quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Portugal: Ponto da Situação (2015)

No fim de 2015 tornaram-se conhecidas, de várias instituições, previsões de indicadores económicos e de contas nacionais que não deverão estar longe dos valores oficiais finais. Também a Comissão Europeia (CE), como habitualmente, publicou as suas previsões de Outono [1]. Estamos, portanto, em condições de complementar o que já tínhamos dito sobre a situação do país em Maio passado [2]. Usamos dados do Eurostat e do INE excepto quando expressamente citada a fonte. A nossa análise versará os seguintes temas:
    
1 – Contas Públicas: Défice Orçamental (DO) e Dívida Pública (DP)
2 – Estado da Economia: PIB, Produção, Investimento e Lucros
3 – Desemprego e Outros Indicadores de Desastre Social
    
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1 – Contas Públicas: Défice Orçamental (DO) e Dívida Pública (DP)   
Recordemos que foram os elevados DO e DP, conjuntamente com os elevados juros de serviço da dívida através de obrigações do Tesouro, exacerbados pelas agências de rating de risco obrigacionista, que levou à intervenção da troika nos moldes aceites pelo PS e PSD/CDS.
    
No final de 2010, a três meses de assinar em Abril de 2011 o acordo de resgate no valor de 78 B€ (usamos B€ = bilião de euros = mil milhões de euros), o DO de Portugal era igual a 11,2% (do PIB). No final de 2014 estava em 7,2%. Tinha sido primeiro oficialmente colocado em 4% e depois revisto para 7,2% devido à injecção pelo Estado de fundos no BES-Novo-Banco. Portanto, embora inferior ao valor de 2010, regressou ao nível de 2011 (7,4%). Isto é, todos os sacrifícios e roubos impostos pelos governos do grande capital aos de menor rendimento tinham-se perdido e voltava-se ao princípio. Perdido devido às fraudes bancárias e outras, fraudes do grande capital. O valor anunciado para 2015 era primeiro de 2,7% e depois revisto para 4% devido ao «caso Banif». É provável que mesmo este valor seja optimista.
    
É claro que, em toada pré-eleitoral, o PSD, o CDS, e os seus proxies na comunicação social, não se cansaram de cantar maravilhas sobre as contas públicas, estado da economia e questões sociais, atirando números para o ar totalmente irrealistas. Este é um aspecto muito conhecido e que não necessita aqui da nossa atenção
    
A DP depende dos DOs acumulados. No final de 2010 a DP portuguesa era de 96,2% (do PIB). A DP tem vindo sempre a subir e encontrava-se em 130,2% em 2014. Fontes do governo prevêem que esse será também o valor em 2015. Veremos…
    
Entretanto, conforme mostram os gráficos abaixo, a toada de optimismo da CE continua.
     
   
Há também dois aspectos que importa considerar, ilustrados pelo gráfico abaixo. Todos os países da zona euro (mesmo os não mostrados no gráfico) viram a sua DP aumentar a seguir à crise de 2008, com uma excepção: a Alemanha, que sistematicamente tem visto a sua DP a decair. Além disso, verifica-se que dois países tinham em 2010 uma DP superior à de Portugal e não foram alvo de resgates: a Itália e a Bélgica. A Itália tinha, inclusive em 2014, uma DP superior à de Portugal.
    
Estes dois aspectos revelam algo que temos vindo a assinalar em vários artigos desde o início do nosso blog: a UE e o euro serviram para enriquecer a Alemanha [3]; os que têm de «quebrar» para sustentar a Alemanha-França imperiais e seus proxies Áustria e Benelux são os do «elo mais fraco» [4].
        


   
2 – Estado da Economia: PIB, Produção, Investimento e Lucros
    
A figura abaixo à esquerda mostra o PIB real (isto é, a preços constantes). Verifica-se que ainda não recuperou da crise e está aparentemente ao nível de há 7 anos atrás. De facto, está ainda mais abaixo devido às disparatadas alterações nas regras de cálculo do PIB introduzidas em 2014 pelo Eurostat e de que já falámos em [5].
    
A curva a preto na figura abaixo à direita mostra os valores oficiais do crescimento anual do PIB real, com excepção dos anos 2015 e 2016, que são ainda previsões. A estimativa de 2015 deverá estar muito próxima do valor final. Quanto à de 2016 pode ter um erro importante [6]. Apesar de positiva a partir de 2014, a taxa de crescimento do PIB é muito baixa, como já explicámos em [2]. Quanto às curvas de previsão da CE vemos que a previsão a dois anos era demasiado optimista até 2013, um aspecto por nós apontado em artigos anteriores. A partir de 2014 as previsões da CE são bem mais convergentes com o valor final. Já toda a gente, incluindo o FMI, reconhece a estagnação das economias da UE e o risco de nova crise.
    
