terça-feira, 29 de dezembro de 2015

BANIF: soma e segue

O recente caso BANIF, amplamente noticiado, é mais um de inúmeros exemplos do estado de degradação a que chegou o capitalismo neoliberal nos países de «economia [capitalista] avançada» -- EUA, Canadá, Japão e países da UE, incluindo Portugal. O investimento produtivo nesses países tem vindo sempre a decrescer e os salários dos trabalhadores também; mas o que tem vindo sempre a crescer é a jogatina da especulação financeira, com a típica parafernália de ilegalidades e negócios escuros do «capitalismo de casino». Em consequência, tem também aumentado a desigualdade social.
Trata-se de mais um crime económico de roubo ao povo, cujo esquema, já analisado detalhadamente em muitos dos nossos anteriores artigos – ver o que escrevemos sobre a especulação financeira, os jogos com derivados, os casos BPN, BCP, BPP, BES, o caso dos swaps, a evolução do capitalismo, etc. --, é assim:
a) os depósitos do povo comum na banca são usados, não para desenvolver a economia real, mas sim para a especulação em valores mobiliários (acções, obrigações, derivados) e empréstimos de risco elevado;
b) a especulação é literalmente um jogo que permite ao grande capital realizar, a curto prazo, lucros elevados, muito mais elevados do que aplicando os fundos financeiros em actividades produtivas (a taxa de lucro em actividades produtivas nas «economias avançadas» está em baixa);
c) como em qualquer jogo, quando um ganha há outro que perde, pelo que existem sempre protagonistas do grande capital que sofrem perdas elevadas (quando tal acontece os activos envolvidos na jogatina passam a denominar-se de tóxicos, mas de facto é o próprio jogo que é tóxico);
d) as perdas do grande capital redundam em «buracos» nos bancos;
e) tais perdas nunca preocupam os respectivos protagonistas do grande capital porque nunca são pagas por eles – eles são demasiado grandes para ruir (too big to fail);
f) as perdas da jogatina especulativa do grande capital são pagas pelo povo;
g) de facto, o Estado, ao serviço do grande capital, trata de tapar os «buracos» usando o dinheiro dos contribuintes – os famosos «resgates» --, «estabilizando» a situação, isto é, para que um novo ciclo de roubo ao povo se reinicie em «a)». Na realidade, o reinício representa sempre um agravamento das condições de vida do povo porque, no processo de resgate – de salvação do grande capital --, o Estado para poder tapar os «buracos» é «levado» a alienar activos importantes, pagos durante anos e anos com o dinheiro dos contribuintes – as famosas privatizações --, muitas vezes ao desbarato.
Em suma, o Estado do grande capital defrauda o povo de múltiplas maneiras: porque as poupanças não são devidamente investidas na produção de bens e serviços e no apoio às famílias; porque as poupanças são usadas para pagar perdas de que o povo não tem culpa, ao invés dos verdadeiros culpados que nunca pagam as suas perdas, antes tratam de esconder o que possuem em paraísos fiscais; porque, ao assumir as perdas, o Estado, além de usar dinheiro do povo, contrai dívidas que servem de pretexto à assunção de políticas de «austeridade» e suas consequências nos cortes salariais, de pensões, etc. (a receita alternativa de quantitative easing, agora também usada pelo BCE, leva às mesmas consequências); porque as privatizações representam um empobrecimento patrimonial do povo e novas formas de exploração dos trabalhadores; porque tais políticas e privatizações estão sempre associadas à degradação de serviços públicos. Por tudo isto, não é de admirar que a desigualdade social tenha vindo sempre a aumentar.
O rombo anunciado (22Dez) do Banif é de 2.255 M€ (M€ = milhões de euros) correspondendo a fundos injectados pelo Estado para «recapitalização» (eufemismo de «tapar buracos») do Banif entre 2007 e 2015 (489 M€ do Fundo de Resolução e 1.776 M€ directamente do Tesouro; independentemente dos nomes das fontes de fundos, eles provêem todos dos impostos dos contribuintes. Destes 2.255 M€ só 489 M€ são classificados como perdas com activos tóxicos, mas isto é pura prestidigitação porque o dinheiro não se evapora; se ele saiu do Banif é porque foi para outras paragens; incluindo as paragens do crédito malparado. A este respeito, convém notar que o crédito malparado é quase todo consequência de empréstimos de risco elevado a «amigos», configurando uma situação de ilícito que acompanha as jogatinas.
O rombo do Banif era já conhecido de Bruxelas antes de ser conhecido pelos portugueses, razão porque Bruxelas se opôs a que o governo PSD-CDS fundisse o Banif com a CGD. Como já vem sendo habitual, o governo PSD-CDS escondeu a situação do Banif, e a entidade reguladora, o BdP, mais uma vez não regulou nada, tornando-se objectivamente cúmplice do escamoteamento do governo do grande capital.
Também, como já vem sendo habitual, o valor inicial do rombo sofreu posteriores reavaliações em alta. Está agora em 3 B€ (B€ = biliões de euros; usamos bilião=mil milhões). Somando todos os resgates bancários desde 2007, atinge-se um montante da ordem de 20 B€. Se adicionarmos os rombos de outras malfeitorias (PPPs, swaps, «ajudas» a privatizações, etc.) e tivermos em conta os juros da dívida pública, fica uma parte substancial desta explicada.
Só há uma saída deste círculo vicioso como temos dito múltiplas vezes desde o início deste blog: a nacionalização da banca sob controlo de comissões de trabalhadores. Uma solução que já deu boas provas no passado (ver http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2015/05/a-banca-nacionalizada-em-portugal-1975.html ).

O PS aprovou a venda do Banif ao Santander-Totta, com o custo aos contribuintes de 3 B€. A decisão passou na AR com a abstenção generosa e conluiante do PSD e votos contra do BE, PCP, PEV e PAN (além do CDS, por outras razões). Uma primeira fissura no governo de «esquerda».