terça-feira, 28 de junho de 2016

Mitologia Europeia na… Esquerda

É sabido que os principais meios de comunicação portugueses e de outros países capitalistas da UE sistematicamente propagandeiam mensagens de uma «Europa solidária», «Europa de liberdade», da «ideia europeia», da «construção europeia», etc.
    
Inculca-se, assim, nos cidadãos uma imagem abstracta e divinizada da «Europa», acima dos povos e países. Mais importante ainda, acima das classes sociais. Aparentemente, existiria uma maravilhosa deusa «Europa» que estabeleceria a solidariedade entre todas as nações; defendendo uma «ideia» a que todas as nações e classes deveriam aderir; levando a cabo uma «construção» em que todas as nações e classes deveriam estar empenhadas.
    
É claro que os meios de comunicação europeus de larga audiência, e os políticos que falam através deles, raramente falam em classes, e quando o fazem usam a expressão «classe média», uma espécie de guarda-chuva debaixo do qual se esbatem todas as distinções de classe e se oculta a definição de classe.
    
De facto, entende-se que tais meios de comunicação prefiram falar em «países» ou «povos» (povo no sentido de nação e não no sentido de povo comum, das classes trabalhadoras e estratos sociais desfavorecidos). Esses meios pertencem a grandes empresas do negócio da informação, têm como fontes informativas a nível internacional corporações alinhadas ou controladas pelo imperialismo ianque (UPI, AP, ABC, CBS, NBC, CNN e Fox News dos EUA; Reuters e BBC do Reino Unido; DAPD e DPA da Alemanha; CBC News do Canadá; AFP da França; ANP da Holanda), pelo que estão afinados pelo mesmo diapasão, vivem do apoio financeiro de multinacionais, dos seus bancos, e do mundo dos negócios em geral. Divulgam, por isso, a agenda neoliberal dos seus patrões e mentores ideológicos. E ai dos jornalistas que se afastam da «linha editorial»! São postos na rua ou a redigir secções de desporto ou necrologia. É assim imposta uma linha única de pensamento e de mundovisão por aquilo a que alguns chamam «liberdade de informação». É a liberdade do grande capital neoliberal (in)formar.
    
Os políticos dirigentes europeus planeiam e decidem as políticas da UE. Que «solidariedade» revelam? Que «liberdade» e «ideia» europeia defendem? Que «construção» fizeram e fazem? Pois, naturalmente, a «solidariedade», «liberdade», «ideia» e «construção» que servem à perpetuação do sistema sócio-económico vigente. Serviço de sua vocação, para o qual são pagos, e do qual esperam compensação futura quando abandonam a vida política e entram nos quadros dirigentes dos altos negócios. Qual o sistema sócio-económico vigente? É o capitalismo monopolista de Estado na sua versão neoliberal.
    
Isto são verdades tão evidentes que só os muito distraídos ou exclusivamente (in)formados por esses meios e políticos não reparam nelas.
    
Entende-se, assim, perfeitamente, que esses meios de comunicação, e os políticos que falam através deles, falem apenas em «países» ou «povos». As expressões «classe capitalista», «classe trabalhadora», ou «classe operária», nunca são usadas. São expressões tabu, odiadas pela Direita. Expressões subversivas porque põem os cidadãos a pensar e a levantar questões – nomeadamente de que classe domina o sistema sócio-económico e quais as consequências de tal – o que é considerado pelos próceres do capitalismo um mau costume. Para eles convem-lhes que os cidadãos absorvam exclusivamente a versão desinfectada da política que vendem. Desinfectada de expressões precisas, bem definidas e, ao invés, poluída de mitos que ajudem a construir uma mundovisão como uma telenovela de luta de «bons» (os capitalistas e seus ajudantes, claro) contra «maus».
    
