grandes instituições imperiais: Cavaleiro da Ordre des Arts et des Lettres, membro da Order of the Cross of Terra Mariana, comandante da Order of the Crown, Runciman Prize da Anglo-Hellenic League, Medlicott Medal por serviços prestados à história do RU (!), etc.

Quais os interesses que serve este cruzado? Uma primeira indicação é-nos prestada pela insuspeita wikipedia: os seus livros foram banidos de livrarias russas sob acusação de simpatias nazis do autor, de escrever sobre a Rússia sem usar fontes russas, e promover falsos estereótipos introduzidos pela Alemanha Nazi durante a 2.ª GM.

A vitória da URSS sobre o nazi-fascismo na 2.ª GM continua a incomodar os reaccionários de todo o mundo, incluindo os de uma Europa cada vez mais fascistizada.

Estalinegrado, onde se travou a maior batalha da história, onde o exército soviético sob o alto comando de Estaline esmagou os exércitos nazi-fascistas da Alemanha e seus aliados (Itália, Hungria, Eslováquia, Roménia, Bulgária, batalhões de voluntários fascistas holandeses, belgas, dinamarqueses, franceses, etc.) tornou-se algo odioso, intragável, para a reacção de todo o mundo. Antony Beevor é um porta-voz desse ódio.

Estalinegrado foi o ponto de viragem na derrota do nazismo alemão. Sem Estalinegrado não teria havido em 1945 a derrota total da Alemanha e a libertação da Europa do terror de povos e trabalhadores escravizados, o fim dos campos de extermínio. Só depois de Estalinegrado, no início de 1943, os políticos ocidentais começaram a perder a esperança na derrota da URSS ou, pelo menos, numa longa guerra de desgaste que tornasse a URSS irrelevante e permitisse aos ocidentais rever a aliança com a URSS e voltar aos tempos de acordos de divisão do mundo com Hitler. Os desembarques na Itália e na Normandia só tiveram lugar quando essas esperanças imperiais se perderam e os políticos ingleses e americanos recearam o avanço mais profundo do exército libertador soviético na Europa.

Por estas razões a vitória soviética em Estalinegrado tornou-se o evento mais odiado pelos reaccionários, que move historiadores como Beevor a reescrever essa história, alinhando com os nazis.

Em Setembro deste ano o comunista sueco Mario Sousa, um estudioso da história da URSS, publicou uma excelente apreciação do livro Estalinegrado de Antony Beevor publicado em Portugal pela Bertrand. A apreciação de Mario Sousa é convincente. Baseia-se em evidência dura e em relatos de autores e testemunhas oculares insuspeitas de parcialidade pró-soviética (o escritor Theodor Plievier, o historiador Roger R Reese, o general hitleriano Franz Halder, Chefe de Alto Comando Militar, o general hitleriano Heinz Guderian).
Dada a importância aqui deixamos a sua tradução.
The British historian Antony Beevor is one of today’s exponents of the mainstream historiographical current that we have characterized in another article. His books of reactionary re-writing of WWII are in vogue. The author has collected awards from major imperial institutions: Chevalier of the Ordre des Arts et des Lettres, member of the Order of the Cross of Terra Mariana, commander of the Order of the Crown, Runciman Prize of the Anglo-Hellenic League, Medlicott Medal for services rendered to the history of UK (!), etc.

What interests does this crusader serve? A first indication is provided by the unsuspected wikipedia: his books were banned from Russian bookstores on charges of Nazi sympathies of the author, of writing about Russia without using Russian sources, and of promoting false stereotypes introduced by Nazi Germany during WWII.

The victory of the USSR over Nazi-Fascism in the WWII continues to annoy reactionaries all over the world, including those of an increasingly fascistic Europe.

Stalingrad, where the greatest battle of history was fought, where the Soviet army under Stalin's high command crushed the Nazi-Fascist armies of Germany and its allies (Italy, Hungary, Slovakia, Romania, Bulgaria, fascist volunteer battalions of Dutch, Belgian, Danish, French, etc.) has become something hateful, unpalatable, for the reaction of the whole world. Antony Beevor is a spokesman for this hatred.

Stalingrad was the turning point in the defeat of German Nazism. Without Stalingrad there would have been no total defeat of Germany in 1945 and the liberation of Europe from the terror of enslaved peoples and workers, the end of extermination camps. Only after Stalingrad, in the beginning of 1943, did Western politicians begin to lose hope on the defeat of the USSR or, at least, on a long war of attrition which would render the USSR irrelevant and allowed Westerners to revise the alliance with the USSR and go back to the times of agreements on world divisions with Hitler. The landings in Italy and Normandy only took place when these imperial hopes were lost, and British and American politicians feared a deepest advance of the Soviet liberation army in Europe.

For these reasons the Soviet victory in Stalingrad became the most hated event by the reactionaries, and compels historians like Beevor to rewrite its history, in alignment with the Nazis.

The Swedish communist Mario Sousa, a scholar on USSR history, published last September an excellent review of Antony Beevor’s Stalingrad, which you can read here. Sousa’s review is compelling. It is based on hard evidence and on accounts of authors and eye-witnesses unsuspected of pro-Soviet biases (writer Theodor Plievier, historian Roger R Reese, Hitler’s General Franz Halder, Chief of Army High Command, Hitler’s General Heinz Guderian).

(A translation in Portuguese is given below.)

*   *   *
Apreciação crítica de Mário Sousa sobre o livro Estalinegrado de Antony Beevor:

“Estalinegrado” de Antony Beevor – uma peça de propaganda da guerra nazi

Sábado, 2 de Setembro de 2017

O livro Estalinegrado de Antony Beevor tem sido altamente elogiado pelos media suecos. Antony Beevor, um ex-oficial do exército britânico, foi agora apresentado como escritor da história bélica. Isso surpreendeu-me e despertou a minha curiosidade. De acordo com críticos da direita, o livro é «um livro brilhante e muito bem escrito» (diário sueco Svenska Dagbladet) e «Estalinegrado supera a maioria do que se tem escrito sobre a Segunda Guerra Mundial» (jornal sueco Vestmanlands Läns Tidning). Espantoso, pensei! Eles gritaram quando os nazis foram derrotados e destruídos em Estalinegrado! E agora admiram o Estalinegrado de Antony Beevor!? Talvez tenham ganho juízo depois de todos estes anos? Apesar de tudo foi um combate contra o nazismo. Talvez eles queiram prestar um pouco de justiça à vitória soviética depois de todos estes anos? Foi com estes pensamentos na cabeça que comecei a ler o Estalinegrado de Beevor.

Inicialmente pensei fazer uma curta apreciação. Não era fácil. Rapidamente se tornou óbvio que o livro Estalinegrado de Beevor era um livro de propaganda contra a União Soviética, com páginas e páginas cheias de mentiras, uma falsificação total da história. Refutar todas essas mentiras necessitaria vários livros. Uma apreciação abordando apenas as mentiras mais grosseiras encheria muitas colunas de um jornal. E ainda que a apreciação que aqui apresento tenha sido reduzida ao mínimo, é todavia o obro do que tinha tido em mente.

Logo na primeira página da introdução comecei a perguntar-me se não havia algo de errado. Beevor ataca o exército soviético de uma forma brutal, e não os nazis que invadiram a União Soviética e levaram a cabo uma guerra de extermínio e genocídio, matando mais de 25 milhões de pessoas em quatro anos! Imediatamente na primeira página do livro Beevor chama a atenção para o facto de que o exército soviético executava os desertores. Mas não diz nada sobre as execuções alemãs de desertores! Porque razão Beevor só critica o exército soviético? É bem sabido que a polícia militar alemã executou vários milhares de desertores alemães, e sem julgamento. Também é bem conhecido que, quando o exército alemão estava cercado em Estalinegrado, a polícia militar alemã executou vários milhares de soldados alemães que tentavam roubar algo para comer dos pacotes de comida lançados por aviões militares alemães (Theodor Plievier [TP], Stalingrad, Time Life Books, New York 1966 p 271). Esses pacotes eram primeiro que tudo destinados aos oficiais e à polícia militar.

Milhões de civis soviéticos executados pelo exército alemão

Porque razão Beevor não fala disto? E, primeiro que tudo, porque razão Beevor não fala dos milhões de civis soviéticos executados pelo exército nazi? Não fala de todos os comunistas e judeus, sobre famílias inteiras que eram separadas de outros civis nas vilas e cidades conquistadas e depois executadas pelo exército alemão? Porque não fala Beevor dos milhões de pessoas escorraçadas de suas casas apenas com a indumentária que vestiam na altura para morrer de frio a 20 graus negativos? Porque não escreve sobre os milhões de cidadãos soviéticos feitos prisioneiros pelo exército alemão e enviados para a Alemanha para ser vendidos como escravos? Porque não escreve Beevor sobre as centenas de milhares de raparigas soviéticas vendidas como escravas sexuais na Alemanha? Porque não escreve Beevor sobre os mercados de escravos em toda a Alemanha nazi onde essas pessoas eram vendidas? Esta é a face real do exército alemão e da invasão alemã. Mas Beevor não tem nada a dizer sobre isto. Beevor pretende esconder os crimes nazis.

Beevor também escreve que existiam «50.000 cidadãos soviéticos em uniforme alemão» (Antony Beevor [AB], Stalingrad, Penguin Books 1999 p.xiv) Ele designa-os por «hiwis» e menciona-os ao longo do livro. Procura fazer-nos acreditar que a população soviética acolheu bem os nazis. Beevor escreve que em Estalinegrado havia 50.000 russos nas divisões da frente e 70.000 noutras (AB, p184)! Os russos teriam assim constituído quase metade do exército alemão em Estalinegrado! Uma afirmação completamente idiota e falsa, que não é suportada por nenhum livro de história da Guerra, incluindo livros alemães. Beevor quer que acreditemos em como houve deserção soviética massiva para as linhas nazis. Não é verdade. É verdade que, durante a guerra, houve cidadãos soviéticos que foram para o lado nazi, mesmo em Estalinegrado. Mas Beevor não diz de onde vieram esses «russos em uniforme alemão». Foram pessoas que, por várias razões, se voluntariaram para o lado nazi durante a guerra. Mas foram poucos.

Obrigados a trabalhar como escravos para os nazis

A maior parte dos «cidadãos soviéticos em uniforme alemão» foram pessoas forçadas a trabalhar como escravos para os alemães. Tinham sido feitos prisioneiros em vilas e cidades e forçados a transportar equipamento para os alemães e a efectuar todo o trabalho pesado e sujo. Eram brutalmente maltratados e passavam fome. Muitos deles morriam e eram substituídos por novos escravos. Juntamente com judeus e outra gente dos campos de extermínio da Polónia, alguns destes prisioneiros eram usados para limpar campos minados, enfrentando morte certa. Estas equipas de limpeza de minas eram completadas todos os dias com mais judeus e «cidadãos soviéticos em uniforme alemão». Algumas mulheres soviéticas prisioneiras tinham de trabalhar na cozinha e limpar as acomodações dos soldados alemães durante o dia. De noite eram usadas como escravas sexuais. Quando o 6.º exército alemão ficou cercado em Estalinegrado e os alemães fugiram da área cercada, essas mulheres soviéticas foram forçadas a ir com eles em camiões superlotados. Milhares de soldados alemães feridos foram abandonados à morte pelo frio e pela fome (TP, p.192).

Os «cidadãos soviéticos em uniforme alemão» de Beevor eram principalmente cidadãos soviéticos aprisionados e escravizados. As insinuações de Beevor sobre deserções soviéticas massivas são apenas uma forma atrair o leitor para a sua fábula. Pode-se acrescentar que parte dos «cidadãos soviéticos em uniforme alemão» tinham sido de facto levados pelos alemães da França para a Rússia! Durante os anos 30 o general francês Weygand – o general que se rendeu aos alemães – criou uma legião de russos de direita como parte do exército francês. Tencionava-se que a legião tomasse parte «na guerra do Ocidente» que a França e a Inglaterra preparavam contra a União Soviética. Estas tropas ficaram sob comando nazi depois da capitulação francesa. No exército alemão havia também tropas de nazis ucranianos. Beevor chama-lhes “nacionalistas ucranianos» (AB, p.23). Procura dar uma imagem positiva destas tropas apoiantes dos nazis. Os nazis ucranianos foram os piores assassinos durante a Guerra. Perseguiram todos os opositores da Ucrânia ocupada e eram os piores assassinos nos campos de morte alemães onde judeus e anti-fascistas ucranianos desapareceram, tal como milhões de prisioneiros de guerra soviéticos.

A falsificação nazi da história

O livro reproduz a versão dada pelos oficiais nazis sobre Estalinegrado. Só raramente deixa os «russos» falar. Os oficiais soviéticos só são mencionados quando não o pode evitar. Beevor não está interessado no que os estrategas por trás da vitória soviética em Estalinegrado teriam a dizer; por exemplo, o general Jukov, ou os generais Rokossovski ou Tchuikov, ou outros generais soviéticos que destruíram os exércitos alemães em Estalinegrado. Para Beevor -- um oficial e gentil-homem do exército britânico --, a aristocracia dos oficiais alemães é mais importante. O facto de esses vermes terem iniciado uma guerra em que morreram 50 milhões de pessoas não perturba Beevor. Contudo, é aos soldados soviéticos que o mundo ocidental deveria agradecer a sua liberdade. Os soldados da União Soviética, um país que em dez anos venceu a batalha contra o analfabetismo e o subdesenvolvimento, construiu fábricas e siderurgias, produziu as máquinas mais sofisticadas, e as armas mais avançadas, esmagou a Alemanha nazi e libertou o mundo do nazismo.

