quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Capitalismo: de mal a pior (II)

(A Parte I – Panorama Global, foi publicada em:

II - Panorama Português

    A economia portuguesa é uma pequena economia (1,3% do PIB da UE), extremamente dependente das economias de outros países europeus (Alemanha, França, Reino Unido, Espanha, Holanda) não só nas trocas comerciais como no papel de fornecedora de matérias-primas e de mão-de-obra barata (uma das mais baratas da UE) a empresas da UE. Nas PMEs portuguesas salienta-se a actividade económica em sectores de baixo valor acrescentado (produtos alimentares, pasta de papel, calçado, têxteis e vestuário, etc.).
    As indústrias próprias de maior valor acrescentado (metalomecânica, construção automóvel, construção naval, produtos químicos, etc.) foram liquidadas pelos sucessivos governos pós 25 de Novembro de 1975. Seguidamente, com a entrada na CEE, os diktats neoliberais conduziram à quase total liquidação das grandes empresas do sector produtivo com capitais portugueses. As outrora grandes cinturas industriais de Lisboa e Setúbal declinaram fortemente. Analisando os dados de [29], verifica-se que, de 79 grandes empresas com mais de 1000 trabalhadores, só 41 (isto é, só quase metade) são de capitais predominantemente portugueses. Destas, apenas 9 são indústrias transformadoras, com apenas três claramente de alto valor acrescentado (Petrogal, Ogma e Efacec); as restantes são de produtos alimentares (Lactogal, Sumol+Compal, Unicer), cortiça (Amorim) e têxteis (Coindu – têxteis para a indústria automóvel). No sector produtivo contabilizam-se ainda 7 indústrias da construção (quase todas trabalhando para o mercado externo e tendo levado consigo muitos dos nossos 2.000 engenheiros que saíram do país) e 5 dos transportes. As restantes 18 empresas são do comércio e serviços.
    Por outro lado, nas PMEs, o volume de negócios das que se dedicam ao comércio (35.714 milhões de €) é quase metade do total de todas as PMEs (75.023 milhões de €) e supera o das indústrias transformadoras (27.693 milhões de €) ([30]). Destas, 72% dizem respeito a indústrias de baixo valor acrescentado, como produtos alimentares, couros e calçado, rochas, madeira e produtos da madeira e cortiça, têxteis e vestuário, mobiliário ([31]).
    A figura 17 mostra a evolução, desde 2001, do Valor Acrescentado Bruto (VAB, a preços correntes) dos seguintes sectores: sector produtivo, sector do comércio e serviços não financeiros, e sector financeiro ([32]). O contínuo declínio do sector produtivo é evidente. A análise em detalhe deste sector mostra que as actividades produtivas cujo VAB mais declinou são as da indústria transformadora (-4,2%) e construção (-3,5%). O VAB do comércio e serviços não financeiros manteve-se praticamente estacionário depois da crise. O VAB do sector financeiro continua a crescer, embora abaixo da tendência pré-crise: os bancos têm imposto fortes restrições aos empréstimos às famílias e às PMEs, mas a jogatina nos derivados tem continuado.
   

Fig, 17. Evolução do VAB em três sectores de actividade económica de Portugal.
   
    Portugal, com uma economia extremamente dependente, fornecedora de matérias primas e de mão-de-obra barata, com a grande maioria das maiores empresas que eram rentáveis entregues de mão beijada ao capital estrangeiro, com um sector produtivo reduzido e declinante, amarrado a uma dívida (pública e privada) brutal (devido designadamente a fraudes dos grandes capitalistas), e sem quaisquer mecanismos (câmbio, taxas de juro, etc.) para afirmar uma soberania económica, tornou-se, como já temos dito neste blog, um país neocolonizado pelo imperialismo alemão e francês (e seus apêndices, em especial a Holanda).
Sofre agravadamente de todos os males do capitalismo global, e o valor criado pelos seus trabalhadores, as suas poupanças, reformas e pensões, são sugadas/roubadas em doses inauditas para manter o bem-estar dos milionários e bilionários internos e externos.
    Justifiquemos a nossa afirmação de «agravadamente de todos»:

    1) O capitalismo português encontra-se em Longa Depressão
   
    A figura 18 é a homóloga para Portugal da figura 1 (Parte I). O problema não é só que o PIB pós-crise se tem afastado da tendência pré-crise. O problema é que, ainda por cima, o PIB tem (em geral) diminuído. Em 2013 tinha um valor abaixo do de 2008! Em termos per capita a penúria e pobreza não aumentaram apenas relativamente ao que deveria ser (a tendência pré-crise). A penúria e a pobreza aumentaram absolutamente! E ainda não estamos a ter em conta a crescente desigualdade social que só agrava este fenómeno.


Fig. 18. Evolução do PIB de Portugal de Janeiro de 2000 a Dezembro de 2013 (dados do Eurostat). A traço magenta a tendência evolutiva que deveria ter o PIB de acordo com os valores pré-crise.

    2) A dívida portuguesa é enorme e continua a aumentar

    A dívida pública (DP) tem vindo a aumentar desde 2001. Aceleradamente desde 2009. A receita de «austeridade» da troika manteve esta tendência, conforme já vimos em artigos anteriores ([33]). Em 2013 ficou em 124,1% do PIB. Para 2014 prevê-se que fique perto dos 130% e deve ainda continuar a crescer; pelo menos até ao final de 2015, diz optimisticamente o governo. Outras instituições adiam a descida da DP para as calendas gregas. Por exemplo, o Economic Outlook de 2014 da OCDE ([34]) afirma que Portugal teria de fazer cortes anuais do orçamento de 1,9% ao ano para baixar a DP para 60% do PIB até 2030... De facto, a conclusão que se colhe das mais desencontradas e proteladas previsões sobre a descida da DP é que ninguém sabe quando irá descer.
    A dívida externa (dívida privada, das empresas), que tinha decrescido no final de 2013, disparou em 2014. Superou o nível máximo de 2013 situando-se agora em 388 biliões de euros, ou seja 2,34 vezes o PIB. Bastante mais do dobro do PIB! Em Janeiro de 2004 era de 1,5 vezes o PIB. Portanto, também nesta vertente, o capitalismo português passou de mal a pior.
    
    3) O investimento português está em queda
   
    A figura 19 ([35]) mostra claramente a queda do investimento em actividades não financeiras a partir do início da crise. A queda de 2013 face a 2008 foi de 9 B€ (biliões de euros = mil milhões de euros, tal como temos vindo a usar neste blog). E a queda do investimento na economia real está aí para continuar, como reconhece o BdP que estima uma queda global de -0,8% em 2014 ([36]). (Deve-se ter em conta que o BdP nesta como noutras questões tem sido sempre optimista.)
    Um trabalho recente ([37]) revela, com base em dados oficiais, como o crédito fornecido pela banca à economia real e ás famílias desceu de 50,6 B€ (cerca de 1/3 do PIB) entre 2007 e 2013, mas aumentou no mesmo período de 27,5 B€ nos investimentos financeiros, em acções, obrigações, títulos de dívida publica, etc. Mais espantoso ainda e confirmador de que interesses serve o BCE: os empréstimos fornecidos pelo BCE à banca – empréstimos que o povo trabalhador tem pago e continuará a pagar – têm sido usados pela banca, na sua grande maioria (entre 60% a 70%), para aplicações financeiras! Isto é, para que a jogatina continue. Para que os grandes capitalistas embolsem chorudos lucros à custa do povo. Quando calha de perderem ao jogo, também não importa. Lá estão os resgates para os salvar. Resgates à custa de diminuição de salários, direitos dos trabalhadores, reformas e pensões. Um sorvedouro de valor criado pelo trabalho para alimentar uma grande burguesia rentista, parasitária, autênticas ténias do povo português.
   

Fig. 19. Evolução da formação bruta de capital fixo nas actividades não financeiras, em milhões de euros e a preços constantes de 2012.
    
    4) Salários, produtividade e desemprego

    É bem conhecido que os salários em Portugal têm diminuído (ver figura 11 – Parte I), assim como reformas e pensões, enquanto a produtividade tem aumentado (ver p. ex. [38]). Têm diminuído mas não para todos. Três notícias complementares e recentes, bem elucidativas do ataque brutal aos trabalhadores:
    -- «O Governo e FMI discutem corte nas indemnizações por despedimento sem justa causa» (JN, [39]). Notem: «sem justa causa». Um artigo de [39] que vale a pena ler tem o título: «Alterações legislativas aproximam o trabalhador da imagem do escravo».
    -- Enquanto o salário médio dos operários diminuiu 1,41% entre 2013 e 2014, o dos gestores e directores aumentou 3,31% ([40]).
    -- «Salário Mínimo vale menos 50 euros do que em 1974» ([41]). Diz a notícia que «O salário mínimo vale actualmente menos do que em 1974, ano em que foi fixado em 3.300 escudos, o equivalente a preços actuais a 534,75 euros, mais 50 euros do que os 485 praticados desde 2011.» Agora, por acordo do governo com a colaboracionista UGT, o salário mínimo aumentou para 505 euros. Que maravilha, não é? Agora já só está 29,75 euros abaixo do valor de 1974.
   
    Enfim, tudo maravilhas do «socialismo democrático», do «socialismo em liberdade» (efectivamente os capitalistas não se queixam da falta dela), da «social-democracia», construída desde 25 de Novembro de 1975 com tanto amor e ardor pelo PS, PPD-PSD e CDS, a fim de que não se instaurasse em Portugal o «socialismo de miséria», como dizia o PS.
    O desemprego tem tido uma ligeira descida, mesmo entre os jovens, onde ainda atinge, porém, níveis excessivos e desumanos (ver figura 12 – Parte I). Essa descida é explicável pela emigração massiva, pelos «estágios» cuja utilidade é meramente propagandística e pelos esquemas de precariedade. Quanto a este último aspecto, no 1.º trimestre de 2014 e segundo a OCDE, dos 4,4 milhões de trabalhadores, 21,4% estavam com contratos a prazo; nos jovens, eram 56,9%.
    Desemprego e emigração com realce nas elevadas qualificações, que representaram um investimento elevadíssimo do Estado ao longo de muitos anos ([42]): 12% dos doutorados desempregados, 46,4% dos cientistas que querem emigrar ou já emigraram.
    