Ora, «povos» e «nações» podem ser ideologicamente conquistados pelos mitos da «Europa solidária», «Europa de liberdade», «ideia europeia», «construção europeia», etc. Até intelectuais que se dizem de esquerda contribuem activamente para essa conquista ideologica! Veja-se, p. ex., como o Syriza na Grécia foi conquistado por tais mitos. Como Varoufakis, Zizek, Boaventura Sousa Santos, Rui Tavares, e quejandos também embarcaram agora na mistificação de uma «Europa» transparente, com democracia «total» (!), Parlamento «soberano» mas com partilha de poder com parlamentos nacionais e regionais (!), etc. Uma «Europa» de «cidadãos», com capitalismo melhor governado pela Esquerda do que pela Direita; um capitalismo humanista, sem classes, em que tanto vale o Belmiro de Azevedo como o trabalhador da Soares da Costa que foi despedido ou que tem o seu salário em atraso.
    
Ao grande capital, aos políticos que sustentam a agenda neoliberal, em suma, à Direita, interessam a mitificação da «Europa». Não interessa de forma nenhuma a verdade nua e crua de que, p. ex., a política de «austeridade» apesar de imposta para pretensamente manter uma «Europa solidária», uma «Europa de liberdade», a «ideia europeia», etc., serviu de facto para manter os bolsos cheios da classe capitalista à custa de esvaziar os bolsos da classe trabalhadora, no activo, desempregada, ou reformada.
    
Quando se fala em «Europa solidária», «Europa de liberdade», «ideia europeia», «construção europeia», é preciso perguntar e esclarecer: «solidária» com que classe? «liberdade» para que classe? «Ideia» de que classe? «Construção» para beneficiar essencialmente que classe?
    
A Direita não gosta de tais questões. Ou não responde ou contorna-as invocando conceitos abstractos de «liberdade», «solidariedade», «ideia», «construção». Conceitos pairando nas nuvens, acima das classes, acima dos homens e mulheres concretos e das suas relações sociais.
    
Esta é uma questão-chave de grande impacto na compreensão da política. Por isso mesmo, todas as forças progressistas têm o dever prioritário de combater a propaganda sufocante da Direita que amarra as populações a mitologias, incapacitando-as de avaliar correctamente o que está em jogo.
    
Pelos vistos, parecem não o entender assim nem Catarina Martins (CM) do BE nem Rui Sá (RS) do PCP.
    
A primeira disse assim na Convenção do BE (JN de 27/06/2016): «Somos europeus contra os financeiros que amesquinham a Europa [...]». «O pior da UE é a sua chefia» constituída por «homens perigosos» que todos os dias «destroçam a Europa para apresentar a política que assusta os povos».
   
Portanto, para CM o mal da «Europa» é a «chefia», os políticos dirigentes. Os políticos são os maus. Fica a pairar a ideia de que com outros políticos na «chefia» da UE seria melhor. Mas que interesses tem obrigatoriamente que servir a «chefia» da UE? Qual a classe que está por trás dela? Que outros políticos-chefes seriam melhores? Será que CM tem a espantosa ilusão de que seria possível gerir melhor a «Europa», isto é, os monopólios europeus de agenda neoliberal – a única que actualmente serve o capitalismo –, com políticos de Esquerda? Que classe e interesses serviriam então esses políticos de «esquerda»? Será que CM ainda não compreendeu que a «chefia» não é formada de «homens perigosos» para o grande capital, mas sim por homens bons, da sua inteira confiança? Homens que não «destroçam a Europa» mas sim constroem afincadamente a «Europa» da sua classe. A única «Europa» possível na actual versão neoliberal do capitalismo monopolista. Será que não compreendeu que as suas políticas não «assustam os povos», antes reduzem a condições mais miseráveis a parte dos «povos» que se designa por classe trabalhadora, nomeadamente a classe dos trabalhadores manuais, a classe operária, menos dada a «sustos» e mais dada a lutas?
    
O segundo escreveu assim no JN de 27/06/2016: «Esta Europa em que as vontades nacionais se submetem a uma pseudovontade europeia, esta Europa imposta aos povos, sem respeitar as próprias decisões, esta Europa que enxovalha os países faz crescer em mim a convicção de que não é reformável».
   