   

    
O valor produzido nas indústrias transformadoras também não recuperou da crise e está estagnado, conforme mostra a curva a vermelho da figura abaixo à esquerda. Efectivamente, o valor total produzido pelas empresas privadas do sector produtivo tem exibido uma tendência declinante até 2013.
    
Estas constatações não surpreendem, por duas razões: por um lado, o investimento em capital fixo (FBCF = Formação Bruta de Capital Fixo) tem declinado, com um ligeiro aumento nos últimos dois anos; por outro lado, a taxa de utilização da capacidade produtiva da indústria transformadora, que era de 80,5% antes da crise, tem estado estagnada em torno de cerca de 74% até ao 2º trimestre de 2014, registando um pequena subida até 77,4% no 3º trimestre de 2015.
       
    
O investimento e a utilização da capacidade produtiva estão em baixa porque o leit motiv do capital – o lucro – também está em baixa. Infelizmente, os dados globais sobre rendibilidade  e taxa de lucro das empresas não estão directamente disponíveis [7]. Entretanto, um estudo do BdP de Outubro de 2013 revelou que, de 2008 a 2012, a rendibilidade das empresas não financeiras tinha caído para metade, e com uma tal pressão financeira que os lucros em alguns sectores (como o da construção) não excediam os juros cobrados nos empréstimos [8].
   
Um sintoma de que a rendibilidade das empresas não tem melhorado desde 2012 é fornecido pelo elevado número de insolvências, que inclusive cresceu de 7,6% em 2015 face a 2014 [9].
    
Concluindo, ao contrário do que afirmam muitos políticos e comentaristas da Direita, a situação económica não registou qualquer melhoria sensível desde 2014. Isto, apesar da queda dos preços de combustíveis que, o mais provável, é não continuar por muito mais tempo (a própria Arábia Saudita começa a enfrentar sérios problemas com esta baixa).
    
Será que há razões para esperar uma melhoria? Mantendo as condições actuais (UE, euro, capitalismo neoliberal, etc.) pensamos que não. Pensamos que, pelo contrário, há razões para esperar uma pioria, conforme já assinalámos em Outubro de 2014 [10]. A nível global regista-se uma diminuição do comércio (a própria China se está a ressentir disso), o que afecta a nossa balança comercial que continua negativa. É afectada também pela nossa falta de produção para o mercado interno, como já temos comentado. Para dar um exemplo, em Outubro de 2015 importámos 1,3 B€ de alimentos, o que representou uma subida de 11% face a 2014! O quantitative easing do BCE, como já esperávamos tendo em conta o que aconteceu nos EUA e Japão, não tem tido uma contribuição substancial para incentivar a economia real. Com baixa taxa de lucro, a injecção de dinheiro no sector financeiro tem apenas contribuído para aumentar a especulação. Os sintomas de ameaça de crise começam a surgir por todo o lado, particularmente nos mercados bolsistas. Na primeira semana de Janeiro a Bolsa da China sofreu por duas vezes um crash que levou o governo a fechá-la por dois dias. No momento em que escrevemos estas linhas está a decorrer o Encontro de Davos (46.º Fórum Económico Mundial) que congrega os grandes bonzos da economia mundial, e a mensagem que daí provém é clara: o medo de uma nova crise pelo excesso de concentração do capital (pois é; é o Capitalismo Monopolista de Estado) em alguns activos que se abalados (e o abalo é fácil, porque se trata em grande parte de activos virtuais) podem provocar um movimento em massa de vendas ao desbararato, e ainda porque, ao contrário do que os bonzos dantes assumiam, reconhecem agora que a China não «é uma máquina de crescimento perpétuo».
     
    
3 – Desemprego e Outros Indicadores de Desastre Social
    
Um dos indicadores mais abusados, e que mais tem servido aos políticos e comentaristas da Direita para vender a mentirosa propaganda da melhoria da situação económica, é a taxa de desemprego, cujo gráfico é mostrado na figura abaixo.
    
   

A taxa de desemprego é, como facilmente se entende, o quociente entre a população desempregada e a população activa. Resta saber como se define desempregado. A definição usada pelo INE, Eurostat, etc., é esta: um indivíduo com idade entre os 15 e os 74 anos que, num período de referência (consideramos o ano), não tem trabalho remunerado nem qualquer outro, está apto e disponível para trabalhar imediatamente, e procura activamente emprego.   
    
