terça-feira, 29 de dezembro de 2015

BANIF: soma e segue

O recente caso BANIF, amplamente noticiado, é mais um de inúmeros exemplos do estado de degradação a que chegou o capitalismo neoliberal nos países de «economia [capitalista] avançada» -- EUA, Canadá, Japão e países da UE, incluindo Portugal. O investimento produtivo nesses países tem vindo sempre a decrescer e os salários dos trabalhadores também; mas o que tem vindo sempre a crescer é a jogatina da especulação financeira, com a típica parafernália de ilegalidades e negócios escuros do «capitalismo de casino». Em consequência, tem também aumentado a desigualdade social.
Trata-se de mais um crime económico de roubo ao povo, cujo esquema, já analisado detalhadamente em muitos dos nossos anteriores artigos – ver o que escrevemos sobre a especulação financeira, os jogos com derivados, os casos BPN, BCP, BPP, BES, o caso dos swaps, a evolução do capitalismo, etc. --, é assim:
a) os depósitos do povo comum na banca são usados, não para desenvolver a economia real, mas sim para a especulação em valores mobiliários (acções, obrigações, derivados) e empréstimos de risco elevado;
b) a especulação é literalmente um jogo que permite ao grande capital realizar, a curto prazo, lucros elevados, muito mais elevados do que aplicando os fundos financeiros em actividades produtivas (a taxa de lucro em actividades produtivas nas «economias avançadas» está em baixa);
c) como em qualquer jogo, quando um ganha há outro que perde, pelo que existem sempre protagonistas do grande capital que sofrem perdas elevadas (quando tal acontece os activos envolvidos na jogatina passam a denominar-se de tóxicos, mas de facto é o próprio jogo que é tóxico);
d) as perdas do grande capital redundam em «buracos» nos bancos;
e) tais perdas nunca preocupam os respectivos protagonistas do grande capital porque nunca são pagas por eles – eles são demasiado grandes para ruir (too big to fail);
f) as perdas da jogatina especulativa do grande capital são pagas pelo povo;
g) de facto, o Estado, ao serviço do grande capital, trata de tapar os «buracos» usando o dinheiro dos contribuintes – os famosos «resgates» --, «estabilizando» a situação, isto é, para que um novo ciclo de roubo ao povo se reinicie em «a)». Na realidade, o reinício representa sempre um agravamento das condições de vida do povo porque, no processo de resgate – de salvação do grande capital --, o Estado para poder tapar os «buracos» é «levado» a alienar activos importantes, pagos durante anos e anos com o dinheiro dos contribuintes – as famosas privatizações --, muitas vezes ao desbarato.
Em suma, o Estado do grande capital defrauda o povo de múltiplas maneiras: porque as poupanças não são devidamente investidas na produção de bens e serviços e no apoio às famílias; porque as poupanças são usadas para pagar perdas de que o povo não tem culpa, ao invés dos verdadeiros culpados que nunca pagam as suas perdas, antes tratam de esconder o que possuem em paraísos fiscais; porque, ao assumir as perdas, o Estado, além de usar dinheiro do povo, contrai dívidas que servem de pretexto à assunção de políticas de «austeridade» e suas consequências nos cortes salariais, de pensões, etc. (a receita alternativa de quantitative easing, agora também usada pelo BCE, leva às mesmas consequências); porque as privatizações representam um empobrecimento patrimonial do povo e novas formas de exploração dos trabalhadores; porque tais políticas e privatizações estão sempre associadas à degradação de serviços públicos. Por tudo isto, não é de admirar que a desigualdade social tenha vindo sempre a aumentar.
O rombo anunciado (22Dez) do Banif é de 2.255 M€ (M€ = milhões de euros) correspondendo a fundos injectados pelo Estado para «recapitalização» (eufemismo de «tapar buracos») do Banif entre 2007 e 2015 (489 M€ do Fundo de Resolução e 1.776 M€ directamente do Tesouro; independentemente dos nomes das fontes de fundos, eles provêem todos dos impostos dos contribuintes. Destes 2.255 M€ só 489 M€ são classificados como perdas com activos tóxicos, mas isto é pura prestidigitação porque o dinheiro não se evapora; se ele saiu do Banif é porque foi para outras paragens; incluindo as paragens do crédito malparado. A este respeito, convém notar que o crédito malparado é quase todo consequência de empréstimos de risco elevado a «amigos», configurando uma situação de ilícito que acompanha as jogatinas.
O rombo do Banif era já conhecido de Bruxelas antes de ser conhecido pelos portugueses, razão porque Bruxelas se opôs a que o governo PSD-CDS fundisse o Banif com a CGD. Como já vem sendo habitual, o governo PSD-CDS escondeu a situação do Banif, e a entidade reguladora, o BdP, mais uma vez não regulou nada, tornando-se objectivamente cúmplice do escamoteamento do governo do grande capital.
Também, como já vem sendo habitual, o valor inicial do rombo sofreu posteriores reavaliações em alta. Está agora em 3 B€ (B€ = biliões de euros; usamos bilião=mil milhões). Somando todos os resgates bancários desde 2007, atinge-se um montante da ordem de 20 B€. Se adicionarmos os rombos de outras malfeitorias (PPPs, swaps, «ajudas» a privatizações, etc.) e tivermos em conta os juros da dívida pública, fica uma parte substancial desta explicada.
Só há uma saída deste círculo vicioso como temos dito múltiplas vezes desde o início deste blog: a nacionalização da banca sob controlo de comissões de trabalhadores. Uma solução que já deu boas provas no passado (ver http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2015/05/a-banca-nacionalizada-em-portugal-1975.html ).

O PS aprovou a venda do Banif ao Santander-Totta, com o custo aos contribuintes de 3 B€. A decisão passou na AR com a abstenção generosa e conluiante do PSD e votos contra do BE, PCP, PEV e PAN (além do CDS, por outras razões). Uma primeira fissura no governo de «esquerda».

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

O Recente Revés do Processo Revolucionário Venezuelano

No passado 6 de Dezembro o processo revolucionário venezuelano sofreu um seriíssimo revés nas eleições legislativas. A Direita (MUD) ganhou a maioria absoluta na Assembleia Nacional (NA) com 112 deputados e 67,7% dos votos, enquanto a Esquerda GPP-PSUV ficou com 55 deputados e 42% dos votos.
   
O imperialismo dos EUA ficou exultante. A CNN, eufórica. Desde logo, uma observação: que é feito das acusações de eleições fraudulentas e de existência de ditadura? Desta vez, como a direita ganhou, o processo eleitoral passou a ser legítimo para os próceres do imperialismo e desapareceram as acusações de ditadura. Note-se também o diferente comportamento entre o Presidente Maduro, que aceitou serenamente os resultados, enquanto em eleições anteriores em que a direita perdeu, os respectivos líderes uivavam impropérios e recorriam à violência nas ruas.
   
Com a maioria absoluta (um deputado a mais do que dois terços do total de deputados), o MUD pode, a partir de Janeiro de 2016, aprovar leis, efectuar emendas constitucionais, substituir membros do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), da Comissão Eleitoral e outras instituições públicas se tiver aprovação de outros órgãos governamentais, nomeadamente do actual STJ e do Defensor do Povo e se as leis não forem de remoção ou limitação de direitos humanos (segundo a Constituição actual).
   
Estamos, porém, muito cépticos quanto ao real valor dos dois «se» debaixo da maioria absoluta do MUD na AN e com o aparelho de Estado burguês, praticamente intacto. A grande burguesia, com o seu aparelho de Justiça, tem séculos de experiência das muitas maneiras pelas quais se podem rasgar e tornear leis.
   
Qual a razão da estrondosa vitória da Direita que surpreendeu muitos observadores, incluindo o autor destas linhas? A surpresa indicia sempre debilidade de análise e/ou escassez de informação. Vejamos o que se pode dizer sobre isto.
   
Comecemos por notar que o próprio PSUV e Nicolás Maduro também pareceram surpreendidos com a dimensão da derrota, tendo Maduro apontado a guerra económica atiçada contra o processo como causa do revés. Sem dúvida uma causa importante, que analisámos com algum detalhe no nosso anterior artigo http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2015/11/o-processo-revolucionario-da-venezuela.html . As dificuldades de abastecimentos levantadas pela própria Direita e pelo imperialismo ianque, as fugas de capitais e a consequente inflação galopante teriam fatalmente de ter impacto na consciência de muitos votantes. Tanto mais que, como já tínhamos assinalado, a contra-revolução dispunha de cerca de 70% dos meios de comunicação e do apoio de figuras gradas da Igreja.

É a guerra económica contra-revolucionária alguma novidade nos processos revolucionários? De forma nenhuma. Sempre foi usada ao longo da história. Como se combate uma guerra económica? Da mesma forma que se combate qualquer guerra: cercando e punindo exemplarmente o inimigo e retirando-lhe a economia das mãos. Os revolucionários da Revolução Francesa (uma revolução burguesa!) não hesitavam em guilhotinar os açambarcadores e em entregar os abastecimentos a outros contratantes devidamente vigiados, nomeadamente a oficinas do Estado. Na Revolução de Outubro e na Guerra Civil que se lhe seguiu, também não houve hesitações em punir os camponeses ricos (kulaks) que açambarcavam géneros; punição levada a cabo por milícias de trabalhadores que não estavam com conversinhas moles e lhes expropriavam os campos e pertences entregando-os a camponeses pobres e a cooperativas, encarregando-se também de transportar os géneros para onde faltavam. Em ambos os casos (e estes são apenas dois de muitos exemplos) a corrupção era também severamente punida.
   
Por conseguinte, falta de remédios contra a guerra económica não é a questão. A questão reside, sim, na vontade política de quem detém o poder de Estado; é esta a questão essencial de qualquer processo revolucionário (analisada em detalhe por muitos marxistas, entre outros, por Lenine [1] e Álvaro Cunhal [2]). Ora, no processo venezuelano, o poder de Estado e o controlo económico continuaram largamente entregues à burguesia e não ao proletariado. No artigo anterior, chamámos implicitamente a atenção para isso ao enumerar os passos dados pelo processo:

-- Falámos do progresso nas nacionalizações e controlo das actividades económicas por comissões de trabalhadores (CTs), referindo estar-se ainda longe da «propriedade social dos meios de produção».
Houve, contudo, aspectos que não referimos por só dispormos nessa altura de informação escassa: a debilidade do controlo operário e condutas erradas por parte de órgãos governamentais (indiciando corrupção de funcionários). Sabemos agora que: O PSUV, por ingerências erradas no trabalho sindical, contribuiu em alguns casos para cisões entre os trabalhadores que redundaram na vitória de oposicionistas (Empresa Ferrominera: http://venezuelanalysis.com/analysis/7158); o controlo operário, mesmo quando aceite pelas autoridades revolucionárias, deparou com a sabotagem de funcionários ministeriais (Empresa Alcasa: http://venezuelanalysis.com/analysis/6720); nas Indústrias Diana, sob controlo operário desde 2008, o ministro da Alimentação Félix Osório decidiu em 2013 impor um gestor sem consultar os trabalhadores e contra o parecer da CT, tendo aberto um conflito durante vários meses que terminou com a vitória da CT; na empresa Fama de America, decorre um conflito por a administração querer destituir um dirigente dos trabalhadores (ver http://www.marxist.com/venezuela-counter-revolution-wins-election.htm de um autor que não se surpreendeu com o resultado das eleições).
   
-- Falámos do açambarcamento de bens de consumo por grandes empresas nas mãos da burguesia, tendo citado o criminoso exemplo das Empresas Polar. Pois, apesar disso, apesar dos trabalhadores insistirem, ainda no 1º de Maio passado, na nacionalização da Polar para acabar com a sabotagem económica, o governo nada fez e deixou o seu oligarca completamente à vontade. O mesmo acontece com outros oligarcas e associados que sabotam a economia e exportam capitais, com a ajuda de uma enorme corrupção e de quintas-colunas a nível dos órgãos de Estado.

-- Falámos do controlo de órgãos importantes do poder de Estado por uma vanguarda pluripartidária que representa as camadas trabalhadoras, e que estimula iniciativas de base como os Conselhos Comunais.
Mas, acrescentámos «atenção: o aparelho de Estado burguês está longe de ter sido destruído. Subsistem, por isso mesmo, fortes ameaças ao processo revolucionário: grande parte do alto funcionalismo público, nomeadamente na Justiça, está com a reacção; há dúvidas sobre as altas patentes das FFAA, nomeadamente na Força Aérea; a grande maioria dos media está com a reacção; idem, quanto a bancos, empresas financeiras e empresas distribuidoras. De realçar que muitos comparsas destas entidades se mascaram de revolucionários (incluindo elementos da aristocracia operária) dificultando a avaliação dos reais perigos na construção do socialismo, que só poderão ser adequadamente tratados com um novo aparelho de Estado inteiramente controlado pelos trabalhadores.»
   
O perigo acabou por surgir, não por um golpe de força, mas por um «golpe» eleitoral que reflecte a grave desmoralização de largas massas populares por os dirigentes revolucionários se mostrarem incapazes de fazer frente de forma firme, resoluta, sem hesitações e oscilações, à/aos: sabotagem económica com punição exemplar dos seus autores, garantindo abastecimentos regulares de bens essenciais; altos níveis de corrupção e manobras de quintas-colunas infiltradas no aparelho de Estado; altos níveis de criminalidade, alimentando um perpétuo sentimento de insegurança, denunciando fraqueza ou incapacidade de um Estado que era suposto ser revolucionário, capaz, portanto, de lidar de forma exemplar e breve com este problema.
  
Embora compreendendo, como anteriormente dissemos, «a formação de uma larga aliança de classes, envolvendo o proletariado com a pequena burguesia urbana e rural (grande parte dela mergulhada em profundo pauperismo)» como base de apoio do processo revolucionário, chamámos a atenção que considerávamos errada a designação «socialismo do século XXI» já que a definição de socialismo é única e envolve a detenção do poder de Estado pelos trabalhadores.
De facto, tal designação aponta para uma concepção basista de um «socialismo» assente em comunas (conselhos comunais). Não há nada de mal na existência de conselhos comunais que dinamizem actividades de «poder popular» resolvendo questões locais e contribuindo para uma maior consciencialização dos problemas. O mal está em reduzir a isso o socialismo. De facto, tal redução não é socialismo mas sim anarquismo. Pensar que o socialismo se pode construir como um agregado de pequenas ilhas comunais, sem um Estado centralizador dos trabalhadores, é pura utopia anarquista já desde há muito tempo analisada e denunciada até à exaustão por muitos estudiosos marxistas; utopia sempre desmentida pela história e geradora de brutais e sangrentos desaires.
Ora, o problema, é que parecem subsistir muitas ilusões deste tipo no PSUV (ver http://mltoday.com/article/2309-review-of-the-socialist-imperative/29) .
   
No artigo anterior tínhamos colocado a pergunta «mostra-se a vanguarda [do processo] e as medidas político-sociais já implementadas e programadas capazes de conduzir ao socialismo?» e respondido «parece-nos haver fortes evidências de uma resposta positiva». É agora forçoso modificarmos a nossa opinião: só se o PSUV, juntamente com outros partidos do GPP, conseguirem galvanizar todas as forças populares para travar a grande maré de reacção que se avizinha – o que não vai ser nada fácil e exige líderes firmes que não caiam na tentação social-democrática -- e, no seguimento, passarem de imediato à destruição do Estado burguês que se deixou quase intocado durante 13 anos (!) construindo um Estado dos trabalhadores.

