sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

E depois do Capitalismo Monopolista de Estado?

O título acima é o de um recente artigo de Zoltan Zigedy (pseudónimo de Greg Godels) que reputamos de grande interesse, cuja tradução apresentamos abaixo com a permissão do autor.
   
Nele se analisa a visão do actual capitalismo «avançado» expressa pelo economista político Robert Reich, que foi membro das administrações norte-americanas de três presidentes (Gerald Ford, Jimmy Carter e Bill Clinton; neste último, como equivalente a Ministro do Trabalho) e pelo economista keynesiano Paul Krugman, Prémio Nobel da Economia. Visão semelhante à do keynesiano Joseph Stiglitz, também Prémio Nobel, preocupada com o crescente aumento da desigualdade social, analisada em detalhe pelo economista Thomas Piketty, autor do recente e discutido livro O Capital no Século XXI.
   
Já em Agosto de 2013 tínhamos recomendado a leitura dos artigos de Zoltan Zigedy, escritor, activista e estudioso atento do marxismo-leninismo. O endereço do respectivo blog é: http://zzs-blg.blogspot.pt/. Os seus artigos também se encontram num portal de muito interesse já por nós citado: http://mltoday.com/ . Na nossa tradução usámos a versão do artigo constante neste portal.
   
*    *    *
   
E depois do Capitalismo Monopolista de Estado?
   
Zoltan Zigedy, 20 de Dezembro de 2015
   
Poucos artigos de revisão satisfazem tanto quanto a análise recente feita por Paul Krugman do novo livro de Robert Reich, Salvando o Capitalismo: Para os Muitos, Não para os Poucos, na New York Review of Books (17 de Dezembro de 2015). Desde logo, é gratificante deparar com a crua franqueza por detrás do título do livro de Reich. “Salvando o Capitalismo” seguramente implica que o capitalismo está sob sentença de morte – em risco de expirar – uma implicação em que acredito e saúdo.
   
Robert Reich, Paul Krugman, e outro colega, Joseph Stiglitz, partilham trabalhos académicos de elevado nível em Economia e constituem o triunvirato da Esquerda não-marxista nos EUA. Embora não concordem em tudo, têm em comum um conjunto nuclear de convicções sobre a viabilidade do capitalismo e a respectiva necessidade de reforma. É fora do habitual depararmos com Krugman e Reich a sugerir uma tão flagrante urgência.
   
A urgência sentida tem a ver com o crescimento dramático da desigualdade económica nos maiores países capitalistas, particularmente nos EUA. Krugman salienta que a desigualdade era uma questão que Reich e ele “já consideravam seriamente” há vinte e cinco anos atrás. Isso pode ser verdade, mas penso que nenhum deles estava a tomar a desigualdade a sério, como uma característica estrutural do capitalismo, até aparecer a importante obra de Thomas Piketty dois anos atrás.
   
Krugman conduz-nos numa viagem intelectual, expondo de forma clara e em termos não técnicos como ele, Reich e outros economistas não marxistas modificaram a sua compreensão das causas do crescimento da desigualdade (não simplesmente a desigualdade, mas o seu crescimento) nas últimas várias décadas. E a conclusão a que Krugman chega não pode deixar de supreender: Krugman, sem dúvida sem se dar conta, descreve um capitalismo evoluído que se parece com o capitalismo que os marxistas já descreveram há bem mais de meio século atrás.
   
Há umas décadas atrás os economistas convencionais, liberais, acreditavam que a crescente desigualdade nos EUA provinha de uma fraca adequação dos requisitos tecnológicos às competências dos trabalhadores – aquilo que Krugman denomina de “mudança tecnológica baseada nas competências” (MTBC). A educação era vista como a grande niveladora, restaurando a riqueza e o rendimento dos que se situavam atrás. Mas, com a correlação entre nível de educação e nível salarial actualmente desfeita, todos rejeitam a MTBC como explicação adequada e como a chave para parar o crescimento da desigualdade. O aumento de licenciados endividados a trabalhar em call centers sem dúvida alguma destrói essa ilusão. Ou, tal como Krugman argutamente observa: “… os gestores de fundos especulativos e os professores do ensino médio possuem níveis semelhantes de formação”.
   
Entretanto, os economistas recaíram num outro exemplo tecnológico: os robots e outros dispositivos de melhoria da produtividade a substituir trabalhadores. Contudo, Krugman rapidamente afasta esta explicação:
   
… se estamos a viver uma revolução tecnológica guiada por robots,  então porque razão o crescimento da produtividade parece estar a declinar em vez de acelerar?
... se se estivesse a tornar mais fácil substituir trabalhadores por máquinas, teríamos assistido a um aumento de investimento nos negócios com as corporações numa corrida para obter vantagens das novas oportunidades; não assistimos a isso e de facto as corporações estão cada vez mais a parquear os seus lucros nos bancos ou a usá-los para recomprar acções.
   
Portanto, Krugman rejeita a explicação tecnológica como causa do aumento da desigualdade.
   
Em vez disso, incita-nos a considerar o argumento central do estudo de Reich: o poder dos monopólios.
   
