I - Panorama Global (presente artigo)
II - Panorama Português (próximo artigo)
Até há bem pouco tempo só os marxistas e um ou
outro keynesiano alertavam para a decadência do capitalismo, para a grave crise
que este sistema socio-económico atravessa e que está a agravar-se. Entretanto,
os factos tornaram-se tão evidentes e o receio do que está para vir tão
premente que as instituições ao serviço do grande capital, vêm, agora, a
multiplicar declarações e divulgar relatórios elaborados por economistas
convencionais reconhecendo muito do que os marxistas já vinham dizendo. É
claro que, se há pontos comuns no diagnóstico o mesmo não acontece nas
terapêuticas. Os capitalistas e economistas ao serviço do Capital pretendem
salvá-lo à custa de redobrada exploração dos trabalhadores; os marxistas lutam
diariamente contra essa perspectiva, quer na prática, pela mobilização dos
trabalhadores, quer no esclarecimento de que a única terapêutica humanista é o
socialismo.
Vejamos, sucintamente, quais os factos que
justificam a nossa afirmação de que o capitalismo vai de mal a pior. (Todos os
factos se baseiam em dados de fontes oficiais citadas nas referências.)
I - Panorama Global
1) O capitalismo a nível global encontra-se
em Longa Depressão
Comecemos pelos EUA, a maior economia
capitalista (perto de ¼ do PIB mundial) que, por isso mesmo, influencia a
economia de muitos outros países. A figura 1 mostra, a traço preto, a evolução
do PIB nominal ([1]) nos EUA ([2]) e a traço magenta a tendência de crescimento
antes da crise da «bolha imobiliária» de 2008, que despoletou outras crises,
como a do «euro». Portanto, a magenta, temos o crescimento esperado se não
tivesse havido a crise. Claramente, ao fim de cinco anos depois da
crise, o PIB dos EUA ainda não retomou a tendência de crescimento pré-crise. O
desvio actual supera 1.200 biliões de dólares (como sempre, neste blog, bilião =
mil milhões). Os cálculos feitos de forma mais rigorosa, em termos do PIB real per
capita, levam a concluir que o desvio do PIB per capita tem
aumentado, situando-se agora em cerca de 6.000 dólares/ano ([3]).
Fig. 1. Evolução do PIB dos EUA de Janeiro de 2000 a Abril de 2014. A
traço magenta a tendência evolutiva que deveria ter o PIB de acordo com os
valores pré-crise.
Note-se que no caso de recessões, como se
mostra nos dois gráficos da esquerda da figura 2 ([4]), observa-se uma descida
temporária na taxa de crescimento do PIB, durante pelo menos três trimestres
([5]). Nesse período, de pelo menos três trimestres, a taxa de crescimento do
PIB (trimestre-a-trimestre) é negativa. Na situação «típica», ilustrada pelo
gráfico mais à esquerda (recessão da «crise do petróleo»), depois da descida verifica-se
a subida do PIB para a tendência de crescimento anterior à recessão (gráfico em
forma de V). Os economistas reconhecem também um outro tipo de recessões (double-dip
recessions) com duas recessões «típicas» muito próximas uma da outra e uma breve
subida a separá-las, tal como mostra o gráfico do meio (em forma de W).
Enquanto a recessão dura, até à retoma, entre cerca de seis meses a dois anos, no caso de depressão o PIB não recupera a
anterior tendência de crescimento por um período mais prolongado de tempo,
como ilustra o gráfico da direita da Grande Depressão dos anos trinta. É esta a
situação actual nos EUA, como mostra a figura 1. Nas duas únicas depressões reconhecidas
para os EUA, anteriores à actual e que afectaram gravemente a economia mundial,
a recuperação só se verificou com a eclosão das duas guerras mundiais...
Fig. 2. Evolução do
PIB dos EUA durante duas recessões e durante a Grande Depressão.
A depressão não ocorre apenas nos EUA. Ocorre
também noutras economias capitalistas ditas desenvolvidas – além dos EUA,
também no Canadá, Japão, e com particular gravidade na Zona Euro (incluindo a
Alemanha e a França) --, nas economias ditas emergentes – por exemplo, na
Rússia e na África do Sul -- e, de facto, a nível mundial conforme mostra a
figura 3 ([6]). (As designações «desenvolvidas» e «emergentes» são eufemismos,
como quase todas as designações inventadas pelos serventuários do capitalismo.
