terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Cambaleando à Beira de Novo Precipício

O título acima é o de um recente artigo de Zoltan Zigedy (pseudónimo de Greg Godels, http://zzs-blg.blogspot.pt/) que reputamos de grande interesse e cuja tradução apresentamos abaixo com a permissão do autor.
   
O artigo analisa o estado periclitante da economia dos EUA; uma economia com grande influência nas outras economias capitalistas. Nele se faz referência a indicadores-chave do estado de saúde do capitalismo, incluindo a taxa de lucro. Os leitores que têm acompanhado o nosso blog recordarão que a tendência de declínio da taxa de lucro é uma das leis mais importantes do capitalismo, que determina o investimento e o crescimento da economia. A taxa anual de crescimento do PIB real dos EUA em 2014 foi de 2,4%, a maior desde 2011. Para 2015 havia uma previsão eufórica de 3% ou mais, mas a administração americana veio já reconhecer uma descida significativa na previsão: 2%.
   
Introduzimos alguns curtos esclarecimentos entre «[]».
   
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Cambaleando à Beira de Novo Precipício
Zoltan Zigedy, 8 de Janeiro de 2016
De uma forma geral, os três factores essenciais dos negócios, investimento em capital fixo, produtividade e lucros das empresas, têm exibido uma tendência decrescente desde há três ou quatro anos. No primeiro trimestre de 2015 o investimento em capital fixo caiu 3,4%, pelo que não foi surpreendente a queda da produção por hora (produtividade) de 3,1%, e previa-se que os lucros quase não se alterariam. Estes três indicadores, fundamentais e interdependentes, sublinham a debilidade crítica da economia dos EUA. O capitalismo espremeu o suor dos trabalhadores o mais possível, os gestores estão relutantes em investir em novos ou avançados meios de produção, e as corporações dos EUA estão a sentir um declínio da taxa de lucro.
Desde essa altura, os «três factores essenciais» que avaliam a saúde da economia dos EUA só pioraram: os gastos de capital no terceiro trimestre caíram 3,8%, a produtividade anualizada só subiu 0,4% no terceiro trimestre e os lucros (anualizados durante o terceiro trimestre) sofreram o maior declínio desde a queda de 2008.
   
Para além disso, o índice da actividade transformadora dos EUA (Institute for Supply Management) caiu para o nível mais baixo desde Junho de 2009 e a produção industrial diminuiu durante três meses consecutivos até e incluindo Novembro (os dados que acabam de ser divulgados pelo Institute for Supply Management mostram que Dezembro foi o primeiro mês de contracção consecutiva da actividade transformadora desde 2009).
   
A capacidade de utilização [quanto da capacidade de produção é efectivamente utilizada] caiu para 77%, o menor valor nos últimos dois anos. Antes de 2007 e do início da crise económica, estava em 80%.
   
Escrevi em Junho acerca da inflação do mercado bolsista gerada por fusões e aquisições, recompras de acções e um custo de empréstimos obscenamente baixo [consequência da disponibilidade de fundos do Quantitative Easing]. O efeito dessa inflação sobre a riqueza da economia – o seu efeito psicológico no consumo – declinou. As perdas nos mercados são responsáveis pela maior parte dos 1,2 triliões [1.200.000.000.000] de dólares de riqueza cancelada [riqueza virtual que teve de ser eliminada no ajuste de contas], de acordo com o relatório da Reserva Federal [banco central dos EUA].
   
A debandada das obrigações [títulos obrigacionistas] de lixo (de alto risco e alto retorno) em 2015 aumentou mais a insegurança [dos mercados financeiros]. Enquanto no início da crise em 2008 estas obrigações de lixo totalizavam 709 biliões [milhares de milhões] de dólares, quando os investidores começaram a abandoná-las o total era já de 1,3 triliões  de dólares [milhões de milhões]. Em consequência disso, o quociente da dívida de alto risco relativamente aos lucros das corporações está próximo de um novo máximo. Um mercado fraquejante de títulos de valor está a moderar a euforia dos investidores.
   
Em Junho, fiz notar o seguinte:
   
Existem hoje 65 investimentos de capital de risco acima de 1 bilião de dólares (a CB Insights diz que são 107) que estão a retirar dinheiro de fundos de pensões famintos de rendimento, de fundos comuns, e de fundos de cobertura. Independentemente do número, todos concordam que a capitalização total destes investimentos em firmas que são pouco mais que start-ups [recém-criadas] se aproxima ou excede a capitalização das firmas semelhantes «dot.com» que rebentaram em 2000.
   