[1] Lenine, O Estado e a Revolução, 1917, Obras Escolhidas, Edições «Avante!».
[2] Álvaro Cunhal, A Questão do Estado, Questão Central de Cada Revolução, Edições «Avante!», 2007.
   
P.S.: Já depois de escrito o texto acima, lemos três artigos importantes:
   
-- Uma petição recente do PCV e sindicatos dirigida ao Presidente para rapidamente decretar a lei do controlo operário (http://mltoday.com/article/2327-venezuelan-communist-party-trade-unions-ask-president-to-pass-workers-councils-law/24) . Só foi pena não ter sido há mais tempo.
   
-- Uma brevíssima apreciação do Secretário-Geral do PCV (http://mltoday.com/article/2325-pcv-demonstrate-the-strength-of-working-people/24) de que retemos como causa do revés «não conseguimos que as massas adquirissem consciência do confronto com o imperialismo e a oligarquia, isto é, existe ainda muita incompreensão de que se está perante uma agressão continuada e multifacetada contra o processo venezuelano, o qual nós não desmascarámos com êxito perante o povo». Parece-nos estranha esta afirmação, tendo em vista o desmascaramento oportuno, acertado e constante das manobras do imperialismo e oligarquia que vimos na VTV, em entrevistas, declarações e inúmeros comícios. A «consciência» adquire-se também através da luta, e se nas lutas populares contra os oligarcas se assiste aos que deveriam ser revolucionários deixarem os oligarcas à vontade, objectivamente ajudando-os contra o povo, então não se adquire «consciência», mas sim cepticismo, frustração e desmoralização. Enfim, achámos a apreciação do PCV de uma enorme pobreza analítica.
       

 -- Um ensaio de como ainda salvar a revolução em http://mltoday.com/article/2326-venezuela-it-is-still-possible-to-save-the-revolution/24 . De interessante leitura, mas pouco apontado e firme na resolução das questões concretas. A questão principal – a do poder de Estado – passa-lhes ao lado.

terça-feira, 17 de novembro de 2015

Reflexões sobre o Momento Político

Como se sabe, a formação de um governo PS, com base num Acordo programático celebrado com o BE e o PCP, é o evento que ocupa as atenções de momento, não só a nível nacional como internacional, nomeadamente da troika.
   
É um evento extremamente importante, cujos detalhes precisos só há poucos dias se tornaram conhecidos. O simples facto de que, pela primeira vez desde a contra-revolução do 25 de Novembro de 1975, o PCP e os grupos políticos subjacentes ao BE (UDP, LCI, etc.) deixaram de ser partidos párias, totalmente afastados do “arco de governação”, para se tornarem partidos intervenientes ao nível da formação do poder, esse simples facto torna o momento político presente muito especial.
   
Momento político que, sem grande surpresa, fez desatar impropérios ao PSD-CDS e até a Cavaco Silva. Nas democracias burguesas só são democráticos e aceitáveis os governos defensores do capital. Por definição. Um governo que, servindo os interesses do povo, possa beliscar os interesses do capital, os interesses, digamos, de 10% da população (os 0,1% de oligarcas e os seus atrelados politicamente conscientes), passa a ser “não aceitável”. (Pode haver e actualmente há muito mais votantes na direita, mas politicamente inconscientes, mistificados pelos media, padres, caciques, etc.) Os impropérios do PSD-CDS e de Cavaco Silva constituem apenas um cair de máscaras, a demonstração clarificadora do que dissemos: para eles, só os governos de direita, servidores do capital são “democráticos”. A estes impropérios não vamos, portanto, prestar atenção.
    
O que mostraram os resultados das eleições legislativas de 2015
   
Para se entender devidamente o momento político, teremos que analisar os resultados das eleições legislativas de 2015, em particular quanto ao castigo popular das políticas de ”austeridade” do PSD/CDS, comparando com os resultados das eleições legislativas de 2011.
   
Muito já foi dito sobre este assunto por vários comentadores, parecendo ser um tema já esgotado. Quanto a nós, porém, muito do que foi dito é simplista e/ou errado, valendo a pena voltar a olhar bem para os resultados.
   
Usaremos os dados do MAI e só nos interessa analisar os números de votos obtidos pelos partidos. Os números de mandatos dependem muito, pelo método de Hondt, de coligações e da “interacção” entre os números de votos [1]. De 2011 para 2015, verificamos:
   
-- O “PAF”/PSD/CDS (o PSD e o CDS concorreram coligados no “PAF-Portugal à Frente” e também isoladamente em alguns círculos) perdeu cerca de 729 mil votos (arredondamos todos os resultados para milhares, suficiente para os propósitos comparativos); uma punição clara do povo português pelo declínio económico, retrocesso democrático e social, miséria, emigração forçada, dependência do estrangeiro; tudo isto, obra do PSD/CDS. Austeridade para os trabalhadores e camadas de baixo rendimento, regabofe para os ricos, para o grande capital.
-- O PS ganhou 180 mil votos;
-- O PCP/PEV ganhou 4 mil votos;
-- O BE ganhou 262 mil votos;
-- O PAN ganhou 17 mil votos;
-- O número de abstenções aumentou de 180 mil;
-- O número de votos brancos e nulos pouco variou (e pouco tem variado).
   
È óbvio de que no cômputo geral as perdas de votos devem compensar os ganhos. Ora, apenas com estes números, as contas não batem certo. Os votos ganhos (180, 4, 262, 17) totalizam 463 mil votos, muito abaixo dos votos perdidos pelo PSD+CDS: 729 mil. Admitindo que as abstenções corresponderam a ganhos de um “partido dos desiludidos do PSD/CDS” (o que não andará longe da verdade) chegamos a um valor de 643 mil votos (463+180), ainda abaixo dos 729 mil votos perdidos pelo PAF/PSD/CDS. Acontece, porém, que os pequenos partidos, sem mandatos (excluindo o PAN), e que por isso mesmo não despertam atenção, tiveram um aumento global de 94 mil votos. Os 643 mil votos já contabilizados, com este acréscimo de 94 mil votos totalizam 737 mil votos, superando os perdidos pelo PSD/CDS. Podemos, agora, acertar as contas com um pequeno ajuste na atribuição de todas as abstenções a desiludidos do PSD/CDS.
   
Colocando, por ordem decrescente, os votos ganhos em 2015, de alguma forma contra o PSD/CDS, temos:
   
BE                                                                   262 mil
PS                                                                    180 mil
“Desiludidos com PSD/CDS”                        172 mil
Pequenos Partidos                                            94 mil
PAN                                                                 17 mil
PCP+PEV                                                           4 mil
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TOTAL                                                           729 mil
   
O aumento da abstenção (3.830.355 em 2009, 4.035.539 em 2011, 4.273.748 em 2015) e a evolução quer do número de pequenos partidos quer dos seus votantes, tem tido uma grande influência nos resultados eleitorais.
    
Se quisermos avaliar melhor a influência do castigo popular da “austeridade” PSD/CDS nestes ganhos de votos, teremos de comparar os resultados de 2015 com os de 2009, quando ainda não se falava em “austeridade” e não se verificava a destruição do país pelo PSD/CDS. Ora, das eleições de 2009 para as de 2015, observa-se que:
   
-- O PSD+CDS perdeu 163 mil votos;
-- O PS perdeu 330 mil votos; isto é, apesar do castigo popular, o PS ainda só recuperou 180 mil dos 510 mil votos que tinha perdido nas eleições de 2011 face às de 2009;
-- O PCP+PEV perdeu mil votos; conseguiu recuperar 4 mil dos 5 mil votos que tinha perdido em 2011 face a 2009;
-- O BE perdeu 7 mil votos; mas recuperou 262 mil dos 269 mil votos que tinha perdido em 2011 face a 2009;
-- Os pequenos partidos (incluindo o PAN) ganharam globalmente 183 mil votos; têm vindo sempre a ganhar votos (176 mil em 2009, 247 mil em 2011, 359 mil em 2015). Nas eleições de 2015 tivemos 6 novos partidos com uma votação total de 155 mil votos!
   
Estas constatações impõem-nos bastante moderação quanto a uma apreciação optimista de uma alegada “viragem à esquerda” das massas populares. Efectivamente:
   
1) O PS só conseguiu recuperar cerca de um terço dos votos perdidos em 2011, um resultado bem modesto, que castiga o alinhamento constante do discurso PS (nomeadamente o discurso da ala de António Seguro) com o discurso do PSD/CDS; inclusive nas medidas económicas conforme já vimos em http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2015/06/programas-ps-e-psdcds-mesma-coisa-e.html.
   
2) O PCP+PEV quase recuperou da queda de 2011, obtendo um resultado que, face à brutal flagelação dos trabalhadores, nos parece muito modesto, muito aquém do que seria desejável e expectável. O PCP continua a ser vítima do “para quê votar no PCP se o modelo soviético não funcionou?” (interrogação que já ouvimos a quem está contra a direita e lemos em cartas do leitor aos jornais). Paga também o preço de uma má preparação ideológica de muitos dos seus militantes, precisamente aqueles que só hiperbolizaram as virtudes da URSS (e sem dúvida as havia) mas permaneciam sempre cegos a defeitos. Cremos que uma grande massa de potenciais votantes no PCP não sabe o que é que afinal pretende construir o PCP como alternativa ao capitalismo neoliberal e imperialista. A atitude introvertida do PCP (“só se discute dentro do PCP”, “só fazem falta os que cá estão”) também não ajuda; os comunistas vão ao povo e mostram-se abertos ao diálogo e cooperação [2]; não fazem só colóqios entre si. Acrescente-se a tudo isto a actual postura reformista do PCP [3], reflectida em propostas mal explicadas, e slogans que mais parecem de marketing capitalista, como o enfezado e infeliz “Temos soluções”. Pois… Quem as não tem?
   
3) O BE recuperou em grande parte da queda de 2011, aproveitando uma espécie de “efeito Syriza” de jovens e estudantes da pequena burguesia urbana radical;
   
4) Os grandes ganhadores – no sentido apenas de aumento do seu número -- foram os abstencionistas por desilusão política (para além dos apáticos e resignados) e os pequenos partidos (incluindo o PAN). Nos aumentos de votantes destes últimos reflecte-se em alta dose uma grande confusão e desorientação política de massas importantes da população, em busca de novas e milagrosas receitas.
Estamos ainda longe de uma viragem à esquerda de vastas massas populares. Sem dúvida, muitos anseiam por medidas que nos aliviem do sufoco em que estamos. Mas a atitude predominante é a da apatia e resignação, filhas da desilusão e incapacidade de encontrar perspectivas. É também a atitude de estar à espera de milagres: à espera de um novo partido com uma mezinha de ecologia + social-democratismo + libertarismo/anarquismo + humanismo + solidariedade + etc. (quanto mais ingredientes melhor), que salve a nação. A propósito, neste caldo de cultura também costumam medrar os germes fascistas…
    
O PS e o porquê do acordo à esquerda
   
Já várias vezes afirmámos que o PS é um partido de Direita e dissemos porquê (ver definição de Direita e Esquerda em http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2013/01/direita-e-esquerda.html ). Nos antagonismos insanáveis entre Capital e Trabalho a liderança pequeno-burguesa do PS sempre tem escolhido a favor do Capital. E não temos a mínima dúvida que, em última instância, continuará a manter essa escolha, seguindo o curso habitual dos seus congéneres noutros países, desde há mais de um século.
    
Não se trata aqui de uma questão conjuntural, de uma questão moral, ou de uma questão de pessoas, como muitos erradamente supõem. Trata-se de uma questão objectiva, de interesses materiais de classe. A pequena burguesia, pela sua própria posição no modo de produção capitalista, está entalada entre os interesses dos grandes capitalistas e os interesses dos trabalhadores assalariados. Por um lado, ela é constantemente calcada e atirada pela borda fora pelo grande capital, que tende para a concentração do capital, a eliminação dos pequenos negócios e a despromoção de quadros técnicos (engenheiros, economistas, investigadores científicos, enfermeiros, médicos, etc.) à condição de simples assalariados, sempre descartáveis se isso for do interesse do grande capital. (Sobre classes sociais, ver http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2013/05/classes-sociais-parte-i.html e seguintes.) Na confrontação com o grande capital, a resposta da pequena burguesia é variada: parte dela, mercenariza-se ao grande capital em busca da “ascensão social”; outra parte, busca aliados entre os assalariados para se opor ao grande capital, mas sempre com horror a tornar-se assalariada e, por isso, sempre pronta a trair os seus aliados momentâneos; outra parte, ainda, acaba por se tornar assalariada, mas com saudades dos bons velhos tempos em que tinham os seus negócios e tinham ao seu serviço assalariados de quem colhiam a mais-valia produzida. Daí a grande heterogeneidade social e política do PS, as suas teorias ecléticas, as suas hesitações e oscilações.
   
O PS não coloca como objectivo a superação do capitalismo pelo socialismo. Pelo contrário, o “socialismo” do PS é o capitalismo – com o poder de Estado ao serviço do grande capital, da propriedade privada dos grandes meios de produção, e com a venda ao desbarato de bens públicos a corporações capitalistas (as privatizações). Por vezes, algumas migalhas para os assalariados; até aqui vai o seu socialismo. “Migalhas” bem maiores vão para parte da pequena burguesia; em particular, para dirigentes e atrelados ao PS em nome da “ascensão social”. Em suma, por definição, o “socialismo” do PS não é socialismo.
   
Isso não quer dizer que os PSs rejeitem sempre alianças com partidos de esquerda. Já vimos que em confrontos com o grande capital, há sempre uma tendência – ou até uma necessidade premente – da pequena burguesia buscar aliados entre os partidos e associações de assalariados. Essa tendência sobe de tom com o agudizar da luta de classes. Aconteceu, p. ex., em alguns países nas “frentes populares” contra o fascismo. E aconteceu noutras circunstâncias menos dramáticas, como em França, em 1972, quando o PSF, o PCF e o MRG (Movimento dos Radicais de Esquerda, uma espécie do nosso BE) para apearem a Direita do poder assinaram um “Programa Comum” que contribuiu para a eleição de Mitterrand como Presidente e a formação de governos em que participaram uma escassa minoria de elementos do PCF e MRG [4].
   
Como resultado das eleições de 2015, ofereciam-se duas alternativas ao PS:
   
1) O apoio ao “PAF” quer sob a forma de coligação governamental, quer sob a forma de simples “não oposição” à aprovação do governo “PAF”. Se António Seguro fosse o presidente do partido teria sido esta a alternativa seguida; provavelmente, sob a segunda forma. A coligação teria riscos acrescidos, mesmo para a direita do PS. (O PS é de Direita mas isso não quer dizer – ver o que dissemos acima sobre heterogeneidade – que não haja fracções, quer favoráveis a entendimentos com o grande capital – a direita do PS – quer a entendimentos, ainda que conjunturais, com partidos e associações de Esquerda – a esquerda do PS.) A “não oposição”, com a possibilidade de mais tarde lavar a cara por não ter deixado passar algumas maldades miudinhas do “PAF” teria sido a alternativa de eleição da direita do PS.
   
