No fim de 2015 tornaram-se conhecidas, de
várias instituições, previsões de indicadores económicos e de contas nacionais
que não deverão estar longe dos valores oficiais finais. Também a Comissão
Europeia (CE), como habitualmente, publicou as suas previsões de Outono [1].
Estamos, portanto, em condições de complementar o que já tínhamos dito sobre a
situação do país em Maio passado [2]. Usamos dados do Eurostat e do INE excepto
quando expressamente citada a fonte. A nossa análise versará os seguintes
temas:
1 – Contas
Públicas: Défice Orçamental (DO) e Dívida Pública (DP)
2 – Estado da Economia: PIB, Produção,
Investimento e Lucros
3 – Desemprego e Outros Indicadores de
Desastre Social
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1 – Contas Públicas: Défice Orçamental (DO) e
Dívida Pública (DP)
Recordemos que foram os elevados DO e DP,
conjuntamente com os elevados juros de serviço da dívida através de obrigações
do Tesouro, exacerbados pelas agências de rating
de risco obrigacionista, que levou à intervenção da troika nos moldes aceites pelo PS e PSD/CDS.
No final de 2010, a três meses de assinar em
Abril de 2011 o acordo de resgate no valor de 78 B€ (usamos B€ = bilião de
euros = mil milhões de euros), o DO de Portugal era igual a 11,2% (do PIB). No
final de 2014 estava em 7,2%. Tinha sido primeiro oficialmente colocado em 4% e
depois revisto para 7,2% devido à injecção pelo Estado de fundos no
BES-Novo-Banco. Portanto, embora inferior ao valor de 2010, regressou ao nível
de 2011 (7,4%). Isto é, todos os sacrifícios e roubos impostos pelos governos
do grande capital aos de menor rendimento tinham-se perdido e voltava-se ao
princípio. Perdido devido às fraudes bancárias e outras, fraudes do grande
capital. O valor anunciado para 2015 era primeiro de 2,7% e depois revisto para
4% devido ao «caso Banif». É provável que mesmo este valor seja optimista.
É claro que, em toada pré-eleitoral, o PSD, o
CDS, e os seus proxies na comunicação
social, não se cansaram de cantar maravilhas sobre as contas públicas, estado
da economia e questões sociais, atirando números para o ar totalmente
irrealistas. Este é um aspecto muito conhecido e que não necessita aqui da
nossa atenção
A DP depende dos DOs acumulados. No final de
2010 a DP portuguesa era de 96,2% (do PIB). A DP tem vindo sempre a subir e
encontrava-se em 130,2% em 2014. Fontes do governo prevêem que esse será também
o valor em 2015. Veremos…
Entretanto, conforme mostram os gráficos
abaixo, a toada de optimismo da CE continua.
Há também dois aspectos que importa considerar,
ilustrados pelo gráfico abaixo. Todos
os países da zona euro (mesmo os não mostrados no gráfico) viram a sua DP
aumentar a seguir à crise de 2008, com uma excepção: a Alemanha, que sistematicamente tem visto a sua DP a
decair. Além disso, verifica-se que dois países tinham em 2010 uma DP superior
à de Portugal e não foram alvo de resgates: a Itália e a Bélgica. A Itália
tinha, inclusive em 2014, uma DP superior à de Portugal.
Estes dois aspectos revelam algo que temos
vindo a assinalar em vários artigos desde o início do nosso blog: a UE e o euro
serviram para enriquecer a Alemanha [3]; os que têm de «quebrar» para
sustentar a Alemanha-França imperiais e seus proxies Áustria e Benelux são os do «elo mais fraco» [4].
2 – Estado da Economia: PIB, Produção,
Investimento e Lucros
A figura abaixo à esquerda mostra o PIB real
(isto é, a preços constantes). Verifica-se que ainda não recuperou da crise e
está aparentemente ao nível de há 7
anos atrás. De facto, está ainda mais abaixo devido às disparatadas alterações
nas regras de cálculo do PIB introduzidas em 2014 pelo Eurostat e de que já
falámos em [5].
A curva a preto na figura abaixo à direita
mostra os valores oficiais do crescimento anual do PIB real, com excepção dos
anos 2015 e 2016, que são ainda previsões. A estimativa de 2015 deverá estar
muito próxima do valor final. Quanto à de 2016 pode ter um erro importante [6].
Apesar de positiva a partir de 2014, a taxa de crescimento do PIB é muito
baixa, como já explicámos em [2]. Quanto às curvas de previsão da CE vemos que
a previsão a dois anos era demasiado optimista até 2013, um aspecto por nós
apontado em artigos anteriores. A partir de 2014 as previsões da CE são bem
mais convergentes com o valor final. Já toda a gente, incluindo o FMI,
reconhece a estagnação das economias da UE e o risco de nova crise.