    5) Desigualdade social
    
    Também é sabido que a desigualdade social tem aumentado em Portugal. A pobreza subiu para níveis espantosos. Estima-se que atinja 30% das crianças ([43])! A taxa de «intensidade da pobreza» (privação material) tem aumentado constantemente desde 2009; segundo os últimos dados oficiais, era de 22,7% da população em 2009 e subiu para 27,3% em 2012. Além disso, com o desmantelamento do «Estado social» o papel das transferências sociais declinou fortemente na debelação deste problema humanitário ([44]). Na realidade, uma flagrante infracção dos direitos humanos.
    Mas, por outro lado, «Portugal foi dos países onde o peso do rendimento dos 1% mais ricos mais cresceu» no último ano ([45]). Efectivamente, os ricos e muitos ricos só beneficiaram com a «austeridade» da troika. A austeridade não foi para eles. Os três mais ricos, por exemplo, viram a sua fortuna conjunta aumentada em 1 B€ nos três anos da troika em Portugal ([46]) e a fortuna dos 25 mais ricos subiu de 14,4 B€ em 2012 para 16,7 B€ em 2013 ([47]). Um aumento de 2,3 mil milhões de euros em apenas um ano!
    Temos agora 75.903 milionários. Só nos últimos dois anos cresceram 28% ([48]): cresceram 10.777 em 2013 e 10.395 em 2012. E temos também agora 4 bilionários: Américo Amorim,  Alexandre Soares dos Santos, Guimarães de Mello e Belmiro de Azevedo ([47]). Em 2011 eram 2. Portanto, no fabrico de milionários e bilionários o desempenho da economia portuguesa é excelente.

    6) A decadência do Estado Burguês de Portugal
    
    Portugal é hoje um país só nominalmente independente. Dependentes no plano económico, sofremos agravadamente de todos os males de um capitalismo em decadência. Somos um país neocolonizado, sujeito aos diktats económicos do imperialismo alemão-francês, veiculados pela CE e BCE. No plano político, os sucessivos governos do PS, PPD-PSD, CDS têm sido de uma submissão exemplar aos interesses imperialistas, veiculados principalmente através da NATO. O país que derrubou o fascismo em 25 de Abril de 1974 está hoje completamente alinhado com as políticas filofascistas dos EUA-UE na Ucrânia e noutras paragens. As forças armadas, que se enobreceram no 25 de Abril de 1974 -- e no período que vai desde essa data até à tristemente famosa Assembleia de Tancos, em 5 de Setembro de 1975, onde a direita militar enterrou o MFA, avançando a partir daí para a recuperação dos fascistas --, estão hoje de novo divorciadas do povo, convertidas em mera empresa pública ao serviço do imperialismo, pau para toda a obra da NATO, enviadas como meras tarefeiras para teatros de conflito longínquos ao serviço de interesses alheios aos do povo português. De facto, ao serviço da opressão de povos pelo imperialismo.
    A grande burguesia portuguesa -- que sempre foi historicamente atrasada, de um obscurantismo bacoco, sem rasgos de inovação, debitando dislates como se fossem verdades absolutas e olhando para os estrangeiros como deuses -- está hoje transformada num ninho de corruptos e vigaristas, condottieri de arrivistas, prestimosos em ajudar e imitar os patrões. Veja-se o caso de Zeinal Bava, que afundou a PT e é por isso recompensado com uma «indemnização» (?) de 5,4 milhões de euros!!! A grande burguesia portuguesa está perfeitamente consciente que, independentemente dos partidos do «arco da governação» que calham de estar no governo, ela domina por múltiplos meios a maioria das consciências populares e de que o Estado é o seu Estado. Na sua aliança com as burguesias estrangeiras visando o saque dos recursos e do suor dos portugueses, a grande burguesia portuguesa exibe todas as características típicas da lumpen-burguesia dos países neocolonizados: jactância, despudor, sentimento de impunidade, venalidade, corrupção com o conluio de figuras do Estado e de intelectuais carreiristas e mercenários. Eis exemplos recentes do que afirmamos:
    a) Em Julho de 2013 a Universidade Técnica de Lisboa atribuiu o doutoramento Honoris Causa a Ricardo Salgado. O padrinho do doutorado, o Professor Catedrático João Duque do ISEG/UTL, disse entre outras coisas ([49]): «É aqui necessário fazer um ponto de referência pela actividade até aqui desenvolvida [pelo afilhado] pois foi ela que lhe permitiu granjear a confiança da sua numerosa família, mas acima de tudo, a confiança do mercado financeiro internacional e do mercado português», «Devo ainda uma última nota que me parece ser muito significativa do que quero referir com “confiança”. O BES, foi o único dos grandes bancos portugueses, que não necessitou do apoio estatal para poder aumentar o seu capital em resultado da revisão recente dos rácios de solvabilidade bancária, o que mais uma vez denota a elevada confiança que os accionistas sentem nessa liderança». Enfim, mais um catedrático de truz!
    b) Em 12 de Outubro passado soube-se que o BES pagou 30 mil euros para que administradores seus se sentassem na mesa principal de um jantar com Tony Blair e tivessem com este um encontro privado ([50]).
    c) O BES recebeu 5 milhões de euros de comissões no caso dos submarinos, caso ainda a ser investigado e que envolve figuras do Estado (e possivelmente também Durão Barroso). Ex-gestores do BES acusaram o envolvimento de Ricardo Salgado ([51]).
    d) Ricardo Salgado recorreu à amnistia fiscal ([52]). Os grandes tubarões com milhões de dívidas ao Estado podem ser amnistiados. O contribuinte vulgar, não. Arrisca-se de imediato a uma penhora de bens. (A Segurança Social, por exemplo, multou recentemente um cidadão em 35 € por uma dívida de 4 cêntimos, [53].)
   e) O GES, o grupo de Ricardo Salgado, enviou cartas aos seus clientes com milhões de euros depositados na Suíça explicando que, como a adesão à amnistia fiscal implicava uma descrição da conta e dos montantes que estavam no estrangeiro, bem como do banco onde o dinheiro estava depositado, o melhor era manterem o dinheiro clandestinamente na Suíça ([52]). A Pátria da burguesia está na carteira.
    f) Fernando Negrão, deputado do PSD, escolhido para presidir à Comissão Parlamentar de Inquérito à gestão do BES, esteve ligado a um escritório que trabalhava para o GES. A notícia foi dada pelo jornal I que consultou um advogado o qual achou «eticamente reprovável» tal nomeação. Tendo o I questionado Negrão, disse este: «O meu receio no que diz respeito às proibições é que estas acentuem o risco de passarmos a ter formas mais sofisticadas, porque escondidas, de acumulação» ([54]). Por outras palavras, a preocupação de Negrão não é que a corrupção exista, é sim que ela seja mais difícil de levar a cabo: nada de regras sofisticadas que obriguem a fazer a «coisa» às escondidas, quando é muito melhor fazê-la às claras.
    g) A terminar, uma notícia bem demonstrativa da nossa afirmação acima de que o «Estado [da grande burguesia] é o seu Estado». Segundo notícia muito recente ([55]), «Governantes tinham mais de um milhão no GES quando decidiram o seu futuro». Aliás, sobre o BES, poder-se-iam escrever centenas de páginas caracterizadoras do estado de nojeira a que chegou Portugal.
     
    O capitalismo está decadente. É um moribundo que se arrasta. Em Portugal o moribundo é amparado por carreirismo, mercenarismo, despolitização de largos sectores de explorados, insensibilização e idiotização de massas levada a cabo por actividades lúdicas (p. ex., filmes e séries made in USA incensando agentes da CIA e assassinos profissionais) e pela comunicação social (principalmente a TV: telenovelas, tarots, talkshows, programas de opinieiros – Marcelo e Sócrates --, noticiários da chancela USA). Desenganem-se aqueles que, embora dizendo-se de esquerda, pensam reformá-lo de braço dado com o PS em nova versão de «Estado Social». Desenganem-se aqueles que pensam que o moribundo morrerá por si mesmo. Só morrerá se a luta dos trabalhadores e uma nova consciencialização das forças armadas assim o determinar. Então sim, será possível retomar o caminho brutalmente interrompido pelo 25 de Novembro de 1975.