Até no que se refere a crimes de guerra e genocídio a história de Beevor é a história dos generais nazis. Segundo Beevor, Hitler foi o único culpado e o comando do exército nazi era contra ele. Mas isto não é verdade. As origens do comando do exército nazi são as «brigadas livres» que esmagaram a revolta dos trabalhadores a seguir à Primeira Guerra Mundial e contribuíram para colocar Hitler no poder em Janeiro de 1933. Foi com o apoio do Comando do Exército que Hitler foi eleito Presidente do Reich [Império] e Chanceler do Reich pelo parlamento alemão de 1934, tornando-se Comandante Supremo do Exército Alemão com o título de Führer [Condutor]. Os oficiais e soldados tinham de efectuar um juramento de fidelidade pessoal a Hitler. A ditadura nazi foi concretizada com o apoio do Comando do Exército. Beevor afirma que «um certo número de comandantes se recusou a reconhecer ou a não ligar» (AB, p.15) às instruções dos assassínios nazis, as «ordens especiais» para a União Soviética sobre «as medidas colectivas de repressão contra vilas e áreas de actividade guerrilheira e a “Ordem dos Comissários” [ordem de assassínio de todos os comissários políticos]» (AB p.14), e que estavam contra a «guerra racial» (AB p.15) e a «condenação à fome» (AB p.15) como meio de esmagar o povo da União Soviética. Beevor não possui qualquer evidência a apoiar as suas afirmações. Se existiam tais oficiais no exército alemão, eram poucos. Mais de 25 milhões de pessoas mortas em quatro anos na União Soviética mostra que se tratou do extermínio massivo de um povo no qual todo o exército alemão e seus aliados tiveram de tomar parte.

Mentiras sobre a União Soviética

O primeiro terço do livro de Beevor trata da guerra antes de Estalinegrado e, como o resto do livro, é um ataque sujo e difamatório da União Soviética e dos seus líderes. É o relato sobre os primeiros meses de guerra enviado para todo o mundo em 1941 pela propaganda nazi, que foi adoptada mais tarde pelos propagandistas do capitalismo do pós-guerra. É o relato do exército soviético à beira do colapso total e de um Estaline que tornou o exército incapaz de conduzir a guerra e que proibiu os seus generais de retaliar contra o inimigo. Beevor não poupa palavras. Até a embaixada soviética em Berlim leva tareia. Segundo os nazis, e agora segundo Beevor, o embaixador soviético era conhecido como um «carrasco» que media «quando muito cinco pés de altura, com um pequeno nariz adunco e uns poucos tufos de cabelos negros numa cachola careca». É isto história? Na embaixada, o embaixador «tinha uma câmara de tortura e de execuções construída na cave para lidar com suspeitos de traição» (AB p.7).

Esta história fazia parte da propaganda de Guerra nazi. É agora história burguesa. Os ataques contra Estaline constituem uma classe à parte, ao longo de todo o livro. A «mente torcida de Estaline» (AB p.4), «Estaline, o ditador totalitário» (AB p.6), a «sequência de obsessivos cálculos errados» de Estaline (AB p.9), «Estaline, cuja natureza intimidatória continha uma forte marca de cobardia» (AB p.9), a «mistura inimitável de paranóia, megalomania sadista e revanchismo de velhos desrespeitos» de Estaline (AB p.23), «Estaline até renegou o seu próprio filho» (AB p.26), Estaline cuja «falta de preocupação pela população sofrendo de fome era tão  cruel quanto a de Hitler» (AB p.37). Não é difícil compreender por que razão Beevor é adorado pelos jornais capitalistas e por pessoas reaccionárias.

Beevor escreve que Estaline, Beria e Molotov pensaram em ceder «a Ucrânia, a Bielorrússia e os estados bálticos» aos nazis na esperança de obter a paz. Mas que o embaixador búlgaro declarou «mesmo que vos retireis para os Urais, ainda acabareis por ganhar» (AB p.9). Segundo Beevor, a questão teria assim ficado resolvida e a União Soviética decidiu avançar e combater contra a Alemanha nazi! É preciso ser muito estúpido para acreditar que alguém normal engolisse este tipo de relato. Para acreditar que os líderes de um grande e poderoso país deixassem uma decisão tão importante sobre o futuro do seu país depender de algumas palavras pronunciadas por um embaixador de um país insignificante do ponto de vista militar e, ainda para mais, de um estado vassalo de Hitler!

Firmemente decidida a defender o território soviético

Contrariamente às afirmações de Beevor a liderança soviética decidiu firmemente defender cada polegada do território soviético. As grandes siderurgias que foram construídas na década de 1930 para além das montanhas dos Urais, a uma distância segura de qualquer invasão do ocidente, são evidência suficiente. Aí se tornaria possível continuar a produzir armas e outro equipamento militar mesmo durante uma longa guerra. Todas as indústrias soviéticas de grande escala foram transportadas para aí quando a invasão aconteceu. O primeiro capítulo do livro termina com a mensagem de rádio de Molotov ao povo soviético. Isto também não satisfaz Beevor. Segundo ele, «à escolha de palavras por Molotov faltou inspiração e a sua prestação foi desajeitada». Contudo, Beevor é obrigado a admitir que este «anúncio criou uma reacção poderosa através da União Soviética». «Os reservistas não esperaram pelas ordens de mobilização. Apresentaram-se imediatamente» (AB p.10). Como isto é estranho! Então não houve deserções massivas para os alemães? Não houve uma «calorosa recepção dos civis» (AB p.26)?

Beevor também toma de empréstimo materiais da CIA. A velha fábula segundo a qual «no total foram executados, postos na prisão ou demitidos 36.671 oficiais» (AB p.23) do exército soviético em 1937, regressa de novo. Esta fábula foi divulgada por um agente da polícia britânica, mais tarde agente da CIA, Robert Conquest (ver Lies on the History of the Soviet Union – From Hitler and Hearst to Conquest and Solzhenitsyn. Mário Sousa, Sweden, 1998– disponível na Stalin Society, BM Box 2521, London WC1N 3XX). Segundo Beevor, as baixas soviéticas no início da história foram devidas à escassez de oficiais. Beevor fala de novo contra o seu melhor juízo. Os oficiais demitidos foram cerca de 22.000 (de 75.000). A sua demissão foi decidida em assembleias gerais das unidades militares. Não tinham a confiança dos soldados. Porém, o número de oficiais soviéticos em 1941 era já acima de 300.000! (ver Roger R Reese [RR], The Red Army and the Great Purges, Stalinist terror – New Perspectives, Cambridge University Press 1993, p.198). A União Soviética tinha feito tremendos preparativos para a defesa contra a Alemanha nazi. O número de oficiais demitidos só podia ter um efeito ténue durante os primeiros meses de guerra. O motivo da retirada das forças soviéticas durante os primeiros meses da guerra radica-se na dimensão dos exércitos. Beevor escreve que as forças de invasão nazi eram «Cerca de 3.050.000 tropas alemãs, com outros exércitos pró-Eixo, aumentando o total para quatro milhões de homens» (AB p.12). Mas o exército de invasão contra a União Soviética era de mais de 5 milhões de homens, o maior exército de invasão da história da humanidade. A União Soviética tinha 2,9 milhões de homens nas suas fronteiras ocidentais. A União Soviética não conseguiu formar um exército maior durante os 10 anos de preparação. Além disso, os nazis puderam concentrar os seus ataques em certas zonas onde a sua superioridade numérica era de mais de cinco para um. Nessas zonas, os nazis concentraram grandes unidades blindadas que eram muito difíceis de travar. É isso que principalmente explica as vitórias alemãs durante os primeiros meses da guerra. Contudo, essas vitórias foram duramente conquistadas. Não era um mar de rosas, conforme a descrição de Beevor, com meninos alemães bronzeados pelo sol, passando uma viagem de férias pela União Soviética e desfrutando da "calorosa recepção dos civis".

Histórias de Beevor vs Franz Halder

É interessante comparar as mentiras de Beevor com as informações do chefe do Alto Comando Militar alemão, o general Franz Halder. Halder foi o Chefe do Alto Comando de Hitler de Agosto de 1938 a 24 de Setembro de 1942. Liderou todas as guerras nazis, em todas as frentes, durante esses anos. Halder escreveu um diário pessoal e secreto nesse período. O diário contém as suas próprias notas sobre a guerra, escritas na taquigrafia de Gabelsberg, uma velha língua taquigráfica que poucas pessoas podiam ler. O Diário de Guerra de Halder não pretendia ser divulgado, mas foi publicado após a guerra sob o título The Halder War Diary, 1939-1942. Um livro muito interessante, contendo muitas verdades que Halder e os potentados nazis não queriam revelar. Beevor fala de histeria, pânico geral e de «O caos do lado soviético» (AB p.73). Mas logo no primeiro dia da invasão, 22 de Junho de 1941, Halder escreve durante a noite que «não há indícios de tentativa de retirada operacional. Essa possibilidade também pode ser removida» (The Halder War Diary 1939-1942, [HWD] Greenhill Books, Londres 1988 p.412/3). Os soldados soviéticos não pretendiam fugir dos alemães; lutavam contra eles.


Dois dias depois, 24 de Junho, Halder escreve: «A resistência teimosa das unidades russas individuais é notável», «é agora claro que os russos não estão a pensar em retirada, estão sim a jogar tudo o que têm para conter a invasão alemã» ( HWD p.419). Uma semana após o início da invasão, 29 de Junho, Halder escreve: "os relatórios de todas as frentes confirmam indicações anteriores de que os russos estão a lutar até ao último homem" (HWD p.433). O general Halder, tal como Hitler e todo o comando militar, pensou que a invasão alemã iria forçar os soldados soviéticos a fugir e que os alemães iriam destruir o exército soviético. Foi o que aconteceu com a França, que era uma grande potência militar. Mas a guerra contra a União Soviética tornou-se cada vez mais amarga. Os nazis infligiram grandes perdas ao exército soviético e forçaram-no a recuar. Mas as forças nazis também sofreram grandes perdas. De acordo com Halder, após 10 dias, em 3 de Julho, os alemães tiveram «Perdas totais de cerca de 54.000» e um «grande número de baixas hospitalizadas (quase 54.000) (HWD p.453/4)». A 4 de Julho, as notas de rodapé de Halder são de perdas elevadas nos tanques atacantes, perdas de até 50% em certas unidades blindadas (HWD p449). A verdadeira guerra foi completamente diferente da do livro de Beevor.

Os  «lendários» generais de Beevor oriundos das melhores «famílias militares»

Uma das teses de Beevor, é que houve uma contradição quanto à estratégia entre Hitler e os generais alemães. Para Beevor, o comando do exército alemão, com todos os seus generais «lendários» (AB p.66) e «brilhantes» (AB p.16) provenientes das melhores «famílias militares» (AB p.15) da Alemanha, era muito competente e teria ganho a guerra se o «irresponsável» e o «ignorante» Hitler não tivesse imposto as suas ideias sobre a condução da guerra. Mas não existe no The Halder War Diary nada que apoie esta tese. O Comando do exército alemão, exactamente como Hitler, tinha uma ideia completamente falsa da União Soviética. Tal como Hitler, o comando alemão tinha avaliado que a União Soviética seria fácil de derrotar e que a guerra terminaria em poucas semanas. Analisando a situação no 11.º dia da invasão, 3 de Julho, Halder escreve no seu Diário de Guerra que «provavelmente não há exagero em dizer que a Campanha Russa foi vencida no espaço de duas semanas» (HWD p.446). O comando alemão esperava que a derrota da União Soviética fosse concluída em 3 de Julho de 1941!


Em 4 de Julho, Halder escreve: «À medida que nossos exércitos avançam, qualquer tentativa de resistência adicional provavelmente logo entrará em colapso e teremos de encarar a questão de destruir Leninegrado e Moscovo" (HWD p.450). Hitler e os generais compartilhavam a mesma ideia insensata do curso da guerra e as mesmas ilusões sobre a vitória. Mais do que isso. Também concordaram com os crimes de guerra, não só quanto ao extermínio da população soviética, mas também quanto à destruição total das cidades soviéticas. A 8 de Julho de 1941, Halder descreve uma reunião com Hitler durante a qual a situação de guerra foi analisada e foram tomadas decisões importantes. Hitler estava firmemente resolvido «a arrasar Moscovo e Leninegrado, a torná-las inabitáveis, de modo a aliviar-nos da necessidade de ter de alimentar a população durante o inverno. As cidades serão arrasadas pelas forças aéreas. Os tanques não devem ser usados ​​para esse fim. Será uma catástrofe nacional que privará dos seus centros não só o bolchevismo mas também o nacionalismo moscovita» (HWD p.458). Ninguém no comando do exército se opôs ao plano de Hitler. Teria sido levado a cabo se a União Soviética não houvesse derrotado os nazis. Na mesma entrada, Halder escreve sobre os trimestres de inverno: "As nossas tropas não devem ser aquarteladas em vilas e cidades, porque queremos poder bombardeá-las a qualquer momento em caso de revolta» (HWD p.459). Podemos ver aqui o verdadeiro rosto dos generais nazis. Os generais «lendários» de Beevor das melhores «famílias militares» eram tão criminosos de guerra quanto Hitler.