«Esta Europa»? Qual? Não duvidamos que RS sabe bem que é a Europa do capital monopolista neoliberal. (Álvaro Cunhal, sempre preciso nas suas afirmações, chamava-lhe a «Europa dos monopólios».) Mas porque não o diz? Porque não chama os bois pelos nomes precisos? A bem do esclarecimento político e do desfazer dos mitos caros à Direita. Porquê invocar uma críptica «pesudovontade europeia» – quando não é nem «pseudo» nem «europeia», mas sim a concreta e objectiva  vontade do capital europeu – e, de novo, invocar a deusa «Europa», agora como «imposta aos povos»? Nós julgávamos que era imposta às classes trabalhadoras. E não «imposta» mas acolhida e contribuída com apreço por Belmiros, Amorins, Ricardos Salgados, e outra gente que também faz parte do «povos». Por fim, quando RS diz «esta Europa que enxovalha os países» toca o violino caro aos nacionalistas e permite uma monumental confusão. «Esta Europa» (repetimos: mas há outra possível no capitalismo monopolista neoliberal?) não enxovalha em nada o país de Belmiros, Amorins, Ricardos Salgados, e outra gente acima subentendida, que inclui também um espantoso número de políticos como Passos Coelho, Maria Albuquerque, Vítor Gaspar, Paulo Portas, e de gestores da banca, etc., etc. Acontece ainda que, sob o capitalismo, os «enxovalhos» entre «países» são enxovalhos entre capitalistas e seus políticos, e preocupam mais os intelectuais pequeno-burgueses como já Lenine em devido tempo assinalou (o «enxovalho» de países de RS é semelhante ao «amesquinham a Europa» de CM) do que a classe trabalhadora, que está bem mais preocupada em lutar contra a exploração e libertar-se dela. Se a «Europa» aplicar sanções a Portugal pelo défice orçamental excessivo, será que RS se sentirá enxovalhado? Pesoalmente, não nos sentiremos enxovalhados. Em nada. Entenderemos tal eventualidade como mais uma oportunidade concedida pelos capitalistas de esclarecer os trabalhadores das razões porque é necessário sair do euro, da «Europa» e do capitalismo. O «enxovalho» é apenas uma sublimação emocional pequeno-burguesa de mais uma contradição do capitalismo. Também pensamos que RS está bem mais preocupado com a miséria imposta pelas políticas de austeridade da UE e a não renegociação da dívida pública do que com «enxovalhos». Mas é preciso dizê-lo. É imperioso falar claro, contribuindo constantemente para o desmantelar da fraseologia que alimenta a pressão ideológica da Direita ao nível das consciências.

quarta-feira, 8 de junho de 2016

Os Imperialistas Colidem: Guerra e Refugiados no Mediterrâneo e Médio Oriente. O papel perigoso da UE e da NATO

Num recente fórum da Esquerda dos EUA, onde esteve presente uma delegação do “Marxismo-Leninismo Hoje” (http://mltoday.com/ ), um convidado do Partido Comunista Grego (conhecido pela sua sigla KKE em grego) apresentou um conjunto de reflexões sobre a actual questão dos refugiados na Europa, enquadrando-a no contexto das contradições interimperialistas USA-UE-Rússia. São reflexões cuja divulgação nos parece de grande interesse. Aqui fica a tradução.

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Os Imperialistas Colidem: Guerra e Refugiados no Mediterrâneo e Médio Oriente. O papel perigoso da UE e da NATO.
Comentários de Kostas Papadakis, Membro do KKE e do Parlamento Europeu, no Left Forum,  City University of New York, 21 de Maio de 2016.
   
Gostaríamos de agradecer ao Marxismo-Leninismo Hoje a oportunidade que nos concedeu de ter hoje uma discussão, aqui em Nova Iorque, sobre questões sérias da luta do KKE (Partido Comunista Grego), especificamente sobre a nossa luta internacionalista.

A Grécia e os EUA podem estar separados por milhares de milhas, mas o nosso objectivo e ambição é de que os militantes comunistas e radicais estabeleçam critérios unificados em termos do exame dos desenvolvimentos e da organização da luta pelos interesses da classe trabalhadora.

A nossa ferramenta para tal terá de ser a nossa visão do mundo, o marxismo-leninismo, que nos apetrecha com a capacidade de extrair as conclusões necessárias quanto às causas e desenvolvimentos de questões complexas, caracterizadoras da era do estádio superior do capitalismo, o imperialismo. Acima de tudo, os comunistas devem estabelecer a nível internacional uma estratégia revolucionária unificada contra um inimigo poderoso e impiedoso, o sistema capitalista.

