sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

A UE Não Pode Ser Democratizada

A pretensa democraticidade da UE foi já por nós comentada e analisada desde o início do blog em 2012.
   
A UE é uma estrutura essencialmente controlada pelo grande capital alemão, com associados menores: grande capital francês, do Benelux e parte do grande capital inglês. O objectivo do grande capital é o domínio de um vasto mercado monopolisticamente gerido, e a extracção de mais-valia através de mecanismos supranacionais, aparentemente «democráticos», de coerção sobre os trabalhadores e de gestão neo-colonial das economias periféricas.
   
O conceito de democracia tem de ser sempre analisado pelo critério de classe. No capitalismo neoliberal quem possui o saco de moedas é quem dirige a orquestra. O Parlamento Europeu e outras estruturas da UE não alteram em nada a direcção da orquestra. O primeiro, empresta um perfume de democracia, escondendo dos 99,9% a realidade de que apenas os 0,1% do grande capital dirigem a orquestra. Isto não quer dizer, naturalmente, que os representantes progressistas dos 99,9% não usem o Parlamento Europeu na denúncia e na tentativa de reversão das manigâncias dos 0,1%. Quanto a outras estruturas (comissões de ministros, CE, etc.) a sua submissão aos 0,1% é total, funcionando em estilo mercenarista ou de corrupção pura e simples, do tipo «coça-me as costas que eu depois coço-te as tuas». Fica assim justificada a afirmação «A UE não pode ser democratizada».
   
Com vista a adiar a agonia capitalista aparecem constantemente grupos que apresentam as velhas e falhadas ideias da social-democracia sob novas roupagens. Arvoram novas denominações, procurando inclusive demarcar-se da etiqueta «social-democrata» e parodiar-se de «marxistas» ou «progressistas». São como o «gato escondido com o rabo de fora». E o essencial do «rabo», seja quais forem as roupagens com que se pavoneiam, é sempre o mesmo: a colaboração de classes, em nome de uma utópica e etérea democracia acima das classes, que será sempre e não poderá ser outra coisa senão a submissão à classe dominante.
   
O último exemplo emblemático de tais grupos é o recentíssimo Movimento Democracia na Europa 2025, dinamizado pelo bem conhecido «marxista errático» (assim auto-denominado) Yanis Varoufakis, ex-ministro grego das Finanças. Membro do grupo é também o filósofo eslovaco Slavoj Žižek, muito apreciado pelos media quando querem mostrar a sua independência entrevistando um marxista (imagine-se!). A este poderíamos denominar de «marxista esotérico». Também não faltam portugueses a abrilhantar o grupo: o confusionista pós-moderno Boaventura de Sousa Santos e o jovem dos conceitos absolutos e puros, livres dessa coisa chata e ultrapassada de tingimentos de classe, Rui Tavares.
   
Sobre o «Democracia na Europa» encontrámos um artigo de muito interesse no MLToday (http://mltoday.com/ ) que traduzimos abaixo. Confirma e expande algumas das ideias por nós avançadas desde 2012.
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A UE Não Pode Ser Democratizada
Nota do editor do MLToday:
Uma linha de fractura essencial entre o Centro e a Esquerda na política europeia é a atitude face à União Europeia (UE). Os reformistas sociais, de novas e velhas variedades, afirmam que a UE tem algum potencial progressivo. Os comunistas afirmam que a UE é uma instituição de classe dominante que não pode ser reformada. Este último ponto de vista é convincentemente argumentado no artigo que se segue.
    
O Movimento Democracia na Europa 2025: o velho mascarado de novo
Texto de análise do Partido Comunista da Irlanda
12 de Fevereiro de 2016
   
Ao mesmo tempo que o povo trabalhador da União Europeia começa a questionar o seu papel e até mesmo a sua natureza, incluindo os interesses que serve, eis que um novo agrupamento apareceu a semear a confusão e a atirar poeira aos olhos.