Neste caso, trata-se de cobrir com um manto de respeitabilidade as seguintes
traduções: «economias desenvolvidas» = «economias imperialistas, do conglomerado
Ianque&C.ª, que se alimentam predatoriamente dos recursos e exploração da
mão-de-obra de outros países, incluindo dos "emergentes"»; «economias
emergentes» = «economias candidatas a futuros imperialismos». Ver o que
dissemos em http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2014/08/a-logica-galopante-do-imperialismo-e-o.html
.)
Fig.3. Evolução do PIB mundial entre 2004 e 2014.
A magnitude da actual depressão, que alguns
economistas já denominam de Longa Depressão, é reconhecida pelo 16.º Relatório
Anual de Genebra do passado mês de Setembro, patrocinado pelo Centro
Internacional de Estudos Financeiros e Bancários, um think-tank
obviamente defensor do capitalismo e povoado por economistas neoliberais. A
figura pertinente desse Relatório está abaixo ([7]: world = todas as
economias capitalistas, developed markets = economias desenvolvidas, emerging
markets = economias emergentes). Mostra como a taxa de crescimento real do
PIB, referido ao ano 2006 (tomando nesse ano o valor da taxa de crescimento
como igual a 100), se situou sempre abaixo das sucessivas previsões de
crescimento do FMI («f/c» = forecast = previsão). Incluindo a previsão
extrapolada dos anos pré-crise, como na figura 1 do PIB dos EUA.
Fig. 4. As sucessivas
previsões do FMI a partir de 2006, sempre em baixa.
Relativamente às economias emergentes é
importante ver como também elas estão deprimidas, independentemente da parte do
globo em que se situam. É o que mostra a figura 5, proveniente de um relatório
do FMI ([8]). Inclusive a China, embora não tenha entrado em recessão em 2008 –
o valor mais baixo da sua taxa anualizada de crescimento do PIB situou-se acima
duns confortáveis 6%! --, tem vindo a exibir taxas de crescimento decrescentes
(em «abrandamento» como eufemisticamente gostam de dizer os economistas
convencionais), de perto de 12% em 2010 para os actuais 7,4%. (Já vimos em
vários artigos anteriores que a economia chinesa se rege em larga medida pela
«economia de mercado», isto é, pelo sector capitalista e por práticas
capitalistas.)
Fig. 5. As sucessivas previsões do FMI a partir de 2010 para as
economias emergentes, sempre em baixa.
2) A dívida global é enorme e continua a
aumentar
A ganância do lucro conduziu a níveis
fantásticos de dívida pública e privada a nível mundial, principalmente nas
economias desenvolvidas. Ao contrário do que seria de esperar, as políticas
pós-crise, quer de austeridade que bem conhecemos, quer de quantitative
easing (facilitação quantitativa) dos EUA e Inglaterra, com os bancos
centrais a suportarem empréstimos vultuosos, quer ainda uma mistura dos dois
métodos, como no Japão, não têm conduzido à liquidação da dívida pública e
privada (designada por deleveraging = desalavancagem, [9]). Muito pelo
contrário, como mostra a figura 6 do já citado 16.º Relatório Anual de Genebra.
Fig. 6. Evolução da dívida total em percentagem do PIB a nível global
(todas as economias capitalistas) de 2001 a 2013.
O valor total da dívida cresceu cerca de 25%
nos quatro anos anteriores a 2009 (ponto mais baixo da crise). Nos quatro anos seguintes
o acréscimo não foi tão elevado mas mesmo assim cresceu mais de 15% e continua
a aumentar. O Relatório alerta para uma «combinação venenosa de elevada e
crescente dívida global com PIB nominal desacelerado, impelido por um
crescimento real em abrandamento e inflação em queda» ([10]). O Financial
Times, conhecida voz do grande capital internacional, também revela
apreensão sobre a actual situação, a começar pelo título da sua análise de 28
de Setembro ([11]): «O Relatório de Genebra avisa que dívida recorde e baixo
crescimento apontam para crise». De facto, a crise tem existido sempre desde
2008. É a Longa Depressão. Mas tudo indica que uma outra vem a caminho,
sobrepondo-se à Longa Depressão.