Esta não é uma tarefa para um futuro distante e indefinido. É algo absolutamente necessário nas condições de hoje. A sua ausência faz-se sentir nos desenvolvimentos, torna mais difícil para os trabalhadores e para as camadas populares pobres de ambos os lados do Atlântico a compreensão de que o sistema capitalista é o inimigo real, bem como o entendimento das suas leis objectivas e dos métodos que usa para alcançar os seus fins, que não são mais do que assegurar o máximo lucro possível e a sua própria perpetuação como sistema.

Tal ausência [do estabelecimento de uma estratégia revolucionária unificada] refreia o desenvolvimento do confronto ideológico-político e das dinâmicas de luta numa direcção anti-capitalista e anti-monopolista, que contribuirão para a ruptura do sistema, e refreia ainda a concentração de forças para derrubar a barbárie capitalista e alcançar o socialismo.

Gostaríamos de apontar alguns exemplos para que a abordagem do nosso partido aos actuais desenvolvimentos internacionais seja melhor compreendida.

Podemos, por exemplo, examinar o caso da Grã-Bretanha – cuja economia tem neste momento o mais alto desenvolvimento capitalista da UE –, e particularmente o referendo que vai levar a cabo quanto a um possível "Brexit".

Temos aqui uma luta entre secções da classe burguesa britânica, entre a secção que ganha mais em estar na UE e a secção que detém uma melhor posição nos mercados, por exemplo, dos EUA e dos países BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul). Uma secção do capital detém uma posição forte e exibe a sua energia no quadro da UE. Aposta na sua capacidade de resposta em competição árdua, fazendo avançar os seus próprios termos e condições com vista a obter a máxima rendibilidade nos principais acordos transatlânticos que se estão agora a construir e decidir.

A outra secção faz outros cálculos. Escolhe o Brexit (a saída britânica da UE), porque avalia a UE como um campo minado para a sua rendibilidade e tem outras prioridades que não são favorecidas se continuar na UE. Qualquer que seja a secção ganhadora no referendo, no dia seguinte o poder continuará ainda a estar nas mãos da classe burguesa, e os trabalhadores e as camadas populares pobres serão de novo os perdedores, já que os seus direitos serão de novo esmagados pela exploração capitalista em qualquer dos cenários porque as alavancas da economia continuarão a ser propriedade dos capitalistas.

A classe trabalhadora e o povo em geral, serão vítimas quer da agressividade capitalista sustentada pelo aparelho e pelas medidas anti-povo da UE, quer por uma agressividade capitalista similar que, em nome de poder competir com os monopólios dos países da UE, violará os direitos da classe trabalhadora e do povo de uma forma igualmente selvagem.

Os problemas causados pela assimilação em organizações imperialistas, como a UE, a NATO e também os BRICS, só podem ser erradicados se a raiz do problema for eliminada, se a organização capitalista da economia e da sociedade for derrubada, se a questão do poder e da propriedade dos meios de produção for resolvida. Consequentemente, as lutas do dia-a-dia, as lutas de classe diárias, ganharão quer em força quer em eficiência na medida em que operarem nesse sentido.

Não é por acaso que o referendo da Grã-Bretanha tem lugar num período em que o Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP [sigla inglesa]) entre a UE e os EUA está a ser negociado, um acordo que tem em vista criar um mercado único Euro-Atlântico para as economias capitalistas de ambos os lados do Atlântico, com o aumento dos lucros dos grandes grupos monopolistas. Será uma «NATO económica», tão bárbara para os povos quanto a militar.

As onsequências do TTIP serão dramáticas para a classe trabalhadora e as camadas pobres do povo, já que se traduzirá numa intensificação da sua exploração, na redução drástica do preço da mão-de-obra, na demolição de quaisquer direitos que ainda permanecerem, na deterioração rápida de todos os aspectos das condições de vida.

O TTIP procurará fortalecer a posição dos monopólios no mercado capitalista global, constituindo a resposta Euro-Atlântica à ascensão de economias capitalistas poderosas como as da China e Índia na Ásia, e dos países BRICS em geral. Não devemos também, quanto a isto, desprezar o facto de que estas negociações se desenrolam em condições de agudização das contradições da UE quer com os EUA quer também internamente. Na realidade, também dentro de cada estado-membro. No quadro dos antagonismos da UE e da zona euro está em gestação uma estratégia a longo prazo para criar novos mecanismos nos quais o poder terá a última palavra na fase de recuperação [pensamos que se refere aqui à recuperação da crise], mecanismos que facilitarão os monopólios no reforço da sua competitividade e que concentrarão o capital para financiar estes monopólios de forma sistemática.