O «Movimento Democracia na Europa 2025», o grupo mais recente a apresentar-se como salvador do povo, despertou interesse devido à participação de um representante do Right2Change [Direito à Mudança, um grupo político da Irlanda] na sua reunião de fundação em Berlim, no passado 9 de Fevereiro.  A 13 de Fevereiro, a conferência do Right2Change em Dublin terá uma participação por vídeo de um dos fundadores do «Movimento», o ex-ministro grego das Finanças, Varoufakis. Ele irá também viajar por um certo número de países periféricos para promover este novo grupo.

O «Movimento Democracia na Europa» é um agregado de personalidades e de políticos falhados da tradição social-democrata (Labour Party). Varoufakis não é o único ex-ministro do grupo: um outro membro fundador proeminente é Arnaud Montebourg, ex-ministro do governo francês que é também vice-presidente da cadeia de armazéns Habitat e membro do comité de orientação estratégica da companhia Talan (França).

Antes do almoço formal em Berlim o grupo emitiu um manifesto no qual declara que o objectivo ou estratégia do movimento é «democratizar» a União Europeia. Contrapõe esta «democratização» a duas «opções terríveis»: ou um recuo para o casulo do Estado-Nação ou uma submissão à zona livre-de-democracia de Bruxelas.

As reivindicações iniciais do grupo são as de uma transparência completa no processo de decisão, com difusão ao vivo das reuniões do Conselho da UE, do Conselho de Ministros das Finanças e do Eurogrupo, a divulgação integral das negociações económicas, das actas do Banco Central da UE, etc. Se bem que fosse útil saber o que tais organismos estão a planear, sabemos por experiência que as decisões realmente importantes são tomadas nos bastidores: no campo de golfe, em restaurantes de luxo, ou nos corredores dos parlamentos patrulhados pelos lobistas das corporações.

Este novo grupo quer que as actuais instituições da UE obtenham recursos e implementem políticas dirigidas à resolução das crises da dívida, à banca, ao investimento, à pobreza, ao emprego, e à migração. Desde logo, este programa parte do pressuposto de que as ditas instituições tomam «más» decisões porque operam à porta fechada ou negoceiam em segredo, em vez de ter em conta o simples facto de que as ditas instituições representam, reflectem e trabalham no interesse das forças económicas reais. Elas não são neutrais, nem estão acima do serviço de interesses de classe.

As instituições e os indivíduos que as povoam não tomaram más decisões: tomaram as decisões correctas no sentido de favorecer os interesses das grandes corporações e das empresas financeiras. Estas estruturas foram desenvolvidas e estão a ser constantemente refinadas para assegurar o controlo e a conformidade com qualquer que seja a estratégia requerida pela elite dominante em dado momento, ao mesmo tempo emprestando-lhes uma aparência democrática formal.
O «Democracia na Europa» também deseja convocar «uma assembleia constitucional onde os europeus deliberarão como avançar, em 2015, para uma democracia europeia total, caracterizada por um parlamento soberano da UE que respeite a auto-determinação nacional e partilhe o poder com os parlamentos nacionais, as assembleias regionais e os concelhos municipais». O objectivo a longo prazo é, portanto, «instituir uma Europa totalmente democrática e funcional em 2015».

O que significa, na realidade, esta altissonante democracia de poder-ao-povo, paramentada de tão fantástica linguagem? Eles querem um «parlamento» Europeu com poderes «soberanos»: logo, aquilo que estão a reclamar, é que todas as decisões fiscais, monetárias, económicas e sociais sejam do foro deste «parlamento» reforçado. Eles querem que todo o poder seja dado a este novo parlamento mas, ao mesmo tempo, «partilhando» o poder e «respeitando» os parlamentos nacionais e as assembleias regionais.