Na mesma reunião com Hitler, 8 de Julho, foi decidido o ataque contra Smolensk. Esta cidade, localizada na estrada principal para Moscovo, deveria ser tomada conjuntamente com Yelnya e Roslav antes do ataque contra Moscovo. O chefe do Alto Comando, Franz Halder, escreve no seu diário: «Depois de destruir os exércitos russos numa batalha em Smolensk, iremos bloquear as ferrovias que cruzam o Volga, ocupar o país até esse rio e, depois disso, prosseguir para destruir os restantes centros da indústria russa por meio de expedições blindadas e operações aéreas» (HWD p.459). Devemos lembrar que as tropas nazis estavam a 100 km de Smolensk e, a partir desta cidade, são mais 500 km para Moscovo e outros tantos quilómetros para o Volga. Tudo seria tão fácil! Mas não aconteceu assim. A batalha de Smolensk foi, segundo Beevor, uma brincadeira para os nazis e um «desastre» para a União Soviética «na qual vários exércitos soviéticos ficaram encurralados e onde «muitas outras divisões soviéticas foram então sacrificadas» (AB p.28/9). Então a estrada para Moscovo deveria estar aberta! Porque razão não foi então a ofensiva contra Moscovo prosseguida? Beevor explica o porquê. Hitler ordenou parar no final de Julho. O seu «instinto para evitar a estrada para Moscovo era em parte para evitar, supersticiosamente, o caminho de Napoleão» (AB p.32). Portanto, Hitler tornou-se «supersticioso» e ordenou que o exército parasse! Será que se pode chamar a isto história?

Smolensk é defendida

Contrariamente ao que Beevor afirma, a batalha de Smolensk custou muito cara aos nazis. Os defensores de Smolensk lutaram teimosamente, sem pensar em render-se, e o exército soviético fez fortes contra-ataques. Foi uma luta por cada subúrbio, cada casa e cada rua. Os nazis foram obrigados a parar para poder dispor de novos fornecimentos em homens e equipamentos. O general Halder escreve no seu Diário de Guerra, a 11 de Julho, que as tropas blindadas soviéticas na batalha de Smolensk «Em todas as ocasiões, grandes corpos, se não todos, conseguem escapar do cerco» (HWD p.465). Já em 13 de Julho, Halder e o Alto Comando Militar sugeriram a Hitler que «Nós devemos interromper temporariamente a corrida em direcção a Moscovo" (HWD p.470). Era simplesmente impossível avançar. Em 15 de Julho, Halder informa que «as tropas russas estão agora, como sempre, a lutar com uma determinação selvagem» (HWD p.474). Durante a semana seguinte, o exército soviético consegue penetrar nas linhas alemãs em vários lugares. Em 26 de Julho, Halder escreve: «Panorama geral: a defesa inimiga está-se a tornar mais agressiva; mais tanques, mais aviões. Para além de dez novas divisões já antes assinaladas, mais quinze novas divisões foram assinaladas» (HWD p.485). No mesmo dia, grande parte das tropas soviéticas cercadas conseguiram romper, e com as principais forças soviéticas, criaram uma nova linha de defesa em frente a Moscovo. As tropas nazis avançando para Moscovo estavam consideravelmente esgotadas e enfraquecidas. As perdas nazis tornaram-se muito pesadas e o exército nazi não conseguiu fornecer-se de novos homens e equipamentos.

Em 30 de Julho, Hitler decidiu deferir o pedido feito pelo Alto Comando em 13 de Julho, e ordenou que se passasse à defensiva. Halder comentou nestes termos esta decisão no seu Diário de Guerra: "O comando supremo do exército assinou uma nova “directiva", que adopta as nossas propostas! Esta decisão liberta todos os soldados pensantes da horrível visão que nos obsediou nos últimos dias, uma vez que a obstinação do Führer fez parecer iminente o último atolamento da campanha oriental. Finalmente, conseguimos uma pausa!» (HWD p.490). O Alto Comando finalmente obteve a sua pausa. Hitler não decidiu parar a ofensiva porque era «supersticioso» e estava em contradição com o Alto Comando. Hitler decidiu parar a ofensiva porque o Alto Comando exigiu isso e a situação dentro do exército assim o exigiu. A mentira de Beevor sobre o supersticioso Hitler é óbvia.

Os nazis tiveram que parar em Smolensk pela primeira vez durante a Segunda Guerra Mundial, de modo que isto foi o fim da "blitzkrieg" [guerra relâmpago] nazi. Em 11 de Agosto, Halder escreve: «Toda a situação torna cada vez mais claro que subestimámos o colosso russo» (HWD p.506). Após seis semanas de guerra, Halder escreve: «Total de baixas para o período de 22 de Junho a 13 de Agosto de 1941: 389.924» (HWD p.521).

Em 28 de Agosto escreve: "Situação dos tanques:

«Armd. Gp. 1: média de 50 por cento, [Armd. Gp. = corpo blindado]
«Armd. Gp. 2: média de 45 por cento,
«Armd. Gp. 3: média de 45 por cento,
«Armd. Gp. 4: Melhor (material checo!),
«Em média entre 50 e 75 por cento» (HWD p.518/20).

Os nazis precisavam de tempo para obter novas tropas e material para a frente. Só em Outubro os nazis puderam retomar a ofensiva em direcção a Moscovo com novas armas e novas divisões. Beevor explica a nova ofensiva de Hitler dizendo que este «mudou novamente de ideias» (AB p.33). De acordo com Beevor, Hitler já não era «supersticioso»... Para a União Soviética, a batalha de Smolensk foi um sucesso estratégico. A defesa de Moscovo pôde ser garantida.

Tula parou os nazistas

Beevor torce a verdade e nega factos históricos em cada página do livro. Vamos dar um pequeno detalhe sobre a cidade de Tula. A estrada do sul para Moscovo passa por Tula. Beevor escreve: «no flanco sul, os panzers de Guderian passaram para além de Tula para ameaçar a capital soviética por baixo» (AB p.36). Isto transmite a impressão de que Tula já havia sido conquistada. Mas a verdade é que os tanques de Guderian nunca tomaram Tula. Os defensores desta cidade lutaram sem pensar em desistir. Após muita luta dura, o general nazi Guderian, chefe do 2º exército motorizado alemão, foi forçado a desistir da conquista de Tula. Guderian escreve nas suas memórias que «O rápido avanço em Tula, que tínhamos planeado, teve de ser abandonado de momento» (General Heinz Guderian - Líder Panzer [GHG], Da Capo Press 1996 p,233). «Numerosos T34 russos entraram em acção e infligiram grandes perdas nos tanques alemães» (GHG p.237). O exército blindado de Guderian ficou bloqueado perto de Tula, a cerca de 200 km de Moscovo! Um mês depois, a contra-ofensiva soviética rechaçou os tanques de Guderian para mais 130 km. Por causa desse fracasso, Guderian perdeu o comando do 2.º exército motorizado alemão.


A descrição de Beevor das batalhas coincide com a dos generais nazis. De acordo com Beevor «Foi, no entanto, o clima que rapidamente se tornou o pior obstáculo para a Wehrmacht». Mas, os bons alemães de Beevor «lutaram o melhor que puderam» (AB p.36), embora «os motores dos tanques estivessem congelados» (AB p.40) (e então os dos tanques soviéticos?) e a «má visibilidade dificultou a "artilharia voadora" da Luftwaffe» (AB p.39). Do lado soviético, de acordo com Beevor, não foi de forma alguma uma questão de acções heróicas na defesa do país, mas de uma «resistência suicida» (AB p.39) e de «motins por alimentares, saque e embriaguez» (AB p.38). A parada no dia 7 de Novembro em Moscovo foi, segundo Beevor, apenas um truque para enganar os jornalistas. É impossível ter dúvidas sobre as simpatias de Beevor. Tem prazer malicioso quando o exército soviético é forçado a recuar e tem admiração pela ofensiva nazi. Mas, infelizmente para Beevor, a ofensiva deparou com mais e mais problemas. No final de Novembro, os nazis estavam completamente exaustos. O Alto Comando parece não ter ideia sobre a situação da guerra. A 23 de Novembro, Halder escreve no seu Diário de Guerra: «Situação militar: Leste: a autoridade militar da Rússia não é mais uma ameaça» (HWD p.563). No entanto, 13 dias depois, em 6 de Dezembro, o exército soviético empreende a contra-ofensiva que empurrará os nazis para 250 km de distância de Moscovo. Depois que os nazis foram derrotados fora de Moscovo, Beevor tinha de encontrar uma desculpa. Foi, entre outras coisas, «a quase supersticiosa recusa de Hitler em encomendar roupas de inverno» (AB p.44). Mais uma vez o Hitler supersticioso! Todavia, e apesar do facto de que os nazis foram obrigados a retirar 250 km, Beevor escreve que «a ofensiva geral de Estaline se deteriorou numa série de brigas desordenadas» (AB p.43). O leitor provavelmente interrogar-se-á sobre se a batalha de Moscovo realmente terminou com a vitória soviética. Na verdade, assim foi! Os soviéticos ganharam a batalha, e os nazis nunca mais se aproximaram de Moscovo.

Os nazis nunca mais conseguiram reconquistar os territórios em torno de Moscovo. Tomemos outro exemplo das muitas mentiras de Beevor, a que diz respeito à divisão motorizada Grossdeutschland. Beevor quer-nos fazer acreditar que antes da ofensiva final contra Estalinegrado, Hitler tinha enviado a Grossdeutschland (e a Divisão SS Leibstandarte Adolph Hitler) para a França. Beevor escreve que «as divisões Grossdeutschland e SS Leibstandarte panzer grenadier deveriam ser enviadas de volta para a França» (AB p.81). Beevor acrescenta que o chefe do Alto Comando alemão, o general Franz Halder, comentou essa questão no seu Diário de Guerra em 23 de Julho de 1942: "Essa tendência crónica para subestimar as capacidades inimigas está gradualmente a assumir proporções grotescas e a tornar-se positivamente um perigo» ( HWD p.646). É isto verdade? Quando se lê o Diário de Guerra de Halder percebe-se que a entrada em questão não é sobre a Grossdeutschland ou sobre a SS Division Adolph Hitler, mas sobre a disposição de tropas em torno de Rostov ordenada por Hitler! Na mesma página do Diário da Guerra, Halder escreve no dia 24 de Julho: «A Leste de Rostov, novo sucesso da Grossdeutschland» (HWD p.646). Não há aqui nada sobre o envio da Grossdeutschland para a França. No Diário de Guerra de Halder pode-se seguir a rota da Grossdeutschland a partir de 5 de Julho de 1942. Em Julho, a Grossdeutschland estava ao sul de Estalinegrado. Em 14 de Agosto, foi enviada para ajudar a divisão do Grupo de Exércitos perto de Rjev (HWD p.657), a cerca de 200 km a Oeste de Moscovo, onde, segundo Halder, «as nossas próprias perdas, principalmente em tanques, são altamente desagradáveis» (HWD p.657). A Grossdeutschland teve sorte. Se não tivesse sido enviado para Rjev, teria sido destruída em Estalinegrado, que era o destino do 4.º exército blindado nazi ao qual pertencia a Grossdeutschland.

Mentiras acerca de Katyn

Outra das mentiras descontraídas de Beevor diz respeito ao massacre da floresta de Katyn, perto de Smolensk. Na sua campanha de difamação contra a União Soviética, Beevor devia, obviamente, dedicar um capítulo ao NKVD, acusando esta organização dos crimes mais horrendos. Beevor escreve que «Outro departamento do NKVD, criado por Beria no Outono de 1939, lidou com prisioneiros de guerra inimigos. A sua primeira grande tarefa foi a liquidação de mais de 4.000 oficiais polacos na floresta em Katyn» (AB p.86). Uma asserção tão séria exige uma explicação, mas Beevor não é capaz disso. Ele toma as suas informações directamente de Hitler! A existência de valas comuns de um grande número de oficiais polacos foi tornada pública pelo departamento de propaganda de Hitler e Goebbels em 13 de Abril de 1943. Os nazis acusaram o governo soviético de ter organizado o massacre de 15 mil oficiais polacos. A área de Katyn estava então sob ocupação alemã desde 1941. Durante esses dois anos de ocupação, os nazis nunca mencionaram nenhum massacre perto de Katyn. E durante esses dois anos, os nazis mataram milhões de pessoas em campos de concentração e nos países ocupados, entre eles na União Soviética. Porquê tornar público os «massacres soviéticos» de 15 mil pessoas em Abril de 1943?


Deve notar-se que o anúncio do massacre foi feito em 13 de Abril, apenas um mês após a grande derrota nazi de 2 de Fevereiro de 1943 em Estalinegrado. Os nazis precisavam de uma peça de propaganda. O ministro britânico dos Negócios Estrangeiros, Eden, expressou no Parlamento, em 4 de Maio de 1943, que os assassinos nazis de centenas de milhares de polacos e russos usam a história dos massacres para destruir a unidade dos aliados. Esse pronunciamento acabou com a história nazi do massacre da floresta de Katyn. Mas durante a guerra fria contra a União Soviética, novas acusações surgiram sobre um massacre soviético na floresta de Katyn. Desta vez não vieram da Gestapo, mas dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha. As acusações foram renovadas mais tarde pela contra-revolução na União Soviética através de Gorbachev e Ieltsin. Foi criada uma comissão de inquérito para examinar a questão uma vez mais e descobrir quem realizou o massacre da floresta Katyn. A comissão de inquérito soviética e polaca e, mais tarde, a comissão russo-polaca, não conseguiu encontrar nenhuma evidência do envolvimento soviético, embora quisessem fazer isso a todo o custo. Os resultados da comissão mostram que os oficiais polacos que morreram em Katyn foram assassinados com armas alemãs e que as vítimas eram cerca de 4.000, e não 15.000, como disse Hitler.