A UE não é uma organização supra-nacional, mas sim uma união imperialista inter-estatal. Isto é, uma união de estados capitalistas, nos quais a classe burguesa e os seus partidos unem as suas forças contra os povos. Neste sentido, os estados criam mecanismos permanentes que constantemente procuram fazer avançar a linha política anti-trabalhador, e que automaticamente tomam medidas anti-povo em nome de quaisquer desvios de despesas orçamentais e de défices. Tais mecanismos já existiam no passado, mas estão agora a ser ampliados, reforçados, e a dotar-se de um carácter automático.

Dentro de uma união inter-estatal como a UE, e em geral dentro de um sistema imperialista, podemos constatar a existência de relações desiguais entre os estados capitalistas devido às suas diferenças históricas, potencial de desenvolvimento, vantagens geográficas, força económica e politico-militar. Esta é uma característica básica que nos mostra a realidade da situação e responde aos erros de análise quando se referem «ocupações», «colónias», «centro-periferia» ou o «Norte rico/Sul pobre». [Pensamos que o autor se refere aqui aos erros de análise dos que consideram, por exemplo, que pelo facto de Portugal ser um país «periférico» ou o Brasil um país do «Sul» deixaram de pertencer ao sistema imperialista internacional, à pirâmide imperialista. Ver http://inter.kke.gr/en/articles/On-Imperialism-The-Imperialist-Pyramid/ ]

Não temos aqui apenas o confronto das classes burguesas da Alemanha, França e Itália. A burguesia dos EUA também participa nesse confronto, já que sabe muito bem que a recuperação dos últimos anos é frágil e instável, e procura por isso evitar evoluções que poderiam exacerbar os seus problemas e perturbar o equilíbrio delicado entre o dólar e o euro e a sua capacidade de exportar para a UE, algo que não é garantido ainda que a subida gradual dos preços do petróleo possa pôr de novo os EUA numa posição forte.

Perante estas evoluções complexas cada classe burguesa faz os seus cálculos. Ela compete mas também constitui alianças com outros poderes a tenta negociar. A classe trabalhadora e o povo não têm interesses nestes objectivos das classes burguesas, nada a ganhar na sua identificação com eles, quer falemos da potência capitalista mais forte do mundo, os EUA, ou da Grécia que está numa posição subordinada e enfraquecida no sistema imperialista.  

Este é um apanhado do pano de fundo económico destes antagonismos, os quais na história das sociedades baseadas na exploração nunca foram resolvidos em mesas de negociação. Quando os diferendos não são resolvidos por compromissos, são resolvidos pela guerra.

O KKE esclarece consistentemente os planos imperialistas na sua totalidade, o desencadeamento de focos de guerra e confrontações na Síria, Líbia, Ucrânia, Afeganistão, Iraque, Iémen. A experiência negativa dos povos tem demonstrado que os ataques assassinos que mataram muita gente há dois meses atrás em Bruxelas, e os ataques em outros lugares, são utilizados para escalar as guerras e intervenções imperialistas, para reforçar as medidas repressivas e a xenofobia, e para intimidar o povo.

São usados como desculpa para fazer avançar planos anti-povo. Devemos ter em atenção que os bombardeamentos aéreos e a concentração de forças militares com um maior envolvimento dos EUA e da NATO na Síria, o envolvimento da França, Grã-Bretanha e Alemanha e a competição destes com a Rússia (que também está envolvida) escalaram imediatamente após os ataques assassinos em Paris.

Estes ataques estão directamente ligados às guerras e intervenções imperialistas, são parte integral delas. Estão directamente ligados aos antagonismos e planos que instigam essas guerras imperialistas. O «Estado Islâmico» emerge como o culpado.