Um dos problemas da dívida elevada é que
qualquer «ajuste de contas», inclusive de pequena dimensão inicial, faz ruir o
castelo de cartas construído à custa de títulos de dívida a ressarcir no futuro
e com míticas garantias de ressarcimento. E os ajustes de contas podem assumir
variadíssimas formas, por exemplo: impossibilidade de pagar hipotecas
imobiliárias devido a baixa de salários e desemprego, como aconteceu na «crise
imobiliária» dos sub-prime; incumprimentos de «activos tóxicos» dos
bancos (derivados, hipotecas, títulos de dívida nacional em baixa de cotação,
etc.) na «crise do euro»; subida das taxas de juro do banco central, ainda que
débil, como aconteceu na Grande Depressão dos anos de 1930. Ou mesmo uma coisa
«tão pequena» como a verificada no preciso momento em que escrevemos, 17/10,
relatada assim no JN ([12]): «Não foi a quinta-feira negra de 24 de Outubro de
1929, mas esteve muito perto. Pressionadas pelos receios de abrandamento
económico e de uma crise política na Grécia, as bolsas mundiais foram ontem
inundadas por uma maré vermelha. As perdas chegaram a ser avultadas – Madrid,
por exemplo, chegou a perder mais de 4%». Em Portugal a queda bolsista do
PSI-20 foi de 3,2%. E, como também refere este artigo do JN, «Os mercados
europeus afundaram pelo oitavo dia consecutivo e arrecadaram o maior ciclo de
quedas desde 2003».
Um outro aspecto preocupante é que a dívida
tem também crescido em algumas economias emergentes (ver figura 7, proveniente
de [11]), com destaque para a China, onde a dívida de todos os sectores de
actividade excluindo o financeiro tem crescido aceleradamente desde
2008. Essa dívida está agora perto dos 220% do PIB (na UE é de 257%).
Fig. 7. Evolução da dívida total de economias emergentes (EM) em
percentagem do PIB, com exclusão de dívidas do sector financeiro.
3) O investimento a nível mundial está
deprimido
A figura 8 mostra a evolução do investimento
no sector produtivo de várias economias, tomando como referência (=100) o valor
quando se iniciou a crise ([13]). Só os EUA ultrapassaram ligeiramente o nível
de Dezembro de 2007, embora, segundo a tendência do crescimento pré-crise,
estejam cerca de 13% abaixo do valor esperado. Mas para as outras economias
desenvolvidas é bem pior. O investimento na Alemanha ainda não alcançou o valor
que tinha em Dezembro de 2007. E na Zona Euro sem Alemanha (EMUxGer) o nível de
investimento, ao fim de seis anos, está 25% abaixo!
Fig. 8. Evolução do investimento no sector produtivo de Dezembro de
2007 (início da crise) a Dezembro de 2013.
O problema essencial é que a rendibilidade do
sector produtivo continua baixa, pelo que muitos dos grandes capitalistas
preferem apostar na especulação financeira do que investir na indústria. Este
tema foi já por nós abordado em detalhe noutros artigos. Note-se, a propósito,
que as baixas taxas de juro actualmente praticadas permitem aos conglomerados
alavancar em alto nível a compra de activos financeiros nas bolsas e nos
mercados de derivados. Nas próprias economias emergentes, em especial no
Brasil, Rússia, Índia e China, se tem vindo a verificar quedas de investimento;
da ordem de 4% em 2013 e possivelmente outro tanto em 2014 o que constitui uma
inflexão da tendência destas economias nos últimos anos. Há, aliás, quem
preveja que uma nova grande crise seja despoletada por um destes países.
A figura 9 ([13]) mostra a taxa de crescimento
do investimento em capital fixo (capex=capital expenditure), ou seja, em
instalações industriais, maquinaria, laboratórios, consertos e remodelações,
etc. A figura mostra bem onde reside a falência do capitalismo actual na
produção de valor.
Fig. 9. Taxa de crescimento de investimentos em capital fixo a nível de
todas as economias capitalistas.
Já fundamentámos, com algum detalhe em artigos
anteriores, que a quebra de investimento é causada pela queda da rendibilidade.