A tradução sueca não concorda com o original em inglês! Na edição sueca (Historiska Media 2000, página 99), diz que 15 mil oficiais polacos foram executados em Katyn. Mas na edição original (Penguin Books 1999, p.86) diz que 4.000 oficiais polacos foram mortos em Katyn. Foi Antony Beevor quem quis assim, ou foi o editor sueco? De qualquer forma, isto mostra a seriedade de seus livros de história!

Os nazis são heróis de Beevor

As mentiras de Beevor são tão frequentes que é cansativo ler o livro. Tudo o que Beevor escreve é ​​retirado da propaganda de guerra nazi para manchar a União Soviética: «A maioria dos recrutas [soviéticos] lançados na batalha tinha frequentemente recebido pouco mais do que uma dúzia de dias de treino, alguns ainda menos" (AB p.89), «Três batalhões de oficiais estagiários, sem armas ou rações, foram enviados contra a 16.ª Divisão Panzer» pelo «comandante do exército, que estava claramente bêbado» (AB p.89). O livro de Beevor parece-se às vezes como uma piada sobre alemães inteligentes que eliminam idiotas russos e «limpam as florestas [desses idiotas russos]» como «[se fosse a] um tiro a um veado bastante grande» (AB p.96). Os «pilotos da Luftwaffe despacharam o seu inimigo “mit Eleganz" [“com elegância”; em alemão no original]» (AB p.110) e «os jovens e bronzeados pilotos de caça», «parecem ter oferecido a visão mágica de um cavaleiro teutónico aéreo numa brilhante armadura» (AB p.115)! E, como era de esperar, os «pilotos de caça soviéticos ainda sofriam de um medo instintivo do inimigo» (AB p.138). Nos capítulos sobre Estalinegrado, Beevor continua com a sua história de propaganda. Os «ataques russos» foram, segundo ele, «chocantemente desperdiçadores e incompetentes» (AB p.124) e «os obstáculos reais para os atacantes, como em breve sentiriam, eram a paisagem urbana arruinada» (AB p.129), e não os defensores soviéticos. Para tudo o mais, há as expressões típicas como «o genial comandante [alemão]» (AB p124) e «o comissário do exército [soviético] de aspecto sinistro» (AB p.128), bem como oficiais soviéticos que fogem e soldados que «enfrentam o tribunal militar» e «foram provavelmente fuzilados» (AB p.128). Como é que se pode ser «provavelmente fuzilado»?! Há muitas histórias sobre os bons alemães atirando em russos vindo em ondas atrás de ondas, de modo que «em frente à nossa posição, os mortos soviéticos foram empilhados e serviram como uma espécie de parede de areia para nós» (AB p.372).


Segundo Beevor, as deserções e execuções eram lugares comuns no exército soviético. A liderança soviética é sempre apresentada como brutal, impiedosa, sanguinária, e os oficiais soviéticos completamente impiedosos em relação aos soldados. Como puderam eles então fazer essa guerra contra os nazis ano após ano e até ganhá-la? Até mesmo o monumento dedicado aos heróicos soldados soviéticos que defenderam Estalinegrado em Mamaia Kurgan, o monte em que ocorreram muitas lutas e onde muito sangue foi derramado, é minimizado por Beevor. A mobilização das mulheres para as fábricas é transformada em crime. Beevor quer acabar com qualquer vestígio da vitória soviética. Sempre que há um problema no lado soviético, Beevor faz tudo o que pode para nos fazer acreditar que o governo soviético e os oficiais eram líderes incompetentes. Quando a ofensiva alemã é interrompida, Beevor escreve apenas algumas linhas. Há sempre desculpas para justificar as falhas dos alemães. Os alemães foram derrotados pelo «General Lama» e o «General Inverno» (AB p.282). No que diz respeito à guerra alemã de extermínio contra a população civil soviética, Beevor escreve que «havia numerosas afirmações soviéticas de atrocidades alemãs que são difíceis de avaliar» (AB p.263). As muitas histórias sentimentais sobre a derrota alemã – p. ex., as celebrações de Natal ao jeito alemão –poderão provavelmente comover o revisor do jornal sueco Svenska Dagbladet até às lágrimas. Os ataques de Beevor aos oficiais do Exército Vermelho e a Estaline não são senão anti-comunismo primário. Sem a menor evidência, Beevor fornece-nos histórias falsas, uma atrás da outra.

A derrota dos nazis em Estalinegrado

Há algumas questões de interesse histórico que vale a pena comentar. Como era de esperar, Beevor culpa Hitler pela derrota alemã em Estalinegrado. Os «lendários» generais alemães das «melhores famílias militares alemãs» escapam à responsabilidade pela derrota. Isto não é justo. Os planos para a conquista de Estalinegrado foram feitos em total acordo entre Hitler e todos os generais do Quartel-General e do Alto Comando Militar. A conquista de Estalinegrado era, efectivamente, uma necessidade. Os nazis haviam enviado o Grupo de Exércitos A com uma força de 500 mil homens ao Cáucaso para conquistar as fontes de petróleo soviéticas. À esquerda, no Sul, ao norte de Rostov, estava o Grupo de Exércitos B, que incluía o 6.º exército e o 4.º exército blindado. Era necessário defender o Grupo de Exércitos B, bem como a ala esquerda do Grupo de Exércitos A, de contra-ataques das forças soviéticas a Oeste de Estalinegrado. Os nazis tinham de possuir o controlo sobre o território soviético até ao rio Volga para poder transportar o petróleo do Cáucaso. Esta é a razão pela qual era necessário conquistar Estalinegrado. Mas o ataque alemão contra Estalinegrado baseou-se em premissas erróneas.


No verão de 1942, Hitler e o Alto Comando e Estado-Maior alemães, estimaram que a União Soviética não conseguia continuar a guerra em grande escala. Achavam que a União Soviética estava completamente arrumada como potência militar. Não entenderam que o sistema socialista soviético poderia reunir forças de forma impossível para um país capitalista. Calcularam, à maneira capitalista, que um certo número de habitantes só pode suportar um certo número de soldados, tendo em conta o custo do treino e das armas. Não entenderam que o socialismo liberta o homem e torna possível criar forças muito maiores do que o capitalismo. Hitler e os generais achavam que Estalinegrado seria uma batalha fácil. Mais tarde, em Outubro de 1942, o Alto Comando alemão escreveu que «os russos estão seriamente enfraquecidos após os últimos combates e, durante o inverno 1942/43, não poderão ter forças tão grandes quanto no inverno passado» (Marshall of the Soviet Union Zhukov: Reminiscences and Reflections, edição sueca, Moscow 1988 Book 2 p.97). Mas, na realidade, a indústria de guerra soviética era naquela época mais forte do que nunca, e para Hitler e seus generais, o contra-ataque soviético caiu como um raio do céu azul.

O socialismo foi a base do sucesso da União Soviética

De onde vieram todas as novas tropas soviéticas e todas as novas armas? Canhões, tanques e aviões? Foi o que o general Jodl, chefe de operações do Quartel-General alemão, se perguntou após a guerra. «Não tínhamos absolutamente nenhuma ideia da força das tropas russas nesta área. Não havia lá nada no início, mas de repente eles fizeram um ataque com uma grande força que teve uma importância decisiva» (Zhukov, ibid. p.97). Quando os 6.º e 4.º exércitos nazis foram cercados em Estalinegrado, as dificuldades multiplicaram-se para os nazis. Hitler e o Quartel-General ordenaram ao General Paulus, Chefe de Comando em Estalinegrado, resistir a qualquer custo e aguardar ajuda. Não havia mais nada que Paulus pudesse fazer. Tentar lutar rompendo o cerco seria uma empresa arriscada. Exigiria uma redistribuição das forças nazis dentro do cerco, o que levaria várias semanas, incluindo um alto custo em termos de soldados alemães mortos e feridos, e em material destruído. Se o rompimento não tivesse sucesso, seria uma catástrofe. E mesmo que tivesse sucesso, teria havido muitas dezenas de milhares de vítimas. Teriam ainda de deixar para trás enormes quantidades de material.


Ninguém no Alto Comando, nem Hitler nem os generais, estava disposto a assumir a responsabilidade por isso. Assim, a ordem foi: fique onde está, nós o ajudaremos. Mas esta ordem não foi apenas ditada por preocupações com o exército cercado. Havia algo de grande importância que exigia isso. O grupo de exército alemão A estava no Cáucaso! Se o 6.º exército alemão cercado tentasse sair, sofreria grandes perdas em soldados e armas, e enfraqueceria assim o Grupo de Exércitos B, tornando-o possivelmente incapaz de impedir as forças soviéticas de se confinarem ao Grupo de Exércitos A no Cáucaso. Essa seria uma catástrofe pelo menos duas vezes maior do que se o 6.º exército fosse destruído em Estalinegrado.

O Alto Comando e o Estado-Maior alemães perceberam o enorme erro de cálculo que tinham cometido. A prioridade principal era agora retirar rapidamente o Grupo de Exércitos A do Cáucaso. O 6.º exército alemão teria de aguentar o melhor que pudesse. Para o Grupo de Exércitos A tornou-se uma retirada em pânico, perseguido pelas forças soviéticas no Cáucaso, com muitas baixas alemãs e enormes perdas de material.


Enormes perdas dos nazis

Foi feita uma tentativa de resgatar o 6.º exército com um novo exército, o Exército Alemão Don, que consistia em forças rapidamente retiradas da França, da Alemanha e da frente oriental. Este exército estava sob o comando do general Manstein, cujas «qualidades militares e inteligência», segundo Beevor, eram «inegáveis» (AB p.273). Com pompa e circunstância, o general Manstein assumiu o comando. Um exército blindado foi enviado de Kotelnikovo (cerca de 100 km a sudeste de Estalinegrado) para resgatar o 6.º exército. Beevor quer fazer deste ataque alemão «quase uma vitória». Mas as guerras são sempre vencidas pelo partido que ganha a última batalha. O exército blindado de Manstein conseguiu lutar até 50 km dentro das linhas soviéticas, mas isso foi tudo. Os alemães regressaram em fuga ao ponto de partida, e ainda mais para trás, com enormes perdas. O exército blindado alemão e o que restava da frente alemã perto de Estalinegrado deslocaram-se mais 50 a 100 km para Oeste. O Cáucaso foi libertado e a frente alemã foi empurrada para trás a 200 a 300 km de Estalinegrado.


Em termos de soldados mortos, feridos e desaparecidos, a Alemanha nazi tinha perdido até Setembro de 1942 mais de 1,6 milhões de soldados (HWD p.669). Dois meses depois, em Novembro de 1942, os nazis já haviam perdido mais de 2 milhões de soldados. Só entre Junho e Novembro de 1942, no combate por Estalinegrado, os nazis perderam 700 mil soldados, 1.000 tanques, 2.000 canhões e 1.400 aviões (Zhukov, ibid. P.97). A todas essas perdas foram adicionados o 6.º exército e uma grande parte do 4.º exército blindado em Estalinegrado: um marechal, 24 generais, 10 mil oficiais e mais de 300 mil soldados. O armamento perdido pelos nazis em Estalinegrado representou seis meses de produção de armamento alemão. A derrota foi desastrosa. Nunca antes um exército alemão tinha sido tão totalmente derrotado e destruído. Na Alemanha, Hitler proclamou três dias de luto nacional.

Quando viramos a última página do Estalinegrado de Beevor, surgem duas questões. Por que razão se escrevem livros enganosos? No interesse de quem? Vivemos numa era em que o neo-liberalismo se espalhou por todo o mundo. O novo capitalismo liberal quer privar os trabalhadores de tudo: das suas condições de vida, da sua segurança e até mesmo da sua história. Os capitalistas querem que percamos a confiança em nós mesmos para poderem governar sem restrições. Não há muita diferença entre o liberalismo e o nazismo quanto a este respeito. O autor do presente texto escreveu uma vez que o neo-liberalismo e o nazismo são primos. Mas eles até podem ser gémeos idênticos. Antony Beevor é um dos novos escritores liberais que assumiram a tarefa de degradar a vitória da União Soviética na Segunda Guerra Mundial. A Penguin Books [e a Bertrand em Portugal] publicou o livro de Beevor como se fosse um livro de história. Porquê? O livro deve ser praticamente considerado como um livro de propaganda da guerra nazi.

Racismo nas histórias de Beevor

O editor nem sequer reage contra afirmações racistas no livro. Como colonialista e oficial do Império Britânico, Beevor relata-nos um conto sobre «o rei dos Zulu enviando um impi [destacamento] dos seus guerreiros por sobre um penhasco para provar a sua disciplina»» (AB p.28), a fim de impressionar os oficiais britânicos, é claro... Beevor não está sozinho na sua tentativa de rebaixar a vitória da União Soviética. Há muitos da sua espécie nos Estados Unidos. São pagos por uma floresta de «fundações» privadas para negar a vitória da União Soviética sobre o nazismo.

É importante denunciar as mentiras deles. O livro de Beevor é ainda pior quando se refere a Berlim. Qual o interesse da Penguin Books [e da Bertrand] na publicação deste lixo? [Questão pertinente a que já respondemos parcialmente noutro artigo.]


Mário Sousa,

Uppsala, Sweden. September 21, 2004. mario.sousa@telia.com

REFERENCES

1. Antony Beevor: Stalingrad, Penguin Books 1999.

2. Theodora Plievier: Stalingrad, Time Life Books, New York, 1966.

3. Roger R. Reese: The Red Army and the Great Purges. Stalinist terror – New perspectives, Cambridge University Press 1993.

