O
título acima é o de um recente artigo de Zoltan Zigedy (pseudónimo de Greg
Godels, http://zzs-blg.blogspot.pt/)
que reputamos de grande interesse e cuja tradução apresentamos abaixo com a
permissão do autor.
O
artigo analisa o estado periclitante da economia dos EUA; uma economia com
grande influência nas outras economias capitalistas. Nele se faz referência a
indicadores-chave do estado de saúde do capitalismo, incluindo a taxa de lucro.
Os leitores que têm acompanhado o nosso blog recordarão que a tendência de
declínio da taxa de lucro é uma das leis mais importantes do capitalismo, que
determina o investimento e o crescimento da economia. A taxa anual de
crescimento do PIB real dos EUA em 2014 foi de 2,4%, a maior desde 2011. Para
2015 havia uma previsão eufórica de 3% ou mais, mas a administração americana
veio já reconhecer uma descida significativa na previsão: 2%.
Introduzimos
alguns curtos esclarecimentos entre «[]».
*
* *
Cambaleando à
Beira de Novo Precipício
Zoltan
Zigedy, 8 de Janeiro de 2016
Em
Junho de 2015 escrevi o seguinte [http://zzs-blg.blogspot.pt/2015/06/the-us-economy-mid-year-report-card.html]:
De
uma forma geral, os três factores essenciais dos negócios, investimento em
capital fixo, produtividade e lucros das empresas, têm exibido uma tendência
decrescente desde há três ou quatro anos. No primeiro trimestre de 2015 o
investimento em capital fixo caiu 3,4%, pelo que não foi surpreendente a queda
da produção por hora (produtividade) de 3,1%, e previa-se que os lucros quase
não se alterariam. Estes três indicadores, fundamentais e interdependentes,
sublinham a debilidade crítica da economia dos EUA. O capitalismo espremeu o
suor dos trabalhadores o mais possível, os gestores estão relutantes em
investir em novos ou avançados meios de produção, e as corporações dos EUA estão
a sentir um declínio da taxa de lucro.
Desde
essa altura, os «três factores essenciais» que avaliam a saúde da economia dos
EUA só pioraram: os gastos de capital no terceiro trimestre caíram 3,8%, a
produtividade anualizada só subiu 0,4% no terceiro trimestre e os lucros
(anualizados durante o terceiro trimestre) sofreram o maior declínio desde a
queda de 2008.
Para
além disso, o índice da actividade transformadora dos EUA (Institute for Supply Management) caiu para o nível mais baixo desde
Junho de 2009 e a produção industrial diminuiu durante três meses consecutivos
até e incluindo Novembro (os dados que acabam de ser divulgados pelo Institute for Supply Management mostram
que Dezembro foi o primeiro mês de contracção consecutiva da actividade
transformadora desde 2009).
A
capacidade de utilização [quanto da capacidade de produção é efectivamente
utilizada] caiu para 77%, o menor valor nos últimos dois anos. Antes de 2007 e
do início da crise económica, estava em 80%.
Escrevi
em Junho acerca da inflação do mercado bolsista gerada por fusões e aquisições,
recompras de acções e um custo de empréstimos obscenamente baixo [consequência
da disponibilidade de fundos do Quantitative
Easing]. O efeito dessa inflação sobre a riqueza da economia – o seu efeito
psicológico no consumo – declinou. As perdas nos mercados são responsáveis pela
maior parte dos 1,2 triliões [1.200.000.000.000] de dólares de riqueza
cancelada [riqueza virtual que teve de ser eliminada no ajuste de contas], de
acordo com o relatório da Reserva Federal [banco central dos EUA].
A
debandada das obrigações [títulos obrigacionistas] de lixo (de alto risco e
alto retorno) em 2015 aumentou mais a insegurança [dos mercados financeiros].
Enquanto no início da crise em 2008 estas obrigações de lixo totalizavam 709
biliões [milhares de milhões] de dólares, quando os investidores começaram a
abandoná-las o total era já de 1,3 triliões de dólares [milhões de milhões]. Em
consequência disso, o quociente da dívida de alto risco relativamente aos
lucros das corporações está próximo de um novo máximo. Um mercado fraquejante
de títulos de valor está a moderar a euforia dos investidores.
Em
Junho, fiz notar o seguinte:
Existem hoje 65 investimentos de capital de risco acima
de 1 bilião de dólares (a CB Insights
diz que são 107) que estão a retirar dinheiro de fundos de pensões famintos de
rendimento, de fundos comuns, e de fundos de cobertura. Independentemente do
número, todos concordam que a capitalização total destes investimentos em
firmas que são pouco mais que start-ups
[recém-criadas] se aproxima ou excede a capitalização das firmas semelhantes «dot.com»
que rebentaram em 2000.