Todas as recessões são precedidas por quedas de rendibilidade (ver, p. ex.,
[15]). Além disso, a rendibilidade do capital no sector produtivo tem exibido
uma tendência secular de declínio (a famosa lei da queda tendencial da taxa de
lucro, proposta por Karl Marx), conforme tem sido analisado e constatado
experimentalmente em muitos trabalhos (ver, p. ex., [16-17]).
4) Salários, produtividade e desemprego
Nas economias capitalistas a classe social
dominante é, obviamente, a classe dos capitalistas, a burguesia. São os
capitalistas que dominam as instituições e controlam as políticas estatais; que
impõem as regras do jogo a que os trabalhadores estão sujeitos; pesem embora
algumas concessões aos trabalhadores mercê da sua luta constante por melhores
condições de vida. Num cenário de baixa rendibilidade do capital, aumenta a
pressão dos capitalistas para ainda aumentar mais o grau de exploração dos
trabalhadores, o que se traduz, entre outras coisas, em cortes salariais e
aumento das exigências laborais (mais horas de trabalho, por exemplo).
A figura 10 ([18]) mostra a variação média
anual do crescimento dos salários reais (isto é, tendo em conta o índice de
preços) e da produtividade desde o 2.º trimestre de 2009 (quase no fim oficial
da crise) até ao 1.º trimestre de 2014. É patente que, por exemplo, um aumento
de produtividade na Zona Euro semelhante ao dos EUA foi «acompanhado» por uma
baixa dos salários reais, enquanto nos EUA houve aumento (ainda que débil). No
Japão, um maior aumento de produtividade «acompanhou» uma maior diminuição dos
salários reais. Esta actual tendência da sobre-exploração do trabalho surge aqui
e além noticiada para as economias emergentes. Não foi por nada que a China
assistiu a greves selvagens dos mineiros do carvão em Outubro de 2009, dos
trabalhadores da Honda em Maio de 2010 e várias outras de Junho a Agosto de
2013.
Na Zona Euro os custos reais do trabalho
também têm decrescido em vários países, conforme mostra a figura 11 ([19]), o
que significa que nesses países os gastos em salários decresceram face ao valor
acrescentado real. As maiores descidas dos valores pré-crise foram na Itália,
Espanha e Portugal. Particularmente acentuadas a partir de 2009.
Fig. 10. Crescimento dos salários reais (castanho escuro) e da produtividade
(rosa) entre o 2.º trimestre de 2009 e o 1.º trimestre de 2014.
Fig.11. Custos reais unitários do trabalho, tomando o valor de 1999
como referência.
O desemprego, como é sabido, tem assumido
níveis dramáticos não só nas economias desenvolvidas como em muitos outros
países ([20]). É ainda mais dramático e totalmente desumano o nível de
desemprego na juventude (15-24 anos) nas economias «ricas» da Europa, conforme
mostra a figura 12 ([21]). O crescimento do desemprego pós-crise é enorme. O
desemprego jovem tinha atingido níveis espantosamente elevados na Grécia,
Espanha (superior a 50%!), Croácia, Itália, Portugal e Chipre (perto ou
superior a 40%). Nos 28 países da UE, 26 tinham taxas de desemprego jovem
superiores a 10%! Os Durões Barrosos, os Draghi, os Juncker e todos os seus
serventuários e correligionários mostram-se muito compungidos com esta
situação. Desdobram-se em declarações e em relatórios gizando planos para
vencer esta calamidade social. Quem ouça e leia com atenção e conhecimentos
aquilo que dizem sabe que são pilhas de tretas, destinadas a manter o povo
adormecido. A situação é o que é pelas razões já explicadas da baixa
rendibilidade do capital nos sectores produtivos (e com explicação detalhada em
muitos dos nosso artigos anteriores). No mundo do Capital são os capitalistas
quem mais ordena e as declarações optimistas dos Durões Barrosos, etc., servem
apenas para tapar os olhos das «criancinhas» que ainda creditam em presentes do
Pai Natal.
Fig. 12. Evolução do desemprego jovem (15-24 anos) em países da UE e na
Zona Euro.
