O título acima é
o de um recente artigo de Zoltan Zigedy (pseudónimo de Greg Godels) que
reputamos de grande interesse, cuja tradução apresentamos abaixo com a
permissão do autor.
Nele se analisa a
visão do actual capitalismo «avançado» expressa pelo economista político Robert
Reich, que foi membro das administrações norte-americanas de três presidentes
(Gerald Ford, Jimmy Carter e Bill Clinton; neste último, como equivalente a
Ministro do Trabalho) e pelo economista keynesiano Paul Krugman, Prémio Nobel
da Economia. Visão semelhante à do keynesiano Joseph Stiglitz, também Prémio
Nobel, preocupada com o crescente aumento da desigualdade social, analisada em
detalhe pelo economista Thomas Piketty, autor do recente e discutido livro O Capital no Século XXI.
Já em Agosto de
2013 tínhamos recomendado a leitura dos artigos de Zoltan Zigedy, escritor, activista
e estudioso atento do marxismo-leninismo. O endereço do respectivo blog é: http://zzs-blg.blogspot.pt/. Os seus
artigos também se encontram num portal de muito interesse já por nós citado: http://mltoday.com/ . Na nossa tradução usámos a
versão do artigo constante neste portal.
* * *
E depois do Capitalismo Monopolista de Estado?
Zoltan Zigedy, 20
de Dezembro de 2015
Poucos artigos de
revisão satisfazem tanto quanto a análise recente feita por Paul Krugman do
novo livro de Robert Reich, Salvando o
Capitalismo: Para os Muitos, Não para os Poucos, na New York Review of Books (17 de Dezembro de 2015). Desde logo, é
gratificante deparar com a crua franqueza por detrás do título do livro de
Reich. “Salvando o Capitalismo” seguramente
implica que o capitalismo está sob sentença de morte – em risco de expirar –
uma implicação em que acredito e saúdo.
Robert Reich,
Paul Krugman, e outro colega, Joseph Stiglitz, partilham trabalhos académicos de
elevado nível em Economia e constituem o triunvirato da Esquerda não-marxista
nos EUA. Embora não concordem em tudo, têm em comum um conjunto nuclear de convicções
sobre a viabilidade do capitalismo e a respectiva necessidade de reforma. É
fora do habitual depararmos com Krugman e Reich a sugerir uma tão flagrante
urgência.
A urgência
sentida tem a ver com o crescimento dramático da desigualdade económica nos
maiores países capitalistas, particularmente nos EUA. Krugman salienta que a
desigualdade era uma questão que Reich e ele “já consideravam seriamente” há
vinte e cinco anos atrás. Isso pode ser verdade, mas penso que nenhum deles
estava a tomar a desigualdade a sério, como uma característica estrutural do
capitalismo, até aparecer a importante obra de Thomas Piketty dois anos atrás.
Krugman
conduz-nos numa viagem intelectual, expondo de forma clara e em termos não
técnicos como ele, Reich e outros economistas não marxistas modificaram a sua
compreensão das causas do crescimento da desigualdade (não simplesmente a
desigualdade, mas o seu crescimento) nas últimas várias décadas. E a conclusão
a que Krugman chega não pode deixar de supreender: Krugman, sem dúvida sem se
dar conta, descreve um capitalismo evoluído que se parece com o capitalismo que
os marxistas já descreveram há bem mais de meio século atrás.
Há umas décadas
atrás os economistas convencionais, liberais, acreditavam que a crescente
desigualdade nos EUA provinha de uma fraca adequação dos requisitos
tecnológicos às competências dos trabalhadores – aquilo que Krugman denomina de
“mudança tecnológica baseada nas competências” (MTBC). A educação era vista
como a grande niveladora, restaurando a riqueza e o rendimento dos que se situavam
atrás. Mas, com a correlação entre nível de educação e nível salarial
actualmente desfeita, todos rejeitam a MTBC como explicação adequada e como a
chave para parar o crescimento da desigualdade. O aumento de licenciados
endividados a trabalhar em call centers
sem dúvida alguma destrói essa ilusão. Ou, tal como Krugman argutamente
observa: “… os gestores de fundos especulativos e os professores do ensino médio
possuem níveis semelhantes de formação”.
Entretanto, os economistas recaíram num
outro exemplo tecnológico: os robots e outros dispositivos de melhoria da
produtividade a substituir trabalhadores. Contudo, Krugman rapidamente afasta
esta explicação:
… se estamos a viver uma revolução tecnológica guiada por robots, então porque razão o crescimento da
produtividade parece estar a declinar em vez de acelerar?
... se se estivesse a tornar mais fácil substituir trabalhadores por
máquinas, teríamos assistido a um aumento de investimento nos negócios com as
corporações numa corrida para obter vantagens das novas oportunidades; não assistimos
a isso e de facto as corporações estão cada vez mais a parquear os seus lucros
nos bancos ou a usá-los para recomprar acções.
Portanto, Krugman
rejeita a explicação tecnológica como causa do aumento da desigualdade.
Em vez disso,
incita-nos a considerar o argumento central do estudo de Reich: o poder dos
monopólios.