    Referências:
[29] Ranking das empresas que mais empregam em Portugal, http://www.economias.pt/maiores-empregadores-em-portugal/. Os dados são da Revista Exame  (23.ª edição, de 2012, analisando o ano de 2011).
[30] Estudos sobre Estatísticas Estruturais das Empresas, 2007-2009, Destaque, INE, 30 de Junho de 2011. Os dados estão desactualizados, mas os grandes números sectoriais não devem ter sofrido alteração significativa. Não encontrámos dados mais actuais.
[31] João Amador, Produtividade, Dimensão e Intensidade Capitalística num Conjunto de Setores da Indústria Transformadora Portuguesa: Uma Análise Não Paramétrica, Banco de Portugal, Departamento de Estudos Económicos, 2011, http://www.bportugal.pt/pt-PT/BdP%20Publicaes%20de%20Investigao/AB201103_p.pdf
[32] Dinâmicas de Crescimento Empresarial e de Criação de Emprego, Indicadores de Actividade Económica, Gabinete de Estratégia e Estudos, Ministério da Economia, 22 de Outubro de 2014. O sector produtivo agrega: Agricultura, Silvicultura e Pescas; Energia, Água e Saneamento; Indústria; Construção; Transportes e Comunicações. O sector do comércio e serviços não financeiros agrega: Comércio, Restaurantes e Hotéis, Outros Serviços. O sector financeiro agrega: Actividades financeiras e Imobiliárias.
Em termos de VAB a preços constantes chegaríamos a conclusões semelhantes sobre crescimento ou decrescimento, embora os valores correspondentes fossem diferentes.
[34] JN de 6 de Maio de 2014.
[35] Dados do INE: quadro B.1.4 - Formação bruta de capital fixo (P.51) por setor institucional (preços correntes; anual) e quadro de índice de preços no consumidor.
[36] Banco de Portugal “preocupado” com queda do investimento, 16 Julho 2013, Jornal de Negócios | jng@negocios.pt
[37] Eugénio Rosa, O crédito concedido pela banca continua a diminuir, mas as aplicações financeiras estão a crescer, aumentando o risco, 15/7/2014, www.eugeniorosa.com .
[39] JN, 21/4/2014.
[40] JN, 4/9/2014. Os dados sobre a variação do salário médio entre 2013 e 2014 são de um estudo da Mercer ("Total Compensation Portugal 2014"): Gestores e directores: +3,31%; Quadros superiores: entre 0,97% e 1,64%; Operários: -1,41%; Trabalhadores do comércio: -0,14%.
[41] JN 6 de Setembro d 2014.
[42] «Inquérito a cientistas portugueses mostra que 46,4% querem emigrar ou já emigraram», Público 16/04/2014.
[43] JN 17/10/2014.
[44] Ver «Impacto das transferências sociais no risco de pobreza diminuiu» em: Cláudia Bancaleiro, Risco de pobreza em Portugal no nível mais elevado desde 2005, Público, 24/03/2014.
[45] Artigo de Sérgio Aníbal, Público 30/04/2014.
[46] Tiago Figueiredo Silva, Grandes fortunas crescem milhões nos três anos de troika em Portugal, JN 16/05/2014. Os dados são da revista Exame de Agosto de 2014.
[48] Rui Barroso e Marta Marques Silva, 15 Out 2014, http://economico.sapo.pt/noticias/governo-guardou-medidas-de-alivio-para-anunciar-depois-do-orcamento_204402.html. Os dados são do Crédit Suiisse (ver nas referências da Parte I).
[50] CM 12.10.2014
[51] CM 27/8/2014 e 1 /19/2014.
[52] CM 06/10/2014.
[54] JN 15/10/2014.

[55] Público, 27/10/2014. A notícia refere que «Há 16 governantes, entre ministros e secretários de Estado, que assistiram com particular atenção ao desmoronar do império Espírito Santo. Alguns têm contas acima de 100 mil euros no BES.»

sábado, 25 de outubro de 2014

Capitalismo: de mal a pior (I)

I - Panorama Global (presente artigo)
II - Panorama Português (próximo artigo)
    
    Até há bem pouco tempo só os marxistas e um ou outro keynesiano alertavam para a decadência do capitalismo, para a grave crise que este sistema socio-económico atravessa e que está a agravar-se. Entretanto, os factos tornaram-se tão evidentes e o receio do que está para vir tão premente que as instituições ao serviço do grande capital, vêm, agora, a multiplicar declarações e divulgar relatórios elaborados por economistas convencionais reconhecendo muito do que os marxistas já vinham dizendo. É claro que, se há pontos comuns no diagnóstico o mesmo não acontece nas terapêuticas. Os capitalistas e economistas ao serviço do Capital pretendem salvá-lo à custa de redobrada exploração dos trabalhadores; os marxistas lutam diariamente contra essa perspectiva, quer na prática, pela mobilização dos trabalhadores, quer no esclarecimento de que a única terapêutica humanista é o socialismo.
    Vejamos, sucintamente, quais os factos que justificam a nossa afirmação de que o capitalismo vai de mal a pior. (Todos os factos se baseiam em dados de fontes oficiais citadas nas referências.)
     
I - Panorama Global
     
1) O capitalismo a nível global encontra-se em Longa Depressão
     
    Comecemos pelos EUA, a maior economia capitalista (perto de ¼ do PIB mundial) que, por isso mesmo, influencia a economia de muitos outros países. A figura 1 mostra, a traço preto, a evolução do PIB nominal ([1]) nos EUA ([2]) e a traço magenta a tendência de crescimento antes da crise da «bolha imobiliária» de 2008, que despoletou outras crises, como a do «euro». Portanto, a magenta, temos o crescimento esperado se não tivesse havido a crise. Claramente, ao fim de cinco anos depois da crise, o PIB dos EUA ainda não retomou a tendência de crescimento pré-crise. O desvio actual supera 1.200 biliões de dólares (como sempre, neste blog, bilião = mil milhões). Os cálculos feitos de forma mais rigorosa, em termos do PIB real per capita, levam a concluir que o desvio do PIB per capita tem aumentado, situando-se agora em cerca de 6.000 dólares/ano ([3]).
     
Fig. 1. Evolução do PIB dos EUA de Janeiro de 2000 a Abril de 2014. A traço magenta a tendência evolutiva que deveria ter o PIB de acordo com os valores pré-crise.
     
    Note-se que no caso de recessões, como se mostra nos dois gráficos da esquerda da figura 2 ([4]), observa-se uma descida temporária na taxa de crescimento do PIB, durante pelo menos três trimestres ([5]). Nesse período, de pelo menos três trimestres, a taxa de crescimento do PIB (trimestre-a-trimestre) é negativa. Na situação «típica», ilustrada pelo gráfico mais à esquerda (recessão da «crise do petróleo»), depois da descida verifica-se a subida do PIB para a tendência de crescimento anterior à recessão (gráfico em forma de V). Os economistas reconhecem também um outro tipo de recessões (double-dip recessions) com duas recessões «típicas» muito próximas uma da outra e uma breve subida a separá-las, tal como mostra o gráfico do meio (em forma de W). Enquanto a recessão dura, até à retoma, entre cerca de seis meses a dois anos, no caso de depressão o PIB não recupera a anterior tendência de crescimento por um período mais prolongado de tempo, como ilustra o gráfico da direita da Grande Depressão dos anos trinta. É esta a situação actual nos EUA, como mostra a figura 1. Nas duas únicas depressões reconhecidas para os EUA, anteriores à actual e que afectaram gravemente a economia mundial, a recuperação só se verificou com a eclosão das duas guerras mundiais...
     
Fig. 2. Evolução do PIB dos EUA durante duas recessões e durante a Grande Depressão.
     
    A depressão não ocorre apenas nos EUA. Ocorre também noutras economias capitalistas ditas desenvolvidas – além dos EUA, também no Canadá, Japão, e com particular gravidade na Zona Euro (incluindo a Alemanha e a França) --, nas economias ditas emergentes – por exemplo, na Rússia e na África do Sul -- e, de facto, a nível mundial conforme mostra a figura 3 ([6]). (As designações «desenvolvidas» e «emergentes» são eufemismos, como quase todas as designações inventadas pelos serventuários do capitalismo. Neste caso, trata-se de cobrir com um manto de respeitabilidade as seguintes traduções: «economias desenvolvidas» = «economias imperialistas, do conglomerado Ianque&C.ª, que se alimentam predatoriamente dos recursos e exploração da mão-de-obra de outros países, incluindo dos "emergentes"»; «economias emergentes» = «economias candidatas a futuros imperialismos». Ver o que dissemos em http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2014/08/a-logica-galopante-do-imperialismo-e-o.html .)
    
Fig.3. Evolução do PIB mundial entre 2004 e 2014.
    
    A magnitude da actual depressão, que alguns economistas já denominam de Longa Depressão, é reconhecida pelo 16.º Relatório Anual de Genebra do passado mês de Setembro, patrocinado pelo Centro Internacional de Estudos Financeiros e Bancários, um think-tank obviamente defensor do capitalismo e povoado por economistas neoliberais. A figura pertinente desse Relatório está abaixo ([7]: world = todas as economias capitalistas, developed markets = economias desenvolvidas, emerging markets = economias emergentes). Mostra como a taxa de crescimento real do PIB, referido ao ano 2006 (tomando nesse ano o valor da taxa de crescimento como igual a 100), se situou sempre abaixo das sucessivas previsões de crescimento do FMI («f/c» = forecast = previsão). Incluindo a previsão extrapolada dos anos pré-crise, como na figura 1 do PIB dos EUA.
     
Fig. 4. As sucessivas previsões do FMI a partir de 2006, sempre em baixa.
     
    Relativamente às economias emergentes é importante ver como também elas estão deprimidas, independentemente da parte do globo em que se situam. É o que mostra a figura 5, proveniente de um relatório do FMI ([8]). Inclusive a China, embora não tenha entrado em recessão em 2008 – o valor mais baixo da sua taxa anualizada de crescimento do PIB situou-se acima duns confortáveis 6%! --, tem vindo a exibir taxas de crescimento decrescentes (em «abrandamento» como eufemisticamente gostam de dizer os economistas convencionais), de perto de 12% em 2010 para os actuais 7,4%. (Já vimos em vários artigos anteriores que a economia chinesa se rege em larga medida pela «economia de mercado», isto é, pelo sector capitalista e por práticas capitalistas.)
     
Fig. 5. As sucessivas previsões do FMI a partir de 2010 para as economias emergentes, sempre em baixa.
     
2) A dívida global é enorme e continua a aumentar
     
    A ganância do lucro conduziu a níveis fantásticos de dívida pública e privada a nível mundial, principalmente nas economias desenvolvidas. Ao contrário do que seria de esperar, as políticas pós-crise, quer de austeridade que bem conhecemos, quer de quantitative easing (facilitação quantitativa) dos EUA e Inglaterra, com os bancos centrais a suportarem empréstimos vultuosos, quer ainda uma mistura dos dois métodos, como no Japão, não têm conduzido à liquidação da dívida pública e privada (designada por deleveraging = desalavancagem, [9]). Muito pelo contrário, como mostra a figura 6 do já citado 16.º Relatório Anual de Genebra.
     
Fig. 6. Evolução da dívida total em percentagem do PIB a nível global (todas as economias capitalistas) de 2001 a 2013.
     