2) A rejeição do governo “PAF”, avançando para um governo PS com alguma forma de apoio dos partidos de Esquerda.
Vários factos pesaram na escolha desta solução: a) o facto de António Costa representar a esquerda do PS; b) o facto de que, como vimos acima, os resultados eleitorais do PS não foram brilhantes, confirmando a tendência de descida do patamar de 45%-40% (década de 1995-2005) ao patamar de perto de 30% em 2011, descida que castigou gravosas políticas e alinhamentos de direita do PS; c) o facto de o PS ter presente o que aconteceu ao seu congénere PASOK da Grécia que, por se ter aliado à direita na submissão à troika, passou de uma votação de 44% em 2009 para os actuais 4,7% (13% e 12% nas eleições de 2012); d) o facto do BE e PCP terem aceite um acordo muito “suave”, sem exigirem lugares no governo.
    
O Acordo PS-BE-PCP
    
Segundo o comunicado do CC do PCP [5], na base do Acordo com o PS esteve a “inteira disponibilidade para a construção de soluções que assegurassem uma resposta capaz de garantir o desenvolvimento económico, devolver rendimentos e direitos, valorizar salários e pensões, promover o emprego e combater injustiças, recuperar o pleno direito à saúde e à educação, garantir uma segurança social sólida elevados […] não iludindo dificuldades nem escondendo divergências, afirmando a nossa independência e identidade, não prescindindo do nosso Programa e Projecto.” As afirmações de dirigentes do BE são do mesmo tom.
   
O Acordo PS-BE-PCP que veio a ser alcançado [6] comporta:
   
i) Aumentos de rendimento do povo: fim dos cortes salariais e das pensões, com a reposição, em Janeiro de 2016, da norma que actualiza as pensões (suspensa em 2010 pelo governo Sócrates); reposição do Abono de Família, do Complemento Solidário para Idosos e do Rendimento Social de Inserção (ao nível do que existia em 2011, antes da troika); descongelamento de carreiras e reposição faseada dos salários da FP até ao final de 2016 e do regime das 35 horas de trabalho semanal (se não implicar aumentos de custos salariais); aumento faseado do salário mínimo até 600 € em 2019; reposição de feriados.
   
ii) Quanto a direitos laborais o Acordo contempla algumas medidas mais teóricas que concretas: os partidos comprometem-se a criar um "grupo de trabalho" para um "Programa Nacional de Combate à Precariedade", mas… que será submetido à Concertação Social; reforço da fiscalização das normas de trabalho e combate [como?] aos falsos recibos verdes e falsos estágios; possibilidade de um "banco de horas" individual como matéria a decidir na contratação colectiva. O fim do bloqueio à contratação colectiva, para já, é só promessa: “serão publicadas as "portaria de extensão" que alargam o âmbito dos contratos colectivos, obrigando as empresas a respeitar as normas negociadas por sindicatos e associações patronais.” Outras medidas são mais concretas: revogação do Código de Trabalho da contratação a prazo e limitação dos contratos a termo. Foi também eliminada a gravosa proposta do PS do "regime conciliatório" para os despedimentos.
   
iii) Algumas medidas contemplam a progressividade do IRS e IMI e algum alívio no IRC para as PMEs. O IVA da restauração desce para os 13%. 
iv) Foram contempladas medidas de anulação de concessões e privatizações nos transportes colectivos, na EGF, garantida a não privatização da água e não efectuar mais nenhuma concessão ou privatização. O PS diz que "não permitirá que o Estado perca a titularidade sobre a maioria do capital social da TAP”. Veremos.
   

v) Um conjunto variado de medidas dizem respeito à sustentabilidade da Segurança Social – foi eliminada a gravosa descida da TSU das empresas, que era desejada pelo PS (ver http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2015/06/programas-ps-e-psdcds-mesma-coisa-e.html) –, à saúde (reduzir taxas moderadoras, acabar com a promiscuidade público-privado no SNS, etc.), ao ensino e investigação, à qualidade ambiental, etc.
   
 Irá o Acordo vingar?
Já analisámos em http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2014/03/a-ilusao-de-uma-saida-reformista-da.html a ilusão de uma saída reformista da crise do capitalismo. O que então dissemos, aplica-se, com ligeiras modificações, ao presente Acordo.
   
Notemos o seguinte: quase todo o Acordo é sobre benesses ao povo. As benesses implicam despesas. Onde estão as receitas? As receitas implicam um grande aumento do sector produtivo, quer para exportação, quer para o mercado nacional, substituindo importações. Ora, do lado das receitas, o Acordo diz muito pouco e de forma muito vaga. Diz apenas: “incentivos [fiscais] à instalação de empresas e ao aumento de produção nos territórios fronteiriços”, “estímulos fiscais às PME” [as PME, segundo fontes optimistas, contribuiem para 60% do PIB] e “aumentar a produção e a produtividade das fileiras florestais”.
   
Portanto, sobre aquilo que é essencial numa economia – a produção – o Acordo é quase omisso. Por uma forte e incontornável razão: é que no capitalismo não é o governo quem comanda a economia; pelo contrário, é a economia (a classe capitalista) quem comanda o governo. Dado que a classe capitalista – uma minoria da população -- é proprietária dos meios de produção é ela que determina o que, quando e como se produz. Estando o “que, quando e como” dependentes de uma taxa de lucro que a classe capitalista considere satisfatória para os seus interesses pessoais.
   
Por consequência, grande parte das benesses prometidas e das boas intenções do Acordo só serão postas em prática se os capitalistas (essencialmente o grande capital) quiserem:
   
-- Os estímulos (fiscais e outros) às PME só se materializarão se os banqueiros quiserem emprestar, quer às empresas quer ao Estado (que irá receber menos do IRC das PMEs); (os empréstimos às grandes empresas têm outro tratamento porque quase todas elas já estão em conglomerados com os “seus” bancos);
   
-- Os empréstimos ao Estado irão deparar com oposição do grande capital transnacional e da troika. Os grandes capitalistas só emprestarão se obtiverem retornos maiores do que os conseguidos na jogatina da Bolsa e dos derivados;
   
-- Aliás, não são só os estímulos fiscais que estão em causa, mas também doses elevadas de investimento (formação bruta de capital fixo); ora este tem estado a decair em Portugal e em quae todo o mundo (até na China!) e assim irá continuar (já discutimos isto noutros artigos);
   
-- Como o leit-motiv do capitalismo é o lucro, e a taxa de lucro tem vindo a decair, irão observar-se em sede de “concertação social” bloqueios e sabotagens ao combate contra a precariedade de emprego, contra a contratação colectiva, contra a eliminação dos “bancos de horas”, contra os “estágios” não pagos, contra aumentos salariais, etc.
   
-- Acresce que com as ligações que o Capital tem com os “homens certos”, nomeadamente no aparelho de Justiça (e sobre este o Acordo não pia), a progressividade do IRC tem mil maneiras de ser contornada (subfacturação, contabilização engenhosa, imputação de lucros a dependências estrangeiras, etc., etc.), o mesmo podendo acontecer à TSU, etc.
   
Tudo isto só pode ser combatido por um governo que comande a economia. E isso só pode conseguir-se embarcando numa via rumo ao socialismo.
   
As propostas do PCP para as legislativas de 2015 incluíam muitas medidas essenciais para tal: “a renegociação da dívida nos prazos, juros e montantes”, “a recuperação de instrumentos de soberania monetária, cambial, orçamental e fiscal”, “a eliminação de condicionamentos estratégicos pelo controlo público de sectores como a banca e a energia” (o que só se consegue com nacionalizações controladas pelos trablhdores), “romper com a conivência e subserviência face à União Europeia e à NATO”, “benefícios fiscais para o cooperativismo”, “reforma agrária nos campos do Sul, liquidando a propriedade [privada, pensamos nós ser este o sentido do PCP] de dimensão latifundiária, que condicione por lei o acesso à terra pelo capital estrangeiro [etc.]”, “uma renovada participação do Estado na esfera produtiva, em sectores estratégicos”, “maior tributação dos rendimentos e património, mobiliário e imobiliário, do capital”, “criação de taxas de 60% e de 75% para rendimentos colectáveis superiores a 152 mil e a 500 mil euros anuais”, “taxa de 50% ou 90% respectivamente em todas as transferências financeiras ou rendimentos dirigidos a paraísos fiscais”, “taxa de 0,5% sobre todas as transacções financeiras”, “fim dos benefícios fiscais à Zona Franca da Madeira”.
   
O governo do PS com o Acordo irá, sem dúvida, trazer uma descompressão temporária das misérias e penúrias sociais, frutos da “austeridade” (agora combinada com o quantitative easing do BCE, que está essencialmente a beneficiar os mais ricos e a contribuir para aumentar a desigualdade social). Imporá, também, um importante travão à destruição do país, que tornaria mais difícil e penosa uma futura via rumo ao socialismo. Os trabalhadores e as camadas mais pobres não compreenderiam, aliás, uma recusa do BE e do PCP a um acordo com o PS, impedindo uma melhoria das condições de vida. Foi, por isso, acertada a decisão de convergência do BE e PCP num acordo com o PS.
   
Pensamos, porém, que – apesar da sinceridade e empenho que nos parecem ter António Costa e alguns dos que o acompanham – o Acordo irá ter vida curta pelas seguintes razões:
   
-- Será combatido pelo grande capital transnacional;
-- Será combatido com as maiores pressões e ameaças pela troika (o défice orçamental e a dívida pública continuarão a aumentar)
-- Será combatido pelas agências de rating, aumentando os juros a pagar por obrigações do Tesouro;
-- Será combatido pela própria ala direita do PS, fortemente pró-capitalista e pró-imperialista (Mário Soares [7], Francisco Assis, António Seguro, António Barreto [8], Sérgio Sousa Pinto [9], António Galamba [10], Vera Jardim, etc.).
   
A propósito, na França, o Programa Comum do PSF, PCF e MRG de 1972 era bastante progressista. Incluía nacionalizações e inclusive a dissolução da NATO! Começou a ser implementado em 1981 e só durou dois anos. O PSF ganhou com isso e deu início à sua teoria e prática de “economia social de mercado”! O PCF, acusado pelo PSF do malogro dos governos reformistas do PSF, perdeu. Virou-se para o eurocomunismo, isto é, para o reformismo!
   
Só esperamos que a experiência didáctica do “governo de esquerda” PS em Portugal – se o governo vier a ser aprovado por Cavaco Silva… -- seja bem aproveitada pelo PCP, BE e pela Inter no esclarecimento intenso e lúcido das massas populares, chamando os bois pelos nomes, e contribuindo, assim, para uma definitiva viragem à esquerda.
   
Notas
   
[1] Pelo método de Hondt, seguido em Portugal, pode acontecer que um dado partido, apesar de ter aumentado a sua expressão política em número de votos, obtenha menos mandatos do que nas eleições anteriores. E, inversamente, um partido que obteve um menor número de votos, pode ver aumentado o seu número de mandatos. As coligações também favorecem, em geral, o aumento de mandatos face aos que obteriam os partidos em causa se não coligados. Este efeito favoreceu efectivamente a coligação PSD/CDS nas eleições de 2011 e 2015. O leitor encontrará exemplos do que expusemos se analisar os resultados eleitorais do MAI.
   
[2] Para dar um exemplo, sempre assim fez Lénine.
   
[3] Um exemplo do actual reformismo do PCP, tirado da declaração do Programa Eleitoral de 08/07/2015: “a eliminação de condicionamentos estratégicos pelo controlo público de sectores como a banca e a energia”. Condicionamentos estratégicos? É só isso? Nós pensávamos que era o domínio absoluto de sectores-chave da economia pelo grande capital transnacional. Se são só condicionamentos, então talvez baste um simples descondicionamento. Que tal uns regulamentozinhos? E a nacionalização da banca que o PCP já anteviu? Pelo menos, da comercial? Ou será esta medida demasiada para um simples condicionamento estratégico? E quais as tácticas a seguir com vista ao descondicionamento? É que até bons gestores capitalistas ao serviço do governo (logo, submetidos ao “controlo público”) podem jurar que vão eliminar os famosos condicionamentos. Que tal a táctica do controlo da banca por comissões de trabalhadores? Etc. São aos montes as propostas como esta do PCP que fogem, como propostas reformistas que são, a formulações claras, concretas, que os trabalhadores e o povo comum entendam. Cremos que muitos dos que leram aquela proposta não entenderam o que o PCP concretamente queria com ela.
   
Também não entendemos a proposta do PCP de construção de “novas marinas e mais lugares de amarração para embarcações de recreio”; será que é esta uma proposta/preocupação legítima de um partido comunista de um país no meio de uma aguda crise social, com mais de dois milhões de pobres e largas centenas de milhares de desempregados? Desconhecíamos esta preocupação do PCP pelos proprietários de “embarcações de recreio”.
   
[4] Por exemplo, no segundo governo de Pierre Mauroy (22-06-1981 a 22-03-1983) constituído por 43 ministérios, 4 eram do PCF e 2 do MRG.
   
[5] «Comunicado da Comissão Política do Comité Central do PCP Sobre a “Posição Conjunta do PS e PCP sobre solução política” Lisboa, 10-11-2015, aos órgãos de comunicação social.»
   
   
[7] M. Soares não se mostrou nada entusiasmado com o Acordo, dizendo a 20-Out que a situação política do país é "uma confusão efectiva".
   
[8] Barreto é a extrema-direita do PS. Logo disse que o Acordo era “fantasia alucinada” e que o governo de esquerda irá ”rebentar com toda a força” acrescentando patrioticamente “Prefiro mil vezes os credores aos comunistas”. Um pró-imperialista sólido.
   
[9] Demitiu-se do Secretariado Nacional do PS por discordar da linha política do partido no pós-eleições.
   

[10] Votou na direcção do PS contra o Acordo.

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

O Processo Revolucionário da Venezuela

     Em Dezembro de 1998 Hugo Chávez vencia as eleições presidenciais da Venezuela com 56,2% dos votos. Iniciava-se o mais importante processo revolucionário do séc. XXI, até hoje, e o único que se reclama da construção do socialismo. As metas já alcançadas, de progresso social e soberania anti-imperialista, são impressionantes; uma lufada de ar fresco num mundo em fase regressiva, e um importante apoio e incentivo da luta dos povos da América Latina, fartos de serem o “pátio dos EUA” (doutrina Monroe [1]). Razão de sobra para a sanha feroz do imperialismo contra a Venezuela, traduzida em golpes, atentados, assassinatos, guerra económica e – como sempre! – torrentes de ódio, mentiras, difamações e desinformações constantemente despejadas pelos media ao serviço do capital. Incluindo, naturalmente, os principais media portugueses.
     De origens humildes (viveu, em pequeno, numa barraca e vendia doces nas ruas) Chávez foi um autodidacta e revolucionário consequente que acordou o seu povo, explorado e ignorado, e mudou o rumo da América Latina.
    