4. The Halder War Diary 1939-1942, Greenhill Books, London, 1988.

5. General Heinz Guderian – Panzer Leader, Da Capo Press 1996.


6. Marshal of the Soviet Union Zhukov: Reminiscences and Reflections: Swedish edition, Moscow 1988.

sábado, 18 de novembro de 2017

A Medicina e Marx

O artigo A Medicina e Marx (Medicine and Marx) apareceu na revista The Lancet (ver aqui) uma das mais prestigiadas revistas médicas do mundo. Soubemos dele através do portal Marxism-Leninism Today (mltoday) que já recomendámos noutros artigos deste blog. Conforme diz o editor de mltoday, o artigo, «embora não sendo marxista, é digno de nota na medida em que mostra o impacto crescente das ideias marxistas, mesmo nos círculos não marxistas». Contém, além disso, várias observações que nos parecem pertinentes, pelo que aqui apresentamos a tradução.

A Medicina e Marx
Richard Horton
4 de Novembro de 2017
The Lancet

Quando o presidente Xi Jinping discursou no 19.º Congresso Nacional do Partido Comunista da China, no mês passado, falou sobre «a verdade científica do marxismo-leninismo». O marxismo (com características chinesas), conforme o presidente Xi prosseguiu na explicação, deve ser a base para uma China Saudável.

Quem se atreveria hoje no Ocidente a elogiar Karl Marx como o salvador do nosso bem-estar? Marx morreu há muito. Morreu fisicamente em 14 de Março de 1883. Morreu metafisicamente em 1991, quando a União Soviética se finou num novo estado russo independente. A experiência comunista gaguejou, vacilou e finalmente falhou.


O seu legado? Conforme Michel Kazatchkine escreveu no The Lancet no mês passado, o sistema de saúde na era soviética «deteriorou-se rapidamente» nos seus últimos anos, conduzindo a uma «disponibilidade inadequada de medicamentos e tecnologias médicas, instalações mal mantidas, pioria da qualidade dos cuidados de saúde e decaimento da esperança de vida».


Mas será que é justo remeter Marx para as margens da história da saúde? O centenário do nascimento de Marx é a 5 de Maio de 2018. É um momento para reavaliar o contributo de Marx para a medicina e descobrir se a sua influência é tão prejudicial quanto a sabedoria contemporânea sugeriria.


A medicina e o marxismo têm histórias entretecidas, íntimas e respeitáveis. A saúde pública foi a parteira do marxismo. A obra de Friedrich Engels de 1845, A Condição da Classe Trabalhadora na Inglaterra, revelou os custos humanos do capitalismo. O ex-Editor-Chefe do NEJM [New England Journal of Medicine], Bud Relman, cunhou o termo «complexo médico-industrial», ecoando as ansiedades marxistas sobre a mercantilização de tudo o que mais prezamos nas nossas vidas.


Howard Waitzkin colocou isso desta forma num artigo de 1978 nos Annals of Internal Medicine intitulado A Visão Marxista do Cuidado Médico: «O ponto de vista marxista questiona se melhorias importantes no sistema de saúde podem ocorrer sem mudanças fundamentais em toda a ordem social». The Economist, que ninguém suspeitaria de ser um bastião do pensamento de esquerda, escreveu no início deste ano, «há uma enorme quantidade de coisas a aprender com Marx. Na verdade, muito do que Marx disse parece tornar-se mais relevante com cada dia que passa».


Wolfgang Streeck, no seu livro de 2016 provocantemente intitulado Como Terminará o Capitalismo? (How Will Capitalism End?), usa metáforas médicas para descrever as «multimorbilidades» que enfrenta o capitalismo desde a crise financeira global de 2007. O capitalismo acumulou uma massa de fragilidades e esgotou o seu arsenal de remédios, argumenta.

Foi um ex-economista do FMI, Ken Rogoff, que escreveu em 2005 que «a próxima grande batalha entre socialismo e capitalismo será travada sobre a saúde humana e a esperança de vida». A primeira-ministra da Grã-Bretanha, Theresa May, disse que o capitalismo é «o maior agente do progresso humano colectivo já criado». Mas cada vez mais pessoas, especialmente as gerações mais novas, acreditam que economias baseadas apenas em mercados livres não são necessariamente o melhor meio para ter sociedades mais justas ou saudáveis.


A nova primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern, observou no mês passado que «quando se permite que os mercados decidam o destino do povo... isso não serve bem nem a um país nem ao povo». As ideias marxistas voltaram a entrar no debate político.


Conforme Terry Eagleton argumentou em Porque Razão Estava Marx Certo (Why Marx Was Right, 2011), o marxismo não é sobre revolução mundial violenta, ditaduras tirânicas ou fantasias utópicas inatingíveis.

Penso que Marx é importante para a medicina por três razões. Em primeiro lugar, Marx oferece uma crítica da sociedade, um método de análise, que permite a explicação de tendências inquietantes na medicina e saúde pública modernas: as economias de saúde privatizada, o poder das elites profissionais conservadoras, o crescimento do tecno-optimismo, o filantropo-capitalismo, a importância dos determinantes políticos da saúde, as tendências neo-imperialistas da saúde global, as definições de doenças orientadas por produtos, e a exclusão de comunidades estigmatizadas das nossas sociedades.


Estes aspectos dos cuidados de saúde do século XXI são todos melhor investigados e interpretados através de uma lente marxista. Em segundo lugar, o marxismo defende um conjunto de valores. A livre autodeterminação do indivíduo, uma sociedade equitativa, o fim da exploração, o aprofundamento das possibilidades de participação pública no delineamento de escolhas colectivas, a recusa em aceitar a fixidez da natureza humana acreditando na nossa capacidade de mudar, e a defesa do sentido de interdependência e indivisibilidade da nossa humanidade comum. Finalmente, o marxismo é um apelo ao envolvimento, um convite para nos juntarmos à luta para proteger valores que compartilhamos.


Não é preciso ser marxista para apreciar Marx. À medida que o centenário de seu nascimento se aproxima, podemos concordar que a medicina tem muito a aprender com Marx.

terça-feira, 14 de novembro de 2017

História e Verdade | History and Truth

Não existe área do conhecimento mais maltratada, do ponto de vista científico, do que a história. Isto deve-se ao facto de as correntes esmagadoramente dominantes entre os historiadores e académicos da história negarem a existência de verdades objectivas. São correntes não científicas e mesmo anti-científicas.

No presente artigo abordamos: subjectividade e objectividade no conhecimento histórico; as deformações das correntes historiográficas dominantes; o desprezo académico pela objectividade na história; ques está e quem não está interessado em história objectiva; o condicionamento social do historiador; a consecução de objectividade em história; cuidados a ter pelo cidadão comum.

There is no more abused area of knowledge, from a scientific point of view, than history. This is due to the fact that the overwhelming mainstream trends among historians and scholars of history deny the existence of objective truths. These trends are non-scientific and even anti-scientific.

In the present article we address: subjectivity and objectivity in historical knowledge; the deformations of the mainstream historiographic currents; academic disdain for objectivity in history; who is and who is not interested in objective history; the social conditioning of the historian; the attainment of objectivity in history; recommendations for ordinary people.

Comecemos por definir alguns conceitos. É verdadeiro um juízo de acordo com a realidade. Em geral, não existem verdades absolutas (a não ser trivialidades). A obtenção de juízos verdadeiros envolve processos cognitivos, colectivos e potencialmente infinitos. Ao longo de um dado processo cognitivo obtêm-se verdades relativas, cada vez mais compreensivas da realidade. Diz-se objectivo o conhecimento com valor universal e que é livre de parcialidade. Diz-se subjectivo o conhecimento individual sem valor universal, emotivamente influenciado, logo parcial. Como todo o conhecimento envolve uma relação sujeito-objecto, obter um conhecimento objectivo exige um processo que elimine o melhor possível a parcialidade.

Tudo isto é válido quer para as ciências naturais quer para as ciências sociais. Com uma grande diferença, porém: tendo em conta a natureza do objecto do conhecimento, a parcialidade subjectiva é, em geral, muito reduzida ou nula nas ciências naturais, enquanto nas ciências sociais ela é, obviamente, importante, dado que o sujeito que conhece é um produto de relações sociais.

Na história, e como reacção ao positivismo [1] do séc. XIX que defendia uma história como simples compilação de factos sem ter em conta o condicionamento social do historiador, desenvolveram-se no séc. XX várias correntes subjectivistas: intuicionismo (espiritualismo radical, negação do materialismo: o historiador pode e deve ser parcial; existem tantas histórias quantos os espíritos que «criam» a história); presentismo (não há passado objectivo, há apenas factos criados pelo espírito num presente eternamente variável; toda a história é um produto do espírito que vive no presente); pragmatismo (as nossas concepções sobre o passado baseiam-se apenas em juízos relativos a coisas que podemos observar no presente; cada século reinterpreta o passado de modo a servir os seus próprios fins).

Note-se que todas estas correntes são idealistas, quer por considerarem a verdade objectiva como inatingível (positivismo) quer por negarem a existência de verdades objectivas, considerando todas as verdades como subjectivas (subjectivis-mo). As correntes subjectivistas defendem a existência de uma multiplicidade de histórias, todas igualmente válidas. Resulta, assim, que o historiador deverá aceitar como verdadeiras duas histórias que se contradizem quanto ao mesmo acontecimento histórico. Desta forma, sem critério para distinguir o verdadeiro do falso, a história não é uma ciência.

Após a 2.ª GM ganhou a primazia a corrente pragmatista, primeiros nos EUA e depois na Europa. Eis o que afirmou um dos seus apoiantes, R. G. Collingwood, em 1946: «O pensamento histórico é uma actividade da imaginação […] Cada presente tem o seu próprio passado e com a ajuda da imaginação […] visa-se reconstruir o passado do presente dado, do presente em que se opera o acto de imaginação […]»

O livro do filósofo marxista polaco Adam Schaff, História e Verdade (Editorial Estampa, 2000) fornece uma análise profunda das correntes historiográficas. O livro contém uma citação muito esclarecedora de um historiador pragmatista. Trata-se da alocução presidencial de Conyers Read em 1949 à Associação dos Historiadores Americanos [2]. Intitulada A Responsabilidade Social do Historiador, Read ataca o conceito de verdade objectiva e recomenda aos historiadores a «educação para a democracia», dizendo a certa altura:

«Nessa época [liberalismo do séc. XIX] a neu-tralidade [imparcialidade] foi levada tão longe que deixámos de acreditar [...] nos nossos próprios objectivos. Perante a alternativa que nos puseram Mussolini e Hitler, e ultimamente Estaline, devemos adoptar claramente uma atitude militante se queremos sobreviver. O antídoto para má doutrina é uma doutrina melhor e não um intelecto neutralizado. Deve-mos afirmar os nossos próprios objectivos, definir os nossos próprios ideais, estabelecer os nossos próprios padrões, organizar todas as forças da nossa sociedade para os apoiar. A disciplina é o imperativo fundamental de todo o exército eficaz, quer ele marche debaixo de estrelas e riscas ou da foice e martelo. […] A atitude liberal de neutralidade, o lidar com o desenvolvimento social em termos de compor-tamento desapaixonado, já não chegam. […] A guerra total, quente ou fria, empenha e exige de todos nós a participar nela. O historiador não é menos obrigado a isso do que o físico.»

A mensagem de Conyers Read é clara:

-- Combate à «neutralidade», termo evocador de patriotismo mas cuja verdadeira intenção é o combate à imparcialidade do historiador;

-- Afinal, nem todas as historiografias subjectivistas são igualmente válidas; a que defende o modelo americano é melhor que todas as outras, em particular as provenientes de qualquer «intelecto neutralizado»;

-- A historiografia americana (de facto, de toda a pirâmide imperial americana) tem por missão combater o comunismo.

Neste combate que a versão imperial da historiografia subjectivista deve promover contra o comunismo não é só a «neutralidade» que se deve eliminar. Read vai mais longe, advogando o princípio do controlo social: «é importante que aceitemos e sustentemos um tal controlo: é essencial para salvaguardar o nosso modo de vida.» Segundo Read, o historiador pode con-tinuar a estudar todos os fenómenos; se, porém, depara com algum fenómeno incomodativo, o conselho de Read é claro: «mas devemos entender que nem tudo que se passa no laboratório se presta a ser divulgado pelas esquinas.». Manter, portanto, o grande público na ignorância.

A corrente pragmatista é dominante nas universidades. É ela que in-forma as centenas de milhares de historiadores de todo o mundo, os livros de história que pululam e poluem as livrarias, os jornalistas, os opiniosos, etc.

Numa pesquisa da internet que fizemos em 17 universidades proeminentes, com cursos de história, de vários países [6], só encontrámos uma com disciplinas que incluem abordagens científicas da história. Trata-se da Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil, que nas disciplinas de Teoria da História I e II recomendam, para além de obras de idealistas, obras de Marx e Engels, Adam Schaff, E. Hobsbawm e M. Vovelle.

Em todas as outras não encontrámos nenhuma disciplina sobre metodologia científica da história; é o caso p. ex. da University of Califórnia at Los Angeles, da New York University, da UCL-University College London, da Sorbonne, etc. Na UCL existe a disciplina Making History descrita como «um projecto de grupo destinado a encorajar o pensamento criativo e original sobre o passado».

Em muitos cursos de história com disciplinas de «metodologia», esta refere-se apenas a métodos técnicos (pesquisa documental e bibliográfica, organização em bibliotecas e arquivos, etc.) [4].  As técnicas podem basear-se em várias ciências, mas não fazem da história uma ciência. Conhecimentos das estrelas, constelações e órbitas dos planetas também não fazem da astrologia uma ciência.