Esta não é, porém, uma história nova. O povo não deve esquecer que «organizações» deste tipo foram utilizadas durante muitas décadas pelos imperialistas com vista a promover os interesses dos monopólios no Médio Oriente e noutros lugares, sob o manto da religião. Algumas vezes como «salvadores» ou «libertadores», e mais tarde como «inimigos». Em ambos os casos foram usados e são usados para justificar as novas intervenções imperialistas dos EUA, UE e seus aliados. Os «jihadistas» são os monstros que os EUA, NATO e seus aliados armaram e treinaram com a assistência da Arábia Saudita e Qatar, e com o apoio da Turquia.

Essas forças emergiram de dentro das fileiras da chamada oposição Síria e foram aclamadas pelos EUA e UE como «uma força de progresso e libertação». Todos os sistemas de exploração, e o capitalismo mais do que qualquer outro, demonstraram frequentemente que as diferenças e contradições religiosas e nacionais, quer as existentes quer as fomentadas, foram e são sempre utilizadas para promover os interesses das classes dominantes. Tais contradições são frequentemente a forma através da qual se exprimem essencialmente contradições de classe. A UE, de facto, tenta enganar o povo, defendendo provocadoramente que é a pobreza que causa tais ataques assassinos, incriminando essencialmente a classe trabalhadora e erigindo uma campanha de propaganda contra a chamada «radicalização». Tentam deliberadamente misturar [confundir] a luta pela abolição da exploração com os mecanismos reaccionários do capital.

Já vimos as declarações dos burgueses, dos EUA, UE, NATO e seus competidores, e do sistma capitalista que servem, acerca da liberdade e democracia nas guerras imperialistas, tais como na Jugoslávia, Afeganistão, Iraque, Líbia, Ucrânia, Síria. Guerras que conduziram à pobreza, à destruição e a milhões de refugiados e imigrantes desalojados das suas casas.

O envolvimento mais generalizado – com uma Armada completa – da aliança predatória da NATO no mar Egeu, sob o pretexto de gerir os fluxos de refugiados, está directamente ligado aos planos imperialistas mais vastos da NATO e à sua competição contra a Rússia em toda a região que se estende desde a Ucrânia, Mar Negro, Balcãs, ao Médio Oriente, e está também ligado ao apoio claro prestado à burguesia turca.

A NATO está a cercar a Rússia, e a próxima cimeira da NATO na Polónia está integrada nesses esforços través do estabelecimento de um escudo anti-míssil na Polónia e nos estados bálticos. A presença da NATO legitima a agressividade da Turquia, o seu «acinzentamento» do mar Egeu [definição pela Turquia de «zonas cinzentas» no Egeu desde os anos 90: ilhas e rochedos que define como de soberania indeterminada pela lei internacional e sobre as quais coloca reivindicações, o que gradualmente permitiu à Turquia criar um diferendo no Egeu], e a intensificação da sua provocação, especificamente as suas violações dos espaços aéreos e das águas territoriais no mar Egeu e em Chipre. A Turquia actua assim porque goza do apoio [nomeadamente dos EUA] das suas exigências provocadoras nas questões de Chipre e dos curdos e, em geral, no Médio Oriente.

Foram demonstrados da maneira mais dramática os avisos atempados e bem fundamentados dos comunistas de que eram falsas e ocas as teses «As fronteiras da Grécia estando identificadas com as fronteiras da UE significarão segurança garantida para o país» e de que o país se tornaria um «porto abrigado» dada a sua pertença à UE. Tais mentiras e ilusões colapsam agora, devido aos repetidos e de facto disputados direitos soberanos não só por parte da Turquia sob a égide da NATO no Egeu mas também pela UE que impõe termos e condições inaceitáveis e perigosas em nome da protecção de fronteiras.

À medida que as nuvens da guerra imperialista se acumulam, os sermões nacionalistas intensificar-se-ão e apelarão aos trabalhadores e ao povo para se mobilizarem ideológica e politicamente em torno desse sermões. Isto, no princípio. A dado momento, para estarem prontos a verter o seu sangue pelos interesses do capital. O povo terá de adquirir a capacidade de chegar a conclusões e de rejeitar tais apelos, organizando a sua luta pelos seus direitos e necessidades em conflito com a UE, o capital e o seu poder, que são os inimigos reais. Quanto a esta questão crucial, os comunistas têm sérias responsabilidades de informar o povo e organizar a sua luta.