A Venezuela antes de Chávez
     As sucessivas políticas de rapina da oligarquia nacional, aliada aos EUA, tinham deixado a Venezuela num estado miserável. Nos anos 90 a maior parte do povo citadino (trabalhadores, pequenos vendedores, etc.) vivia em enormes favelas, destituídos de tudo. Nos campos, a situação era também de penúria e de fome. A pobreza atingia 80% da população! O PIB per capita tinha vindo a decair; a classe média desaparecia; a taxa de desemprego, da ordem de 15%; todos os indicadores de saúde, educação, qualidade de vida, eram péssimos; os direitos constitucionais estavam suspensos, com recolher obrigatório em todo o país; a democracia representativa, que no capitalismo é sempre uma farsa em maior ou menor grau, era na Venezuela uma farsa às claras, com a alternância entre candidatos dos três grandes partidos da burguesia devidamente institucionalizada e combinada (pacto do punto fijo entre a AD-Acção Democrática, COPEI-Comité de Organização Política Eleitoral Independente e URD-União Republicana Democrática).
     O povo revoltara-se várias vezes. De 27-02 a 08-03-1989 ocorrera o “caracazo”, enormes protestos populares em Caracas (e outros locais) contra as medidas acordadas com o FMI pelo presidente Carlos André Pérez [2]: grandes aumentos de preços nos serviços públicos (transportes, telefones, electricidade, água, gás, etc.) e a parafernália habitual dos diktats FMI (fim de preços subsidiados, liberalização de importações, congelamento da função pública, desvalorização do bolívar) incluindo… um aumento de 100% no preço da gasolina num país grande produtor de petróleo! Massas populares desesperadas saíram para as ruas com cartazes “O povo tem fome” e “Basta de estagnação”. Salvo algumas pilhagens de camiões com alimentos, os protestos foram pacíficos. As massas populares estavam desarmadas e não atacaram ninguém. Pérez,  porém, ordenou à Polícia, ao Exército e à Guarda Nacional (GN) a repressão violenta. Resultado: 396 mortos, muitos em disparos directos contra os manifestantes e 2.000 “desaparecidos”. Nesse ano o PIB caiu 8,1%, a inflação cresceu 81%, avançaram as privatizações, subiu a corrupção, os favorecimentos e o custo de vida.
     Em Novembro de 1991 a Central de Trabalhadores da Venezuela (CTV) convoca uma greve geral. Nova repressão violenta, pela polícia: 20 mortos. Houve, como sempre, perseguições, prisões e assassinatos de dirigentes populares. Nas torturas e “desaparecimentos” de presos distinguiram-se oficiais das FFAA treinados na escola de assassinos que se chama Escuela de Las Américas [3], fundada pelo Pentágono e CIA. Nessa época nem os media dos EUA nem os de outros países como Portugal, se importavam com os direitos humanos na Venezuela. Que lhes importa a miséria, a fome e repressão do povo face aos superiores interesses do capital “democrático”, garante do “mundo livre”?
     Na noite de 3 para 4 de Fevereiro de 1991 ocorre uma sublevação de oficiais do exército que tomam uma Base Aérea e cercam uma residência presidencial. O chefe da sublevação era o tenente-coronel Hugo Chávez Frias; ele e outros estavam ligados a grupos revolucionários dos quartéis e à esquerda civil. O Movimento Bolivariano Revolucionário (MBR) vinha promovendo nos quartéis a discussão sobre um novo modelo político e económico para a Venezuela. A sublevação é travada por tropas leais a Pérez, organizada com o apoio dos media. Sem saída, Chávez rende-se, mas com palavras de encorajamento transmitidas pela TV. É preso.
     Em 1993, o presidente Pérez é destituído e preso por má governação, corrupção e “desvio de fundos”, isto é, por roubo ao povo (demasiadas coisas para serem escondidas). É o fim do punto fijo.
     Parte da burguesia procura desactivar a pressão popular, apoiando Rafael Caldera nas eleições presidenciais de 1993. Este ex-COPEI forma um novo partido reformista e obtém o apoio de pequenos partidos de esquerda, incluindo o Partido Comunista da Venezuela (PCV). (Caldera, quando presidente pelo COPEI em 1969-1974, tinha legalizado o PCV para isolar os grupos que faziam oposição armada.) Caldera vence com 30,5% dos votos. Decreta uma amnistia de que beneficia Chávez. A crise, porém, aprofunda-se: aumento de 70,8% do custo de vida, inflação de 103% ao ano. A Petróleos de Venezuela S.A. (PDVSA) torna-se um Estado dentro do Estado: o pagamento de royalties ao Estado que deveria ser, por lei, de 16,6%, tinha-se reduzido a 1% e mesmo estes 1% estavam para ser eliminados! O MBR, redenominado MVR (Movimento Quinta República) [4], decide concorrer às eleições presidenciais e parlamentares de Dezembro de 1998, defendendo: (1) cessar a privatização da PDVSA, rever as concessões a petrolíferas estrangeiras e distribuir rendimentos do petróleo pelas classes mais baixas; (2) iniciar um curso económico independente do neoliberalismo e do imperialismo; (3) realizar um referendo para uma Assembleia Constituinte (AC) a redigir nova Constituição; (4) atacar a corrupção que “comia” 15% do rendimento público; (5) acabar com a evasão fiscal da grande burguesia; (6) aumentar o salário mínimo, subsídios de desemprego e pensões, fomentar a criação de emprego e a educação. O povo (trabalhadores, camponeses, pequena burguesia, camadas mais pobres) apoiou o MVR. Chávez ganha as eleições. Como é habitual dos dirigentes verdadeiramente populares e revolucionários, Chávez cumpriu todos os pontos do programa.
    
As Primeiras Medidas de Chávez
     Logo de início, Chávez promoveu o prometido referendo de convocação da AC. Venceu-o com 72% dos votos (Abril de 1999). Nas eleições para a AC (Julho de 1999) o MVR ganhou com 90% dos votos: 126 deputados de um total de 131. Antes das eleições Chávez tinha tornado claro que a AC teria, como era natural, precedência sobre a Assembleia Nacional (AN) e a Justiça. A reacção, porém, procurou desvirtuar a missão da AC, lançando outras instituições do Estado contra ela. Por exemplo, a presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) queria que a AC se mantivesse subordinada às instituições existentes, o que conduziria a um parto do mesmo! Em Agosto de 1999 a AC reestruturou a Justiça e saneou os juízes para agilizar os processos de corrupção [5]. A 23 de Agosto, o STJ decidiu por maioria que a AC não estava a agir de forma inconstitucional, contra o parecer da presidente do STJ que se demitiu e passou à oposição conservadora. Entretanto, mais de 190 juízes foram demitidos por corrupção.
     Em Dezembro de 1999 a nova Constituição (considerada por organismos internacionais uma das mais avançadas do mundo em direitos humanos) foi aprovada por referendo com 71% dos votos. Estatuia uma democracia representativa e participativa na República Bolivariana da Venezuela (RBV) – nova designação afirmativa de soberania anti-imperialista –, reconhecia os direitos dos povos indígenas, os direitos ambientais e ampliava os direitos sociais. Quanto a estes, não se limitava aos triviais direitos concedidos pela burguesia, como a liberdade de expressão e reunião, mais teóricos do que práticos [6]; reconhecia também o direito ao emprego, à habitação, aos cuidados de saúde e ainda o direito de remover o presidente por referendo. Instituiu um só órgão legislativo em vez do anterior sistema bicamarário [7] e o chamado Defensor do Povo, um misto de Promotor de Justiça, Procurador de petições populares e vigilante da Constituição [8].
     Em 1999-2000 o governo inicia o controlo dos rendimentos do petróleo e combate da evasão fiscal das grandes empresas. Em 2000, Chávez vence as eleições presidenciais com 60% dos votos, e o MVR para a AN com 56,3% dos votos. No mesmo ano, um referendo sobre reforma sindical foi também ganho pelo MVR com 62% dos votos [9].
     Em 2001, são decretadas 49 leis a favor do povo e da soberania económica. De destacar: a Lei das Terras que lança a reforma agrária, com expropriação de terras abandonadas; a Lei das Pescas que incentiva a pesca artesanal; a Lei dos Hirocarbonetos que aumenta o controlo do Estado sobre a PDVSA; a Lei do Sistema Microfinanceiro que incentiva o crédito a pequenos empresários e o microcrédito; a Lei de Cooperativas que incentiva as cooperativas; a Lei de Fomento da Pequena e Média Indústria; a Lei do Sector Bancário.
    
O Golpe de 2002
     Uma Venezuela popular e dona do seu destino era um espinho para os EUA, ávidos de fontes de petróleo e preocupados com a contaminação dos “maus” exemplos. Aliados à grande burguesia da Venezuela, começam a demonizar Chávez chamando-lhe ditador [10]. Em sintonia, as grandes corporações internacionais dos media lançam a campanha de mentiras sobre o governo da Venezuela, que tinha tido a ousadia de se opor aos imperialistas e aos superiores interesses do Capital. A campanha chegou, claro, a Portugal, com notícias made in USA papagueadas pelos nossos opiniosos bronco-mercenários.
     Os donos, directores e gestores venezuelanos do petróleo e dos media foram os primeiros a opor-se a Chávez. Em Dezembro de 2001 lançam uma paragem de actividade económica que só teve expressão em certas zonas de Caracas. Chega, então, a Caracas um novo embaixador dos EUA (C. Shapiro) com a missão de organizar um golpe de estado. O National Endowment for Democracy (NED) [11] passou a canalizar centenas de milhares de dólares para o financiamento do golpe e a Escola das Américas a treinar oficiais venezuelanos para coordenar com a CIA a remoção de Chávez.
     O braço de ferro entre a PDVSA e Chávez subiu de tom em Abril de 2002 com a demissão (em directo pela TV, no programa “Alô Presidente”) de alguns dos seus dirigentes de topo. Em aliança com os media mais importantes do país, do oligarca Gustavo Cisneros [12], as estações de rádio e TV convocam a 7 de Abril uma manifestação contra Chávez para 11 de Abril. A CTV (controlada na altura pela AD e liderada pelo ricaço Pedro Carmona [15]) e a organização dos patrões, Fedecámaras (uma espécie de CIP+CCP, liderada por Carlos Ortega), organizam a manifestação. Centenas de milhares de pessoas concentram-se num parque em Caracas (cidade de 2,9 milhões de habitantes) aos gritos de “Renúncia já”, “Chávez bandido, Fidel é teu marido”, “Cara de macaco, meta um tiro na cabeça”. Ao fim da manhã, Ortega, sem estar anunciado, apela a que marchem contra o palácio presidencial de Miraflores a fim de “remover Chávez”. Junto ao palácio estão 4 mil apoiantes de Chávez, entretanto chegados ao local. Surgem disparos de snipers [13] do topo de um viaduto. São reportados pela TV como paramilitares de Chávez a disparar sobre “pacíficos manifestantes” [14]. A GN forma barreira. Há gás lacrimogénio e mais disparos que matam apoiantes e oposicionistas de Chávez. Estava dado o sinal para um vice-almirante aparecer na TV a dizer que Chávez tinha traído o povo e que já não o reconhecia como presidente. Os apelos à calma, de Chávez na TV, são boicotados (cortes, perda de áudio, mensagens de rodapé). Generais da GN pedem a renúncia de Chávez. Depois de negociações, Chávez acaba detido mas sem renunciar ao cargo. Os líderes militares da conjura alçam Carmona a presidente interino [15]. Júbilo da reacção. Carmona, em pose de ditador, distribui de imediato cargos pelos amigos e emite numa penada montanhas de decretos anulando a Constituição, dissolvendo a AN e o STJ, destituindo governadores e presidentes de câmaras, liberalizando o crédito às corporações, acabando com as medidas sociais de Chávez e regressando às quotas pré-Chavez de produção de petróleo. Anuncia, eufórico, a sua equipa, com vários ministros da Opus Dei. Os EUA reconhecem de imediato o governo  Carmona, enviando congratulações por mais este triunfo da democracia do mundo livre.
     Até aqui, o golpe organizado pelos EUA era apenas mais um exemplo típico dos muitos golpes imperialistas contra governos que incomodam, seguindo um guião já muito experimentado. Os EUA são os maiores peritos mundiais na matéria. Houve um pequeno senão. Uma variável não tida em conta na equação do Capital. A variável “povo”. É que o povo venezuelano já tinha experimentado as medidas sociais do governo Chávez e não cruzou os braços. Saiu espontaneamente em massas enormes e compactas para as ruas. Juntaram-se-lhes soldados e libertaram Chávez. O golpe esboroou-se e a situação em 13 de Abril já estava normalizada [16].
     A evidência da montagem do golpe pelos EUA é esmagadora: o embaixador Shapiro visitou Carmona logo no dia da sua posse (e deixou o cargo de embaixador logo que o golpe falhou) [17]; o FMI imediatamente anunciou a disponibilização de ajuda financeira à Venezuela quando o golpe parecia triunfante (como agora, com o governo fascista da Ucrânia, a quem empresta ajuda financeira sem juros); um jornalista do Guardian revelou o encontro de dois altos militares dos EUA com os líderes do golpe na noite de 11 para 12 de Abril; finalmente, o acesso a documentos da CIA em 2011 veio confirmar o total envolvimento da CIA na organização do golpe [18].
     A repressão pós-golpe de Chávez foi muito moderada. Em 2007 amnistiou todos os envolvidos, excepto os directamente envolvidos em crimes de sangue. Em consequência do golpe o canal de TV estatal, VTV (canal digital disponível em Portugal e com notícias de interesse) deixou, por vontade dos seus trabalhadores, de estar sujeito a administradores e directores golpistas – boicotavam sistematicamente as declarações de Chávez – e passou a estar com o povo, com a revolução, combatendo a desinformação.
    
As Políticas de Chávez em 2003 e 2004
     O governo procedeu a saneamentos nas FFAA e outras instâncias. Actuou com firmeza na PDVSA, despedindo altos funcionários e trabalhadores por “grave infracção de deveres” durante o lock-out e greves. Note-se que os trabalhadores da PDVSA constituem a aristocracia laboral da Venezuela. Assegurado o pleno controlo da PDVSA, o governo renegociou com firmeza contratos com empresas estrangeiras (petróleo e minérios) a fim de obter posição maioritária.
     Iniciou-se o combate à guerra económica, movida pelo capital, em duas frentes: fuga de capitais (ca. 7 biliões de dólares) e controlo das taxas de câmbio. Começaram as Missões, programas sociais, estruturados com o apoio das comunidades populares, os Concelhos Comunais, uma forma de democracia directa ao nível de grandes bairros, envolvendo a população no planeamento e resolução dos seus problemas. Uma forma de democracia inexistente nas democracias burguesas e que de longe ultrapassa em democraticidade tudo que a democracia burguesa oferece, com a colocação do voto de x em x anos, teleguiada pelos media e pelos padres, sem qualquer capacidade de cassação de mandatos por incumprimento. As medidas do governo, de controlo da PDVSA, permitiu elevadas taxas de crescimento do PIB (20% em 2004 e 9,3% em 2005) e investimentos nas Missões. A primeira Missão, Bairro Adentro, procurou fixar em cada bairro um médico e um ambulatório de primeiros-socorros, envolvendo médicos cubanos [19]. Outras Missões foram entretanto lançadas: Missão Guaicaipuro, de concessão  e protecção da terra (6.800 km2), cultura e direitos dos povos indígenas, sempre espoliados por governos anteriores; Missão Mercal, de venda de cabazes de compras a preços muito inferiores aos do mercado (com ajuda de transportes do exército); Missão Robinson, plano educacional que eliminou o analfabetismo em 2005 (Portugal ainda tem meio milhão de analfabetos!); Missão Vuelvan Caras, de incentivo à economia popular (cooperativas, pequenos negócios com microcrédito); Missão Miranda, que estabeleceu uma milícia armada do povo (125.000 homens e mulheres em 2012; as FFAA regulares têm menos pessoal); várias Missões educativas com envolvimento de escolas técnicas e de ensino superior (100.000 bolsas de estudo em 2005). Todas as Missões funcionaram bem, atingindo os seus objectivos.
     A oposição iniciou em 2004 uma campanha de recolha de assinaturas para um referendo de revogação de Chávez. A campanha foi dirigida por uma empresa constituída para o efeito, financiada pelo NED/CIA. Chávez venceu o referendo com 59% dos votos. O Centro Carter (e, reluntantemente, Washington) reconheceram o resultado. Em Maio de 2004 ocorreu um incidente que marcou uma nova frente de agressão contra a Venezuela que perdura até hoje: a utilização ianque da Colômbia, cujos governos foram sempre sabujos cães de guarda dos EUA na América Latina, para operações subversivas. Uma força paramilitar de 126 colombianos foi capturada perto de Caracas com a missão de derrubar Chávez [20].
    