O que estariam de facto a «partilhar» com o parlamento nacional? É óbvio que se temos um Parlamento Europeu «genuíno» e democraticamente legítimo, então teremos de ter um «Governo Europeu» que dê expressão a essa nova instituição democrática. Eles querem uma estratégia federalista «de esquerda», a qual preferem ao actual processo intergovernamental, com os representantes dos Estados membros a tomar decisões.

Sendo assim, o povo irlandês [ou português, ou qualquer outro] poderia votar em quem quer que desejasse a nível nacional, mas ficaria sem qualquer capacidade de mudança a esse nível, dado que o poder e a tomada de decisões reais, segundo o «Movimento», pertenceriam a esse novo e «democrático» parlamento Europeu.

As decisões políticas significativas já estão fora dos Estados membros; já temos uma forma de «governo Europeu» onde reduzidos círculos de uma elite politico-económica – tal como a Mesa Redonda Europeia dos Industriais – decidem o que deve ser feito. Assim, segundo a visão do «Movimento», tratar-se-ia apenas de democratizar este processo.

Aqui há que ter em conta a recente experiência do encargo da dívida imposto ao povo irlandês pelo BCE e CE, bem como o «Programa para a Irlanda» exigindo a privatização de activos públicos, incluindo a companhia das águas e companhias públicas. [Idem, para Portugal, etc.]

É, portanto, falsamente apresentada, sob a capa de uma maior democraticidade, a ideia de que uma espécie de Parlamento reforçado da UE é melhor do que a actual governação por uma elite económica com a sua burocracia tecnocrática, a qual na verdade um tal Parlamento improvavelmente desafiaria, ainda que o pudesse fazer.

Mesmo que seguíssemos à letra essa ideia do «Movimento», não existiria simplesmente qualquer possibilidade de que obtivesse um apoio legítimo do povo, que o levasse a aceitar um voto maioritário de um novo Parlamento da UE da mesma forma que sucede internamente nos Estados independentes, onde o povo consente ser governado por decisões maioritárias dos parlamentos nacionais.
Se, no proposto parlamento recauchutado, tivéssemos a actual composição de representação política do Parlamento da UE, com a sua maioria de cristãos democratas e de outros partidos conservadores, apoiada pela minoria social-democrata que partilha com eles a mesma visão de política fiscal e económica, então tal maioria poderia «democraticamente» votar pela austeridade e impor aos povos o fardo da dívida massiva das corporações.

Será que o «Democracia na Europa» acredita seriamente que num Parlamento da UE recauchutado tais políticas iriam ser mais aceitáveis para o povo trabalhador da Grécia, Espanha, Portugal, e Irlanda? [Na realidade] À semelhança de outras instituições da Europa, eles desejam despolitizar a democracia, despolitizar as decisões económicas e fiscais, de facto despolitizar o próprio Estado-Nação, defendendo que já nada mais pode ser feito ao nível do Estado-Nação, que os Estados-Nações são redundantes no que diz respeito à política fiscal, económica e social.

É simplesmente impossível que uma forma parlamentar de governo da UE ganhasse aceitação popular, por várias razões. As dimensões diferentes e os diferentes níveis de desenvolvimento económico dos estados membros, bem como a heterogeneidade das populações nacionais, tornam isso impossível.

O Parlamento da UE, tal como existe, é uma fachada, um fingimento de democracia, que serve para esconder o funcionamento não democrático do sistema. Serve também como meio de propaganda de uma «identidade europeia», como um disfarce do relacionamento neo-colonial existente entre os poderosos Estados nucleares e a periferia. Esta é uma lição que muitas nações que buscam uma separação dos actuais Estados multinacionais, tais como a Escócia, a Catalunha, e o País Basco, precisam de aprender. A verdade crua e simples é que dentro da UE nenhuma independência pode existir.

As propostas do «Democracia na Europa», de aumentarem os poderes aparentes do parlamento, apenas iriam redecorar a fachada e não contribuiriam em nada para alterar a natureza imperialista da UE, quer internamente quer externamente.