Contudo, as novas start-ups estão a deparar com ventos contrários em 2015, especialmente no sector tecnológico/internet. Conforme noticia o The Wall Street Journal: «As companhias de tecnologia e internet que começaram a operar nos EUA obtiveram 9,5 biliões de dólares em 2015, abaixo dos 40,8 biliões em 2014… O número de IPOs [oferta inicial pública de acções] no sector caiu para menos de metade, de 62 para 29.»
   
Sem dúvida os investidores «famintos de dividendos» fizeram mal os cálculos, conforme a actual queda abrupta no mercado NASDAQ de títulos de valor demonstrou.
   
Claro que a economia dos EUA é também fortemente abanada por desenvolvimentos globais: a economia da República Popular da China está no mínimo oscilante, a da UE está estagnada, a do Canadá está a abrandar e as economias da Rússia e do Brasil estão em declínio acentuado.
   
Se por um lado os gastos dos consumidores puseram a economia dos EUA a boiar, colocando o PIB em território positivo, por outro, a mola real do capitalismo – o lucro – continua a ser a questão crítica. No terceiro trimestre de 2015 os lucros anualizados sofreram o maior declínio desde o mergulho de 2008. Os lucros do terceiro trimestre ficaram 1,1% abaixo dos do segundo trimestre e 4,7% abaixo dos do mesmo trimestre de 2014, exibindo uma persistente tendência declinante.
   
Entrevistado pela Barron’s [revista de mercados financeiros] (21 de Dezembro de 2015), David Levy do Centro de Previsão Jerome Levy opinou de forma perceptiva: «[…] Mas o factor que foi de facto a causa da economia enfraquecer um pouco foi a fraqueza dos lucros. Ouvimos alguns a usar a expressão “recessão de lucros”, mas não existe recessão de lucros sem uma recessão real. Vejo sinais das “coisas” a abrandar como resultado do declínio dos lucros […]»
   
Fico confuso quando vejo que economistas progressistas, muitos marxistas, e mesmo Partidos Comunistas, continuam a atribuir a causa da actual crise do capitalismo, agora a aprofundar-se, à «sobreprodução» ou ao declínio do consumo ou da procura. Tais noções são, ou resíduos de uma anterior época pré-monopolista, ou provêm da influência do pensamento keynesiano no marxismo e na Esquerda em geral. A «sobreprodução» que é relevante na crise capitalista é a sobreprodução de capital, que não consegue encontrar uma aplicação lucrativa sem encravar o processo de acumulação.
   
As teorias baseadas na procura servem como peça central da teoria social-democrata das crises. Sim, o retorno das corporações e os gastos dos consumidores estão agora estagnados ou a declinar – não como indicadores principais, mas como consequência do abrandamento económico geral determinado pela perspectiva de menos oportunidades de lucro. É a queda no crescimento dos lucros ou um declínio da taxa de lucro que leva os capitalistas a aplicar travões. Se os mercados demonstrarem uma maior rendibilidade (recompensando, por exemplo, os capitalistas com uma maior fatia), os capitalistas continuarão a investir e alimentarão o motor económico, mesmo se confrontados com retornos momentaneamente estagnados ou declinantes. Claro que retornos a descer acabarão eventualmente por prejudicar a taxa de lucro. Mas é o lucro que propulsiona o capitalismo ou que o afunda se não existir.
   
Para os marxistas não são meramente os números que explicam o futuro, mas as tendências ou padrões. As tendências são claramente negativas. Com as soluções dos bancos centrais largamente exaustas é difícil imaginar uma saída fácil de uma crise que se aprofunda; é difícil pensar que o próximo ano traga qualquer coisa que não seja dificuldade económica.
   

Tendo em conta o aumento da extrema-direita e a ausência de uma esquerda militante na maioria dos países, a crise económica ameaça colocar obstáculos políticos formidáveis. Dada a ubiquidade de conflitos letais e as crescentes hostilidades inter-imperialistas, o novo ano exige um comprometimento acrescido pela paz e pela justiça social. Um comprometimento que terá de ir para além das tinturas de iodo e curativos constantemente servidos pelos liberais e sociais-democratas.