O valor produzido nas indústrias
transformadoras também não recuperou da crise e está estagnado, conforme mostra
a curva a vermelho da figura abaixo à esquerda. Efectivamente, o valor total
produzido pelas empresas privadas do sector produtivo tem exibido uma tendência
declinante até 2013.
Estas constatações não surpreendem, por duas
razões: por um lado, o investimento em capital fixo (FBCF = Formação Bruta de
Capital Fixo) tem declinado, com um ligeiro aumento nos últimos dois anos; por
outro lado, a taxa de utilização da capacidade produtiva da indústria
transformadora, que era de 80,5% antes da crise, tem estado estagnada em torno
de cerca de 74% até ao 2º trimestre de 2014, registando um pequena subida até
77,4% no 3º trimestre de 2015.
O investimento e a utilização da capacidade
produtiva estão em baixa porque o leit
motiv do capital – o lucro – também está em baixa. Infelizmente, os dados
globais sobre rendibilidade e taxa de
lucro das empresas não estão directamente disponíveis [7]. Entretanto, um
estudo do BdP de Outubro de 2013 revelou que, de 2008 a 2012, a rendibilidade
das empresas não financeiras tinha caído para metade, e com uma tal pressão
financeira que os lucros em alguns sectores (como o da construção) não excediam
os juros cobrados nos empréstimos [8].
Um sintoma de que a rendibilidade das empresas não tem melhorado desde
2012 é fornecido pelo elevado número de insolvências, que inclusive cresceu de
7,6% em 2015 face a 2014 [9].
Concluindo, ao contrário do que afirmam muitos políticos e comentaristas da
Direita, a situação económica não registou qualquer melhoria sensível desde
2014. Isto, apesar da queda dos preços de combustíveis que, o mais provável, é
não continuar por muito mais tempo (a própria Arábia Saudita começa a enfrentar
sérios problemas com esta baixa).
Será que há razões para esperar uma melhoria? Mantendo as condições
actuais (UE, euro, capitalismo neoliberal, etc.) pensamos que não. Pensamos
que, pelo contrário, há razões para esperar uma pioria, conforme já assinalámos
em Outubro de 2014 [10]. A nível global regista-se uma diminuição do comércio
(a própria China se está a ressentir disso), o que afecta a nossa balança
comercial que continua negativa. É afectada também pela nossa falta de produção
para o mercado interno, como já temos comentado. Para dar um exemplo, em
Outubro de 2015 importámos 1,3 B€ de alimentos, o que representou uma subida de
11% face a 2014! O quantitative easing
do BCE, como já esperávamos tendo em conta o que aconteceu nos EUA e Japão, não
tem tido uma contribuição substancial para incentivar a economia real. Com
baixa taxa de lucro, a injecção de dinheiro no sector financeiro tem apenas
contribuído para aumentar a especulação. Os sintomas de ameaça de crise começam
a surgir por todo o lado, particularmente nos mercados bolsistas. Na primeira
semana de Janeiro a Bolsa da China sofreu por duas vezes um crash que levou o governo a fechá-la por
dois dias. No momento em que escrevemos estas linhas está a decorrer o Encontro
de Davos (46.º Fórum Económico Mundial) que congrega os grandes bonzos da
economia mundial, e a mensagem que daí provém é clara: o medo de uma nova crise
pelo excesso de concentração do capital (pois é; é o Capitalismo Monopolista de
Estado) em alguns activos que se abalados (e o abalo é fácil, porque se trata
em grande parte de activos virtuais) podem provocar um movimento em massa de
vendas ao desbararato, e ainda porque, ao contrário do que os bonzos dantes
assumiam, reconhecem agora que a China não «é uma máquina de crescimento
perpétuo».
3 – Desemprego e Outros Indicadores de
Desastre Social
Um dos
indicadores mais abusados, e que mais tem servido aos políticos e comentaristas
da Direita para vender a mentirosa propaganda da melhoria da situação
económica, é a taxa de desemprego, cujo gráfico é mostrado na figura abaixo.
A taxa de desemprego é, como facilmente se entende, o quociente
entre a população desempregada e a população activa. Resta saber como se define
desempregado. A definição usada pelo INE, Eurostat, etc., é esta: um indivíduo
com idade entre os 15 e os 74 anos que, num período de referência (consideramos
o ano), não tem trabalho remunerado nem qualquer outro, está apto e disponível
para trabalhar imediatamente, e procura activamente emprego.