A reivindicação ou estratégia de mais integração, mesmo que com uma componente eleitoral-representativa de alguma forma melhorada, não é a mesma coisa que controlo popular. Nada tem a ver com uma transferência fundamental de poder dos escritórios das corporações e empresas financeiras para o povo trabalhador. Tal reivindicação ou estratégia simplesmente ignora ou não consegue entender a natureza do poder político e económico, a natureza do Estado e das instituições de governo e controlo.

O esvaziamento da democracia representativa decorrente da adopção dos múltiplos tratados da UE seria ainda mais completo se e quando o TTIP [Transatlantic Trade and Investment Partnership = Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento, projecto das administrações Obama-Merkel de consolidação e reforço do pólo imperial EUA-Alemanha] fosse adoptado. Os tratados da UE visaram retirar todas as decisões de políticas fiscais, económicas e sociais, do âmbito nacional, assegurando que elas não poderiam ser influenciadas pelas lutas de classes a nível nacional, e assegurando de forma permanente que um governo progressista eleito a nível nacional ficasse severamente restringido na sua acção. O colete de forças fiscal e económico está firmemente atado.

A elite governante, especialmente a nível da UE, despolitizou as decisões fiscais e económicas relegando-as para meras questões técnicas. Isso também se aplica à despolitização dos Estados individuais. Tal como a elite governante o «Democracia na Europa» defende que os problemas não podem ser reolvidos a nível nacional: só podem ser resolvidos a nível internacional, limpando assim, de forma conveniente, a classe dominante irlandesa de qualquer responsabilidade [idem, para outros países] e negando a possibilidade de mudança.

A entrega pelas classes governantes nacionais de poderes soberanos de estruturas nacionais a estruturas internacionais, só pode ser entendida como uma componente de um processo de reversão das conquistas democráticas, económicas e sociais dos trabalhadores, conduzido pelas respectivas classes governantes.

O que Varoufakis e outros como ele advogam é uma forma de democracia sem o povo, uma maior erosão da soberania nacional e da democracia nacional, é o erigir novos obstáculos a qualquer possível transformação radical das estruturas económicas e sociais a nível nacional.

Indivíduos como Varoufakis e grupos como o «Democracia na Europa» são apenas a última versão de uma longa linha de personagens que intentaram colocar uma face humana num sistema inumano e suas estruturas de controlo, como as da União Europeia. Neste aspecto, estão a emular a campanha bem sucedida do Syriza na Grécia que mobilizou forças populares para as conduzir à derrota e à desilusão. É essa a missão de Varoufakis, agora ao nível do palco europeu.


O que têm para oferecer é apenas mais do mesmo: o velho mascarado de novo. Há uma necessidade crescente de cirurgia bem mais radical se queremos construir e viver numa sociedade decente, onde o pilar fundamental é a solidariedade e a justiça económica a nível popular, uma sociedade onde o «mercado» deve estar submetido ao povo, em vez do que agora acontece, onde o povo está submetido ao «mercado».

terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Cambaleando à Beira de Novo Precipício

O título acima é o de um recente artigo de Zoltan Zigedy (pseudónimo de Greg Godels, http://zzs-blg.blogspot.pt/) que reputamos de grande interesse e cuja tradução apresentamos abaixo com a permissão do autor.
   
O artigo analisa o estado periclitante da economia dos EUA; uma economia com grande influência nas outras economias capitalistas. Nele se faz referência a indicadores-chave do estado de saúde do capitalismo, incluindo a taxa de lucro. Os leitores que têm acompanhado o nosso blog recordarão que a tendência de declínio da taxa de lucro é uma das leis mais importantes do capitalismo, que determina o investimento e o crescimento da economia. A taxa anual de crescimento do PIB real dos EUA em 2014 foi de 2,4%, a maior desde 2011. Para 2015 havia uma previsão eufórica de 3% ou mais, mas a administração americana veio já reconhecer uma descida significativa na previsão: 2%.
   