5) Desigualdade social
Um gráfico que ilustra de forma dramática o
que representou(a) o neoliberalismo e, a partir de 1989 com o colapso da URSS e
de outros países socialistas, o neoliberalismo em rédea solta, é o da figura 13
que mostra a evolução nos EUA da produtividade e do rendimento
mediano real (isto é, tendo em conta o índice de preços) das famílias
([22]). A partir da «crise do petróleo» em 1975, que marca o fim das políticas
keynesianas e a inflexão para políticas neoliberais, a produtividade aumentou e
acelerou o seu aumento a partir de cerca de 1990. Mas o aumento da riqueza
criada não foi para a população em geral, já que o rendimento mediano das
famílias praticamente estagnou e decresceu a partir da crise de 2008.
Fig.13. Evolução da produtividade e do rendimento mediano das famílias
desde 1947. Notar a descolagem evolutiva a partir de 1975 que se agrava até
hoje.
Para onde «fugiu» a riqueza criada pelos
aumentos de produtividade? Para os muito ricos, para os grandes capitalistas. A
prova está na figura 14 ([23]) que complementa a anterior. Veja-se como evoluiu
nos EUA o rendimento médio dos 1% do topo, comparado com o valor médio dos
salários e a produtividade.
Fig. 14. Evolução do rendimento médio dos 1% do topo, do valor médio
dos salários e da produtividade nos EUA, desde 1979.
Mas mesmo o rendimento médio dos 1% do topo
não transmite a ideia justa do enriquecimento dos grandes capitalistas. Por
exemplo, o valor de rendimento anual em Portugal e em 2013, dos que se situaram
no início dos 1% do topo, foi de 36.169 € ou seja de 2583,5 €/mês (contando com
subsídios de férias e de Natal). Um rendimento mensal ridiculamente baixo para
os grandes capitalistas, que ocupam uma faixa muito mais reduzida no topo da
distribuição, da ordem dos 0,1%. Dados sobre esta longuíssima faixa no topo da
distribuição de rendimento não estão normalmente disponíveis nas instituições
estatísticas. Existem, contudo, estudos sobre o número de milionários e
bilionários, e estes dão uma ideia bem mais precisa de para onde vai a riqueza
criada pelos trabalhadores.
Ora, o número de milionários e bilionários tem
vindo constantemente a crescer em quase todo o mundo, conforme mostra a figura
15 ([24]) e, como é óbvio, a riqueza não aumenta sem aumentar o rendimento, o
qual, independentemente da fonte directa de onde provém (muitas das
fontes são inclusive ilegítimas: desvios, fraudes, roubos, prostituição, droga,
casinos, etc.), acaba sempre por provir dos criadores de valor: os
trabalhadores.
Fig. 15. Evolução do número de milionários (com uma riqueza maior que
um milhão de dólares US) a nível mundial.
Com isto tudo, não é de admirar o crescimento
dramático da desigualdade social a nível mundial, quer dentro de cada país quer
entre países. Esta crescente desigualdade social está retratada na figura 16
([25]).
Fig. 16. Evolução dos escalões de riqueza a nível mundial entre 2010 e
2014.
O gráfico da esquerda mostra o número de
adultos em cada escalão de riqueza (medida em dólares dos EUA) em fracção, por
mil, da população mundial. Vemos que nos três escalões mais baixos o número de
adultos se tem mantido praticamente estacionário ou baixado ligeiramente. Há um
escalão em que a subida é bem visível. É o escalão dos mais ricos a traço azul
(«> 1 milhão de USD» significa mais de 786 mil euros ao câmbio actual) que
passou de 5 por mil (0,5%) para 7 por mil (0,7%) da população mundial. Este
escalão tem também subido na percentagem de riqueza mundial; passou de 35,6%
para 44%. Uma subida de 8,4% em apenas 4 anos! Todos os outros escalões
viram diminuir a sua fatia da riqueza mundial. (De 4,2% para 2,9% para os
do escalão de menos de 10 mil USD, de 14,5% para 11,8% para os do escalão de 10
mil a 100 mil USD e de 43,6% para 41,3% para os do escalão de 100 mil a 1
milhão de USD.) Mas o que tem acontecido com os milionários também acontece com
os bilionários (mais de 786 milhões euros ao câmbio actual): são cada vez mais
e cada vez mais ricos. De 2008 a 2014 passaram de 100 a 240 com uma riqueza
global avaliada em 6,3 triliões de dólares (4.950.670 milhões de euros, ou seja, quase 30
vezes o PIB de Portugal; [26]). Note-se que todos estes
valores-estimativas sobre milionários e bilionários pecam por defeito. Como
disse um economista sénior do BCE, «muitos dos ricos preferem avaliar por baixo
os seus activos quando respondem a inquéritos».