    O valor total da dívida cresceu cerca de 25% nos quatro anos anteriores a 2009 (ponto mais baixo da crise). Nos quatro anos seguintes o acréscimo não foi tão elevado mas mesmo assim cresceu mais de 15% e continua a aumentar. O Relatório alerta para uma «combinação venenosa de elevada e crescente dívida global com PIB nominal desacelerado, impelido por um crescimento real em abrandamento e inflação em queda» ([10]). O Financial Times, conhecida voz do grande capital internacional, também revela apreensão sobre a actual situação, a começar pelo título da sua análise de 28 de Setembro ([11]): «O Relatório de Genebra avisa que dívida recorde e baixo crescimento apontam para crise». De facto, a crise tem existido sempre desde 2008. É a Longa Depressão. Mas tudo indica que uma outra vem a caminho, sobrepondo-se à Longa Depressão.
    Um dos problemas da dívida elevada é que qualquer «ajuste de contas», inclusive de pequena dimensão inicial, faz ruir o castelo de cartas construído à custa de títulos de dívida a ressarcir no futuro e com míticas garantias de ressarcimento. E os ajustes de contas podem assumir variadíssimas formas, por exemplo: impossibilidade de pagar hipotecas imobiliárias devido a baixa de salários e desemprego, como aconteceu na «crise imobiliária» dos sub-prime; incumprimentos de «activos tóxicos» dos bancos (derivados, hipotecas, títulos de dívida nacional em baixa de cotação, etc.) na «crise do euro»; subida das taxas de juro do banco central, ainda que débil, como aconteceu na Grande Depressão dos anos de 1930. Ou mesmo uma coisa «tão pequena» como a verificada no preciso momento em que escrevemos, 17/10, relatada assim no JN ([12]): «Não foi a quinta-feira negra de 24 de Outubro de 1929, mas esteve muito perto. Pressionadas pelos receios de abrandamento económico e de uma crise política na Grécia, as bolsas mundiais foram ontem inundadas por uma maré vermelha. As perdas chegaram a ser avultadas – Madrid, por exemplo, chegou a perder mais de 4%». Em Portugal a queda bolsista do PSI-20 foi de 3,2%. E, como também refere este artigo do JN, «Os mercados europeus afundaram pelo oitavo dia consecutivo e arrecadaram o maior ciclo de quedas desde 2003».
    Um outro aspecto preocupante é que a dívida tem também crescido em algumas economias emergentes (ver figura 7, proveniente de [11]), com destaque para a China, onde a dívida de todos os sectores de actividade excluindo o financeiro tem crescido aceleradamente desde 2008. Essa dívida está agora perto dos 220% do PIB (na UE é de 257%).
    

Fig. 7. Evolução da dívida total de economias emergentes (EM) em percentagem do PIB, com exclusão de dívidas do sector financeiro.
    
3) O investimento a nível mundial está deprimido
    
    A figura 8 mostra a evolução do investimento no sector produtivo de várias economias, tomando como referência (=100) o valor quando se iniciou a crise ([13]). Só os EUA ultrapassaram ligeiramente o nível de Dezembro de 2007, embora, segundo a tendência do crescimento pré-crise, estejam cerca de 13% abaixo do valor esperado. Mas para as outras economias desenvolvidas é bem pior. O investimento na Alemanha ainda não alcançou o valor que tinha em Dezembro de 2007. E na Zona Euro sem Alemanha (EMUxGer) o nível de investimento, ao fim de seis anos, está 25% abaixo!
    
Fig. 8. Evolução do investimento no sector produtivo de Dezembro de 2007 (início da crise) a Dezembro de 2013.
     
    O problema essencial é que a rendibilidade do sector produtivo continua baixa, pelo que muitos dos grandes capitalistas preferem apostar na especulação financeira do que investir na indústria. Este tema foi já por nós abordado em detalhe noutros artigos. Note-se, a propósito, que as baixas taxas de juro actualmente praticadas permitem aos conglomerados alavancar em alto nível a compra de activos financeiros nas bolsas e nos mercados de derivados. Nas próprias economias emergentes, em especial no Brasil, Rússia, Índia e China, se tem vindo a verificar quedas de investimento; da ordem de 4% em 2013 e possivelmente outro tanto em 2014 o que constitui uma inflexão da tendência destas economias nos últimos anos. Há, aliás, quem preveja que uma nova grande crise seja despoletada por um destes países.
    A figura 9 ([13]) mostra a taxa de crescimento do investimento em capital fixo (capex=capital expenditure), ou seja, em instalações industriais, maquinaria, laboratórios, consertos e remodelações, etc. A figura mostra bem onde reside a falência do capitalismo actual na produção de valor.

Fig. 9. Taxa de crescimento de investimentos em capital fixo a nível de todas as economias capitalistas.
     
    Já fundamentámos, com algum detalhe em artigos anteriores, que a quebra de investimento é causada pela queda da rendibilidade. Todas as recessões são precedidas por quedas de rendibilidade (ver, p. ex., [15]). Além disso, a rendibilidade do capital no sector produtivo tem exibido uma tendência secular de declínio (a famosa lei da queda tendencial da taxa de lucro, proposta por Karl Marx), conforme tem sido analisado e constatado experimentalmente em muitos trabalhos (ver, p. ex., [16-17]). 
     
4) Salários, produtividade e desemprego
     
    Nas economias capitalistas a classe social dominante é, obviamente, a classe dos capitalistas, a burguesia. São os capitalistas que dominam as instituições e controlam as políticas estatais; que impõem as regras do jogo a que os trabalhadores estão sujeitos; pesem embora algumas concessões aos trabalhadores mercê da sua luta constante por melhores condições de vida. Num cenário de baixa rendibilidade do capital, aumenta a pressão dos capitalistas para ainda aumentar mais o grau de exploração dos trabalhadores, o que se traduz, entre outras coisas, em cortes salariais e aumento das exigências laborais (mais horas de trabalho, por exemplo).
    A figura 10 ([18]) mostra a variação média anual do crescimento dos salários reais (isto é, tendo em conta o índice de preços) e da produtividade desde o 2.º trimestre de 2009 (quase no fim oficial da crise) até ao 1.º trimestre de 2014. É patente que, por exemplo, um aumento de produtividade na Zona Euro semelhante ao dos EUA foi «acompanhado» por uma baixa dos salários reais, enquanto nos EUA houve aumento (ainda que débil). No Japão, um maior aumento de produtividade «acompanhou» uma maior diminuição dos salários reais. Esta actual tendência da sobre-exploração do trabalho surge aqui e além noticiada para as economias emergentes. Não foi por nada que a China assistiu a greves selvagens dos mineiros do carvão em Outubro de 2009, dos trabalhadores da Honda em Maio de 2010 e várias outras de Junho a Agosto de 2013.
    Na Zona Euro os custos reais do trabalho também têm decrescido em vários países, conforme mostra a figura 11 ([19]), o que significa que nesses países os gastos em salários decresceram face ao valor acrescentado real. As maiores descidas dos valores pré-crise foram na Itália, Espanha e Portugal. Particularmente acentuadas a partir de 2009.
   
Fig. 10. Crescimento dos salários reais (castanho escuro) e da produtividade (rosa) entre o 2.º trimestre de 2009 e o 1.º trimestre de 2014.
     
Fig.11. Custos reais unitários do trabalho, tomando o valor de 1999 como referência.
     
    O desemprego, como é sabido, tem assumido níveis dramáticos não só nas economias desenvolvidas como em muitos outros países ([20]). É ainda mais dramático e totalmente desumano o nível de desemprego na juventude (15-24 anos) nas economias «ricas» da Europa, conforme mostra a figura 12 ([21]). O crescimento do desemprego pós-crise é enorme. O desemprego jovem tinha atingido níveis espantosamente elevados na Grécia, Espanha (superior a 50%!), Croácia, Itália, Portugal e Chipre (perto ou superior a 40%). Nos 28 países da UE, 26 tinham taxas de desemprego jovem superiores a 10%! Os Durões Barrosos, os Draghi, os Juncker e todos os seus serventuários e correligionários mostram-se muito compungidos com esta situação. Desdobram-se em declarações e em relatórios gizando planos para vencer esta calamidade social. Quem ouça e leia com atenção e conhecimentos aquilo que dizem sabe que são pilhas de tretas, destinadas a manter o povo adormecido. A situação é o que é pelas razões já explicadas da baixa rendibilidade do capital nos sectores produtivos (e com explicação detalhada em muitos dos nosso artigos anteriores). No mundo do Capital são os capitalistas quem mais ordena e as declarações optimistas dos Durões Barrosos, etc., servem apenas para tapar os olhos das «criancinhas» que ainda creditam em presentes do Pai Natal.
     
Fig. 12. Evolução do desemprego jovem (15-24 anos) em países da UE e na Zona Euro.
     
5) Desigualdade social
     
    Um gráfico que ilustra de forma dramática o que representou(a) o neoliberalismo e, a partir de 1989 com o colapso da URSS e de outros países socialistas, o neoliberalismo em rédea solta, é o da figura 13 que mostra a evolução nos EUA da produtividade e do rendimento mediano real (isto é, tendo em conta o índice de preços) das famílias ([22]). A partir da «crise do petróleo» em 1975, que marca o fim das políticas keynesianas e a inflexão para políticas neoliberais, a produtividade aumentou e acelerou o seu aumento a partir de cerca de 1990. Mas o aumento da riqueza criada não foi para a população em geral, já que o rendimento mediano das famílias praticamente estagnou e decresceu a partir da crise de 2008.
     
Fig.13. Evolução da produtividade e do rendimento mediano das famílias desde 1947. Notar a descolagem evolutiva a partir de 1975 que se agrava até hoje.
     
    Para onde «fugiu» a riqueza criada pelos aumentos de produtividade? Para os muito ricos, para os grandes capitalistas. A prova está na figura 14 ([23]) que complementa a anterior. Veja-se como evoluiu nos EUA o rendimento médio dos 1% do topo, comparado com o valor médio dos salários e a produtividade.
     
Fig. 14. Evolução do rendimento médio dos 1% do topo, do valor médio dos salários e da produtividade nos EUA, desde 1979.
     