As guerras e planos imperialistas são a causa da existência de refugiados. Os refugiados vêm para Europa desalojados das suas casas devido à matança perpretada pelos monopólios  e estados que representam os seus interesses sobre a divisão de mercados, territórios, rotas de transporte de energia. As forças burguesas, entre elas as forças fascistas, focam deliberadamente os refugiados, escondendo a raiz do problema e os responsáveis; isto é, os seus patrões, os monopólios.

O trágico da situação é posto a nu pela estatística de que em 2015 3.700 pessoas desapareceram no Mediterrâneo, 700 das quais no Egeu. Famílias inteiras foram exterminadas. Agora os fluxos para a Grécia reduziram-se devido aos mecanismos desumanos da UE que condenam os refugiados a ficarem encurralados numa vida de tragédias sem fim, em condições miseráveis, detidos, e sob ameaça constante de deportação. Mas os problemas são bastante agudos.

De 1 milhão de refugiados e imigrantes que alcançou a UE no ano passado, 2015, 851.000 passaram pela Grécia.

As decisões da UE tornam permanente o fecho de fronteiras e o encurralamento de milhares de refugiados desesperados na Grécia, e na prática violam a a Convenção de Genebra, a lei internacional sobre refugiados que foi estabelecida sob influência da União Soviética após a 2.ª Guerra Mundial.

Os refugiados são considerados como imigrantes ilegais, defrontam discriminações, são mantidos presos, são deportados e regressam ao inferno da guerra.

Os pedidos de asilo são convertidos, através de procedimentos rápidos, num processo que tem como finalidade negar o asilo à maioria.

Tudo isto foi ratificado e aplaudido nas decisões da Cimeira da UE que fechou as fronteiras. Todos os estados-membros desta aliança imperialista têm responsabilidade nisto. [As autoridades da UE] Tencionam ainda por cima criar uma versão mais dolorosa dos Regulamentos de Dublin e Schengen, com uma maior pormenorização das listas de passageiros de aviões, dos trabalhadores e das suas crenças. [As autoridades da UE] Processarão e partilharão esta informação através de enormes bases de dados.

Esta é a barbárie do sistema capitalista que criou as condições miseráveis de Idomeni, a barbárie dos pontos quentes e dos centros de ordenamento, o confisco selvagem das magras posses dos refugiados sob o pretexto de cobrir os custos da sua estadia em países como a Dinamarca e em vários estados alemães. Isto é exploração de classe, de que um elemento é a demanda do capital de mão-de-obra barata dos exércitos de refugiados e imigrantes, de acordo com as suas necessidades e requisitos em qualquer momento.

Da mesma forma que os imperialistas bombardeiam em prol dos interesses dos seus monopólios assim tratam as vítimas das suas bombas como refugiados.

O governo SYRIZA-ANEL da Grécia prossegue a linha política dos anteriores governos burgueses (ND-PASOK) e arca com enormes responsabilidades por promover as políticas bárbaras da UE contra os refugiados e pelo envolvimento da NATO no Egeu, já que convidou a NATO a ser mais activa, oferecendo a base de Suda na ilha grega de Creta como rampa de lançamento.

O chamado «governo de esquerda» está ansioso por fornecer novas bases militares com vista a servir as intervenções e planos imperialistas.

A Grécia com o SYRIZA no governo é um dos 5 países do mundo que implementou o objectivo NATO de gastos militares, isto é, de 2% do PIB; isto, numa altura em que o povo grego esta a ser esmagado por medidas bárbaras, impostos selvagens e massacre dos salários, pensões e direitos. Apesar do balão pré-eleitoral de apoiar os palestinianos, na prática o governo SYRIZA-ANEL fortaleceu neste curto período as relações politico-militares e económicas com Israel, enquanto Israel massacra o povo Palestino. Mais ainda: Tsipras veio mesmo afirmar que Jerusalém é a capital histórica de Israel.