As Medidas Políticas Após 2005
     Em Janeiro de 2005 Chávez anunciava no V Fórum Social Mundial ter como objectivo a luta contra o neoliberalismo e imperialismo ianque, e seguir um caminho para o socialismo: “O nosso projecto e o nosso caminho é o socialismo”, “um socialismo com democracia e uma democracia com participação popular”, “socialismo do século XXI” [21].
     Na sequência das eleições de 2006, que venceu [22], Chávez propôs a reforma de alguns artigos da constituição com vista a um processo revolucionário mais firme rumo ao socialismo. Perdeu, contudo, por escassos votos, o respectivo referendo. Afora esse revés, Chavez, e mais tarde Maduro, venceram todas as subsequentes eleições [22]. Entretanto, com vista a consolidar uma base de apoio à revolução, Chávez e seus companheiros promoveram a criação em 2007 do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) por fusão do MVR com partidos menores da esquerda [23]. A partir das eleições de 2012 o PSUV tem concorrido no âmbito de uma ampla coligação de partidos de esquerda, o Gran Polo Patriótico Simón Bolívar, de que faz parte o PCV.
     O governo teve de enfrentar uma longa batalha contra a TV controlada pelos oligarcas, que sistematicamente silenciava e distorcia as medidas do governo. Manteve os canais privados, com excepção da RCTV cuja licença não foi renovada em 2007 (a oposição organizou na altura arruaças violentas) e criou dois canais oficiais: a Vive TV e a Telesur. Esta última, multiestatal e com emissão via satélite, tem investimento de vários países (51% Venezuela, 20% Argentina, 19% Cuba, 10% Uruguai).
     As nacionalizações progrediram. Em Janeiro de 2007 foram renacionalizadas a maior companhia de telefones do país (Cantv) e companhias de electricidade (tinham sido nacionais e depois privatizadas pelos governos neoliberais). Acabou com a autonomia do Banco Central da Venezuela; actualmente, o BCV está ao serviço do povo e dos pequenos e médios empresários. Em 30 de Abril de 2007 a Venezuela saiu do FMI e do BM (pagando dívidas pendentes). Criou nessa altura um banco regional, o Banco do Sul.
     O governo impulsionou políticas de democracia participativa, dando voz aos que sempre tinham estado excluídos da política. Para além da criação de concelhos comunais em todo o território, com poderes administrativos e assembleias abertas, foi dado amplo acesso à Internet grátis com a criação de largas centenas de cybercenters e apoio de brigadas de formadores que treinaram milhares de venezuelanos. Em 2000 só havia 273.537 assinantes da Internet; em 2009 eram já 1.585.497 (aumento de 600%). Cresceu também dramaticamente a quantidade e qualidade dos meios de transporte.
     Chávez foi o grande impulsionador da criação de alianças regionais em oposição à hegemonia dos EUA-Canadá. Em 2004, juntamente com Cuba, criou a Alba - Alianza Bolivariana para los Pueblos de Nuestra América, que actualmente tem 10 estados membros [24]. Em 2008, criou a UNASUR – União das Nações Sul-Americanas, com 12 estados que representam mais de 400 milhões de habitantes (68% da população da América Latina) [25]. Em 2011, com o presidente do México, era criada a CELAC – Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos, constituída por 33 estados e que pode vir a tornar-se um substituto da OEA [26].
     Chávez faleceu em Março de 2013. Sucedeu-lhe Nicolás Maduro (condutor do metro de Caracas, sindicalista, ex-militante da Liga Socialista da Venezuela, deputado da AN, ministro dos Negócios Estrangeiros de Chávez e mais tarde vice-presidente do executivo) como presidente interino. Mduro venceu nesse ano as eleições presidenciais. Em Dezembro de 2013 o PSUV obteve vitórias esmagadoras nas autárquicas (242 de 317 Câmaras). O novo Presidente continuou as políticas anteriores. Procurou combater a violência com o Plan Patria Segura. Lançou a Grande Missão Vivenda, de construção de habitação social, que está a ter enorme êxito. Tem combatido a corrupção, promovido uma maior unidade e participação dos trabalhadores e incentivado a produção nacional. Em questões actuais candentes -- luta contra a guerra económica e contra a agressão de paramilitares colombianos -- o governo tem mostrado grande firmeza e habilidade política. Num inquérito em 2014, 61% dos venezuelanos aprovavam a gestão e 70% as medidas económicas.
     
As Conquistas Económicas e Sociais
     As conquistas económicas e sociais da revolução têm sido extraordinárias, conforme passamos a descrever baseados em dados de fontes institucionais [27].
   Devemos desde já esclarecer uma falsa ideia muito corrente nos media. A de que “alguma” melhoria económica e social da Venezuela se deveu ao petróleo. De facto, as conquistas económicas e sociais da Venezuela decorreram e decorrem num quadro de baixa tendencial da contribuição real do petróleo para o PIB (também em 2014-15). A “maravilha” não está em ter petróleo. Está, sim, em colocar o rendimento do petróleo e de outros sectores produtivos ao serviço do povo. Isso fê-lo a revolução. 
     A revolução tem proporcionado um grande crescimento do PIB, apesar de períodos de baixa do preço do petróleo. (Exceptuam-se os anos de 2002 e 2003 de lock-outs e greves reaccionárias.) Isso deveu-se a uma melhor gestão de recursos e ao incentivo e desenvolvimento da produção nacional. Em per capita o PIB cresceu 6,9% ao ano até 2008. De 2008 até 2010, decresceu. Mas, depois, voltou a crescer a 3,8%/ano até à recessão de 2014.

     O consumo das famílias tem aumentado num quadro de forte diminuição da desigualdade social:


     Os níveis de pobreza diminuíram acentuadamente. A FAO [28] distinguiu a Venezuela em 2012 por ter baixado para metade a pobreza extrema e a fome. Em 2013, nova distinção por ter reduzido a fome de 14% em 1992 para 5% em 2012.
     Em 10 de Junho de 2015 a FAO de novo distinguiu a Venezuela por ter cumprido o objectivo do milénio [29] baixando para metade o nível de má nutrição.
     Na conferência da FAO discursou assim o vice-presidente da Venezuela: “Com a Revolução, as crianças nas escolas têm agora pequeno-almoço, almoço e snacks […] Assistimos a um milagre de nutrição escolar, enquanto no passado [as crianças] só tinham um copo de leite por dia.” Actualmente, 94,5% dos venezuelanos comem três refeições por dia. A pobreza extrema está agora em 3,7%, muito baixa comparada com a média de 6% da América Latina. Nos EUA a pobreza extrema tem vindo a crescer e segundo algumas estimativas é de 4,3% da população. Em Portugal é pior [30].
     Os salários nominais acompanharam aproximadamente a taxa de inflação em 2007-2013, com uma ligeira subida no sector público. Em consequência, os salários reais médios estão perto dos valores pré-revolucionários, sendo que os do sector público estão ligeiramente acima [31].
     O salário mínimo nominal também tem subido ligeiramente acima da taxa de inflação. 

    
Ao apreciar o nível salarial deve-se ter em conta que o investimento público na segurança social aumentou significativamente, e o investimento público geral é altíssimo: da ordem de 30% do PIB. Alem disso, a taxa de desemprego diminuiu muito face ao período pré-revolucionário.

   Quanto ao investimento público na segurança social é impressionante o aumento da percentagem de população com pensões de velhice, sobrevivência, invalidez e incapacidade (IVSS), face ao período pré-revolucionário. A esperança de vida ao nascer tem aumentado a um ritmo muito superior ao do período pré-revolucionário.
    
     O acesso a água potavel e saneamento cresceu acentuadamente. Em 1998 só 80% dos venezuelanos tinham acesso a água potável e 62% a saneamento. Em 2009 as percentagens tinham subido respectivamente para 96% e 84%. Estamos a falar numa melhoria drástica das condições de vida de cerca de 16%-22% da população, ou seja, de 4,6-6,3 milhões de pessoas.


     A taxa de mortalidade infantil até ao 1.º ano de vida diminuiu drasticamente. O número de vidas salvas com a Missão Barrio Adentro e a ajuda dos médicos cubanos, atingiu níveis elevados.


    A taxa de escolaridade em todos os níveis educativos tem aumentado significativamente. P. ex., no nível médio passou de 72,7% em 2003-04 para 86,4% em 2012-13; no ensino superior, as inscrições em 2007-08 aumentaram 138% face a 1999-2000. Esta tendência continua. O analfabetismo foi praticamente eliminado. Em Portugal ainda é de 5%!
    O Índice de Desenvolvimento Humano cresceu enormemente. Estava em 2013 próximo da classificação “muito alto” (0,785). [32] Num boletim do INE-Venezuela, é feita a seguinte afirmação inteiramente legítima: “Os avanços obtidos no IDH provêm da orientação humanista do governo […] que acumulou um investimento social de 623.508 milhões de dólares no período 1999-2013, o que equivale a 64,1% das receitas da República. No período 1984-1998, o investimento social foi de 80.608 milhões de dólares, 36,2% das receitas. Isto é, ao comparar os dois períodos, constata-se um aumento de 27,9%.”

    A construção de casas da Grande Missão Vivenda segue a bom ritmo. Neste momento, o número de habitações condignas construídas no âmbito da Missão é da ordem de um milhão [33]. Com vista a atingir a meta proposta para o período 2013-2017 (1.650.000 habitações), para além do apoio do governo (fornecimento de materiais a baixo custo, etc.), existe um grande empenho dos concelhos comunais e dos trabalhadores (inclusive com brigadas de trabalho voluntário).
    A balança comercial da Venezuela tem tido saldo positivo, a dívida pública situa-se em 50% do PIB, e o investimento bruto em capital fixo mais que duplicou face ao valor pré-revolucionário.
    Nos últimos anos o governo enfrenta uma feroz guerra económica e mercado negro que tem disparado a inflação para níveis preocupantes (68,5%/ano), bem como a corrupção. O governo tem vindo a tomar medidas para combater estes fenómenos. Enfrenta também uma recessão (ocasionada pelo baixo preço do petróleo) desde Julho de 2014, que o FMI diz irá terminar em 2017.