Segundo Krugman e Reich, é a concentração do poder económico nas mãos de alguns agentes corporativos que explica o aumento da desigualdade económica: “... é sumamente óbvio que a nossa economia consiste muito mais de monopólios e de oligopolistas, do que de competidores atomistas em guerra de preços, tal como os economistas muitas vezes perspectivam.”
   
Então, porque razão levaram Reich e Krugman tanto tempo a chegar a esta conclusão, a um lugar já visitado por Lénine há mais de cem anos atrás? Os economistas marxistas Paul Baran e Paul Sweezy devotaram todo um livro ao capitalismo monopolista há cerca de cinquenta anos atrás.
   
Krugman atribui apologeticamente – “um erro intelectual e político” – o desprezo da economia convencional pelos monopólios a um artigo influente escrito por Milton Friedman em 1953, no qual são enfaticamente rejeitados os efeitos do poder dos monopólios como tendo algum significado no comportamento económico. Em consequência, os economistas não marxistas e os seus aliados políticos escarneceram do conceito do poder dos monopólios até recentemente, um conceito que os marxistas erigiram em peça central das suas análises durante a maior parte do século vinte. Aquilo que é agora “sumamente óbvio...” faz actualmente parte das teorias abraçadas pelos nossos reformadores inclinados à esquerda.
   
Além disso, Krugman e Reich revelam uma outra ligação crucial – a que existe entre o poder económico (o poder dos monopólios) e o poder político (“E isto amarra a questão do poder dos mercados ao poder político”). Eles vêem o poder dos monopólios como sustentado, protegido e expandido pelos actores políticos. Juntamente com isso, vêem também os actores políticos como seleccionados, alimentados e orientados pelo poder dos monopólios. Tudo isto cria um busílis perturbador para os que procuram reformar o capitalismo. O busílis de Reich, segundo as palavras de Krugman, é:
   
A riqueza crescente dos fulanos do topo aumenta-lhes a influência política através de contribuições para campanhas, grupos de pressão, e recompensas de porta giratória. A influência política por sua vez é usada para reescrever as regras do jogo – leis anti-trust, desregulação, alterações em leis contratuais, dar cabo dos sindicatos – de uma forma que reforça a concentração do rendimento. O resultado é uma espécie de espiral, um círculo vicioso da oligarquia.
   
Pondo de lado as metáforas altissonantes de círculos e espirais, a afirmação acima captura razoavelmente bem o mecanismo por trás da formação socio-económica que os marxistas denominam de Capitalismo Monopolista de Estado. Para os marxistas, a concentração gera necessariamente capitalismo monopolista, o qual subsequentemente se funde com o Estado, criando uma síntese mutuamente reforçadora. O Estado governa no interesse do capitalismo monopolista, ao mesmo tempo policiando o terreno económico de forma a maximizar a viabilidade e o sucesso do capital monopolista.
   
O capital monopolista legitimiza o Estado e selecciona e impõe os seus supervisores. Nada demonstra melhor esta intimidade do que os resgates das crises das mega-corporações (“demasiado grande para ruir”) e o estabelecimento crescente de corpos governantes internacionais e de acordos de comércio. Nada demonstra melhor o domínio político do capital monopolista do que o papel decisivo do dinheiro das mega-corporações nos procedimentos políticos do sistema de dois-partidos.
   
Com o reconhecimento da ligação vital entre o capital monopolista e o Estado, Krugman e Reich atingem uma compreensão que segue a par da dos teóricos marxistas que caracterizaram a era pós Segunda Guerra Mundial como sendo a era do Capitalismo Monopolista de Estado. Ainda que alguns aspectos da caracterização tivessem sido e são algumas vezes disputados (ver, por exemplo, Y. Varga, Politico-Economic Problems of Capitalism, 1968), a maioria dos marxistas, no que respeita a esta importante questão, acolheria entusiasticamente os dois economistas no seu campo.
   
Mas, ao contrário dos marxistas, que vêem no derrube do capitalismo a resposta final ao casamento do poder dos monopólios com o poder político, Krugman, Reich e os seus colegas liberais e sociais-democratas permanecem com o busílis que resulta inescapavelmente das suas conclusões sobre a causa da desigualdade. As reformas económicas que perspectivam para retardar o crescimento da desigualdade são totalmente bloqueadas pelo poder político que massivamente se congrega contra eles. E esse poder político agrega-se contra reformas porque o poder político é uma aquisição paga pelo poder dos monopólios. Por outras palavras, as conclusões a que chegaram confirmam que os monopólios detêm o processo político trancado e que essa tranca assegurará que os monopólios continuem a crescer conjuntamente com a desigualdade.
   
Krugman reconhece claramente o busílis e lança sérias dúvidas acerca da mirada saudosa de Reich para o passado, de fé numa solução do tipo New Deal, que irá emergir magicamente do “populismo” amorfo dos candidatos de ambos os partidos (ele menciona Ted Cruz!).
   
Claro que Krugman tem razão ao rejeitar a resposta nostálgica de Reich, mas também não oferece qualquer alternativa.
   

Concluímos dizendo que o crescimento da desigualdade só pode ser parado quando o programa de salvação do capitalismo for posto de lado por um programa que vigorosamente conteste o sistema capitalista. Esperemos que Krugman e Reich cheguem futuramente à mesma conclusão.