Na Universidade Nova de Lisboa encontrámos a disciplina Methodology for History. O programa não é indicado e a bibliografia inclui um livro  cuja revisão por um historiador norueguês revela o seu carácter pós-modernista (ver abaixo) e subjectivista [5] e um artigo de 2010 sobre ética em história [6] que, a par de recomendações usuais (não ao plágio, transcrição fiel das fontes, etc.), contém uma recomendação típica dos subjectivistas, como iremos ver.

Em algumas universidades a corrente subjectivista é claramente anunciada. Vejamos o que afirma um professor de história da Utah State University em «História e o Que Realmente Aconteceu» [7] no seu curso A Guide To Writing in History and Classics. Diz assim: «A História não é só o que realmente aconteceu, mas uma intersecção complexa de verdades, parcialidades e esperanças». Portanto, não há uma verdade, mas «verdades». Cada historiador terá a sua. Se a intersecção de verdades não for nula, será certamente uma mistela, dado que além de «complexa» envolve «parcialidades e esperanças» dos historiadores da intersecção. Além disso, com o «não é só… mas», são postas em pé de igualdade a realidade objectiva («o que realmente aconteceu») e a mistela.

Ora, é a mistela que logo a seguir é defendida porque segundo o mesmo académico «[a história] é um negócio muito confuso e, como todos os empreendimentos humanos, particularmente susceptível de parcialidade, presunção, orgulho, vaidade e, se não a total e intencional perversão da verdade, pelo menos o ocultamento subconsciente de alguma realidade mais desagradável ou suja».

Sobre isto, há que observar no que concerne «todos os empreendimentos humanos»:

Em primeiro lugar, na busca da verdade objectiva, todos esses defeitos humanos podem ou não existir; para dar um exemplo, nunca ninguém provou sofrer Einstein de parcialidade, presunção, orgulho, vaidade, etc.

Em segundo lugar, e relativamente a parcialidade, presunção, orgulho e vaidade, mesmo com alguns destes defeitos, é possível alcançar uma verdade objectiva ainda que relativa; o orgulho de Newton é bem conhecido e, contudo, ele descobriu a lei da gravidade que é uma verdade.

Em terceiro lugar, a «total e intencional perversão da verdade [etc.]», nunca impediram a ciência como um todo de alcançar verdades. William Summerlin anunciou em 1970 que tinha descoberto um método de transplante de pele sem rejeição, demonstrando isso com o enxerto de pele de rato negro em ratos brancos; em 1974 o método foi denunciado como fraude: Summerlin pintara de negro os pelos do rato branco; apesar da «total e intencional perversão da verdade» de Summerlin a imunologia não perdeu o seu estatuto de ciência e continuou a alcançar verdades.

Uma história científica, baseada em conheci-mento objectivo, rapidamente se desembaraçaria, como outras ciências, dos que pervertem a verdade, intencionalmente ou não. Ora, não é isso que se verifica. A época presente, de reacção dominante, pulula de histórias intencionalmente falsas. De facto, a reescrita da história, falseando verdades já bem estabelecidas e provadas, é a moda de hoje; impregna todos os media.

O grande problema que impede qualificar a corrente dominante da história como ciência não reside nos defeitos humanos. Também não reside, como alguns julgam, no facto de na história não se poderem repetir experiências. A evolução das espécies também não se pode repetir e, contudo, a paleontologia é uma ciência.

É certo que a relação sujeito-objecto introduz parcialidades no processo cognitivo que, como dissemos acima, são especialmente de considerar nas ciências sociais. Mas a questão central da subjectividade não são os defeitos humanos nem, como defendem outros subjectivistas, nomeada-mente os autores do artigo sobre ética acima citado, «a era e cultura em que se nasceu e se foi criado, a educação, e as expectativas das comunidades a que se pertence».

Sim, os defeitos humanos, a «era e cultura, etc.», podem influenciar o sujeito no acto cognitivo. A influência destes factores é facilmente ultrapas-sável no conhecimento histórico tal como o é nas ciências naturais. Mas já não é facilmente ultrapassável a influência subjectiva central no acto cognitivo da história: a que provém do condicionamento social do sujeito; isto é, a classe social do sujeito, o factor que lhe faz tomar «espírito de partido». Como disse Marx em Contributo para a Crítica da Economia Política: «Não é a consciência que determina a existência social, mas a existência social que determina a consciência». Este factor central é sempre ocultado pelos subjectivistas.

Contrariamente aos subjectivistas, os marxistas defendem a capacidade humana de atingir um conhecimento objectivo não só da natureza, mas também das sociedades. Armados com uma teoria científica das sociedades humanas, assente em definições claras e leis sobre a realidade objectiva, o  marxista reconhece que as relações de produção e particularmente as relações de propriedade decidem a divisão da sociedade em classes, as quais defendem interesses específicos que agem sobre as atitudes cognitivas dos homens. Como os interesses das classes são diferentes e contraditórios, a sua influência sobre as atitudes cognitivas produz resultados diferentes.

Quando se fala em classe dominante deve ter-se em conta que o domínio não é só económico. A necessidade de preservar esse domínio e privilégios inerentes leva necessariamente a que a ideologia da classe dominante seja imposta como a ideologia dominante de toda a sociedade.

No capitalismo, os elementos mais conscientes da classe exploradora (a burguesia) estão vitalmente interessados em manter ocultos os mecanismos da exploração, em perpetuar uma ordem social que já não suporta progresso social, em difamar as experiências passadas de construção de uma nova ordem social. Sustentam, por isso, uma ideologia assente em múltiplos e falsos juízos do passado, que apoie a conservação da ordem social existente e a sua inevitabilidade. A historiografia que permite estes objectivos é necessariamente subjectivista e, como tal, anti-científica.

Os elementos mais conscientes da classe explorada (o proletariado) e dos seus aliados estão vitalmente interessados em compreender os mecanismos da exploração, em aprender do passado as formas de luta contra a exploração, a experiência revolucionária, a construção da ordem social rumo à sociedade sem classes, os erros cometidos. Estão, portanto, vitalmente interessados em extrair juízos verdadeiros do passado, da história. Se o não fizessem, se não se importassem em usar falsos juízos do passado, estariam a ir contra os seus interesses. A atitude que tomam é, portanto, uma atitude científica, que irá sempre seguir um processo de busca de verdades objectivas com base na análise marxista, que defende precisamente não só a objectividade do conhecimento como a construção revolucionária do futuro pelo proletariado .

Em antes de prosseguirmos, convirá determo-nos brevemente numa enorme perversão do marxismo. Trata-se do chamado pós-modernismo. Um precursor desta corrente foi o sociólogo húngaro Karl Manheim que, partindo do conceito marxista de condicionamento social do sujeito, defendeu a seguinte tese (1952): todas as opiniões relativas às realidades sociais são ideologias; dado que cada ideologia depende de (é relativa a) uma dada situação social, há então tantas verdades quantas as «situações sociais». Cai-se assim no relativismo da verdade histórica depender da situação social, sem possibilidade de atingir uma verdade objectiva, fundamento do conhecimento científico. Isto é, o pós-modernismo é um «sub-jectivismo social»; sofre dos mesmos defeitos do subjectivismo tout court. Também encontramos nele múltiplas verdades e verdades contraditórias igualmente válidas.

Existem historiadores que defendem a visão pós-modernista da história. Num blog de um historiador encontrámos a seguinte afirmação tipicamente pós-modernista: «A ciência é política. Não se escapa a isso.» Logo, para este historiador, a gravidade funciona de forma diferente conforme é um burguês ou um proletário que leva com a proverbial maçã na cabeça; certamente caindo com diferentes leis da gravidade. O pós-modernismo já foi completamente desmascarado [8] para que percamos tempo com isto. Note-se que a afirmação «A ciência é política» serve de facto como substituto da afirmação «A política [qualquer política] é uma ciência». Hoje em dia qualquer disparate é qualificado de ciência para lhe dar a dignidade que não tem. O autor do blog logo a seguir revela a sua fé relativista quando diz «A validade histórica baseia-se na interpretação do historiador dos textos escritos existentes». Subjectivismo e pós-modernismo vão de braço dado.

O condicionamento social do historiador leva-o frequentemente, no processo de escrever a história (na selecção de factos, na interpretação e compreensão das motivações dos homens, etc.), a introduzir uma subjectividade que deforma o conhecimento, por causa de factores tais como o interesse, a parcialidade, a animosidade contra alguém ou contra certos grupos sociais. Estes são factores induzidos por classe, e não os defeitos morais humanos, a "era e cultura, [etc.]" dos subjectivistas, que vimos acima. Para atingir objectividade o historiador terá de seguir um conjunto de práticas que extrapolam as usadas nas ciências naturais [9]:

-- Considerar uma hipótese de trabalho como provisória até se ter coligido e estudado cuidadosamente toda a evidência relevante;
-- Empenhar-se arduamente na colecção e estudo de toda a evidência relevante;
-- Considerar com visão crítica toda a evidência e fontes;
-- Questionar as nossas ideias preconcebidas;
-- Ser especialmente céptico quanto a evidência que tende a apoiar as nossas ideias preconcebidas;
-- Compensar as nossas parcialidades assegurando-nos que prestámos atenção diligente e mesmo generosa à evidência e teorias que tendem a colocar dúvidas sobre as nossas ideias preconcebidas.

Do ponto de vista da objectividade histórica, a melhor posição inicial contra deformações subjectivistas e pós-modernistas, pelas razões já apontadas, é adoptar os interesses de classe do proletariado, as posições da análise marxista. O condicionamento pelos interesses do proletariado não introduz as deformações subjectivas conservadoras; subentende, pelo contrário, uma atitude aberta ao progresso social e à mudança; logo, uma atitude que desenvolve todos os esforços possíveis para romper com o deformado conhecimento conservador e atingir verdades objectivas cada vez mais próximas de «o que realmente aconteceu». Isto não quer dizer, obviamente, que os marxistas não cometam erros. Nenhum caminho científico é isento de erros.

Desviemos agora a nossa atenção dos historia-dores e concentremo-nos nas dificuldades do cidadão não historiador que pretende saber «o que realmente aconteceu». Que cuidados pode ele tomar contra deformações subjectivistas ou pós-modernistas, actualmente e cada vez mais corres-pondendo a «perversão intencional da verdade»?
Pensamos que os seguintes cuidados são essenciais:

1 - Desconfie de tudo o que os media dominantes dizem sobre história recente. Eles são financiados directa ou indirectamente pelo grande capital. Tocam a música que os patrões ordenam. Quem não obedece é despedido. Mentem sem escrúpulos para defender o capital, o imperialismo, e para combater o marxismo e o socialismo.

2 - Desconfie especialmente quando os media abordam a história de lutas sociais, lutas e sublevações anti-imperialistas ou se propõem «esclarecer» a história de revoluções, nomeda-mente socialistas, e sobre países socialistas. Aí, o «esclarecimento» é de certeza grossa mentira.
Um exemplo: o JN do passado dia 7 de Novembro anunciou uma série de artigos sobre os 100 anos da Revolução de Outubro; nesse anúncio, diz: «Lenine foi empurrado, pelos acontecimentos, para a via revolucionária mais radical na linha de Trotsky e Rosa Luxemburgo». Isto é totalmente falso: Trotsky e Rosa Luxemburgo nem sonhavam com a «via revolucionária mais radical» na Rússia quando Lenine propôs as suas famosas Teses de Abril que inspiraram a revolução. A frase contém outras falsidades e distorções como o «empurrado pelos acontecimentos», a «via mais radical», etc., cujo objectivo é rebaixar Lenine, a figura central da revolução e por essa razão especialmente incómoda para a burguesia.

3 – Desconfie também de documentários e filmes sobre esses temas feitos por grandes empresas «ocidentais» que dominam o mercado de lazer. Pode-se rejeitar como mentiras e propaganda imperialista os documentários nesses temas do Canal História.

4 - Nos blogs da net e na wikipedia há de tudo, do bom ao mau. Geralmente aí o espírito de partido e a existência ou não de preocupações de objectividade dos autores é mais transparente que nos media.

5 - O primeiro cuidado a ter antes de ler um livro de história é inquirir sobre o autor (p. ex., através da net). Que interesses de classe defende? Está o historiador ou a sua casa editorial ligada a instituições ao serviço do capitalismo, do imperialismo? Qual a crítica que tem tido a sua obra e que sector social mais a elogia? O prefácio ou a introdução revelam uma abordagem subjectivista ou pós-modernista? Ou, pelo contrário, marxista?

A resposta a estas perguntas nem sempre é fácil. Um exemplo. O historiador Robert Conquest escreveu o livro The Great Terror onde traçou um quadro da URSS de Estaline como uma câmara de horrores. O livro foi aclamado no ocidente e inspirou muitos outros no mesmo diapasão. O impacto foi de tal ordem que mesmo muitos marxistas ficaram abalados. Veio-se mais tarde a saber que Conquest trabalhou até 1956 para os serviços secretos britânicos na secção Information Research Department (IRD) (originalmente Communist Information Bureau) cuja missão era «combater a influência comunista em todo o mundo implantando histórias falsificadas entre políticos, jornalistas e outros em posição de influenciar a opinião pública». A obra de Conquest foi publicada pela Praeger Press, uma editora ligada à CIA. Por serviços prestados como agente da CIA Conquest foi condecorado por G.W. Bush com a «Medalha da Liberdade» em 2005. Só em finais dos anos 70 vários historiado-res não comunistas com preocupações de objecti-vidade [10] desmascararam aberta e detalhada-mente, com base em evidências comprovadas, as invenções e falsidades de Conquest.

Como regra, leva muito menos tempo a fabricar uma falsidade do que a provar que é falsa.