Contudo, as novas start-ups estão a deparar
com ventos contrários em 2015, especialmente no sector tecnológico/internet.
Conforme noticia o The Wall Street
Journal: «As companhias de tecnologia e internet que começaram a operar nos
EUA obtiveram 9,5 biliões de dólares em 2015, abaixo dos 40,8 biliões em 2014…
O número de IPOs [oferta inicial pública de acções] no sector caiu para menos
de metade, de 62 para 29.»
Sem
dúvida os investidores «famintos de dividendos» fizeram mal os cálculos,
conforme a actual queda abrupta no mercado NASDAQ de títulos de valor
demonstrou.
Claro
que a economia dos EUA é também fortemente abanada por desenvolvimentos
globais: a economia da República Popular da China está no mínimo oscilante, a
da UE está estagnada, a do Canadá está a abrandar e as economias da Rússia e do
Brasil estão em declínio acentuado.
Se
por um lado os gastos dos consumidores puseram a economia dos EUA a boiar,
colocando o PIB em território positivo, por outro, a mola real do capitalismo –
o lucro – continua a ser a questão crítica. No terceiro trimestre de 2015 os
lucros anualizados sofreram o maior declínio desde o mergulho de 2008. Os
lucros do terceiro trimestre ficaram 1,1% abaixo dos do segundo trimestre e
4,7% abaixo dos do mesmo trimestre de 2014, exibindo uma persistente tendência
declinante.
Entrevistado
pela Barron’s [revista de mercados
financeiros] (21 de Dezembro de 2015), David Levy do Centro de Previsão Jerome Levy opinou de forma perceptiva: «[…] Mas
o factor que foi de facto a causa da economia enfraquecer um pouco foi a fraqueza
dos lucros. Ouvimos alguns a usar a expressão “recessão de lucros”, mas não
existe recessão de lucros sem uma recessão real. Vejo sinais das “coisas” a
abrandar como resultado do declínio dos lucros […]»
Fico
confuso quando vejo que economistas progressistas, muitos marxistas, e mesmo
Partidos Comunistas, continuam a atribuir a causa da actual crise do
capitalismo, agora a aprofundar-se, à «sobreprodução» ou ao declínio do consumo
ou da procura. Tais noções são, ou resíduos de uma anterior época
pré-monopolista, ou provêm da influência do pensamento keynesiano no marxismo e
na Esquerda em geral. A
«sobreprodução» que é relevante na crise capitalista é a sobreprodução de
capital, que não consegue encontrar uma aplicação lucrativa sem encravar o
processo de acumulação.
As
teorias baseadas na procura servem como peça central da teoria social-democrata
das crises. Sim, o retorno das corporações e os gastos dos consumidores estão
agora estagnados ou a declinar – não como indicadores principais, mas como
consequência do abrandamento económico geral determinado pela perspectiva de
menos oportunidades de lucro. É a queda no crescimento dos lucros ou um
declínio da taxa de lucro que leva os capitalistas a aplicar travões. Se os
mercados demonstrarem uma maior rendibilidade (recompensando, por exemplo, os
capitalistas com uma maior fatia), os capitalistas continuarão a investir e
alimentarão o motor económico, mesmo se confrontados com retornos
momentaneamente estagnados ou declinantes. Claro que retornos a descer acabarão
eventualmente por prejudicar a taxa de lucro. Mas é o lucro que propulsiona o
capitalismo ou que o afunda se não existir.
Para
os marxistas não são meramente os números que explicam o futuro, mas as
tendências ou padrões. As tendências são claramente negativas. Com as soluções
dos bancos centrais largamente exaustas é difícil imaginar uma saída fácil de
uma crise que se aprofunda; é difícil pensar que o próximo ano traga qualquer
coisa que não seja dificuldade económica.
Tendo
em conta o aumento da extrema-direita e a ausência de uma esquerda militante na
maioria dos países, a crise económica ameaça colocar obstáculos políticos
formidáveis. Dada a ubiquidade de conflitos letais e as crescentes hostilidades
inter-imperialistas, o novo ano exige um comprometimento acrescido pela paz e
pela justiça social. Um comprometimento que terá de ir para além das tinturas
de iodo e curativos constantemente servidos pelos liberais e
sociais-democratas.