Introduzimos alguns curtos esclarecimentos entre «[]».
   
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Cambaleando à Beira de Novo Precipício
Zoltan Zigedy, 8 de Janeiro de 2016
De uma forma geral, os três factores essenciais dos negócios, investimento em capital fixo, produtividade e lucros das empresas, têm exibido uma tendência decrescente desde há três ou quatro anos. No primeiro trimestre de 2015 o investimento em capital fixo caiu 3,4%, pelo que não foi surpreendente a queda da produção por hora (produtividade) de 3,1%, e previa-se que os lucros quase não se alterariam. Estes três indicadores, fundamentais e interdependentes, sublinham a debilidade crítica da economia dos EUA. O capitalismo espremeu o suor dos trabalhadores o mais possível, os gestores estão relutantes em investir em novos ou avançados meios de produção, e as corporações dos EUA estão a sentir um declínio da taxa de lucro.
Desde essa altura, os «três factores essenciais» que avaliam a saúde da economia dos EUA só pioraram: os gastos de capital no terceiro trimestre caíram 3,8%, a produtividade anualizada só subiu 0,4% no terceiro trimestre e os lucros (anualizados durante o terceiro trimestre) sofreram o maior declínio desde a queda de 2008.
   
Para além disso, o índice da actividade transformadora dos EUA (Institute for Supply Management) caiu para o nível mais baixo desde Junho de 2009 e a produção industrial diminuiu durante três meses consecutivos até e incluindo Novembro (os dados que acabam de ser divulgados pelo Institute for Supply Management mostram que Dezembro foi o primeiro mês de contracção consecutiva da actividade transformadora desde 2009).
   
A capacidade de utilização [quanto da capacidade de produção é efectivamente utilizada] caiu para 77%, o menor valor nos últimos dois anos. Antes de 2007 e do início da crise económica, estava em 80%.
   
Escrevi em Junho acerca da inflação do mercado bolsista gerada por fusões e aquisições, recompras de acções e um custo de empréstimos obscenamente baixo [consequência da disponibilidade de fundos do Quantitative Easing]. O efeito dessa inflação sobre a riqueza da economia – o seu efeito psicológico no consumo – declinou. As perdas nos mercados são responsáveis pela maior parte dos 1,2 triliões [1.200.000.000.000] de dólares de riqueza cancelada [riqueza virtual que teve de ser eliminada no ajuste de contas], de acordo com o relatório da Reserva Federal [banco central dos EUA].
   
A debandada das obrigações [títulos obrigacionistas] de lixo (de alto risco e alto retorno) em 2015 aumentou mais a insegurança [dos mercados financeiros]. Enquanto no início da crise em 2008 estas obrigações de lixo totalizavam 709 biliões [milhares de milhões] de dólares, quando os investidores começaram a abandoná-las o total era já de 1,3 triliões  de dólares [milhões de milhões]. Em consequência disso, o quociente da dívida de alto risco relativamente aos lucros das corporações está próximo de um novo máximo. Um mercado fraquejante de títulos de valor está a moderar a euforia dos investidores.
   
Em Junho, fiz notar o seguinte:
   
Existem hoje 65 investimentos de capital de risco acima de 1 bilião de dólares (a CB Insights diz que são 107) que estão a retirar dinheiro de fundos de pensões famintos de rendimento, de fundos comuns, e de fundos de cobertura. Independentemente do número, todos concordam que a capitalização total destes investimentos em firmas que são pouco mais que start-ups [recém-criadas] se aproxima ou excede a capitalização das firmas semelhantes «dot.com» que rebentaram em 2000.
   
Contudo, as novas start-ups estão a deparar com ventos contrários em 2015, especialmente no sector tecnológico/internet. Conforme noticia o The Wall Street Journal: «As companhias de tecnologia e internet que começaram a operar nos EUA obtiveram 9,5 biliões de dólares em 2015, abaixo dos 40,8 biliões em 2014… O número de IPOs [oferta inicial pública de acções] no sector caiu para menos de metade, de 62 para 29.»
   