Segundo Krugman e
Reich, é a concentração do poder económico nas mãos de alguns agentes
corporativos que explica o aumento da desigualdade económica: “... é sumamente
óbvio que a nossa economia consiste muito mais de monopólios e de oligopolistas,
do que de competidores atomistas em guerra de preços, tal como os economistas
muitas vezes perspectivam.”
Então, porque
razão levaram Reich e Krugman tanto tempo a chegar a esta conclusão, a um lugar
já visitado por Lénine há mais de cem anos atrás? Os economistas marxistas Paul
Baran e Paul Sweezy devotaram todo um livro ao capitalismo monopolista há cerca
de cinquenta anos atrás.
Krugman atribui apologeticamente
– “um erro intelectual e político” – o desprezo da economia convencional pelos
monopólios a um artigo influente escrito por Milton Friedman em 1953, no qual
são enfaticamente rejeitados os efeitos do poder dos monopólios como tendo
algum significado no comportamento económico. Em consequência, os economistas
não marxistas e os seus aliados políticos escarneceram do conceito do poder dos
monopólios até recentemente, um conceito que os marxistas erigiram em peça
central das suas análises durante a maior parte do século vinte. Aquilo que é
agora “sumamente óbvio...” faz actualmente parte das teorias abraçadas pelos
nossos reformadores inclinados à esquerda.
Além disso,
Krugman e Reich revelam uma outra ligação crucial – a que existe entre o poder
económico (o poder dos monopólios) e o poder político (“E isto amarra a questão
do poder dos mercados ao poder político”). Eles vêem o poder dos monopólios
como sustentado, protegido e expandido pelos actores políticos. Juntamente com
isso, vêem também os actores políticos como seleccionados, alimentados e
orientados pelo poder dos monopólios. Tudo isto cria um busílis perturbador
para os que procuram reformar o capitalismo. O busílis de Reich, segundo as
palavras de Krugman, é:
A riqueza crescente dos fulanos do topo aumenta-lhes a influência política
através de contribuições para campanhas, grupos de pressão, e recompensas de
porta giratória. A influência política por sua vez é usada para reescrever as
regras do jogo – leis anti-trust,
desregulação, alterações em leis contratuais, dar cabo dos sindicatos – de uma
forma que reforça a concentração do rendimento. O resultado é uma espécie de
espiral, um círculo vicioso da oligarquia.
Pondo de lado as
metáforas altissonantes de círculos e espirais, a afirmação acima captura
razoavelmente bem o mecanismo por trás da formação socio-económica que os
marxistas denominam de Capitalismo Monopolista de Estado. Para os marxistas, a
concentração gera necessariamente capitalismo monopolista, o qual
subsequentemente se funde com o Estado, criando uma síntese mutuamente
reforçadora. O Estado governa no interesse do capitalismo monopolista, ao mesmo
tempo policiando o terreno económico de forma a maximizar a viabilidade e o
sucesso do capital monopolista.
O capital
monopolista legitimiza o Estado e selecciona e impõe os seus supervisores. Nada
demonstra melhor esta intimidade do que os resgates das crises das
mega-corporações (“demasiado grande para ruir”) e o estabelecimento crescente
de corpos governantes internacionais e de acordos de comércio. Nada demonstra
melhor o domínio político do capital monopolista do que o papel decisivo do
dinheiro das mega-corporações nos procedimentos políticos do sistema de
dois-partidos.
Com o
reconhecimento da ligação vital entre o capital monopolista e o Estado, Krugman
e Reich atingem uma compreensão que segue a par da dos teóricos marxistas que
caracterizaram a era pós Segunda Guerra Mundial como sendo a era do Capitalismo
Monopolista de Estado. Ainda que alguns aspectos da caracterização tivessem
sido e são algumas vezes disputados (ver, por exemplo, Y. Varga, Politico-Economic Problems of Capitalism,
1968), a maioria dos marxistas, no que respeita a esta importante questão,
acolheria entusiasticamente os dois economistas no seu campo.
Mas, ao contrário
dos marxistas, que vêem no derrube do capitalismo a resposta final ao casamento
do poder dos monopólios com o poder político, Krugman, Reich e os seus colegas
liberais e sociais-democratas permanecem com o busílis que resulta
inescapavelmente das suas conclusões sobre a causa da desigualdade. As reformas
económicas que perspectivam para retardar o crescimento da desigualdade são
totalmente bloqueadas pelo poder político que massivamente se congrega contra
eles. E esse poder político agrega-se contra reformas porque o poder político é
uma aquisição paga pelo poder dos monopólios. Por outras palavras, as
conclusões a que chegaram confirmam que os monopólios detêm o processo político
trancado e que essa tranca assegurará que os monopólios continuem a crescer
conjuntamente com a desigualdade.
Krugman reconhece
claramente o busílis e lança sérias dúvidas acerca da mirada saudosa de Reich
para o passado, de fé numa solução do tipo New
Deal, que irá emergir magicamente do “populismo” amorfo dos candidatos de
ambos os partidos (ele menciona Ted Cruz!).
Claro que Krugman
tem razão ao rejeitar a resposta nostálgica de Reich, mas também não oferece
qualquer alternativa.
Concluímos
dizendo que o crescimento da desigualdade só pode ser parado quando o programa de
salvação do capitalismo for posto de lado por um programa que vigorosamente conteste
o sistema capitalista. Esperemos que Krugman e Reich cheguem futuramente à
mesma conclusão.