A Reacção contra o Processo Revolucionário
     São inúmeras as acções da contra-revolução venezuelana, com fundos e logística de Washington. Sem Obama e com Obama. Seria necessário um livro só para este tema. Vamo-nos limitar a uma síntese.
     -- O NED, USAID [34] e outras organizações dos EUA têm gasto dezenas de milhões de dólares [35] em operações anti-governo: organização de operações violentas (p. ex., as arruaças conhecidas por guarimbas), manipulação de sindicatos de direita, acções de propaganda alarmista e mistificadora, emissões de TV, campanhas eleitorais da oposição, acções psicológicas [36].
     -- Os partidos e personagens de extrema-direita. A oposição ao governo está agrupada desde 2008 na coligação Mesa de la Unidad Democrática (MUD). Se consultarmos a wikipedia sobre as posições ideológicas dos partidos do MUD (e a wikipedia limita-se a transcrever dos programas dos partidos) ficaremos surpreendidos. A AD é social-democrata, socialista democrática, filiada na Internacional Socialista (IS); o Voluntad Popular é social-democrata, progressista, de centro a centro-esquerda e filiada na IS; A Causa Radical é socialista-democrática, trabalhista-sindicalista, democrata radical, de esquerda/centro-esquerda; a Alianza Bravo Pueblo é social-democrata, de centro-esquerda: o Movimiento al Socialismo é social-democrata, socialista democrática, anti-autoritarista, pluralista, de centro-esquerda; o Primero Justicia é social-liberal, humanista, progressista e de centro-esquerda; a URD é reformista-nacionalista-progressista, de centro-esquerda; o COPEI é democrata-cristão, humanista, conservador mas social, de economia de mercado, mas social, e de centro-direita.
     Portanto: montanhas de humanismo, progressismo, socialismo, esquerda e centro-esquerda e com dois partidos da Internacional Socialista!!! Nada de direita. Quando muito, centro-direita (COPEI) mas, mesmo assim… “social”. Porque razão está, então, o MUD, que também se afirma social-democrata, trabalhista e progressista, violentamente contra a revolução bolivariana que implementou políticas humanistas, sociais, democráticas e uma Constituição considerada das mais progressistas do mundo e defensora dos direitos humanos? A razão é simples: todos os partidos de direita, defensores do capitalismo e da grande burguesia, são obrigados a pavonear-se de vistosos leques ideológicas a fim de enganar o povo; a fim de ocultarem que apenas representam os interesses de uma ínfima minoria de privilegiados. Acresce que todos eles, quando verdadeiramente confrontados com o poder do povo e com a perda de privilégios, não estão com meias medidas: alijam logo borda-fora os ornamentos de humanismo, progressismo, piedade cristã e preocupações sociais, para abraçar a violência de extrema-direita, o correr de sangue, o terror fascista.
     Sempre assim tem acontecido na História e assim aconteceu na Venezuela. Como veremos abaixo, os actuais líderes de atentados, crimes políticos, terror fascista, guerra económica, desinformação, submissão do País a interesses alheios, são precisamente as figuras gradas do MUD: Henrique Capriles, com interesses empresariais nos media (cadeia Capriles), cinema (cadeia Cinex), serviços e imobiliário, ex-deputado pelo COPEI e líder do MUD; Leopoldo López, que foi conselheiro económico e vice-presidente da PDVSA e é líder do Voluntad Popular e do MUD; Maria Corina Machado, filha de um empresário do aço, co-fundadora do Súmate, organização que gere os fundos injectados pelos EUA para a subversão, ex-presidente da OEA, ligada a Bush e à CIA, líder do MUD; Antonio Ledezma, gestor público, líder da Alianza Bravo Pueblo.
     López e Capriles foram presidentes de dois dos municípios mais ricos de Caracas. Corina Machado foi uma aliada firme do ricaço Carmona, que se auto-proclamou ditador da Venezuela no golpe de 2002. López e Corina assinaram o famoso “Decreto Carmona” que dissolvia as instituições democráticas e a Constituição da Venezuela. Capriles e López foram, durante o golpe, responsáveis por perseguições públicas e detenções violentas de elementos pró-Chávez, alguns publicamente espancados, como o Ministro do Interior Ramon Chacin. López saiu do Primero Justicia em 2010 para formar o seu próprio partido, Voluntad Popular, pago pelos EUA.
     Altos dignitários da Igreja têm estado alinhados com a extrema-direita. Um documento confidencial da embaixada dos EUA de 2005 revelou que o arcebispo Baltazar Porras pediu ajuda a Washington para “conter” Hugo Chávez e que "o governo dos EUA deveria ser mais explícito nas suas críticas contra Hugo Chávez”  oferecendo a Washington espaços e programas da Igreja Católica para realizar operações contra o governo da Venezuela.
     -- A violência fascista nas ruas. Parte dos fundos fornecidos pelos EUA a grupos estudantis de estrema-direita, da classe média e alta dos bairros “bem” de Caracas [11, 35] tem sido usada para organizar arruaças violentas, por vezes junto de Universidades, desde 2004 (referendo da oposição). Destinam-se a criar um clima de caos e terror de tipo fascista, que possa influenciar a opinião pública no anseio por “ordem”, nomeadamente em vésperas de eleições/referendos, e apresentar o governo nos media internacionais como “repressivo”. Designadas por guarimbas, envolvem: barricadas com lixo e pneus a arder, arremesso de pedras e cocktails Molotov a polícias e civis, bloqueio de passagem de transportes de trabalhadores, comida e abastecimento de mercados, aterrorização de residentes, espancamentos, sequestro e roubo de civis pró-chavistas, arames estendidos nas ruas para decepar jovens pró-chavistas em motos (já ocorreu), etc. São apresentados nos media como “protestos pacíficos” que redundaram em “cólera popular” [37].
     As guarimbas foram particularmente violentas em Abril de 2013 e em Fevereiro-Março de 2014 contra o presidente Maduro. Em 2013 foi Capriles que se recusou a reconhecer os resultados presidenciais que deram a vitória a Maduro contra ele. Apelou à “raiva nas ruas”; as guarimbas mataram 11 apoiantes do governo, com o silêncio dos media internacionais e da Amnistia Internacional  (organização cada vez mais pró-americana) que não viram nada.
     Em 2014, os ”protestos” foram supostamente contra a inflação e falta de bens, pelos quais a oposição é a única responsável. Causaram 43 mortos, dezenas de feridos, incêndios e destruição de propriedade. A GN, usando de bastante contenção, conseguiu reprimir as guarimbas. Foram presos vários guarimbeiros e funcionários estatais cúmplices. Encontraram-se provas de que Leopoldo López estava envolvido e foi detido. A Unasur e Mercosur exprimiram o seu apoio e solidariedade a Maduro; Washington apoiou os fascistas e Obama ameaçou mesmo o presidente Maduro se não libertasse López! Maduro expulsou três diplomatas da embaixada dos EUA acusados de recrutar os estudantes para a desestabilização.
     -- Tentativas de golpes. Desde 2002 que vários golpes foram forjados e/ou ocorreram [38]. O último foi em 12 de Fevereiro de 2015 e envolveu um general e vários oficiais da Força Aérea. Na altura as autoridades da Venezuela mostraram materiais comprovativos, incluindo armas e vistos concedidos pela embaixada dos EUA. Os documentos mostraram que Washington e, concretamente, o vice-presidente Joe Biden, tinham aliciado os oficiais e existiam planos para lançar uma onda de terror e bombardear o palácio presidencial, a AN, a Telesur, e o Ministério da Defesa. O oficial José Zapata levaria a cabo esta missão “à Pinochet” com um bombardeiro EMB 312. Por “concidência”, em 11 de Fevereiro, Corina Machado, López e Ledezma tinham anunciado um “Apelo para Acordo de Transição Nacional” no plano de golpe denominado La Salida, apoiado pela violência das guarimbas [39]. Encontraram-se provas de que López e Ledezma estavam comprometidos no golpe. Ledezma foi preso. Na altura foi publicada (no The Gurdian e outros meios) uma carta aberta de destacados jornalistas e outras personalidades internacionais condenando o golpe. Em Portugal nada se soube disso; apenas a notícia made in USA.
-- Assassinatos e tentativas de assassinato. Em Setembro de 2009 um assassino paramilitar colombiano, preso na Colômbia, revelou que Manuel Rosales, líder de um partido da AD, lhe tinha oferecido 25 milhões de dólares para assassinar Chávez. Em 7 de Julho de 2010 as autoridades venezuelanas capturaram o salvadorenho Francisco Chavez Abarca, terrorista internacional responsável por atentados em Cuba e que se crê ter tido por missão assassinar Chávez. Foi deportado para Cuba com base em mandato de captura da Interpol.
     Em 1 de Outubro de 2014 foram assassinados com facadas Robert Serra, deputado da AN e dirigente da Juventude do PSUV, e a sua companheira Maria Herrera. Serra era um elemento dinâmico e combativo da revolução que gozava de ampla estima. Em 17 de Outubro eram presos 3 autores materiais do crime. Confessaram ter recebido 500 mil dólares para o efeito, com apoio de um colombiano; três outros autores continuam fugitivos. Em Maio de 2015 era capturado o autor moral: Julio Velez, assassino da própria esposa e com mandato de captura da Interpol. É claro que Velez não mandou assassinar Serra e companheira e pagou 500 mil dólares de seu alvedrio; Velez é a mão-direita do ex-presidente da Colômbia Álvaro Uribe, unha com carne dos EUA.
     A 6 de Agosto de 2015 foi violada, assassinada e esquartejada Liana Hergueta. Os autores materiais, treinados na Colômbia, foram capturados, sendo Pérez Venta do Voluntad Popular o principal culpado. Com provas fornecidas por eles descobriu-se que o autor moral era Carlos Trejo, dirigente do Primero Justicia. Venta dera treino paramilitar às guarimbas ao serviço do MUD, coordenado por López, no âmbito de La Salida. Revelou as ligações a Capriles (de quem era grande amigo), a Corina Machado, a um funcionário da embaixada dos EUA e à senadora Betty Grossi dos EUA. Revelou também que o armamento para enfrentar a GN estava na Universidade Católica de Táchira (estado fronteiro com a Colômbia).
     Outros assassinatos e tentativas de assassinatos a mando da direita têm ocorrido. Ainda recentemente tentaram assassinar a filha de Diosdado Cabello, vice-presidente do PSUV e figura destacada da revolução. O principal implicado está preso e é militante do Voluntad Popular.
     -- Desinformação. A desinformação nos media internacionais, made in USA, é constante. Para além do grotesco -- Chávez e Maduro são “ditadores”, o governo é “terrorista”, a Venezuela é um “Estado falhado”, “ameaça valores democráticos” (Obama dixit!), etc. – há temas aparentemente respeitáveis e recorrentes da desinformação:
     Na Venezuela não há liberdade de expressão. Falso. Em Janeiro de 2011 mais de 80% da TV, rádio e imprensa estava nas mãos da oposição; actualmente é cerca de 70% [40]. Apelos ao derrube do governo são comuns. Um jornalista americano [41] disse que “um jornalista pode dizer praticamente tudo sobre Chávez ou o seu governo”. Numa conferência transmitida pela TV e rádio da oposição chegou-se ao cúmulo do representante da Fedecámaras chamar “traidores” às FFAA e que “pagariam o preço” se não desobedecessem ao governo. De facto, na Venezuela, existe excesso de liberdade de expressão, não tolerada em muitos países, incluindo Portugal. (O governo, entretanto, tem promovido media alternativos nas mãos dos concelhos comunais, o que era proibido anteriormente.)
     Chávez ou Maduro só governam por decretos. Falso. Em 2011 a AN aprovou uma lei que conferiu poderes de “decreto” ao presidente em situações muito específicas descritas na lei. Esses poderes destinaram-se a responder a situações de emergência, como o grande desastre das chuvas torrenciais ocorrido em 2010 e que deixou mais de 130 mil pessoas desalojadas. A lei de “decreto” não usurpa funções da AN, não afecta direitos constitucionais nem impõe qualquer ditadura no país. Em 2013 Maduro também obteve da AN poderes para decretar em casos muito específicos de luta contra a corrupção e a guerra económica.
     As eleições na Venezuela são uma farsa. Falso. Ver [22]. Aquando das eleições legislativas de 2012, disse assim o ex-presidente dos EUA Jimmy Carter: "De facto, das 92 eleições que monitorámos, eu diria que o processo eleitoral na Venezuela é o melhor do mundo".
     Na Venezuela há presos políticos. Falso. Há, de facto, políticos presos; mas estão presos por crimes comuns (caso de López, etc.) [42].
     A Venezuela tem a maior criminalidade do mundo. Quase certo, mas… De facto, as Honduras e o México superam a Venezuela na taxa de homicídios intencionais por 100 mil habitantes. Isto no que respeita aos países de que há estatísticas. Ninguém sabe, p. ex., qual a taxa de criminalidade do Líbano ou da Ucrânia. A criminalidade da Venezuela vem de longe; em 2000, já era o 6.º país mais violento do mundo (dados do BM). Algum aumento de criminalidade pós-Chávez é precisamente a consequência do clima de violência que a direita tem atiçado, com guarimbas, entrada de paramilitares colombianos ligados ao narcotráfico, ataques a activistas, incitamento a assassinatos, etc. Os governos revolucionários tudo têm feito para combater a criminalidade. Constituíram para este efeito um corpo especial -- Operación Liberación del Pueblo – e têm procurado o apoio popular contra a criminalidade e insegurança [43]. As acções do governo parecem estar a dar resultados. Um trabalho de fonte insuspeita de simpatia pró-Chávez [44] mostra em 2000-2012 um aumento médio de homicídios de 0,02/100.000 habitantes/ano na área metropolitana de Caracas (área com mais de 8 mlhões de habitantes em 2012) e de 1,6/100.000 habitantes/ano no restante território (22 milhões de habitantes); neste caso, com uma tendência declinante desde 2008. Em Setembro de 2015 era anunciada uma descida de 80% de criminalidade junto à fronteira [45]. A criminalidade continua elevada, mas o governo e a AN estão atentos e a tomar medidas.
     -- Operações mediáticas. A direita tem organizado muitas operações mediáticas com vista a denegrir internacionalmente o governo. López esteve em greve da fome em Junho passado, supostamente para protestar contra o facto do governo não querer realizar eleições legislativas em Dezembro de 2015. Isto quando elas já tinham sido anunciadas e estavam a decorrer eleições primárias no PSUV, massivamente participadas, para escolher os candidatos às eleições!
     Enfim, uma farsa para acusar o regime de ditatorial, demonizar Maduro e transformar López em mártir e herói. Serviu também para justificar uma visita de Felipe González a Caracas para defender os mátires pela liberdade López e Ledezma, causticando o regime de Maduro. O sinistro Felipe González [46] deparou, porém, com uma enorme vaia popular. Fugiu encoberta e cobardemente num avião emprestado pela Colômbia. Um Secretário de Estado espanhol em posterior encontro oficial em Caracas reconheceu a visita de González como “um erro e um fracasso”.
     -- Incitamento a conflito armado entre Colômbia e Venezuela.
     A incursão de paramilitares colombianos na Venezuela tem sido constante. Os chefões mascaram-se de homens de negócios respeitáveis que vêm ajudar as populações, assumindo o papel de caciques nas regiões fronteiriças. Ligados ao narcotráfico e ao mercado negro, trazem os seus esquadrões de capangas treinados em tácticas militares e em assassinar e esquartejar pessoas. São financiados a partir da Colômbia pelo ex-presidente Álvaro Uribe e fundos dos EUA, para desestabilizar a Venezuela através de acções violentas. Trinta destes grupos foram descobertos e levaram a detenções aquando do falhanço de La Salida. Descobriu-se, então, que tinham ordens de assassinar dirigentes políticos revolucionários.
     A partir de 2010 têm vindo a ser revelados planos dos EUA de utilizar a tensão Colômbia-Venezuela, atiçada por incursões dos paramilitares, a fim de abrir um conflito armado que serviria de pretexto para a intervenção dos EUA. Em Julho desse ano uma fonte de Chávez nos EUA revelou que “a fase de preparação […] está em pleno progresso” com o governo da Colômbia a acusar a Venezuela na OEA de abrigar “campos de treino de terroristas [FARC]” [47] e os EUA a concentrarem fortes meios militares na Costa Rica (46 vasos de guerra e 7.000 marines) como “força de contenção”, sob o pretexto de combate ao narcotráfico (!). Sete bases na Colômbia foram cedidas ao EUA e foram fortemente armadas.
     Tendo as ameaças vindo a subir de tom, em Julho p.p. o governo venezuelano tomou medidas justas e firmes. Fechou as fronteiras com a Colômbia em nome da preservação da paz e ofereceu à Colômbia medidas políticas de paz.
     -- A guerra económica. Com o governo de Maduro, a componente de guerra económica lançada pelo grande capital, cresceu e é actualmente a pior ameaça. Os métodos são os de sempre, já usados, p. ex., para sufocar a revolução chilena [48]. Compreendem: (1) O açambarcamento de bens essenciais, que desaparecem dos mercados e são depois vendidos a preços elevados no mercado negro. Em Julho p.p., p. ex., o governo enviou a GN para ocupar armazéns das Empresas Polar onde estavam açambarcadas toneladas de alimentos (os trabalhadores denunciaram a desestabilização da Polar) [49]. Estas acções têm-se repetido desde 2007 com outros armazéns de grandes empresários. O governo também combate este fenómeno através do estímulo a cooperativas de distribuição de bens produzidos por produtores locais. O açambarcamento tem em vista criar o desânimo e desespero da população tornando-a sensível à ideia de que o “governo/revolução não funciona”. (2) Contrabando e venda ilegal de bens produzidos na Venezuela na Colômbia e Panamá. (3) Sabotagem. Em Junho de 2010, p. ex., descobriram-se 32 toneladas de alimentos a apodrecer em contentores que se destinavam a mercados subsidiados pelo governo (Mercal e Pdval). Funcionários corruptos deixaram-nos, de propósito, a apodrecer para provocar faltas no mercado; foram presos e condenados. Em Agosto de 2012 ocorreu uma explosão numa refinaria da PDVSA (55 mortos, 156 feridos); investigações minuciosas mostraram que se tratou de sabotagem. Em 2013 e até ao presente têm ocorrido várias acções de sabotagem na rede de distribuição eléctrica, com black-outs. Atribuídas ridiculamente à “incompetência” de Maduro, encontraram-se documentos que provaram ser mais uma acção da reacção internacional [50]. Os culpados foram encontrados e presos. (4) Especulação com bolívares e mercado negro de dólares. A fuga de capitais dos oligarcas tem sido enorme. O governo criou regras específicas de câmbio de bolívares (VEF) em dólares (USD) [51]. Estas regras são diferenciadas; p. ex., a taxa de câmbio oficial para a importação de comida e medicamentos, é de 6,3 VEF por USD; para outros sectores é de 12 ou 52 VEF por USD. Taxas bem mais baixas do que a praticada na compra de dólares por particulares (170 VEF por USD, próximo do valor do mercado negro). A reacção, contudo, arranja esquemas para furar as regras; converte p. ex. 1.200 VEF em 100 USD à taxa mais baixa; com este valor compra no mercado negro 17.800 VEF que entesoura ou envia para o estrangeiro a um câmbio favorável. Resultado: enorme aumento da inflação e descapitalização do país. O governo tem procurado combater este fenómeno mas o sucesso é ainda débil.
*    *    *
     Os meios de ataque à Venezuela têm sido múltiplos. Há quem lhes chame com propriedade uma “guerra de 4.ª geração” [52].