Sem dúvida os investidores «famintos de dividendos» fizeram mal os cálculos, conforme a actual queda abrupta no mercado NASDAQ de títulos de valor demonstrou.
   
Claro que a economia dos EUA é também fortemente abanada por desenvolvimentos globais: a economia da República Popular da China está no mínimo oscilante, a da UE está estagnada, a do Canadá está a abrandar e as economias da Rússia e do Brasil estão em declínio acentuado.
   
Se por um lado os gastos dos consumidores puseram a economia dos EUA a boiar, colocando o PIB em território positivo, por outro, a mola real do capitalismo – o lucro – continua a ser a questão crítica. No terceiro trimestre de 2015 os lucros anualizados sofreram o maior declínio desde o mergulho de 2008. Os lucros do terceiro trimestre ficaram 1,1% abaixo dos do segundo trimestre e 4,7% abaixo dos do mesmo trimestre de 2014, exibindo uma persistente tendência declinante.
   
Entrevistado pela Barron’s [revista de mercados financeiros] (21 de Dezembro de 2015), David Levy do Centro de Previsão Jerome Levy opinou de forma perceptiva: «[…] Mas o factor que foi de facto a causa da economia enfraquecer um pouco foi a fraqueza dos lucros. Ouvimos alguns a usar a expressão “recessão de lucros”, mas não existe recessão de lucros sem uma recessão real. Vejo sinais das “coisas” a abrandar como resultado do declínio dos lucros […]»
   
Fico confuso quando vejo que economistas progressistas, muitos marxistas, e mesmo Partidos Comunistas, continuam a atribuir a causa da actual crise do capitalismo, agora a aprofundar-se, à «sobreprodução» ou ao declínio do consumo ou da procura. Tais noções são, ou resíduos de uma anterior época pré-monopolista, ou provêm da influência do pensamento keynesiano no marxismo e na Esquerda em geral. A «sobreprodução» que é relevante na crise capitalista é a sobreprodução de capital, que não consegue encontrar uma aplicação lucrativa sem encravar o processo de acumulação.
   
As teorias baseadas na procura servem como peça central da teoria social-democrata das crises. Sim, o retorno das corporações e os gastos dos consumidores estão agora estagnados ou a declinar – não como indicadores principais, mas como consequência do abrandamento económico geral determinado pela perspectiva de menos oportunidades de lucro. É a queda no crescimento dos lucros ou um declínio da taxa de lucro que leva os capitalistas a aplicar travões. Se os mercados demonstrarem uma maior rendibilidade (recompensando, por exemplo, os capitalistas com uma maior fatia), os capitalistas continuarão a investir e alimentarão o motor económico, mesmo se confrontados com retornos momentaneamente estagnados ou declinantes. Claro que retornos a descer acabarão eventualmente por prejudicar a taxa de lucro. Mas é o lucro que propulsiona o capitalismo ou que o afunda se não existir.
   
Para os marxistas não são meramente os números que explicam o futuro, mas as tendências ou padrões. As tendências são claramente negativas. Com as soluções dos bancos centrais largamente exaustas é difícil imaginar uma saída fácil de uma crise que se aprofunda; é difícil pensar que o próximo ano traga qualquer coisa que não seja dificuldade económica.
   

Tendo em conta o aumento da extrema-direita e a ausência de uma esquerda militante na maioria dos países, a crise económica ameaça colocar obstáculos políticos formidáveis. Dada a ubiquidade de conflitos letais e as crescentes hostilidades inter-imperialistas, o novo ano exige um comprometimento acrescido pela paz e pela justiça social. Um comprometimento que terá de ir para além das tinturas de iodo e curativos constantemente servidos pelos liberais e sociais-democratas.