Em suma, a Longa Depressão neoliberal tem sido
um maná para os ricos e muito ricos.
O enorme aumento da desigualdade social é
amplamente reconhecido, incluindo por organismos ao serviço do capitalismo,
como a OCDE, o FMI e o Banco Mundial. Um livro recentemente muito comentado
pelos economistas (e não só) de todo o mundo é o livro do economista francês
Thomas Piketty «O Capital no Século XXI» de 2013 ([27]). O livro contém pilhas
de dados demonstrando o aumento da desigualdade social a nível global e de
vários países, defendendo a tese de que é a desigualdade social a causadora das
crises. Ao retomar esta velha tese keynesiana de que é o subconsumo que causa
as crises, o livro não traz nada de novo, nem do ponto de vista do diagnóstico
nem da terapêutica. Referimos o leitor interessado para as críticas marxistas
ao livro em [28].
Referências:
[1] O PIB nominal (ou PIB a preços correntes)
é a soma de toda a riqueza produzida num ano usando os valores correntes dos
preços. O PIB real (ou PIB a preços constantes) é o PIB nominal dividido pelo
índice de preços de cada ano.
[2] Dados do Federal Reserve Bank of St.
Louis: http://research.stlouisfed.org/fred2/
[3] O leitor interessado pode ver a comparação
entre PIB real per capita dos EUA e o PIB esperado (por regressão exponencial)
no seguinte portal de uma firma americana de consultoria financeira: http://www.advisorperspectives.com/dshort/updates/Real-GDP-Per-Capita.php
[4] Construímos os dois gráficos da esquerda
com o PIB trimestral (sazonalmente ajustado) do Federal Reserve Bank of St.
Louis. O gráfico da direita foi construído com os dados U. S. Bureau of
Economic Analysis (BEA).
[5] O período mínimo de três trimestres é
usado por várias entidades que classificam as recessões. Ver o que dissemos a
este respeito em http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2013/11/austeridade-em-portugal-ponto-da.html
[6] Global
gross domestic product (GDP) at current prices from 2004 to 2015* (in
billion U.S. dollars), Statista-The Statistics Portal, http://www.statista.com/statistics/268750/global-gross-domestic-product-gdp/
[7] Luigi Buttiglione, Philip Lane, Lucrezia
Reichlin, Vincent Reinhart, Deleveraging, What Deleveraging? The 16th Geneva
Report on the World Economy, Vox (Centre for Economic Policy Research),
29/9/2014, http://www.voxeu.org/article/geneva-report-global-deleveraging
[8] Sweta
Saxena, Three Key Questions About the Slowdown in Emerging Markets,
IMFdirect, 18/9/2014, http://blog-imfdirect.imf.org/2014/09/18/three-key-questions-about-the-slowdown-in-emerging-markets/
[9] A alavancagem tem a ver com o total de
activos que se podem mobilizar por empréstimos face aos activos iniciais
próprios (ver exemplos em http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2012/09/a-crise-do-euro-uma-apreciacao-parte-i.html
). A desalavancagem tem, portanto, a ver com a liquidação de dívidas de
empréstimos.
[10] Já falámos num artigo anterior do risco de
deflação, à beira da qual estão várias economias da UE, incluindo a nossa. A
deflação (inflação negativa) leva à queda de preços com adiamento do consumo e
não realização do lucro capitalista.
[11] Chris Giles (Economics Editor), Geneva
Report warns record debt and slow growth point to crisis, September 28, http://www.ft.com/intl/cms/s/0/4df99d28-4590-11e4-ab10-00144feabdc0.html#axzz3GONVxHMw
[12] Tiago Figueiredo Silva «Grécia e crise
económica ditam novo crash bolsista», JN 17/10.