6 - Deve-se também analisar as notas de rodapé e as referências bibliográficas. Frequentemente, os historiadores subjectivistas não vão de facto às fontes ou a testemunhas presenciais dos factos que mencionam. Limitam-se a escolher um grande número de narrativas e testemunhos em segunda mão que sustentam a tese que lhes convém, fazendo parecer que há um consenso.

7 - Em geral, a evidência material proporcionada por objectos ou documentos oficiais devidamente autenticados é mais credível – ou até decisiva – do que declarações testemunhais (principalmente se recolhidas sem controlo oficial e documentado) ou narrativas após os eventos em causa. Neste aspecto, o apuramento da verdade em história tem semelhanças com a investigação criminal.
Um exemplo. Até recentemente os EUA negaram o seu envolvimento no massacre de centenas de milhares de comunistas na Indonésia durante o golpe do exército indonésio que colocou a ditadura de Suharto no poder. Agora, os ficheiros da embaixada dos EUA em Jakarta libertados no passado Outubro (depois de 52 anos!) confirmam o envolvimento da CIA.

8 - Devemos ser especialmente cépticos quando a recolha de evidências e testemunhos é feita por alguém expressamente seleccionado e financiado por personalidades e instituições do grande capital (magnates dos media, serviços secretos, etc.) para fazer essa recolha.
Um exemplo. A confabulação da fraude do «holodomor» começou com a imprensa nazi em 1933 mas impôs-se no Ocidente depois da série de artigos de Thomas Walker em 1935 para a imprensa do magnata W.R. Hearst (Chicago American and New York Evening Journal). Walker passou algum tempo na URSS mas nunca esteve na Ucrânia! Os seus artigos serviram Hearst, Henry Ford e outros que queriam enlamear a URSS e mantê-la fora da Liga das Nações.

9 - Se um historiador descreve como verdadeiro um facto que é contra o seu interesse de «partido», então, com alta probabilidade, esse facto é objectivamente verdadeiro [11].
Como exemplo, consideremos a questão do «bloco de oposicionistas» clandestino nos anos 30 na URSS, que incluía direitistas e trotskistas, e motivou os processos de Moscovo de 1937 e 1938. Durante muitos anos Trotsky negou a existência de tal «bloco», dizendo ser uma fabricação de Estaline. Mas em 1980 foi permitido ao principal historiador trotskista da época, Pierre Broué, consultar o Arquivo Trotsky na Universidade de Havard e confirmar que o «bloco de oposicionistas» tinha efectivamente existido. (Actualmente, com mais evidência entretanto recolhida, já ninguém contesta o facto.)

10 - Devemos ser especialmente cautelosos quanto a teses «extraordinárias» que contrariam  um enorme volume de verdades relativas que já tinham sido provadas. De uma forma geral, em ciência, «afirmações extraordinárias necessitam de provas extraordinárias». Hoje em dia somos constantemente bombardeados com teses «históricas» que procuram rever num sentido reaccionário verdades já bem estabelecidas e provadas, sem qualquer fundamento ou novas evidências, já para não falar de « provas extraordinárias».
Nem a Revolução Francesa escapa a essa revisão; alguns historiadores (?) descobriram agora que não foi uma revolução burguesa!
Let us first define some concepts. A given statement is true if it accords to reality. In general, there are no absolute truths (other than trivialities). The attainment of true statements involves collective and potentially infinite cognitive processes. Throughout a given cognitive process one obtains relative truths, each time more comprehensive of reality. Knowledge is said to be objective, when it has a universal value and is free from partiality (bias). Individual knowledge without universal value is said to be subjective, emotionally influenced, and biased. Since all knowledge involves a subject-object relationship, achieving objective knowledge requires a process that eliminates partiality as best as possible.

All this holds true for both the natural sciences and the social sciences. With a great difference, however: considering the nature of the object of knowledge, subjective partiality is generally very small or null in the natural sciences, while it is obviously important in the social sciences, since the subject of the cognitive relation is a product of social relations.

In history, and as a reaction to nineteenth-century positivism [1], which defended history as a simple compilation of facts without taking into account the social conditioning of the historian, several subjectivist currents developed in the twentieth century: intuitionism (radical spiritualism, denial of materialism: the historian can and should be partial; there are as many histories as the spirits who "create" history); presentism (there is no objective past, there are only facts created by the spirit in an eternally variable present; all history is a product of a spirit living in the present); pragmatism (our conceptions of the past are based only on judgments concerning things we can observe in the present; each century reinterprets the past in a way that serves its own ends).

Note that all these currents are idealistic, either because they consider the objective truth to be unattainable (positivism) or because they deny the existence of objective truths, they consider all truths to be subjective (subjectivism). The subjectivist trends defend the existence of a multiplicity of histories, all equally valid. It then follows that the historian must accept as true two histories that contradict each other on the same historical event. In this way, without a criterion to distinguish true from false, history is not a science.

After the 2nd World War the pragmatist trend gained the primacy, first in the US and later in Europe. Here is what one of its supporters, R. G. Collingwood, stated in 1946: "Historical thought is an activity of the imagination. [...] Every present has its own past and with the help of the imagination […] one intends to reconstruct the past of the given present, of the present in which the act of imagination takes place [...]” (back translated from the Portuguese version, our square brackets).

The book by the Polish Marxist philosopher Adam Schaff, History and Truth (Pergamon, 2014) provides a deep analysis of the historiographical trends. The book contains a very enlightening quotation from a pragmatist historian. This is Conyers Read's presidential address in 1949 to the Association of American Historians [2]. The address, entitled “The Social Responsibility of the Historian”, attacks the concept of objective truth and recommends historians the "education for democracy", saying at one point (original text, our square brackets):

“In that age [19th century liberalism] neutrality [unbiasedness] went so far that we ceased to believe […] in our own objectives. Confronted by such alternatives as Mussolini and Hitler and last of all Stalin have imposed, we must clearly assume a militant attitude if we are to survive. The antidote to bad doctrine is better doctrine, not neutralized intelligence. We must assert our own objectives, define our own ideals, establish our own standards and organize all the forces of our society in support of them. Discipline is the essential prerequisite of every effective army whether it march under the Stars and Stripes or under the Hammer and Sickle. […] The liberal neutral attitude, the approach to social evolution in terms of dispassionate behaviorism will no longer suffice. […] Total war, whether it be hot or cold, enlists everyone and calls upon everyone to assume his part. The historian is no freer from this obligation than the physicist.”

Conyers Read's message is clear:

-- To fight against “neutrality”, a term evoking patriotism, but whose true meaning is to fight the impartiality of the historian;

-- After all, not all subjectivist historiographies are equally valid; the one defending the American model is better than all the other ones, particularly those coming from any "neutralized intelligence";

-- The purpose of American historiography (indeed, of the entire American imperial pyramid) is to fight communism.

In this fight, which the imperial version of subjectivist historiography must promote against communism, it is not only "neutrality" that must be eliminated. Conyers Read goes further, advocating the principle of social control: "The important thing is that we shall accept and endorse such controls as are essential for the preservation of our way of life." According to Read, the historian can keep on studying all phenomena; if, however, he encounters any annoying phenomena, Read's advice is clear: "But we must realize that not everything which takes place in the laboratory is appropriate for broadcasting at the street corners." In other words, keep the public at large in their ignorance.

The pragmatist current is dominant in the universities. It’s this current who in-forms the hundreds of thousands of historians from all over the world, the history books that swarm and pollute bookstores, journalists, opinion-makers and so on.

In a internet survey of 17 prominent universities, with courses in history, from several countries [6], we have only found one with courses which include scientific approaches to history. It is the Federal University of Santa Catarina, Brazil, which in the courses of Theory of History I and II recommend, besides works of idealists, works by Marx and Engels, Adam Schaff, E. Hobsbawm and M. Vovelle.

In all other universities we did not find any course on the scientific methodology of history; this is the case e.g. of the University of California at Los Angeles, of the New York University, of the University College London (UCL), and of the Sorbonne. The UCL has a Making History course described as “a group project designed to encourage creative, lateral thinking about the past”.

In many history studies with courses on "methodology", this refers only to technical methods (document and bibliographic research, organization of libraries and archives, and so on) [4]. To be sure, techniques can be based on various sciences, but they do not make history a science. Knowledge of the stars, constellations and orbits of the planets also do not make astrology a science.

At the Universidade Nova de Lisboa we found the course Methodology for History. The program is not indicated and the bibliography includes a book whose review by a Norwegian historian reveals its postmodernist (see below) and subjectivist character [5], and a 2010 article on ethics in history [6] which, alongside usual recommendations (no to plagiarism, faithful transcription of sources, etc.), contains a recommendation typical of subjectivists, as we shall see.

In some universities the subjectivist current is very clearly announced. Let us take a look at what a history professor at Utah State University asserts in the text "History and What Really Happened" [7]  presenting his course A Guide To Writing in History and Classics. He says the following: "History is not just what really-happened-in-the-past, but a complex intersection of truths, bias and hopes." According to this, there is no single truth, but "truths". Each historian will have his/her own truth. If the intersection of truths is not empty, it will certainly be a big mix, since in addition to being "complex" it involves "biases and hopes" of the intersecting historians. Moreover, with his "it is not just ... but", the objective reality ("what really happened") and the big mix are put on equal footing.

Nevertheless, it is really the big mix that the same scholar immediately defends because according to him "[history] is a very messy business and, like all human enterprises, particularly susceptible of bias, self-righteousness, pride, vanity and, if not outright and intentional perversion of the truth, at least the subconscious obfuscation of some grimmer and grimier reality."

On this, and as regards “all human enterprises”, one should note:

In the first place, in the search for objective truths, all those human defects may or may not be present; just to give an example, no one ever proved that Einstein suffered of bias, self-righteousness, pride, vanity, etc.

Secondly, and with respect to bias, self-righteousness, pride and vanity, even with some of these defects it is possible to attain an objective truth, albeit relative; Newton's pride is well known, and yet he has discovered the law of gravity which is a truth.

Thirdly, the "outright and intentional perversion of the truth [etc.]" never prevented science as a whole from attaining truths. William Summerlin announced in 1970 that he had discovered a method of skin transplant without rejection, demonstrating the discovery with grafts of black mouse skin onto white mice; the transplanting method was denounced as fraud in 1974: Summerlin had painted the white mice hair with black ink; despite the "outright and intentional perversion of truth" of Summerlin, immunology did not lose its status as a science and continued to attain truths.

A scientific history, based on objective knowledge, would quickly get rid, like other sciences, of those who pervert the truth, intentionally or not. That this is not the case is clearly observed. The present epoch, of dominant political reaction, is swarmed by intentionally false stories. Actually, even the rewriting of history, with the falsification of since long well established and proven truths, is the trend of today and pervades all media.

The main problem impeding to qualify mainstream history as a science lies not in human defects. Nor does it lie, as some argue, in the fact that in history one cannot repeat experiments. The evolution of species cannot be repeated either, and yet paleontology is a science.

It is true that the subject-object relationship introduces biases in the cognitive process which, as mentioned above, are to be especially considered in the social sciences. But the central issue of the subjectivity lies not in the human defects nor, as subjectivists also argue -- namely the authors of the article on ethics cited above -- on “era and culture in which you were born and raised, education, and the expectations of the communities to which you belong.”

Yes, human defects, "era and culture," and so on, can influence the subject in the cognitive act. The influence of these factors is easily overcome in historical knowledge as it also is in the natural sciences. But the central subjective influence in the cognitive act of history is no longer easily overcome: that which comes from the social conditioning of the subject; that is, the social class of the subject, the factor that makes him take "party spirit". As Marx put it in A Contribution to the Critique of Political Economy: "It is not the consciousness of men that determines their existence, but their social existence that determines their consciousness." This central factor is always concealed by the subjectivists.

Contrary to the subjectivists, Marxists defend the human capacity of attaining objective knowledge not only of nature but also of societies. Armed with a scientific theory of human societies, which is grounded on clear definitions and laws on the objective reality, Marxists recognize that the relations of production and particularly the relations of property decide the division of society into classes; these defend specific interests that act on the cognitive attitudes of men. Since the interests of classes are different and contradictory their influence on cognitive attitudes produce different results.

When talking about the dominant class, it must be taken into account that the domination is not only economic. The need to preserve its domination and inherent privileges necessarily leads to the ideology of the dominant class being imposed to the whole society as the dominant ideology.

In capitalism, the most conscious elements of the exploiting class (the bourgeoisie) are vitally interested in keeping the mechanisms of exploitation obscured, in perpetuating a social order that no longer supports social progress, in slandering past experiences of building a new social order. They, therefore, support an ideology based on multiple and false judgments about the past, which sustains the preservation of the existing social order and claims its inevitability. The historiography allowing the attainment of these objectives is necessarily subjectivist and, as such, anti-scientific.

The most conscious elements of the exploited class (the proletariat) and its allies are vitally interested in understanding the mechanisms of exploitation, of learning from the past the forms of struggle against exploitation, of revolutionary experience, of the building of a social order towards a society without classes, and learning from previous mistakes. They are, therefore, vitally interested in extracting true assessments from the past, from history. If they did not do that, if they did not mind using false judgments from the past, they would be standing against their interests. The attitude they take is, therefore, a scientific attitude, which will always follow a process of seeking objective truths based on the Marxist analysis, which precisely defends both the objectivity of knowledge and the revolutionary building of the future by the proletariat.

Before we go any further, we must briefly dwell on an enormous perversion of Marxism. This is the so-called postmodernism. A precursor of this trend was the Hungarian sociologist Karl Manheim who, starting from the Marxist concept of social conditioning of the subject, defended the following thesis (1952): all opinions concerning social realities are ideologies; given that each ideology depends on (is relative to) a given social situation, there are then as many truths as there are “social situations”. One thus falls in the relativism of the historical truth, which depends on the social situation, without possibility of reaching an objective truth, the foundation of any scientific knowledge. That is, postmodernism is a "social subjectivism" and suffers from the same defects of subjectivism tout court. We also find in postmodernism multiple truths and equally valid contradictory truths.