Acrualmente, com base nesta informação, qualquer comunista e também qualquer um que se considere de esquerda, pode apreciar que problemas o KKE teria de enfrentar se tivesse seguido aqueles que foram enganados pelo SYRIZA e apelaram ao partido para alinhar com o mal menor, abandonando os seus critérios sólidos e bem fundamentados: essencialmente, que um governo de gestão burguesa, como o formado pelo SYRIZA juntamente com os nacionalistas do ANEL, opera no quadro do capitalismo, no mercado capitalista, dentro da UE; isto é, que apesar das suas declarações e slogans terá como fundamento servir os interesses do capital, o que é reconhecido pela Federação das Empresas Helénica [semelhante à nossa CIP] que apoiou este governo desde o início e continua a fazê-lo, avaliando que este governo pode ainda fazer mais trabalho sujo.

Pensamos que os msmos critérios são válidos para os EUA. Aqui também é verdade que escolher o mal menor trouxe ainda maiores tormentos para o povo. Basta lembrarmo-nos do que foi dito quando Obama substituiu G. Bush, a conversa sobre ramos de oliveira e as ilusões sobre uma política externa pacífica, o fim da agressão dos EUA, etc.

A estratégia dos interesses dos monopólios dos EUA que correram a apoiar Obama tinha a ver com uma fórmula de gestão que os serviria com eficiência. Houve uma «mudança de gestão»», mas na sua essência era uma outra forma de servir os monopólios e de massacrar o povo.

Basta enumerarmos as intervenções imperialistas com participação activa dos EUA durante o período da administração Obama e as outras que preparou ou em que esteve directa ou indirectamente envolvido com os seus aliados, na Síria, Ucrânia, Líbia, Iémen, África, as provocações na América Latina, o agudizar da competição no Sudeste Asiático, etc., ou ainda as unidades militares dos EUA que estão sempre no processo de retirada, mas na realidade continuam presentes no Iraque e Afeganistão, bem como os golpes de estado, como nas Honduras.

Esta lista deveria convencer mesmo os mais desconfiados daquilo que estamos a dizer. A competição com a China, onde as relações de produção capitalistas são dominantes, e com a Rússia capitalista, intensificaram-se. Tal como são agressivas as políticas anti-trabalhador implementadas nos EUA pela administração Obama, também a sua política externa é igualmente perigosa. Para além do cacete que acabámos de descrever, também a cenoura foi usada com arte, procurando abrir novas vistas para o capital dos EUA em terreno difícil e fechado, por exemplo no Médio Oriente, Irão e Cuba.

Não é por acaso que [o imperialismo dos EUA] procura desarmar a vigilância do povo, semeando ilusões a um nível simbólico, de que um bom exemplo é a visita que Obama irá fazer a Hiroshima. Não se trata aqui apenas de implementar os objectivos anti-povo da administração, trata-se da implementação dos objectivos da classe governante dos EUA.

O KKE estuda as evoluções na base de critérios de classe, dos interesses da classe trabalhadora e estratos do povo, das obrigações internacionalistas. Ao mesmo tempo o nosso partido desenvolve uma actividade multifacetada com mobilizações militantes, manifestações contra a guerra e intervenções imperialistas, contra o envolvimento da NATO no Egeu.

Organiza iniciativas de solidariedade com os  refugiados, fazendo colectas de alimentos, vestuário, e outros itens essenciais para os refugiados e imigrantes, mobilizando sindicatos, comités de luta e organizações de massas contra as condições de vida miseráveis nos chamados centros de recepção. Tem também um papel destacado a nível internacional, da Europa e dos Balcãs, coordenando PCs de forma a fortalecer a luta contra os monopólios e o capitalismo.

Enquanto os monopólios e o seu poder permanecerem as guerras imperialistas continuarão, e não poderá haver nenhuma via ou solução real de saída disso para os povos. É por isso que a experiência e a conclusão de que uma gestão pró-povo do capitalismo não pode existir, significa que a única via para o povo grego é a luta pelo derrube do poder capitalista.


O próprio povo de cada país na sua luta pela união dos movimentos dos trabalhadores, pela construção de uma aliança robusta da classe trabalhadora, dos trabalhadores independentes, dos pequenos e médios camponeses, das mulheres e da juventudes dos estratos populares, [derrubará o capitalismo] tomando o poder e a economia nas suas mãos, socializando a riqueza que produz, impondo a separação dos interesses do povo dos da UE e NATO, e de toda a organização imperialista.