Em 2014 a população activa (média) era de 5.224 mil indivíduos. Para uma taxa de desemprego de 14,5% o número de desempregados é de 5.224x0,145 = 757 mil indivíduos. Se a oferta de emprego se mantivesse constante, então a taxa de desemprego só poderia variar devido à diferença entre os que entram no mercado de trabalho e os que o abandonam por limite de idade. Podemos desprezar num reduzido intervalo de anos as variações demográficas, tanto mais que o intervalo de idades em causa é grande (dos 15 aos 74 anos). Se a oferta de emprego diminuir, aumentará o número de desempregados. Em Portugal, porém, um enorme número de desempregados vem perdendo a esperança de «procurar activamente emprego» e emigra. O número de emigrantes passou, assim, a constituir um bom estimador do aumento de desemprego. Concretamente, em 2015 emigraram, segundo fontes oficiais, 110 mil indivíduos. Se subtrairmos estes emigrantes aos 757 mil desempregados registados em 2014 ficam 647 mil desempregados no país o que corresponde a uma taxa de desemprego de 647/5224 = 12,4% que é precisamente o valor registado em 2014.
    
Na realidade, no gráfico acima, a desaceleração do aumento de desemprego e depois a sua diminuição não reflecte um aumento da oferta de emprego e concomitante diminuição do número de desempregados; reflecte, sim, o aumento brutal da emigração a partir de meados de 2011. Neste caso, as previsões aparentemente pessimistas da CE a partir de 2013 acabam por ser mais realistas: a CE não teve em conta a emigração. Portugal é hoje o 12.º país do mundo com mais emigração. De onde todos os anos saem dezenas e dezenas de cidadãos jovens e com boas habilitações que se tornam «refugiados» noutros países [11]. Além disso, apesar da emigração, o desemprego continua a crescer nas camadas jovens, na população dos 15 aos 24 anos: em Outubro de 2014 a taxa de desemprego neste grupo etário era de 31,8% e em Dezembro já era de 33,4%!!!
    
Para além do desastre económico, o desastre social em Portugal é enorme.
    
Para além do elevado desemprego e emigração, existem outros indicadores que documentam o espantoso nível de desastre social a que chegou Portugal. Apontamos aqui alguns dados que, embora noticiados, podem ter passado despercebidos:
    
a) A taxa de risco de pobreza tem vindo sempre a aumentar, situando-se actualmente, já depois de todas as transferências sociais, em 19,5%;
b) O Observatório da Pobreza é peremptório: um em cada cinco portugueses é pobre (2 milhões) e a pobreza tem aumentado (para 11%) na população empregada e na população idosa (para 14,5%);
c) 120 mil crianças têm fome permanente (mais 35 mil que em 2012 [12]); 2 milhões e 750 mil portugueses passam fome permanente durante a semana e 1,5 milhões não conseguem obter uma refeição completa pelo menos um dia por semana;
d) 4,3 milhões vivem em privação material severa, com dificuldade, por exemplo, em pagar rendas em atraso, manter a casa aquecida, ou fazer uma refeição de carne ou de peixe de dois em dois dias;
e) O SNS está cada vez mais degradado (conforme já assinalámos em artigos anteriores), tendo ocorrido pelo menos uma morte em 2015 por falta de atendimento;
f) A corrupção tem vindo sempre a aumentar e ainda recentemente um inquérito da consultora Ernest & Young, sobre percepção de fraude e corrupção em 38 países, colocava Portugal na quinta posição dos mais corruptos, abaixo da Croácia, Quénia, Eslovénia e Sérvia, mas acima da índia, Ucrânia, África do Sul, Nigéria, Grécia, Egipto, Turquia e Rússia [13].
    
Referências
[3] «A União Europeia e o Euro serviram para enriquecer a Alemanha» é o título de um artigo de Eugénio Rosa publicado em: http://resistir.info/e_rosa/ue_alemanha_31jan15.html. Contudo, desde Setembro de 2012 que temos vindo precisamente a tocar nessa tecla com base em dados objectivos.
[6] Banco de Portugal piora estimativas de crescimento até 2017, 09/12/2015: «O Banco de Portugal piorou as estimativas de crescimento económico para este ano, para 1,6%, e até 2017, admitindo um "grau de incerteza particularmente elevado" na projecção devido à inexistência do Orçamento do Estado para 2016.» http://www.sapo.pt/noticias/banco-de-portugal-piora-estimativas-de_566828b6ce68572130141eea
[7] No INE e no Eurostat estes dados estão muito sectorizados. A Ameco, spin-off do Eurostat, tem dados mais trabalháveis que contamos utilizar em próximo artigo.
[8] Nota de Informação Estatística, BdP, 21 de Outubro de 2013; Sara Antunes, Rendibilidade das empresas portuguesas cai para metade em seis anos, 21 de Outubro de 2013, Jornal de Negócios,
[9] Estudo da Ignios divulgado no JN de 19/01/2016.
[11] Alexandra Campos, Portugal é o 12.º país do mundo com mais emigração, Público, 28/10/2015.
[12] Estes e outros dados de interesse são de http://euacuso.blogs.sapo.pt/tag/fome . O autor cita o BACF - Banco Alimentar Contra a Fome.