Em 2014 a população activa (média)
era de 5.224 mil indivíduos. Para uma taxa de desemprego de 14,5% o número de
desempregados é de 5.224x0,145 = 757 mil indivíduos. Se a oferta de emprego se
mantivesse constante, então a taxa de desemprego só poderia variar devido à
diferença entre os que entram no mercado de trabalho e os que o abandonam por
limite de idade. Podemos desprezar num reduzido intervalo de anos as variações
demográficas, tanto mais que o intervalo de idades em causa é grande (dos 15
aos 74 anos). Se a oferta de emprego diminuir, aumentará o número de
desempregados. Em Portugal, porém, um enorme número de desempregados vem
perdendo a esperança de «procurar activamente emprego» e emigra. O número de
emigrantes passou, assim, a constituir um bom estimador do aumento de
desemprego. Concretamente, em 2015 emigraram, segundo fontes oficiais, 110 mil
indivíduos. Se subtrairmos estes emigrantes aos 757 mil desempregados
registados em 2014 ficam 647 mil desempregados no país o que corresponde a uma
taxa de desemprego de 647/5224 = 12,4% que é precisamente o valor registado em
2014.
Na realidade, no gráfico acima, a
desaceleração do aumento de desemprego e depois a sua diminuição não reflecte
um aumento da oferta de emprego e concomitante diminuição do número de
desempregados; reflecte, sim, o aumento brutal da emigração a partir de meados
de 2011. Neste caso, as previsões aparentemente pessimistas da CE a partir de
2013 acabam por ser mais realistas: a CE não teve em conta a emigração.
Portugal é hoje o 12.º país do mundo com mais emigração. De onde todos os anos
saem dezenas e dezenas de cidadãos jovens e com boas habilitações que se tornam
«refugiados» noutros países [11]. Além disso, apesar da emigração, o desemprego
continua a crescer nas camadas jovens, na população dos 15 aos 24 anos: em
Outubro de 2014 a taxa de desemprego neste grupo etário era de 31,8% e em
Dezembro já era de 33,4%!!!
Para além do desastre económico, o desastre social
em Portugal é enorme.
Para além do elevado desemprego e
emigração, existem outros indicadores que documentam o espantoso nível de
desastre social a que chegou Portugal. Apontamos aqui alguns dados que, embora
noticiados, podem ter passado despercebidos:
a) A taxa de risco de pobreza tem
vindo sempre a aumentar, situando-se actualmente, já depois de todas as transferências
sociais, em 19,5%;
b) O Observatório da Pobreza é
peremptório: um em cada cinco portugueses é pobre (2 milhões) e a pobreza tem
aumentado (para 11%) na população empregada e na população idosa (para 14,5%);
c) 120 mil crianças têm fome
permanente (mais 35 mil que em 2012 [12]); 2 milhões e 750
mil portugueses passam fome permanente durante a semana e 1,5 milhões não
conseguem obter uma refeição completa pelo menos um dia por semana;
d) 4,3 milhões vivem em privação material
severa, com dificuldade, por exemplo, em pagar rendas em atraso, manter a casa
aquecida, ou fazer uma refeição de carne ou de peixe de dois em dois dias;
e) O SNS está cada vez mais degradado
(conforme já assinalámos em artigos anteriores), tendo ocorrido pelo menos uma
morte em 2015 por falta de atendimento;
f) A corrupção tem vindo sempre a aumentar e
ainda recentemente um inquérito da consultora
Ernest & Young, sobre percepção de fraude e corrupção em 38 países,
colocava Portugal na quinta posição dos mais corruptos, abaixo da Croácia,
Quénia, Eslovénia e Sérvia, mas acima da índia, Ucrânia, África do Sul,
Nigéria, Grécia, Egipto, Turquia e Rússia [13].
Referências
[3] «A União Europeia e o Euro serviram para
enriquecer a Alemanha» é o título de um artigo de Eugénio Rosa publicado em: http://resistir.info/e_rosa/ue_alemanha_31jan15.html.
Contudo, desde Setembro de 2012 que temos vindo precisamente a tocar nessa
tecla com base em dados objectivos.
[6] Banco de
Portugal piora estimativas de crescimento até 2017, 09/12/2015: «O Banco de Portugal piorou as
estimativas de crescimento económico para este ano, para 1,6%, e até 2017,
admitindo um "grau de incerteza particularmente elevado" na projecção
devido à inexistência do Orçamento do Estado para 2016.» http://www.sapo.pt/noticias/banco-de-portugal-piora-estimativas-de_566828b6ce68572130141eea
[7] No INE e no Eurostat estes dados estão muito sectorizados. A Ameco, spin-off do Eurostat, tem dados mais
trabalháveis que contamos utilizar em próximo artigo.
[8] Nota de Informação Estatística, BdP, 21 de Outubro de 2013; Sara Antunes, Rendibilidade das empresas portuguesas cai para
metade em seis anos, 21 de Outubro de 2013, Jornal de Negócios,
[9] Estudo da Ignios divulgado no JN de
19/01/2016.
[11] Alexandra
Campos, Portugal é o 12.º país do mundo
com mais emigração, Público, 28/10/2015.
[12] Estes e outros dados de
interesse são de http://euacuso.blogs.sapo.pt/tag/fome
. O autor cita o BACF - Banco Alimentar Contra a Fome.