There are historians who defend the postmodernist view of history. We found in a historian's blog the following and typically postmodernist statement: "Science is political. There are no two ways about it." Therefore, for this historian, gravity works differently depending on whether it is a bourgeois or a proletarian who gets the proverbial falling apple upon the head; and certainly falling with different laws of gravity. Postmodernism has already been completely debunked [8] so that we lose time with it. It should be noted that the statement “Science is political” serves in fact as a surrogate of the statement “Politics [of any kind] is a science”. Nowadays, any nonsense is qualified as science to lend it the dignity it does not have. The author of the blog reveals his relativistic belief in the following text when he states "Historical validity is based in the historian’s interpretation of extant written texts." Subjectivism and postmodernism go hand in hand.

The social conditioning of the historian often leads him, in the process of writing history (in the selection of facts, in the interpretation and understanding of the motives of men, etc.), to introduce a subjectivity that deforms knowledge, because of factors such as interest, partiality, animosity against someone and against certain social groups. These are class-induced factors, not the moral human defects, "era and culture, [etc.]" of the subjectivists, mentioned above. For a historian to attain objectivity a set of practices  extrapolating those used in the natural sciences, must be observed [9]:

-- To regard one’s working hypothesis as provisional until one has gathered and carefully studied all the relevant evidence;
-- To engage in the hard work of collecting and studying all the relevant evidence;
-- To regard all evidence and sources with a critical eye;
-- To question one’s own preconceived ideas;
-- To be especially skeptical of evidence that tends to support one’s own preconceived ideas;
-- To compensate for one’s own biases by making sure to give diligent, even generous attention to evidence and theories that tend to cast doubt on one’s own preconceived ideas.

From the point of view of historical objectivity, the best initial position against subjectivist or postmodernist deformations, for the reasons mentioned above, is to adopt the class interests of the proletariat, the positions of Marxist analysis. The conditioning by the interests of the proletariat does not introduce the conservative subjective deformations; on the contrary, it implies an attitude open to social progress and change; hence, an attitude that develops every possible effort to break with deformed conservative knowledge and to achieve objective truths ever closer to "what really happened." This does not mean, of course, that Marxists do not make mistakes. No scientific path is error-free.

We now divert our attention from historians and concentrate on the difficulties of the non-historian citizen who wants to know “what really happened”. What precautions can one take against subjectivist and postmodernist deformations, which are now and ever more often associated with the “intentional perversion of truth”?
We believe that the following precautions are essential:

1 – Be wary of everything that the mainstream media say about history. They are financed directly or indirectly by big capital. They play the music that the bosses order for. Those who do not comply get fired. They lie unscrupulously to defend capitalism, imperialism, and to fight against Marxism and socialism.

2 - Be especially mistrustful when the media lecture on the history of social struggles, anti-imperialist struggles and uprisings, and set out to "elucidate" us about the history of revolutions, namely socialist revolutions, and about socialist countries. The "elucidation" will then certainly be a gross lie.
An example. The Jornal de Notícias, a Portuguese newspaper with large circulation, announced on past 7 November a series of articles on the 100th anniversary of the October Revolution. It stated as follows in the announcement: "Lenin was pushed by events to the most radical revolutionary path along the lines of Trotsky and Rosa Luxemburg." This is totally false: Trotsky and Rosa Luxemburg did not even dream of the "most radical revolutionary path" in Russia when Lenin proposed his famous April Theses that inspired the revolution. The sentence contains other falsehoods and distortions like "pushed by events", "most radical path", etc., whose aim is to belittle Lenin, the central figure of the revolution and for this reason especially annoying to the bourgeoisie.

3- Be also wary of documentaries and films on those topics made by large “West” enterprises which dominate the market of leisure time. You can reject as lies and imperialist propaganda documentaries on those topics from the History Channel.

4 - In the web blogs and in the wikipedia one finds everything, from the good to the bad. Usually the party spirit and the existence or not of objectivity concerns of the authors is more transparent than in the media.

5 - The first caution to be taken before reading a history book is to inquire about the author (e.g., via the internet). What class interests does he/she hold? Is the historian or his/her publishing house linked to institutions at the service of capitalism, of imperialism? What reviews has his/her work received and which social sector lends him/her most praise? Does the preface or the introduction reveal a subjectivist or postmodern approach? Or, conversely, Marxist?

The answer to these questions is not always easy. An example. The historian Robert Conquest wrote The Great Terror where he drew a picture of Stalin's USSR as a chamber of horrors. The book was acclaimed in the West and inspired many others in the same tuning. The impact was such that even many Marxists were shaken. It was later discovered that Conquest worked until 1956 for the British secret services in the Information Research Department (IRD) (originally called the Communist Information Bureau) whose mission was "to combat communist influence throughout the world by planting fabricated stories among politicians, journalists and others in a position to influence public opinion." Conquest's work was published by Praeger Press, a publisher affiliated with the CIA. For his services as CIA agent, Conquest was decorated by G.W. Bush in 2005 with the "Medal of Freedom". It was not until the late 1970s that a number of non-communist historians with concerns of objectivity [10] uncovered openly and thoroughly, on the basis of proven evidence, Conquest's inventions and falsities.

As a rule, it takes a much shorter time to fabricate a falsehood than it takes to prove that it is false.

6 - One should also analyze footnotes and bibliographical references. Often, subjectivist historians do not actually go to sources or witnesses in the face of the facts they mention. They limit themselves to choosing a large number of second-hand narratives and testimonies that support the thesis that suits them, making it appear that there is a consensus.

7 - In general, material evidence provided by duly authenticated objects or documents is more credible -- or even decisive -- than witness accounts (especially if collected without official and documented control) or narratives after the events in question. In this respect, the verification of truth in history bears similarities to criminal investigation.
An example. Until recently the US denied its involvement in the massacre of hundreds of thousands of Indonesian communists in 1965, during the Indonesian army coup which set the dictatorship of Suharto in power. Now the files from the US embassy in Jakarta, released last October (52 years later!), confirm the CIA involvement.

8 - We should be particularly skeptical when evidence and testimonies are collected by someone who is expressly selected and funded by personalities and institutions of big capital (media moguls, secret services, etc.) to collect such evidence and testimonies.
An example. The fabrication of the “holodomor” hoax started with the Nazi press in 1933 but was imposed in the West after the 1935 series of articles of Thomas Walker in the W. R. Hearst press (Chicago American and New York Evening Journal). Though Walker spent some time in the USSR he never was in Ukraine! His articles served Hearst, Henry Ford, and others, who wanted to smear the USSR and keep it out of the League of Nations.

9 - If a historian describes as true a fact that is against his "party" interest, then, with high probability, this fact is objectively true [11].
As an example, let us consider the question of the clandestine "bloc of oppositionists" in the 1930s in the USSR, which included rightists and Trotskyites, and motivated the Moscow trials of 1937 and 1938. For many years Trotsky denied the existence of such a "block", saying that it was a fabrication from Stalin. But in 1980 the leading Trotskyite historian of the time, Pierre Broué, was allowed to consult the Trotsky Archive at the University of Harvard and confirmed that the "block of oppositionists" had indeed existed. (Today, with more evidence meanwhile collected, no one disputes the fact.)

10 - One must be especially wary of "extraordinary" theses that run counter to an enormous volume of relative truths that have already been proven. Generally speaking, in science, “extraordinary claims require extraordinary proofs”'. Nowadays we are constantly bombarded with "historical" theses that seek to revise, in a reactionary sense, truths that have already been well established and proven, without any grounds or new evidence, not to mention "extraordinary proofs".
Even the French Revolution does not escape this revision; some historians (?) have now discovered that it was not a bourgeois revolution! 


Notas e Referências | Notes and References

[1] O positivismo (Mach, Comte, etc.) considera que o mundo material não pode ser conhecido, dado só existirem as percepções sensoriais do sujeito; assim, a «ciência positiva» não pode ir além de uma compilação de observações (experimentais ou não).
Positivism (Mach, Comte, etc.) considers that the material world cannot be known, since only sensory perceptions of the subject exist; thus "positive science" cannot go beyond a compilation of observations (experimental or otherwise).

[2] The Social Responsibilities of the Historian, The American Historical Review, vol. 55, no. 2, 1950.

[3] USA (3): UCLA, NYU, USU; GBR (3): UCL, Univ. Oxford, Univ. Cambridge; IRL (1): DCU; FRA (2): Univ. Toulouse, Sorbonne; BEL (1): Univ. Ghent; NLD (1): Univ. Leiden; PRT (2): UP, UNL; ESP (2): UCM, UPV; BRA (2): UFSC, USP.

[4] É o caso da disciplina «Métodos e Técnicas de Investigação Histórica» do curso da Universidade do Porto. This is the case of “Methods and Techniques of Historical Research” taught at the Oporto University.

[5] From Reliable Sources: An Introduction to Historical Methods. By Martha Howell and Walter Prevenier, Cornell University Press, 2001.
O historiador Trygve R. Tholfsen denuncia a defesa pelos autores do livro da tese pós-modernista, uma tese de «múltiplas histórias», e as afirmações subjectivistas: «os autores juntaram uma toada pós-moderna, salientando ao longo do livro que eles não partilham com os seus predecessores as crenças “impossivelmente ingénuas” acerca de verdade e objectividade.»
The historian Trygve R. Tholfsen exposes the defense by the authors of the book of the postmodernist thesis, a thesis of "multiple histories", and their subjectivist statements: “the authors have added a postmodern spin, emphasizing throughout the book that they do not share their predecessors' “impossibly naïve" beliefs about truth and objectivity.”

[6] Ethics for Historians: The Perspective of One Undergraduate Class, Catherine Denial (with contributions by Devin Harvie), Association of American Historians, January 2010.
.
[7] O historiador de Utah usa aqui de forma irónica a frase “o que realmente aconteceu” usada pelo historiador positivista da séc. XIX Leopold von Ranke: wie es eigentlich gewesen.
The Utah historian uses here in an ironic way the sentence “what really happened” used by Leopold von Ranke, a positivist historian of the 19th century: wie es eigentlich gewesen.

 [8] Um excelente livro que desmascara totalmente o pós-modernismo é: Alan Sokal, Jean Bricmont, Imposturas Intelectuais, Gradiva, 1999.
An excellent book that completely debunks postmodernism is: Alan Sokal, Jean Bricmont, Fashionable Nonsense: Postmodern Intellectuals' Abuse of Science, Picador, 1999.

[9] Este conjunto de práticas aparece em | This set of practices is mentioned in: Grover Furr, Vladimir L. Bobrov, Stephen Cohen’s Biography of Bukharin: A Study in the Falsehood of Khrushchev-Era “Revelations”, Cultural Logic, 2010.

[10] São de destacar neste tópico os historiadores americanos | Worth noting on this topic are the American historians Arch Getty, Robert W Thurston, Geofrey Roberts.

[11] Como este resultado é muitas vezes divulgado sem justificação, apresentamos aqui uma demonstração formal.
Seja o historiador A com preocupações de objectividade que defende a tese T para um dado evento. A tese oposta designamos por ~T. A depara com o facto x desse evento. Podemos modelar a probabilidade de A declarar x como verdadeiro -- p(x;A) --, como a soma do grau de certeza que A possui de que x é objectivamente verdadeiro -- p(x) --, com um valor de viés v.
p(x) varia, como uma probabilidade, em [0,1]. Se x apoia a tese T, o viés tem um certo valor positivo, p. ex. v = 0,2; se x apoia ~T, tomemos v = 0. Portanto, o modelo efectivamente aumenta p(x;A) se x apoia a tese defendida por A (se a soma p(x)+v for superior a 1, tomamos 1).
Normalmente, o historiador A não fará uma declaração sobre a veracidade de x se p(x;A) não tiver um certo valor mínimo, digamos 0,6 (mais do que a probabilidade de moeda ao ar). Suponhamos que x apoia a tese T e p(x) = 0,45. Então p(x;A) = 0,65 e A declara x como verdadeiro, apesar do grau de certeza que A possui de que x é objectivamente verdadeiro ser inferior ao de moeda ao ar. Mas, se x apoia ~T, A exigirá que p(x) seja superior a 0,6 para declarar x como verdadeiro. (Há outros modelos possíveis e com conclusões semelhantes.)
As this result often appears without justification, we present here a formal demonstration.
Assume a historian A with concerns of objectivity that defends thesis T for a given event. The opposite thesis is denoted ~T. A considers the fact x of this event. We can model the probability of A declaring x as true -- p(x; A) --, as the sum of the degree of certainty that A has that x is objectively true -- p(x) --, with a bias value v.
p(x) varies, as a probability, in [0,1]. If x supports the thesis T, the bias has a certain positive value, e.g. v = 0.2; if x supports ~T, let us take v = 0. Therefore, the model effectively increases p(x; A) if x supports the thesis defended by A (in case the sum p(x) + v is greater than 1, we take 1).

Normally, the historian A will not make a statement about the veracity of x if p(x; A) does not have a certain minimum value, say 0.6 (more than the probability on coin). Suppose that x supports the thesis T and p(x) = 0.45. Then p(x; A) = 0.65 and A declares x as true, despite the fact that the degree of certainty that A has that x is objectively true is less than in coin tossing. However, if x supports ~T, A will require p(x) to be greater than 0.6 to declare x as being objectively true. (There are other possible models with similar conclusions.)