    Mas mesmo o rendimento médio dos 1% do topo não transmite a ideia justa do enriquecimento dos grandes capitalistas. Por exemplo, o valor de rendimento anual em Portugal e em 2013, dos que se situaram no início dos 1% do topo, foi de 36.169 € ou seja de 2583,5 €/mês (contando com subsídios de férias e de Natal). Um rendimento mensal ridiculamente baixo para os grandes capitalistas, que ocupam uma faixa muito mais reduzida no topo da distribuição, da ordem dos 0,1%. Dados sobre esta longuíssima faixa no topo da distribuição de rendimento não estão normalmente disponíveis nas instituições estatísticas. Existem, contudo, estudos sobre o número de milionários e bilionários, e estes dão uma ideia bem mais precisa de para onde vai a riqueza criada pelos trabalhadores.
    Ora, o número de milionários e bilionários tem vindo constantemente a crescer em quase todo o mundo, conforme mostra a figura 15 ([24]) e, como é óbvio, a riqueza não aumenta sem aumentar o rendimento, o qual, independentemente da fonte directa de onde provém (muitas das fontes são inclusive ilegítimas: desvios, fraudes, roubos, prostituição, droga, casinos, etc.), acaba sempre por provir dos criadores de valor: os trabalhadores.

Fig. 15. Evolução do número de milionários (com uma riqueza maior que um milhão de dólares US) a nível mundial.
     
    Com isto tudo, não é de admirar o crescimento dramático da desigualdade social a nível mundial, quer dentro de cada país quer entre países. Esta crescente desigualdade social está retratada na figura 16 ([25]).
     
Fig. 16. Evolução dos escalões de riqueza a nível mundial entre 2010 e 2014.
     
    O gráfico da esquerda mostra o número de adultos em cada escalão de riqueza (medida em dólares dos EUA) em fracção, por mil, da população mundial. Vemos que nos três escalões mais baixos o número de adultos se tem mantido praticamente estacionário ou baixado ligeiramente. Há um escalão em que a subida é bem visível. É o escalão dos mais ricos a traço azul («> 1 milhão de USD» significa mais de 786 mil euros ao câmbio actual) que passou de 5 por mil (0,5%) para 7 por mil (0,7%) da população mundial. Este escalão tem também subido na percentagem de riqueza mundial; passou de 35,6% para 44%. Uma subida de 8,4% em apenas 4 anos! Todos os outros escalões viram diminuir a sua fatia da riqueza mundial. (De 4,2% para 2,9% para os do escalão de menos de 10 mil USD, de 14,5% para 11,8% para os do escalão de 10 mil a 100 mil USD e de 43,6% para 41,3% para os do escalão de 100 mil a 1 milhão de USD.) Mas o que tem acontecido com os milionários também acontece com os bilionários (mais de 786 milhões euros ao câmbio actual): são cada vez mais e cada vez mais ricos. De 2008 a 2014 passaram de 100 a 240 com uma riqueza global avaliada em 6,3 triliões de dólares (4.950.670 milhões de euros, ou seja, quase 30 vezes o PIB de Portugal; [26]). Note-se que todos estes valores-estimativas sobre milionários e bilionários pecam por defeito. Como disse um economista sénior do BCE, «muitos dos ricos preferem avaliar por baixo os seus activos quando respondem a inquéritos».
    Em suma, a Longa Depressão neoliberal tem sido um maná para os ricos e muito ricos.
   O enorme aumento da desigualdade social é amplamente reconhecido, incluindo por organismos ao serviço do capitalismo, como a OCDE, o FMI e o Banco Mundial. Um livro recentemente muito comentado pelos economistas (e não só) de todo o mundo é o livro do economista francês Thomas Piketty «O Capital no Século XXI» de 2013 ([27]). O livro contém pilhas de dados demonstrando o aumento da desigualdade social a nível global e de vários países, defendendo a tese de que é a desigualdade social a causadora das crises. Ao retomar esta velha tese keynesiana de que é o subconsumo que causa as crises, o livro não traz nada de novo, nem do ponto de vista do diagnóstico nem da terapêutica. Referimos o leitor interessado para as críticas marxistas ao livro em [28].
    
Referências:
     
[1] O PIB nominal (ou PIB a preços correntes) é a soma de toda a riqueza produzida num ano usando os valores correntes dos preços. O PIB real (ou PIB a preços constantes) é o PIB nominal dividido pelo índice de preços de cada ano.
[2] Dados do Federal Reserve Bank of St. Louis: http://research.stlouisfed.org/fred2/
[3] O leitor interessado pode ver a comparação entre PIB real per capita dos EUA e o PIB esperado (por regressão exponencial) no seguinte portal de uma firma americana de consultoria financeira: http://www.advisorperspectives.com/dshort/updates/Real-GDP-Per-Capita.php
[4] Construímos os dois gráficos da esquerda com o PIB trimestral (sazonalmente ajustado) do Federal Reserve Bank of St. Louis. O gráfico da direita foi construído com os dados U. S. Bureau of Economic Analysis (BEA).
[5] O período mínimo de três trimestres é usado por várias entidades que classificam as recessões. Ver o que dissemos a este respeito em http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2013/11/austeridade-em-portugal-ponto-da.html
[6] Global gross domestic product (GDP) at current prices from 2004 to 2015* (in billion U.S. dollars), Statista-The Statistics Portal, http://www.statista.com/statistics/268750/global-gross-domestic-product-gdp/
[7] Luigi Buttiglione, Philip Lane, Lucrezia Reichlin, Vincent Reinhart, Deleveraging, What Deleveraging? The 16th Geneva Report on the World Economy, Vox (Centre for Economic Policy Research), 29/9/2014, http://www.voxeu.org/article/geneva-report-global-deleveraging
[8] Sweta Saxena, Three Key Questions About the Slowdown in Emerging Markets, IMFdirect, 18/9/2014,  http://blog-imfdirect.imf.org/2014/09/18/three-key-questions-about-the-slowdown-in-emerging-markets/
[9] A alavancagem tem a ver com o total de activos que se podem mobilizar por empréstimos face aos activos iniciais próprios (ver exemplos em http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2012/09/a-crise-do-euro-uma-apreciacao-parte-i.html ). A desalavancagem tem, portanto, a ver com a liquidação de dívidas de empréstimos.
[10] Já falámos num artigo anterior do risco de deflação, à beira da qual estão várias economias da UE, incluindo a nossa. A deflação (inflação negativa) leva à queda de preços com adiamento do consumo e não realização do lucro capitalista.
[11] Chris Giles (Economics Editor), Geneva Report warns record debt and slow growth point to crisis, September 28, http://www.ft.com/intl/cms/s/0/4df99d28-4590-11e4-ab10-00144feabdc0.html#axzz3GONVxHMw
[12] Tiago Figueiredo Silva «Grécia e crise económica ditam novo crash bolsista», JN 17/10.
[13] Michael Roberts, Slowing global growth and the capitalist future, 6/7/2014, http://thenextrecession.wordpress.com/2014/07/08/slowing-global-growth-and-the-capitalist-future/. Os dados da figura são do 16th Geneva Report on the World Economy.
[14] A figura, tirada do trabalho [13], provém da Standard&Poor’s.
[15] Tapia Granados, J. A., Statistical Evidence of Falling Profits as Cause of Recession: A Short Note, Review of Radical Political Economics, December 2012, 44: 484-493.
[16] Andrew Kliman, The Failure of Capitalist Production. Underlying Causes of the Great Recession, Pluto Press, November 2011.
[17] Peter Jones, The Falling Rate of Profit Explains Falling US Growth, 12th Australian Society of Heterodox Economists Conference, November 2013.
[18] Chris Giles, Sarah O’Connor, Claire Jones and Ben McLannahan, Pay pressure, Financial Times, 18/9/2014, http://www.ft.com/intl/cms/s/2/ec422956-3f22-11e4-a861-00144feabdc0.html#axzz3GONVxHMw. A figura foi construída com dados da OCDE.
[19] Labour Costs and Crisis Management in the Euro Zone:

A Reinterpretation of Divergences in Competitiveness, Robert Schuman Foundation, European Issue nº 289, 23/09/2013, http://www.robert-schuman.eu/en/european-issues/0289-labour-costs-and-crisis-management-in-the-euro-zone-a-reinterpretation-of-divergences-in. Os dados do gráfico são da Ameco, um organismo da Comissão Europeia.
[20] Valores do desemprego entre 2005 e 2013 (com previsões de 2014 a 2018) podem ser vistos em http://www.ilo.org/global/research/global-reports/global-employment-trends/2014/WCMS_233936/lang--en/index.htm
[21] Gráfico construído com os últimos dados do Eurostat, consultado em 21 de Outubro de 2014 e que vão até Outubro de 2013.
[22] O gráfico é da wikipedia (http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Productivity_and_Real_Median_Family_Income_Growth_1947-2009.png  ) que cita as seguintes fontes dos dados: EPI Authors' analysis of Current Population Survey Annual Social and Economic Supplement Historical Income Tables, (Table F–5) and Bureau of Labor Statistics Productivity – Major Sector Productivity and Costs Database (2012).
[23] Dave Gilson and Carolyn Perot, It's the Inequality, Stupid, Mother Jones, March/April 2011 Issue, http://www.motherjones.com/politics/2011/02/income-inequality-in-america-chart-graph. O site cita todas as fonts oficiais que usa nos seus gráficos.
[24] Global Wealth Report 2014, Credit Suisse Research Institute, https://publications.credit-suisse.com/tasks/render/file/?fileID=60931FDE-A2D2-F568-B041B58C5EA591A4. Um gráfico que mostra a evolução do PIB e do rendimento mediano até 2013 é apresentado em http://en.wikipedia.org/wiki/Income_inequality_in_the_United_States#cite_note-54. É visível que o rendimento mediano continua a baixar.
[25] Gráficos construídos com os dados das «pirâmides da riqueza» de sucessivos relatórios Global Wealth Report do Credit Suisse Research Institute.
[26] The World’s Billionaires, Forbes Magazine, 3/3/2014, http://www.forbes.com/billionaires/
[27] O original é de Agosto de 2013. A tradução portuguesa é do passado mês de Outubro da Editora Intrínseca.