[13] Michael Roberts, Slowing global growth
and the capitalist future, 6/7/2014, http://thenextrecession.wordpress.com/2014/07/08/slowing-global-growth-and-the-capitalist-future/.
Os dados da figura são do 16th Geneva Report on the World Economy.
[14] A figura, tirada do trabalho [13], provém
da Standard&Poor’s.
[15] Tapia Granados, J. A., Statistical
Evidence of Falling Profits as Cause of Recession: A Short Note, Review of
Radical Political Economics, December 2012, 44: 484-493.
[16] Andrew Kliman, The Failure of Capitalist
Production. Underlying Causes of the Great Recession, Pluto Press, November
2011.
[17] Peter Jones, The Falling Rate of Profit
Explains Falling US Growth, 12th Australian Society of Heterodox Economists
Conference, November 2013.
[18] Chris Giles, Sarah O’Connor, Claire Jones
and Ben McLannahan, Pay pressure, Financial Times, 18/9/2014, http://www.ft.com/intl/cms/s/2/ec422956-3f22-11e4-a861-00144feabdc0.html#axzz3GONVxHMw.
A figura foi construída com dados da OCDE.
[19] Labour Costs and Crisis Management in the
Euro Zone:
A Reinterpretation of Divergences in Competitiveness, Robert Schuman
Foundation, European Issue nº 289, 23/09/2013, http://www.robert-schuman.eu/en/european-issues/0289-labour-costs-and-crisis-management-in-the-euro-zone-a-reinterpretation-of-divergences-in.
Os dados do gráfico são da Ameco, um organismo da Comissão Europeia.
[20] Valores do desemprego entre 2005 e 2013 (com previsões de 2014 a 2018) podem ser vistos em http://www.ilo.org/global/research/global-reports/global-employment-trends/2014/WCMS_233936/lang--en/index.htm
[20] Valores do desemprego entre 2005 e 2013 (com previsões de 2014 a 2018) podem ser vistos em http://www.ilo.org/global/research/global-reports/global-employment-trends/2014/WCMS_233936/lang--en/index.htm
[21] Gráfico construído com os últimos dados
do Eurostat, consultado em 21 de Outubro de 2014 e que vão até Outubro de 2013.
[22] O gráfico é da wikipedia (http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Productivity_and_Real_Median_Family_Income_Growth_1947-2009.png ) que cita as seguintes fontes dos dados: EPI
Authors' analysis of Current Population Survey Annual Social and Economic
Supplement Historical Income Tables, (Table F–5) and Bureau of Labor Statistics
Productivity – Major Sector Productivity and Costs Database (2012).
[23] Dave Gilson and Carolyn Perot, It's the
Inequality, Stupid, Mother Jones, March/April 2011 Issue, http://www.motherjones.com/politics/2011/02/income-inequality-in-america-chart-graph.
O site cita todas as fonts oficiais que usa nos seus gráficos.
[24] Global Wealth Report 2014, Credit Suisse
Research Institute, https://publications.credit-suisse.com/tasks/render/file/?fileID=60931FDE-A2D2-F568-B041B58C5EA591A4.
Um gráfico que mostra a evolução do PIB e do rendimento mediano até 2013 é
apresentado em http://en.wikipedia.org/wiki/Income_inequality_in_the_United_States#cite_note-54.
É visível que o rendimento mediano continua a baixar.
[25] Gráficos construídos com os dados das
«pirâmides da riqueza» de sucessivos relatórios Global Wealth Report do Credit
Suisse Research Institute.
[26] The World’s Billionaires, Forbes
Magazine, 3/3/2014, http://www.forbes.com/billionaires/
[27] O original é de Agosto de 2013. A
tradução portuguesa é do passado mês de Outubro da Editora Intrínseca.
[28] Críticas marxistas do livro de Thomas
Piketty: http://zzs-blg.blogspot.pt/2014/02/getting-serious-about-inequality.html
; http://thenextrecession.wordpress.com/2014/04/16/piketty-fest-continues-some-directions-for-the-reader/
; http://thenextrecession.wordpress.com/2014/04/30/piketty-in-french-its-worse/
. Ver também de M. Roberts: Is Inequality the Cause of Capitalist Crises? in http://thenextrecession.wordpress.com/2014/03/11/is-inequality-the-cause-of-capitalist-crises/