O Rumo Socialista
     Na Venezuela não ocorreu uma revolução socialista no sentido habitual do termo: uma mudança abrupta de poder, levada a cabo por um levantamento popular, dirigido por uma vanguarda, que representa e interpreta da forma mais lúcida os anseios de largas massa populares de trabalhadores, e que, em tempo curto, implementa medidas socialistas (casos da URSS, China, Cuba, Vietname, etc.). Na Venezuela, ocorreu, sim, um processo evolutivo que, embora não saindo de certos trilhos da democracia burguesa, tem ao longo de 15 anos vindo a implementar medidas de transformação progressista da sociedade, de carácter socialista. Na Venezuela decorreu, não uma revolução, mas sim um processo revolucionário que ainda decorre e se afirma rumo ao socialismo. Segundo os líderes do processo a “revolução” é feita por etapas, dia a dia.
     Os líderes do processo dizem também querer construir o “socialismo do século XXI”. Quanto a nós, esta designação é errada na sua essência e presta-se a confusões.
     Como formação sócio-económica, a definição de socialismo é única: (1) condição económica: propriedade social dos meios de produção; (2) condição do poder de Estado: o poder de Estado é detido pelos trabalhadores (o que não impede formas representativas), que controlam as iniciativas do poder e o usam na repressão das classes ou elementos que se opõm ao socialismo; (3) modo de distribuição: “de cada um segundo a sua capacidade, a cada um segundo o seu trabalho”.
     Naturalmente, em cada nação que abraça o socialismo, há aspectos transicionais e aspectos subjectivos e objectivos decorrentes do contexto e evolução histórica próprios de cada nação, que influenciam a forma mas não a substância da definição acima enunciada. O mesmo se pode dizer de outras formações sócio-económicas. Assim, o capitalismo imperialista actual, do século XXI, com um grande sector de serviços, instrumentos financeiros, Internet, globalização, etc., é muito distinto nestes epifenómenos do capitalismo existente no século XIX e XX. Mas são todos eles “capitalismo”, todos obedecendo a uma definição única, que, como todas as definições (e independentemente do ramo do conhecimento!), assenta em características substantivas, determinantes, sine qua non: (1) condição económica: propriedade privada dos meios de produção, com mercados onde se trocam mercadorias, incluindo a mercadoria “capacidade de trabalho”, a única que o trabalhador assalariado puro tem para vender; (2) condição do poder de Estado: o poder de Estado é controlado pelos capitalistas (burguesia) e está ao seu serviço, sendo usado na repressão das classes e elementos que se opõm ao capitalismo; (3) modo de distribuição: apropriação pelos capitalistas da mais-valia produzida pelos trabalhadores e distribuição pelo mercado segundo o rendimento. Na fase imperialista do capitalismo há certas características adicionais, de que já tratámos noutro local.
     Em suma, não há vários “socialismos”: do século XX, do século XXI, “com face humana, à Dubcek”, “socialismo democrático, como o do PS que nunca implementou uma única migalha de socialismo”, “socialismo de mercado à Gorbachev”, “socialismo de mercado de características chinesas”, etc. Como em todas as áreas do conhecimento, a classificação de objectos ou entidades tem de obedecer a definições claras. Sem elas, não há ciência; apenas confusão e “banha da cobra”. Naturalmente, no caso de formações sócio-económicas, não estamos perante entidades estáticas e não seria, por isso, legítimo esperar a satisfação cabal das definições de imediato, de um dia para o outro. Estamos perante entidades e realidades evolutivas, envolvendo um processo dialéctico. Por exemplo: não é de um dia para o outro que os trabalhadores adquirem a consciência da necessidade da apropriação social dos meios de produção; isso passa por muitos processos concretos de luta, quando os trabalhadores se vêem confrontados com lock-outs, com patrões que fogem para o estrangeiro deixando as fábricas ao abandono, mas os filhinhos ainda com mansões e ferraris, etc.
     Por consequência, o que é legítimo inquirir é se sim ou não uma dada evolução político-social tem capacidade e se mostra capaz de conduzir a uma dada formação socio-económica; neste caso, ao socialismo. (Dizemos “se mostra capaz” porque não há certezas em História.) Concretamente, na Venezuela: mostra-se a vanguarda e as medidas político-sociais já implementadas e programadas capazes de conduzir ao socialismo, à satisfação das três condições acima enunciadas?
     No rumo seguido pelo PSUV e apoiado pelo Gran Pólo Patriótico (a vanguarda do processo), e com os dados de que dispomos, conseguimos identificar:
     -- O progresso nas nacionalizações (segundo estimativas, correspondendo a 49% do PIB) e no controlo das actividades económicas por comissões de trabalhadores. Um avanço no sentido da condição 1, mas ainda longe da “propriedade social dos meios de produção”, embora provavelmente seja já verdade que parte importante dos principais meios de produção é social.
     -- O controlo de órgãos importantes do poder de Estado (PR, AN, Concelhos Comunais, a maioria dos Órgãos Locais e as Forças Milicianas) é detido por uma vanguarda pluripartidária que representa as camadas trabalhadoras, estimula o controlo e iniciativas de base (a designação “do século XXI” qualifica precisamente esta forte componente basista) e se tem mostrado capaz de reprimir a reacção burguesa-imperialista. Tudo isto, aponta sem dúvida, no rumo da condição 2. Mas, atenção: o aparelho de Estado burguês está longe de ter sido destruído. Subsistem, por isso mesmo, fortes ameaças ao processo revolucionário: grande parte do alto funcionalismo público, nomeadamente na Justiça, está com a reacção; há dúvidas sobre altas patentes das FFAA, nomeadamente na Força Aérea; a grande maioria dos media está com a reacção; idem, quanto a quadros dos bancos, empresas financeiras e empresas distribuidoras. De realçar que muitos comparsas destas entidades se mascaram de revolucionários (incluindo elementos da aristocracia operária) dificultando a avaliação dos reais perigos no rumo ao socialismo, que só poderão ser adequadamente enfrentados com um novo aparelho de Estado, inteiramente controlado pelos trabalhadores.
     -- O enorme aumento dos subsídios económico-sociais e a forte diminuição da desigualdade social são um passo gigantesco rumo à condição 3.
A via seguida pelo processo revolucionário venezuelano, o ritmo a que se desenvolve, o que ainda falta fazer e as ameaças que ainda pairam sobre ele – conforme acima esboçámos --, são em larga medida a consequência das condições materiais concretas que os revolucionários venezuelanos enfrentam(aram). Que impuseram, entre outras coisas, a formação de uma larga aliança de classes, envolvendo o proletariado com a pequena burguesia urbana e rural (grande parte dela mergulhada em profundo pauperismo), e a condução do processso, digamos, “didacticamente”, sem abandonar de momento certos trilhos da democracia e do Estado burguês.
     Quanto à pergunta acima, “mostra-se a vanguarda e as medidas político-sociais já implementadas e programadas capazes de conduzir ao socialismo?” parece-nos haver fortes evidências de uma resposta positiva. Pensamos que todo o cidadão que preza acima de tudo a construção de uma sociedade mais justa, progressista, livre da exploração do homem pelo homem, independentemente desta ou daquela diferença de opinião, tem como obrigação apoiar por todos os meios (incluindo o do esclarecimento) o processo revolucionário venezuelano até à vitória final.