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

A história ignominiosa do PS: de 9 de Agosto a 5 de Setembro de 1975

    Vimos (http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2014/07/a-historia-ignominiosa-do-ps-de-1-de.html ) como a 8 de Agosto de 1975 o PS consegue uma vitória importante da sua ala militar: a apresentação da «Carta dos Nove». (Recordemos: quando dizemos PS referimo-nos principalmente às cúpulas do PS, em especial aqui aos dirigentes contra-revolucionários da clique de Mário Soares: Manuel Alegre, Jaime Gama, Almeida Santos, Salgado Zenha, Sottomayor Cardia, António Barreto, etc; excluímos as massas trabalhadoras enganadas pela demagogia «socialista» do PS.)
    A «carta», dirigida ao PR, general Costa Gomes, e rapidamente divulgada, não era assim tão importante pelo texto em si mesmo, parido pelo ideólogo do Grupo dos Nove, Melo Antunes, embora não escondesse os seus propósitos sociais-democratas. O próprio Vasco Lourenço, também dos Nove e líder da contra-revolução dentro do MFA, impaciente pelo atrasado parto do documento, referiu-se-lhe nestes termos: «nunca mais escrituravam isso; já falámos tantas vezes nessas m...» (citado num livro de um PS orgulhoso da contra-revolução). O que interessava era sair cá para fora com qualquer coisa que catapultasse a ala pró-PS do MFA. E arrebanhasse aliados. Mesmo que à força, como nos quartéis da Região Militar Centro em que logo se iniciou a recolha de apoios em reuniões habilmente manipuladas. Às vezes não tão habilmente, como no quartel da Guarda em que o comandante disse logo preto no branco que «toca a assinar o documento» porque era preciso «correr com os comunistas».
    Os «Nove» também eram designados por «não-alinhados» e «moderados». Quanto ao não-alinhamento, toda a gente sabia que eram pró-PS e restante direita. Confirmaram-no, destruindo o MFA com o apoio de Otelo, derrubando o governo de Vasco Gonçalves e alçando ao poder o PS e restante direita. Quanto ao moderantismo, ficou mais tarde esclarecido o que entendiam por isso, quando prenderam, perseguiram e irradiaram das forças armadas toda a esquerda militar, sem qualquer culpa formada, que tinha participado destacadamente no 25 de Abril e no processo revolucionário, reintroduzindo os spinolistas e parte dos fascistas que tinham sido saneados.
    Mas a história da contra-revolução militar ficará para outra altura. Veremos então o papel dissimulado do hábil contra-revolucionário Costa Gomes, bem como do «revolucionário» Otelo, o aspirante a «Fidel da Europa», que sistematicamente apoiou a contra-revolução em todos os momentos decisivos. Veremos também como, desde o início (24/1/1975), o novo embaixador em Lisboa, Franck Carlucci, com agentes da CIA (e dos serviços secretos alemães) que na altura pulularam pelo país, contribuiu para articular a componente militar da contra-revolução liderada pelos «Nove» com a componente civil liderada pelo PS.
    No período em análise a CIA-Carlucci articulou de forma convergente, com o seu aliado PS, três vectores contra-revolucionários: o vector governamental e de propaganda interna e externa (PS às claras); o vector militar (PS por detrás dos «Nove»): o vector da actividade terrorista contra a esquerda civil, também com o apoio do PS.
    Este é o período denso do apogeu do «Verão Quente», expressão que designou as múltiplas actividades terroristas contra as forças de esquerda: assaltos e incêndios de sedes do PCP, MDP/CDE, Sindicatos e Uniões Sindicais, e, em muito menor número, da FSP (Frente Socialista Popular) e UDP; ataques armados contra comícios e sessões de esclarecimento do PCP e MDP/CDE; ataques com bombas em instalações de forças de esquerda e de Sindicatos; destruição com bombas de carros de militantes de esquerda; agressões violentas e assassinatos de trabalhadores, dirigentes sindicais, intelectuais progressistas, e militantes do PCP, MDP/CDE e UDP.
    O «Verão Quente» teve o seu início «oficial» em 13 de Julho de 1975, em Rio Maior, quando uma multidão fanatizada, encabeçada por energúmenos ao serviço da CAP, atacou as sedes do PCP e da FSP. Os energúmenos armados de mocas, quais réplicas dos broncos trauliteiros miguelistas, agrediram barbaramente militantes comunistas e outros democratas. A moca foi promovida desde essa época a «orgulhoso» símbolo do reaccionarismo caceteiro de Rio Maior. Até hoje. Quem então aplaudiu o caceteirismo bronco de Rio Maior foi Manuel Alegre do PS. Disse na visita que logo aí fez: «Esta terra tornou-se um símbolo. O nome de Rio Maior entrou na história do povo português pela liberdade e o socialismo». Nunca fomos a Rio Maior, mas a avaliar pela apreciação de Manuel Alegre deve lá reinar um socialismo de fina água. (Manuel Alegre é uma das maiores fraudes do PS, um indivíduo fátuo, poseur de esquerda, envolvido em tudo que o PS tem feito de mais reaccionário. Apesar disso, certa «esquerda», da RC ao BE, parece gostar tanto desta fraude que o apoiaram nas últimas eleições presidenciais!)
    O simples facto de ter sido levada a cabo a campanha terrorista, às claras, com conhecimento de quem eram os operacionais terroristas, e feita em larga escala, comprova, desde logo, que não existia (e nunca existiu) durante o período revolucionário um poder revolucionário capaz de defender a revolução. (O Copcon de Otelo era inoperante; quando instado porque permitia os assaltos e incêndios a sedes do PCP Otelo respondeu que não fazia mal porque o PCP tinha muitas sedes.) Como é óbvio e tem sido provado pela história, uma revolução sem um poder revolucionário, logo sem meios de se defender, está condenada desde o início a morte súbita. A revolução portuguesa foi mais uma confirmação deste axioma.
    A campanha terrorista do «Verão Quente» comprova também que o mito da «ditadura comunista» era uma gigantesca mentira criada e alimentada pelo PS com fins de propaganda interna e externa para liquidar a via socialista da revolução.
    Na campanha terrorista participaram: agrários (latifundiários do Sul e médios camponeses da zona da Estremadura, com destaque para os energúmenos da CAP de Rio Maior, Alcobaça e Bombarral; grupos organizados pelo ELP e MDLP (pides, fascistas e spinolistas) no Norte; grande parte do clero português do Norte e Centro, não só por incitamento à violência anti-comunista (lembremos aqui que o clero reaccionário da tarimba salazarista sempre designou por comunistas não só os comunistas propriamente ditos como todos os democratas incomodativos) durante as homilias, mas também participando fisicamente nas operações terroristas. Ficou famoso, neste particular, o cónego Melo de Braga; agora promovido a herói com uma estátua em Braga. Promoção feita pelo presidente da Câmara, Mesquita Machado. Do PS.
    O PS não poupou o apoio moral, e em alguns casos também físico, à campanha terrorista. O terrorismo serviu ao PS e restante direita para dois propósitos: intimidar e remeter as forças de esquerda a uma posição defensiva; propagandear interna e externamente que o «povo» rejeitava a revolução, fornecendo assim a justificação para actos de força contra a revolução, actos contra-revolucionários. Na época toda a imprensa de direita da Europa e EUA vertia lágrimas pelas coitadinhas das populações portuguesas, vítimas de uma ditadura comunista e que, espontaneamente, se revoltavam contra os comunistas. Enfim, um modus operandi velho como a história, sempre presente no saco de truques das classes exploradoras quando necessitam de defender com unhas e dentes o seu «direito» de continuar a explorar.

De 9 de Agosto a 5 de Setembro de 1975
A 2.ª fase contra-revolucionária do PS

Agosto
Notícia
Comentário
9/8. Comunicado do PS sobre a «Carta dos Nove»: «acontecimento de primeira importância».
Obviamente de «primeira importância» para o PS. Finalmente, sob a batuta de Carlucci, a contra-revolução militar surgia articulada com a contra-revolução civil.
10/8. Melo Antunes ao Nouvel Observateur: «estratégia comunista acaba de malograr-se em Portugal.»
Melo Antunes, ideólogo dos Nove, repete a tese do PS de que tudo faziam para malograr a «estratégia comunista» e instaurar em vez disso o «socialismo democrático», ou como também diziam «o verdadeiro espírito do 25 de Abril». De facto, restauraram o capitalismo monopolista e latifundiário, colocando no poder económico os mesmos capitalistas do regime anterior. Se não queriam o socialismo deviam logo tê-lo dito no 25 de Abril de 1974 e não andar a enganar o povo.
14/8. Os Nove preparam um «Programa de Acção». Em manifs e comícios em Lisboa, Porto e Portimão o PS exige a saída de Vasco Gonçalves e declara o seu apoio ao «Documento Melo Antunes».
Fica confirmado que a «Carta dos Nove» é o «Documento Melo Antunes». Afastar Vasco Gonçalves, um dos elementos mais consequentes do 25 de Abril, homem probo e sério, sempre foi um objectivo essencial do PS. Facilitado agora com a consolidação da ala contra-revolucionária do MFA liderada pelos «Nove». Nessa altura Melo Antunes chegou a ser indiciado para PM.
17/8. PS contesta a greve simbólica de meia hora, marcada pela Inter, de repúdio à violência fascista do «Verão Quente».
Imperava o terrorismo bombista e caceteiro contra tudo que fosse de esquerda. Orquestrado por PS e direita e, no terreno, a cargo de bandos fascistas e esquerdistas. Nesse mesmo dia o comicio do PCP em Alcobaça foi interrompido por tiroteio.
O PS, ao contestar a greve simbólica marcada pela Inter, revela de que lado está.
28/8. Manifestação do PS no Porto contra Corvacho e Vasco Gonçalves.
Eurico Corvacho, comandante da Região Militar Norte, oficial bem identificado com o MFA e que tinha denunciado o ELP (o elo fascista da contra-revolução onde se acoitaram ex-pides) era uma espinha atravessada nos planos soaristas. Na RMCentro estava Franco Charais, e na RMSul Pezzarat Correia, ambos pró-PS. Apadrinhados pelos «Nove» e incarnando «o verdadeiro espírito do 25 de Abril».
30/8 Mário Soares encontra-se com o PR e defende um governo de salvação nacional com PS, PPD e PCP.
O objectivo era afastar Vasco Gonçalves, o inimigo n.º 1. Para isso tudo servia, inclusive o engodo de incluir o PCP num suposto «governo de salvação nacional».

    O V Governo Provisório tomou posse a 8 de Agosto de 1975 e terminou o seu mandato a 19 de Setembro de 1975 por pressão dos militares contra-revolucionários dos «Nove» com apoio de Otelo. Presidido por Vasco Gonçalves, era composto por personalidades militares e civis prestigiadas, quase todas independentes (isto é, não militantes de partidos). Entre estas últimas, assinale-se José Teixeira Ribeiro (prestigiado Prof. Catedrático de Direito da U. Coimbra), Macaísta Malheiros (juiz, desembargador e actual Presidente da Liga Portuguesa dos Direitos Humanos), Mário Ruivo (cientista dos recursos aquáticos). O governo não tinha nenhum militante do PCP, tinha um do MDP/CDE (Pereira de Moura, católico militante) e um, Mário Murteira, pró-PS senão mesmo militante do PS (foi militante e dirigente da UEDS, um rebento secessionista do PS de 1979 a 1984, que depois se reintegrou no PS, voltando à alma mater). Era este o governo da «ditadura comunista», da «ditadura gonçalvista», berrada histericamente por PS e restante direita, com coro internacional nos media ligados ao imperialismo, por Kissinger e consortes.
    Em pouco mais de um mês os ministros do V Governo, que substituíram os PSs dos governos anteriores, fizeram mais pelo povo, pelo país, do que fizeram durante mais de um ano os socialistas de pacotilha da clique soarista, já então transpirando incompetência e fatuidade por todos os poros, já então mais preocupados em colocar familiares e amigalhaços na administração pública.
    No MFA avança agora com rapidez a contra-revolução. A 5/8 o «revolucionário» Otelo reintegra nos Comandos Jaime Neves, oficial fascista, «herói» do massacre de Wiriyamu em Moçambique. Esse «herói» tinha sido justamente saneado a 3/8 pelos militares progressistas dos Comandos. Mas, para Otelo, tudo que era progressista cheirava a PCP e tudo que cheirava a PCP era «social-fascista», de acordo com as sábias lições trotskistas bebidas do PRP-BR. Vai daí, reintregra o fascista Jaime Neves que iria ser «herói» destacado no 25 de Novembro. E para dar o toque magistral na farsa do seu «revolucionarismo», o Otelo-Copcon faz «auto-crítica revolucionária» dizendo ter sido precipitada a publicação do seu comunicado sobre os factos ocorridos nos Comandos a 31 de Julho, onde justamente se apontavam as manobras contra-revolucionárias de Neves et al. Agora sim, feita a «auto-crítica revolucionária» e com o fascista Neves (e outros do mesmo jaez) reintegrados, a revolução singrava bem. A 10/8 são suspensos do CR os nove da «Carta dos Nove» ao PR; são rapidamente reintegrados. A 12/8 alguns oficiais do Copcon propõem um «programa político» do tipo «poder popular» ao sabor esquerdista; uma iniciativa irrelevante como todas as iniciativas dos esquerdistas, cujo único móbil era atacar o PCP e seus aliados; independentemente do que PCP e aliados faziam no terreno. (A questão não reside aqui no direito de criticar fundamentadamente erros do PCP ou diferir das suas análises e propostas. Há uma enorme distância entre isso e a difamação e ataques sistemáticos ao PCP quer por dogmatismo e sem pejo de distorsão dos factos históricos, quer por opção reaccionária ou contra-revolucionária.)
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Impõe-se aqui uma reflexão sobre o papel do esquerdismo na revolução portuguesa.
    O leitmotiv dos grupelhos esquerdistas na revolução portuguesa foi sempre este: «Isso foi feito ou proposto pelo PCP? Então está mal [mesmo que com a iniciativa, apoio e implementação por largas massas de trabalhadores!]. É preciso denunciar e destruir isso; mesmo que nos tenhamos de aliar ao PS» E a denúncia era feita com berros histéricos e os mais variados e contraditórios slogans: porque era reformista; porque era estalinista; porque não era estalinista; porque era revisionista; porque era social-fascista; porque era capitalismo de estado; porque a luta contra o imperialismo soviético era mais importante que a luta contra o imperialismo americano, etc., etc. Enfim, filhotes da burguesia, ignorantes e/ou mascarados de revolucionários, em grupelhos que se multiplicaram como os cogumelos – MRPP, OCMLP, FEC-ml, AOC, PCP(r), UDP, LCI, PRP-BR, FUP, GDUPs, LST, MUT, PCP(m-l), PUP, CCRML, CARP(m-l), URML, etc. Todos, objectivamente contra-revolucionários. Muitos deles sempre aliados ao PS e presentes nas respectivas manifestações (com especial destaque para o MRPP e FEC-ml, amigos do coração do PS). Muitos manipulados pelas centrais do imperialismo. Muitos pagos pelas centrais do imperialismo (com destaque para a CIA). Todos responsáveis pela ajuda prestada à liquidação do processo revolucionário. Nenhum com rebates de consciência.
    Quase todos tiraram a máscara «revolucionária» quando a sua tarefa de destruir a revolução acabou. Basta olhar para Durão Barroso, revolucionaríssimo militante do MRPP, ou para Pacheco Pereira, grande lutador contra o capitalismo no PCP(m-l), ou ainda para Artur Albarran, ousado revolucionário do PRP, que entrou logo para comentador da TV uma vez terminada a revolução, e que, em 1997, se torna presidente do Conselho de Administração da EuroAmer, uma holding imobiliária de empresários e políticos norte-americanos, de que um membro destacado é Frank Carlucci da CIA. Coincidências! (Em 2005, com a falência da EuroAmer, Albarran seria alvo de uma investigação do Ministério Público, suspeito de branqueamento de capitais e falsificação de documentos. Ah, grande «revolucionário»!)
    Todos estes grupelhos esquerdistas tinham como base social os estudantes, alguma pequena burguesia radical de tendências anarquizantes (em que a ideia de «poder popular» se articulava as ideias basistas de não existência de partidos condutores da revolução (a não ser eles, claro; ver o que dissemos em http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2013/06/a-manif-da-apre.html ) e à não existência de qualquer Estado), e trabalhadores de colarinhos brancos (haja em vista a influência do MRPP na TAP, em particular no sindicato dos pilotos) para quem a máscara «revolucionária» servia (e serve) para esconder os propósitos elitistas.
    Muitos destes grupelhos esquerdistas, com destaque para o MRPP e UDP, promoveram greves selvagens com fins meramente provocatórios, como a dos padeiros, logo a seguir ao 25 de Abril de 1974, e sucessivas greves dos pilotos da TAP. Aliaram-se constantemente com o PS, em eleições para os sindicatos dos bancários, dos jornalistas, dos trabalhadores do comércio, etc., e nas listas para as associações de estudantes e para os órgãos de gestão das escolas de ensino superior; ecoando os slogans mais reaccionários do PS e as tiradas mais difamatórias do PCP.
    Muitos destes grupelhos apoiaram e participaram no terrorismo contra-revolucionário. O MRPP descreveu a violência no Norte como «uma revolta camponesa contra o social-fascismo». Quando os militantes do PCP defenderam a sua sede em Leiria isso foi descrito pelo MRPP como «os sociais-fascistas a abater camponeses».
    É sabido que a CIA financiou grupos maoístas por todo o mundo. Várias fontes concordam em que Franck Carlucci, embaixador dos EUA em Portugal e agente da CIA, financiou e manipulou o MRPP (ver p. ex. http://www.humanite.fr/blogs/commission-europeenne-barroso-et-juncker-anciens-maoiste-et-trotskiste-reperes-par-la-cia#sthash.JnyoR1RR.dpuf). E não se trata apenas de fontes comunistas ou de esquerda. Vale a pena ouvir o que diz François Asselineau do partido da direita francesa Union Populaire Republicaine, sobre como Carlucci descobriu no MRPP o talento de Barroso e o orientou na adesão ao PPD; a CIA depois financiou-o em estudos nos EUA e apoiou-o na ascenção na UE : Qui gouverne réellement la France et l'Europe: https://www.youtube.com/watch?v=Bb8dB7d3BdE. Neste longo discurso a parte importante é a partir de 2h 35 min. (Uma outra revelação é a de que Jean-Claude Juncker, protector ardoroso do paraíso fiscal do Luxemburgo, e apoiado pelo NSA num escândalo de espionagem, era um elemento de um grupelho trotskista. Um ex-esquerdista ciático substituiu outro ex-esquerdista ciático na presidência da CE.)
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    A traição a Vasco Gonçalves acentua-se. A 24/8 Otelo dá mais uma facada na revolução aconselhando-o numa carta, logo divulgada, a resignar. Além disso, proíbe-lhe a entrada nas unidades do Copcon! Enquanto dava facadas na revolução, Otelo, num tom patético, diz a 22/8 aos jornalistas que «andamos [ele, o ideólogo, claro] à procura de uma linha ideológica para o MFA»!
    Um dos alvos principais da contra-revolução militar era a famosa 5.ª Divisão da CEMGFA, criada a 18 de Julho de 1974 com o objectivo de difusão e propaganda do ideário do MFA -- relembremos o Programa do MFA: «a) Uma nova política económica, posta ao serviço do Povo Português, em particular das camadas da população até agora mais desfavorecidas, [...] o que necessariamente implicará uma estratégia antimonopolista» e «b) Uma nova política social que, em todos os domínios, terá essencialmente como objectivo a defesa dos interesses das classes trabalhadoras» --, tendo a seu cargo os assuntos de natureza político-militar. Constituía um baluarte coeso de oficiais honestos e dedicados à revolução portuguesa, uma importante secção do que se convencionou chamar de «esquerda militar». A 5.ª Divisão ajudou a resolver muitos problemas levantados pelas populações e levou a cabo «campanhas de dinamização cultural», nomeadamente em zonas rurais e suburbanas, as quais, para além de actividades culturais, incluíam sessões de esclarecimento sobre o que se passava no país, sobre o que era a democracia e o socialismo (lembremos que as populações vinham de uma situação de profunda ignorância, fruto de quase meio século de fascismo), e sobre outras questões (como realizar assembleias, como iria decorrer o processo eleitoral, etc.). O PS e restante direita cedo revelaram um enorme medo por tudo que contribuísse para dissipar a ignorância política das populações. Na realidade, e da nossa própria experiência, podemos afirmar que deparámos com o boicote sistemático do PS às «campanhas de dinamização cultural», enquanto de figuras locais do PPD encontrámos, muitas vezes, receptividade. O PS (e restante direita na sua esteira) vieram a propalar desde o «Verão Quente» o mito, que mantêm até hoje, de que as «campanhas de dinamização cultural» se destinavam a difundir o «comunismo». Se isso fosse verdade custa a entender como é que o PCP não teve muito maior votação, apesar do elevadíssimo número de campanhas da 5.ª Divisão. De facto, tal afirmação não é verdadeira. É inteiramente falsa. O apartidarismo das campanhas era escrupulosamente observado. Naquelas em que participámos ia quase sempre o comandante da nossa Unidade, homem honesto, que nas suas perorações e esclarecimentos pouco se afastava do que diziam os oficiais da 5.ª Divisão. Este comandante era do PPD.
    As razões do ódio da direita à 5.ª Divisão eram: a) o contributo que dava à dissipação da ignorância das populações; b) a publicação do «Boletim do MFA», segundo nós uma das mais lúcidas publicações da época, que circulava principalmente nas unidades das forças armadas, e que em termos simples, factuais e muito claros denunciava as manobras da contra-revolução militar (e, em menor detalhe, também da civil); c) o ser constituído por um corpo coeso de oficiais honestos e de ideias políticas claras a favor da revolução que, pela sua participação nas Assembleias do MFA (e outros órgãos), muito incomodavam os planeadores da contra-revolução; d) o terem tido uma contribuição decisiva no derrube do putsch spinolista do 11 de Março, algo que a reacção não podia perdoar.
    A 5.ª Divisão tornou-se o alvo principal a abater por parte dos militares contra-revolucionários (spinolistas, «moderados» do Grupo dos Nove, etc.).
    A 25/8, unidades do Copcon (mas não seguidoras de Otelo) afirmam recusar o documento dos Nove. Em retaliação, o CR manda suspender no dia seguinte as actividades da 5.ª Divisão. A 28/8, militares do Copcon, a mando de Otelo (o grande «revolucionário» mais uma vez em acção), assaltam com grande aparato bélico as instalações da 5-ª Divisão e encerram-nas! Não estava lá na altura quase ninguém. E também não encontraram as armas com que supostamente os «comunistas» da 5.ª Divisão estariam armados até aos dentes. Otelo veio depois, mentirosamente e sem qualquer vergonha na cara, declarar que a ocupação da 5.ª Divisão se tinha efectuado «por haver ameaças de assalto [da direita]» à 5.ª Divisão! O assalto bélico do Copcon-Otelo às modestas instalações quase vazias da 5.ª Divisão do CEMGFA foi o maior acto «revolucionário» que a história registará da actividade de protecção à revolução levada a cabo pelo Copcon-Otelo! Debalde procuraríamos nos arquivos históricos testemunhos factuais da defesa da revolução contra a violência spinolista-fascista por parte do Copcon-Otelo. Mas o assalto bélico às instalações da 5.ª Divisão, esse sim, consta.
    Com o fim da 5.ª Divisão em 28 de Agosto de 1975 termina o MFA apartidário, aliado ao povo, tendo como objectivos «a) Uma nova política económica, posta ao serviço do Povo Português, em particular das camadas da população até agora mais desfavorecidas, [...] «b) Uma nova política social que, em todos os domínios, terá essencialmente como objectivo a defesa dos interesses das classes trabalhadoras».
    Começa um novo MFA, partidário, aliado ao PS (trazendo pela arreata a restante direita), cujo objectivo era instalar o capitalismo «social-democrata» em Portugal tendo como corolário a submissão total ao imperialismo ianque-alemão.
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    Em vários pontos do país surgem manifestações orquestradas pelo PS e restante direita contra figuras progressistas. Em Coimbra, manifestação de católicos a 4/8 contra Vasco Gonçalves, sendo denunciadas pelo bispo prisões arbitrárias (dos elementos fascistas do ELP) e tribunais populares (que nunca existiram); no Porto, contra Corvacho e Vasco Gonçalves a 28/8; ataques a Vasco Gonçalves por Emídio Guerreiro no comício do PPD a 16/8; etc.
    Os actos de terrorismo são demasiados para os relatar todos aqui. Eis alguns: a 10/8, manifestações em Braga e Viseu com o apoio dos bispos que estavam com os «nove verdadeiros revolucionários» acabam com ataques e incêndios a sedes do PCP; a 11/8 o distrito de Braga é percorrido por uma onda de violência contra sedes do PCP, com algumas incendiadas, agressões a militantes, etc., destacando-se o envolvimento de energúmenos logisticamente organizados e açolados por padres; no mesmo dia, diz Mário Soares no comício em Braga: «Em Rio Maior o povo soube reagir às afrontas [...] É um exemplo que pode ser seguido noutras regiões», defendendo também o protagonismo provocatório dos «rapazes do MRPP»; a 17/8, um comício do PCP em Alcobaça, onde participava Álvaro Cunhal, é interrompido por nutrido tiroteio de hostes reaccionárias dinamizadas pela CAP e só não tem lugar um banho de sangue porque os seguranças do PCP conseguiram, também com armas, escorraçar os assaltantes; a 18/8 é incendiada a sede do PCP em Ponte de Lima; de 18 a 20/8 a sede do PCP de Aveiro esteve cercada e alvejada a tiro por bandos de arruaceiros do ELP, que puderam actuar à vontade porque o QG de Coimbra e o Copcon não mexeram uma palha; ainda a 18/8 as instalações da União dos Sindicatos de Aveiro foram saqueadas por bandos de arruaceiros incluindo elementos do MRPP; a 23/8 é assaltada a sede do PCP em Bragança.
    A 29/8, enquanto milhares de pessoas no Porto apoiam Corvacho, fica-se a saber que Pinheiro de Azevedo é o novo PM, escolhido pelo CR dominado pelos Nove.