Notas e Referências
[1] A doutrina Monroe (presidente James Monroe dos EUA, 1823) opunha-se à interferência da Europa na América. A doutrina passou a justificar o papel de big brother dos EUA em toda a América, com o direito de intervir na América Latina. O “corolário Roosevelt” de 1904 “legitimou” esse papel ao afirmar o direito dos EUA de intervir na América Latina em casos de “má conduta flagrante e crónica por parte de uma nação da América Latina”. A “má conduta” passou a ser tudo que se oponha ao capitalismo imperialista dos EUA. Ver: https://www.youtube.com/watch?v=oeHzc1h8k7o
[2] Carlos André Pérez: um pró-imperialista da AD, elogiado por Washington como "democrata exemplar". Acabou destituído por má governação e preso por corrupção e roubo de fundos. Escapou para Miami com os milhões que roubou ao povo venezuelano. Este bandido foi vice-presidente da Internacional Socialista, à qual pertence o PS, e grande amigo de Willy Brandt e Mário Soares.
[3] A Escuela de Las Américas reside desde 1984 em Fort Benning, EUA. Todos os oficiais da América Latina autores dos piores crimes contra os seus povos (oficiais de Hugo Banzer da Bolívia, de Somoza da Nicarágua, de Pinochet do Chile, de Videla da Argentina, etc.) foram aí treinados em técnicas de tortura, desinformação e terror (ver mais em http://marting.stormpages.com/ea.htm). O maior contingente da escola é de colombianos.
[4] A redenominação deveu-se a imperativo legal. A pronúncia espanhola de MVR é semelhante à de MBR, pelo que não houve confusão popular com a mudança de nome.
[5] Segundo estimativa do New York Times os processos de corrupção implicavam cerca de metade dos 4.700 juízes e funcionários dos tribunais.
[6] Os direitos de expressão e reunião numa democracia burguesa são direitos de que só praticamente goza a burguesia, porque a expressão e a reunião dos pobres e seus representantes são substantivamente impossibilitados na prática (é preciso dinheiro para editar jornais e abrir canais de rádio ou TV, são necessárias as ligações com as pessoas certas, etc.), dificultados e/ou silenciados; isto é, são em larga medida uma quimera. Dizemos “substantivamente” porque, para dar um exemplo, gritar em voz alta na rua “Abaixo Passos Coelho!”, mesmo que em manifestação, é substantivamente muito diferente de um canal de TV que esclarecesse diariamente porque razão se deve “deitar abaixo” Passos Coelho.
[7] A Câmara “alta”, quando existe em democracias burguesas, é sempre um órgão elitista destinado a filtrar medidas aprovadas pela Câmara “baixa”, mais perto do povo.
[8] O actual Defensor do Povo da RBV é o advogado e activista dos direitos humanos Tarek Saab, que em 1997 coordenou o Comité de Defensa de los Desaparecidos Políticos Venezolanos dos anos 60-70-80-90, após desclassificação de documentos da CIA que revelaram que militares venezuelanos tinham recebido instrução na Escuela de Las Americas sobre práticas de tortura, desaparecimento e assassinato de dirigentes e militantes da oposição consequente.
[9] O referendo defendia eleições sindicais monitoradas pelo Estado para impedir as chapeladas de dirigentes corruptos que permitiam o controlo da CTV pelos reaccionários da AD-COPEI. Quem não gostou foi a OIT, da qual fazem parte… patrões.
[10] Chávez vencera as eleições de 1999 com 56,2% dos votos, o referendo para a AC com 72% dos votos, as eleições para a AC com 90% dos votos, o referendo sobre a nova Constituição com 71% dos votos, as eleições para a AN com 56,3% dos votos. Todos os resultados foram reconhecidos como válidos pelos organismos internacionais, incluindo o Centro Carter dos EUA. Mas, como sempre, para as democracias burguesas, “democracias” do grande capital, só é democracia o que serve os seus mandantes: os 0,01% de oligarcas com uns 10% de sabujos e mercenários atrelados. Quando os resultados eleitorais instauram governos que não servem esses 10%, mas antes 90% do povo, os respectivos governos deixam – espantosamente! -- de ser democráticos, e os respectivos chefes passam a ser  ditadores. E isto, note-se bem, mesmo com eleições segundo as regras da democracia burguesa; ou seja, com sistemas eleitorais, círculos eleitorais, controlo da informação – logo, silenciamento e distorção sistemática de tudo que diga respeito à oposição popular e, ao invés, ribalta, hiperbolização da “novidade” e importância dos partidos do “arco da governação” que essencialmente são sempre mais do mesmo. Regras e métodos construídos ao longo de décadas, ou mesmo séculos, pela própria classe burguesa para assegurar o seu domínio. Também não lhes interessa que os governos populares sejam os mais avançados na protecção de direitos humanos. Os imperialistas sempre apoiaram e guindaram ao poder por meio de golpes sangrentos o que há de mais sinistro, opressor, vicioso, torturador, da escumalha mercenária do capital; figuras como Mobutu, Pinochet, Jorge Videla, Suharto, Somoza, etc. A pose dos actuais imperialistas, de humanitários e defensores dos direitos humanos, é o cúmulo da hipocrisia em toda a história mundial.
[11] O NED, National Endowment for Democracy (“Dotação Nacional para a Democracia” – pasme-se!) criado em 1983 como fachada “respeitável” da CIA, tem como missão canalizar fundos, legais (do Congresso dos EUA, etc.) ou ilegais (de oligarcas, figuras ligadas ao imperialismo – p. ex., cubanos anti-castristas de Miami – que exploram negócios mafiosos, etc.) para desestabilizar e derrubar qualquer governo que não agrade aos EUA. Tem sido o grande financiador da desestabilização da Venezuela. Em 2013, p. ex., o NED financiou partidos e grupos da oposição com mais de 2,3 milhões de dólares, entre eles um grupo de jovens (FORMA, http://www.forma.org.ve) ligado ao banqueiro venezuelano Oscar Garcia Mendoza. Os fundos são inscritos sob designações inócuas, como p. ex. “programas de treino de democracia” (!). Ver mais informação e a forma como ela é obtida no blog de muito interesse de Eva Golinger, advogada americana-venezuelana: http://www.chavezcode.com/ , nomeadamente http://www.chavezcode.com/2011/06/wikileaks-us-embassy-requests-funding.html e http://www.chavezcode.com/2014/04/the-dirty-hand-of-national-endowment.html
[12] Gustavo Cisneros, proprietário da Venevision e outros canais de TV, que ainda controla muitos meios de informação da Venezuela e outros negócios, é o bilionário n.º 1 da Venezuela. Segundo a Forbes, tem uma fortuna ao nível da de Américo Amorim, o bilionário n.º 1 de Portugal.
[13] Há ainda dúvidas sobre a identidade de alguns snipers. Vários eram da GN, ao serviço da oposição. Foram presos, julgados e condenados até 30 anos de prisão. O esquema da provocação com snipers para convencer nacionais e estrangeiros de que se trata de um regime criminoso que não recua perante atirar sobre o próprio povo, voltou a ser usado em Maidan, Kiev, na contra-revolução montada pela CIA com o concurso dos fascistas ucranianos. Um artigo de algum interesse sobre o tema, ainda que com exageros, é http://www.globalresearch.ca/unknown-snipers-and-western-backed-regime-change/27904
[14] Um famoso documentário do cineasta Oliver Stone revela disparos dos snipers contra ninguém, dado que os oposicionistas ainda estavam a 1,5 km distantes do viaduto. Há quem levante dúvidas sobre se todos os disparos foram assim. É certo, porém -- soube-se mais tarde --, que Gustavo Cisneros tinha ordenado à equipa de TV que filmava os snipers para manipular as filmagens, de forma a dar a impressão de que os disparos eram contra os “pacíficos” manifestantes da oposição.
[15] Carmona, um rico director de empresas privadas de petroquímica (Aditivos Orinoco, Química VenocoIndústrias Venoco e Promotora Venoco) era considerado “o homem certo no tempo certo”, segundo um telegrama da embaixada dos EUA de Dezembro de 2001, e apontado como “presidente indigitado” se o golpe fosse bem sucedido. Em Dezembro de 2001 os executivos da PDVSA organizaram uma greve pedindo a resignação de Chávez. Em Março de 2002 as greves reaccionárias e os protestos eram quase diários. O NED tinha quadruplicado o financiamento da Fedecámaras, da CTV e de ONGs que planeavam o golpe. Um telegrama do Departamento de Estado dos EUA de início de Março 2002 dizia “Mais uma peça que cai no lugar certo” e aplaudia os planos da oposição numa reunião “com muita fanfarra” num auditório, com representantes da CTV, Fedecámaras e Igreja Católica para lançar as “Bases de um Acordo Democrático. Dez princípios de orientação de um governo de transição”.
[16] Em Outubro do mesmo ano de 2002 houve nova tentativa de golpe e até de assassinato de Chávez. Em Dezembro, a oposição organizou um lock-out de sabotagem económica de dois meses na PDVSA. Teve algum apoio de comerciantes e homens de negócios. Mas não atingiu os resultados esperados.
[17] No início de 2002 o jornal The Observer revelou os encontros durante vários meses de implicados no golpe, incluindo Carmona, com o representante de George Bush na Casa Branca, o cubano-americano Otto Reich do Dep. Diplomático (figura sinistra, implicado no armamento dos contras e de esquadrões da morte na Nicarágua). Outra figura, que tratou de reunir fundos, foi Elliot Abrams, teórico do “hemiferismo”, que patrocinou vários golpes na América Latina incluindo o do Chile. Abrams é director do National Security Council para a “democracia, direitos humanos e operações internacionais”. Foi considerado culpado pelo Congresso pelo financiamento ilegal dos contras, mas perdoado por George Bush. Outro comparsa foi John Negroponte, embaixador dos EUA na ONU. Em 1981-85, como embaixador de Reagan nas Honduras, treinou o esquadrão da morte Batalhão 3.16 que torturou e assassinou inúmeros activistas populares. Tudo boa gente, como se vê.
[18] Em Novembro de 2004 a advogada Eva Golinger conseguiu obter documentos da CIA, fortemente censurados, que comprovam a implicação dos EUA no golpe de 2002. Um dos documentos de 06-04-2002 diz explicitamente “Condições maduras para golpe… facções militares dissidentes… estão a juntar esforços para organizar um golpe contra o Presidente Chávez, provavelmente já este mês”. Os documentos descrevem que, com vista a provocar o golpe, os conspiradores explorariam a situação de tensão de uma marcha da oposição em 11 de Abril e prenderiam Chávez e outros 10 oficiais superiores. O ministro dos Negócios Estrangeiros da Venezuela também acusou a Espanha de apoiar o golpe. De facto, para além do embaixador dos EUA, o embaixador espanhol foi o único a reconhecer Carmona.
[19] Tal como em Portugal, não faltaram na Venezuela médicos de gabarito “incomodados” com os médicos cubanos. Tão incomodados que fizeram greves de protesto.
[20] Vinte e sete dos 126 colombianos foram considerados culpados; os outros foram deportados. A Colômbia é o maior perito mundial em forças paramilitares fascistas.
[21] Em 2005 Chávez estabeleceu com Cuba uma escola médica sem propinas, com 30.000 vagas a preencher por estudantes pobres da América Latina e Caraíbas. Em 2005 e 2006 forneceu petróleo com desconto de 40% para aquecimento de população pobre em várias áreas dos EUA (70.000 apartamentos), nomeadamente na área de Nova Iorque. Esse fornecimento suscitou a indignação dos políticos conservadores norte-americanos, tendo um deles chamado “proxeneta do petróleo” a Chávez!
[22] Chávez venceu as eleições em Dezembro de 2006 com 63% dos votos. Em Dezembro de 2007, perdeu por 49% um referendo de reforma de alguns artigos específicos da Constituição (acabar com latifúndios, criação do Poder Popular, acabar com a autonomia do Banco Central). Em Novembro de 2008, pôs a referendo uma emenda constitucional que lhe permitisse ser reeleito até 2021. Venceu com 54% dos votos. Nas eleições para a AN em 2010 o PSUV venceu com 48,3%. O PSUV e o pró-Chavez PCV ficaram com 98 de 165 deputados. Em Outubro de 2012 Chávez venceu pela terceira vez as eleições presidenciais, com 55,1 % dos votos, derrotando o sinistro reaccionário Henrique Capriles. Em Abril de 2013 Nicolás Maduro venceu as eleições presidenciais com 50,6% dos votos, contra Capriles. Todos os resultados foram reconhecidos pela OEA e pelo Centro Carter.
[23] Partidos menores que se uniram ao MVR:  Movimiento Electoral del Pueblo, Movimiento Independiente Ganamos Todos, Unidad Popular Venezolana, Independientes por la Comunidad Nacional e Liga Socialista.
[24] Antígua e Barbuda, Bolívia, Dominica, Equador, Granada, Nicarágua, São Cristóvão e Nevis, Santa Lúcia, São Vicente e Granadinas, Venezuela.
[25] Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai, Venezuela, Chile, Bolívia, Colômbia, Equador, Peru, Guiana, Cuba e Suriname. Os 5 primeiros países compõem a Mercosur, espaço económico comum que está a pensar ter moeda própria. Os 5 países seguintes são estados associados da Mercosur.
[26] A CELAC tem 5 línguas de trabalho e é constituída por 18 estados hispanófonos (Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, República Dominicana, Equador, El Salvador, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, Uruguai, Venezuela), 12 anglófonos (Antígua e Barbuda, Bahamas, Barbados, Belize, Dominica, Granada, Guiana, Jamaica, Santa Lúcia, São Cristóvão e Nevis, Trinidad e Tobago, São Vicente e Granadinas), um lusófono (Brasil), um francófono (Haiti) e um neerlandófono (Suriname). Representa mais de 600 milhões de habitantes.
[27] Os indicadores económicos e sociais provêm das seguintes fontes: Instituto Nacional de Estadística, http://www.ine.gov.ve/, Banco Central de Venezuela, http://www.bcv.org.ve/, Gobierno de Venezuela, http://www.gobiernoenlinea.ve/home/homeG.dot, Instituto Venezolano de los Seguros Sociales http://www.ivss.gov.ve/, Sistema Integrado de Indicadores Sociales http://sisov.mppp.gob.ve/indicadores/. Consultámos também: Mark Weisbrot, Rebecca Ray and Luis Sandoval, The Chávez Administration at 10 Years: The Economy and Social Indicators, Center for Economic and Policy Research, Washington, 2009, http://www.cepr.net/documents/publications/venezuela-2009-02.pdf; o portal internacional de investidores Trading Economics, http://www.tradingeconomics.com/; outros portais, incluindo de jornais reaccionários venezuelanos.
[28] FAO - United Nations Food and Agriculture Organization. Representa 190 países.
[29] Ver http://nsnbc.me/2015/06/10/venezuela-halves-malnutrition-fao/. A meta do milénio da ONU consistia em reduzir para metade a má nutrição no período 1990-2015. A oposição reaccionária não sabe o que há-de dizer. Vai daí, disseram que Maduro subornou a FAO com petróleo!
Foi também reconhecida a assistência técnica que a Venezuela presta a outros países para erradicar a fome. O plano de alimentação escolar a que Jorge Arreaza se refere iniciou-se em 1999 e em 2008 já cobria mais de 4 milhões de estudantes. A missão Mercal iniciou-se em 2003 com a venda a desconto de 45.662 toneladas de alimentos; em 2008 já vendia 1,25 milhões de toneladas. A segurança alimentar também aumentou. O valor calórico médio ingerido cresceu de 91% do nível recomendado, em 1998, para 101,6%, em 2007. As mortes por má nutrição, com a ajuda de dois programas específicos do governo, diminuíram para metade no período de 1998-2006 (de 4,9 para 2,3 mortes por 100.000 habitantes).
[30] Segundo file:///C:/Users/Utilizador/Downloads/Indicadores%20sobre%20a%20pobreza%20UE_PT_2014.pdf  a taxa de privação material severa em Portugal era de 10,9%.
[31] O seguinte estudo sugere que o salário real no sector público teria ultrapassado os valores pré-revolucionários anteriores a 2000: Juan Pablo Mateo Tomé, La Evolución de Los Salarios En Venezuela, Boletín Económico de ICE-Informacion Económica Espanola, Nº 2994, 1-15 Agosto 2010. O autor usa uma série de 1997-2007 do índice de preços no consumidor, reportada como do BCV, que não encontrámos.
[32] O IDH é um indicador do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento que integra três parâmetros (dependentes de variáveis específicas): saúde, educação e rendimento.
[34] A USAID (US Agency for International Development), ligada ao Departamento de Estado, alega ter como missão combater a pobreza e “viabilizar” a democracia nos países onde penetra. Para além de alguma ajuda humanitária em casos de desastres naturais – que usa como propaganda – nunca os países onde a USAID penetrou viram, por essa razão, diminuir a pobreza e aumentar a democracia. Bem pelo contrário. De facto, a USAID, tal como outras organizações controladas pelos EUA (FMI, BM, etc.), são um meio de atrelar os países ao carro do imperialismo (tornando-os economicamente dependentes, com governos fantoches pró-americanos, etc.).
[35] Em 2010 um relatório da FRIDE-Fundación para las Relaciones Internacionales y el Dialogo Exterior (um think-tank espanhol e reaccionário) revelou que várias agências (principalmente dos EUA, mas também da Espanha, etc.) tinham investido 40-50 milhões de dólares em grupos anti-Chávez, nomeadamente na coligação MUD para as eleições legislativas desse ano. A USAID abriu um escritório na embaixada em Caracas logo a seguir ao golpe de 2002 e contratou uma firma americana (Development Alternatives Inc., DAI) para gerir a doação de fundos a mercenários: jornalistas, opiniosos, grupos de jovens, etc. Note-se que apenas se conhece a ponta do icebergue;  a real injecção de fundos imperiais é secreta.
O NED também financiou o MUD (100 mil USD) e os partidos de direita Primero Justicia e Voluntad Popular através do US International Republican Institute com vista a “partilhar lições aprendidas [com os grupos anti-governo] na Nicarágua, Argentina e Bolívia... permitindo a adopção da experiência nesses países à Venezuela”.
Nota curiosa: a legislação dos EUA proíbe que fundos estrangeiros sejam usados nas suas campanhas eleitorais. Mas, no sentido inverso, já é permitido! Efectivamente, não são só os EUA que proíbem a entrada de fundos estrangeiros para eleições. Muitos outros países também proíbem, incluindo Portugal e a Venezuela. Mas, quando o governo Chávez quis aplicar a lei, logo surgiram gritos dos EUA e da oposição venezuelana de “perseguição política” e de “repressão”!
[36] O orçamento do Pentágono inclui uma verba para um “programa de operações psicológicas”. (Também tivemos disso na guerra colonial.) Entre várias operações o programa de 2011 contempla uma emissão diária de 30 minutos em espanhol, na “famosa” Voz da América, dirigida à subversão na Venezuela.
[37] Várias mortes ocorreram porque as guarimbas recusaram deixar passar ambulâncias para os hospitais. O bloqueio de transportes também ocasionou que crianças das escolas ficassem sem alimentos. É este o humanismo dos bandidos do MUD. Ver mais sobre as guarimbas em http://www.telesurtv.net/english/analysis/Venezuelan-Guarimbas-11-Things-the-Media-Didnt-Tell-You-20150211-0025.html.
[40] Estimativa de Mark Weisbrot do London-based Centre for Economic Policy Research, que foi aceite pela BBC e pelo Le Monde diplomatique. O governo só controlava 5-6% dos media.
[41] Mark Weisbrot num artigo no The Guardian em que disse que a Venezuela “é o país do mundo sobre o qual mais se mente”.
[42] A CNN, líder da propaganda imperialista, é useira e vezeira nesta mentira. P. ex., em Setembro de 2010, antes das eleições, a entrevistadora principal da CNN-Espanhol, Patricia Janiot, entrevistou um guarimbeiro fugitivo, Raul Diaz Peña, condenado em 2008 por um ataque terrorista e provocatório com explosivos C4 contra as embaixadas da Colômbia e Espanha. A CNN transformou-o em “preso político” e “estudante perseguido” mostrando-se muito preocupada e compungida sobre se “o tinham torturado” e congratulando-o por ter escapado à “terrível ditadura” de Chávez.
[44] Luis Cedeño, Violencia y criminalidad en el Área Metropolitana de Caracas: situación actual y propuestas de acción, 2013, Inst. Latinoamericano de Inv. Sociales, Oficina en Venezuela de la Fundación Friedrich Ebert (mostrámos noutros artigos que a Fundação Friedrich Ebert está ligada à CIA) publica o gráfico abaixo, intitulado Comparativo Tasa Histórica de Homicídios [por 100 mil habitantes] Caracas [AMC-Área Metropolitana de Caracas] y Venezuela [Vzla, restante território] 1994-2012, citando como fonte dos dados o Cuerpo de Investigaciones Científicas, Penales y Criminalísticas da Venezuela.

[45] Devido ao encerramento de fronteiras que impediu a entrada de paramilitares e barões da droga. Ver: http://www.chavezcode.com/2010/12/wikileaks-in-venezuela-espionage.htmlhttp://www.radiomundial.com.ve/article/criminalidad-en-venezuela-es-un-problema-estructural
[46] Eis algumas façanhas do “socialista” Felipe González, ex-PM, figura de proa do PSOE, amigo de Soares, Sócrates e outra tropa fandanga do PS: esteve ligado a esquadrões da morte em Espanha e França, tendo reconhecido (passados vários anos) que era ele o misterioso chefe X dos GAL, esquadrão da morte que assassinou vários políticos bascos, quando González era PM de Espanha; esteve ligado ao narcotráfico, tendo o seu amigo Pedro Escobar, bem conhecido barão da droga colombiana, participado no jantar comemorativo da sua tomada de posse como PM em 1982; foi acusado de estar ligado ao assassínio em 1989 de Carlos Gaitán, candidato a presidente da Colômbia que queria combater o narcotráfico; esteve ligado a vários casos de corrupção em Espanha em 1994; participou em 2010 no Congresso "Peligro en los Andes: amenazas a la democracia, los derechos humanos y la seguridad interamericana" organizada pelo Congresso dos EUA com vários fugitivos e golpistas da América Latina, em que foram pedidas medidas para derrubar os governos democráticos da Venezuela, Bolívia e Equador. Estas, apenas, algumas façanhas (há muitas mais) de González.
[47] Apesar dos esforços do Pentágono desde 2002, Washington não conseguiu apresentar uma única prova de ligação do governo da Venezuela às FARC.
[48] Nessa altura, disse Kissinger: “façam a economia gemer”. Em 2007 o Secretário de Estado dos EUA, Lawrence Eagleburger, explicou assim à Fox News a estratégia dos EUA: “Se em dado momento a economia piora a popularidade de Chávez no país certamente diminuirá e esta é a arma certa que possuímos contra ele e que deveríamos usar […]”. Ver: http://venezuelanalysis.com/analysis/5403
[49] O dono das Empresas Polar é o bilionário Lorenzo Mendoza. A Polar produz e distribui cereais, farinhas, sumos, cerveja, PepsiCola, gelados, etc. Tem vindo repetidamente a ser apanhada em acções de açambarcamento nas centenas de armazéns que possui em todo o país. Foi também acusada de adulterar farinhas por mistura de aditivos para aumentar os lucros e espalhar o descontentamento na população.
[50] Os media internacionais adoram ridicularizar Maduro e fazer notar que foi um “reles” condutor de metro. Mas as acusações de Maduro de envolvimento da reacção internacional estavam certas. Um documento de Junho de 2013, intitulado “Plano Estratégico para a Venezuela” elaborado conjuntamente pela Democratic Internationalism Foundation, dirigida por Álvaro Uribe, pelo First Colombia Think Tank e pela FTI Consulting dos EUA, diz assim: “Manter e aumentar as sabotagens que afectam serviços públicos, particularmente o sistema eléctrico, pois permite imputar a responsabilidade ao governo por ineficiência e negligência”. Ver mais em http://www.chavezcode.com/2013_11_01_archive.html .
[52] http://www.chavezcode.com/2008/03/chronology-of-4th-generation-war.html