Setembro
Notícia
Comentário
3/9. Carta de Mário Soares ao PR propõe a implementação de um conjunto de «condições político-militares» e um «socialismo autogestionário».
Ao referir-se a «socialismo autogestionário» Soares devia estar a referir-se à colocação de militantes, familiares e amigalhaços seus em todos os postos do Estado. Este «socialismo autogestionário» o PS, de facto, apressou-se a implementar.
4/9. O PS diz em Londres que recusou formar um governo predominantemente socialista.
No VI Governo Provisório, oficializado a 19 de Setembro, de 16 ministros 12 (75%) eram do PS ou pró-PS. Se isto não é «predominantemente»...

    A 3/9, Pinheiro de Azevedo da JSN, prossegue com contactos para formar um governo que substitua o V Governo Provisório, o último que se manteve fiel aos objectivos do 25 de Abril e que foi traído pelos Nove e por Otelo. Vasco Gonçalves é nomeado para CEMGFA (presente envenenado de Costa Gomes), cargo a que renuncia a 5/9.
    A 5/9, tem lugar uma famosa e última Assembleia do MFA, na Base de Tancos das tropas paraquedistas. Tratou-se de uma Assembleia totalmente manipulada pelos Nove, que a encheram dos seus delegados escolhidos antidemocraticamente, com os comandos do spinolista Jaime Neves de armas aperradas, prontos para um golpe de força contra os «comunistas» se a Assembleia não parisse os resultados desejados, e impedimentos de elementos da esquerda militar de tomar a palavra e apresentar moções. Enfim, uma demonstração do que a direita entende por democracia. A Assembleia oficializa o afastamento de Vasco Gonçalves (que nela pronunciou um discurso corajoso e de grande dignidade), consagra o domínio dos Nove, e «assina» a sua auto-destruição.
    A Assembleia de Tancos marca o fim oficial do MFA. A partir dela começa, oficialmente, um outro «MFA», ao serviço do PS e da direita, ao serviço da recuperação capitalista de Portugal, sob a capa de «socialismo democrático».
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Na série «A história ignominiosa do PS» vimos até agora:
   
A fase marxista do PS (25 de Abril a 31 de Dezembro de 1974): o PS desdobra-se em declarações marxistas e socialistas com o objectivo de obter uma larga base de apoio proletária que lhe faltava.
A fase de duplicidade do PS (1 de Janeiro a 25 de Abril de 1975): o PS, embora não criticando as medidas dos governos em que participa, revela incomodidade com as medidas socializantes e começa a propalar a tese de que os governos de Vasco Gonçalves eram governos comunistas (apesar de ter neles participação maioritária). Aceita entemdimentos com os spinolistas, exibindo uma posição muito dúbia no putsch spinolista de 11 de Março.
A 1.ª fase contra-revolucionária do PS (de 26 de Abril a 8 de Agosto de 1975): tendo obtido votação maioritária nas eleições para a Assembleia Constituinte de 25/4/1975, o PS sente-se institucionalmente legitimado, perante a opinião pública e o MFA, para sacudir o «rumo ao socialismo», flagelando o PCP e outras forças de esquerda consequentes e incitando à criação da sua facção no MFA: os «Nove».
A 2.ª fase contra-revolucionária do PS (9 de Agosto a 5 de Setembro de 1975): o PS articula com Carlucci-CIA três vectores contra-revolucionários: o vector governamental e de propaganda interna e externa; o vector militar (os «Nove»): o vector da actividade terrorista.