É sabido que os
principais meios de comunicação portugueses e de outros países capitalistas da
UE sistematicamente propagandeiam mensagens de uma «Europa solidária», «Europa
de liberdade», da «ideia europeia», da «construção europeia», etc.
Inculca-se,
assim, nos cidadãos uma imagem abstracta e divinizada da «Europa», acima dos
povos e países. Mais importante ainda, acima das classes sociais. Aparentemente,
existiria uma maravilhosa deusa «Europa» que estabeleceria a solidariedade
entre todas as nações; defendendo uma «ideia» a que todas as nações e classes
deveriam aderir; levando a cabo uma «construção» em que todas as nações e
classes deveriam estar empenhadas.
É claro que os
meios de comunicação europeus de larga audiência, e os políticos que falam
através deles, raramente falam em classes, e quando o fazem usam a expressão
«classe média», uma espécie de guarda-chuva debaixo do qual se esbatem todas as
distinções de classe e se oculta a definição de classe.
De facto, entende-se
que tais meios de comunicação prefiram falar em «países» ou «povos» (povo no
sentido de nação e não no sentido de povo comum, das classes trabalhadoras e
estratos sociais desfavorecidos). Esses meios pertencem a grandes empresas do
negócio da informação, têm como fontes informativas a nível internacional corporações
alinhadas ou controladas pelo imperialismo ianque (UPI, AP, ABC, CBS, NBC, CNN
e Fox News dos
EUA; Reuters e BBC do
Reino Unido; DAPD e DPA da Alemanha; CBC News do Canadá; AFP da França; ANP da
Holanda), pelo que estão afinados pelo mesmo diapasão, vivem do apoio
financeiro de multinacionais, dos seus bancos, e do mundo dos negócios em geral. Divulgam ,
por isso, a agenda neoliberal dos seus patrões e mentores ideológicos. E ai dos
jornalistas que se afastam da «linha editorial»! São postos na rua ou a redigir
secções de desporto ou necrologia. É assim imposta uma linha única de
pensamento e de mundovisão por aquilo a que alguns chamam «liberdade de
informação». É a liberdade do grande capital neoliberal (in)formar.
Os políticos dirigentes
europeus planeiam e decidem as políticas da UE. Que «solidariedade» revelam?
Que «liberdade» e «ideia» europeia defendem? Que «construção» fizeram e fazem?
Pois, naturalmente, a «solidariedade», «liberdade», «ideia» e «construção» que
servem à perpetuação do sistema sócio-económico vigente. Serviço de sua
vocação, para o qual são pagos, e do qual esperam compensação futura quando
abandonam a vida política e entram nos quadros dirigentes dos altos negócios.
Qual o sistema sócio-económico vigente? É o capitalismo monopolista de Estado
na sua versão neoliberal.
Isto são verdades
tão evidentes que só os muito distraídos ou exclusivamente (in)formados por
esses meios e políticos não reparam nelas.
Entende-se,
assim, perfeitamente, que esses meios de comunicação, e os políticos que falam
através deles, falem apenas em «países» ou «povos». As expressões «classe
capitalista», «classe trabalhadora», ou «classe operária», nunca são usadas.
São expressões tabu, odiadas pela Direita. Expressões subversivas porque põem
os cidadãos a pensar e a levantar questões – nomeadamente de que classe domina
o sistema sócio-económico e quais as consequências de tal – o que é considerado
pelos próceres do capitalismo um mau costume. Para eles convem-lhes que os
cidadãos absorvam exclusivamente a versão desinfectada da política que vendem.
Desinfectada de expressões precisas, bem definidas e, ao invés, poluída de
mitos que ajudem a construir uma mundovisão como uma telenovela de luta de
«bons» (os capitalistas e seus ajudantes, claro) contra «maus».
Ora, «povos» e
«nações» podem ser ideologicamente conquistados pelos mitos da «Europa
solidária», «Europa de liberdade», «ideia europeia», «construção europeia»,
etc. Até intelectuais que se dizem de esquerda contribuem activamente para essa
conquista ideologica! Veja-se, p. ex., como o Syriza na Grécia foi conquistado
por tais mitos. Como Varoufakis, Zizek, Boaventura Sousa Santos, Rui Tavares, e
quejandos também embarcaram agora na
mistificação de uma «Europa» transparente, com democracia «total» (!),
Parlamento «soberano» mas com partilha de poder com parlamentos nacionais e
regionais (!), etc. Uma «Europa» de «cidadãos», com capitalismo melhor
governado pela Esquerda do que pela Direita; um capitalismo humanista, sem
classes, em que tanto vale o Belmiro de Azevedo como o trabalhador da Soares da
Costa que foi despedido ou que tem o seu salário em atraso.
Ao grande
capital, aos políticos que sustentam a agenda neoliberal, em suma, à Direita,
interessam a mitificação da «Europa». Não interessa de forma nenhuma a verdade
nua e crua de que, p. ex., a política de «austeridade» apesar de imposta para
pretensamente manter uma «Europa solidária», uma «Europa de liberdade», a
«ideia europeia», etc., serviu de facto para manter os bolsos cheios da classe
capitalista à custa de esvaziar os bolsos da classe trabalhadora, no activo,
desempregada, ou reformada.
Quando se fala em
«Europa solidária», «Europa de liberdade», «ideia europeia», «construção
europeia», é preciso perguntar e esclarecer: «solidária» com que classe?
«liberdade» para que classe? «Ideia» de que classe? «Construção» para beneficiar
essencialmente que classe?
A Direita não
gosta de tais questões. Ou não responde ou contorna-as invocando conceitos
abstractos de «liberdade», «solidariedade», «ideia», «construção». Conceitos
pairando nas nuvens, acima das classes, acima dos homens e mulheres concretos e
das suas relações sociais.
Esta é uma questão-chave de grande impacto na
compreensão da política. Por isso mesmo, todas as forças progressistas têm o
dever prioritário de combater a propaganda sufocante da Direita que amarra as
populações a mitologias, incapacitando-as de avaliar correctamente o que está
em jogo.
Pelos vistos, parecem
não o entender assim nem Catarina Martins (CM) do BE nem Rui Sá (RS) do PCP.
A primeira disse
assim na Convenção do BE (JN de 27/06/2016): «Somos europeus contra os
financeiros que amesquinham a Europa [...]». «O pior da UE é a sua chefia»
constituída por «homens perigosos» que todos os dias «destroçam a Europa para
apresentar a política que assusta os povos».
Portanto, para CM
o mal da «Europa» é a «chefia», os políticos dirigentes. Os políticos são os
maus. Fica a pairar a ideia de que com outros políticos na «chefia» da UE seria
melhor. Mas que interesses tem obrigatoriamente que servir a «chefia» da UE?
Qual a classe que está por trás dela? Que outros políticos-chefes seriam
melhores? Será que CM tem a espantosa ilusão de que seria possível gerir melhor
a «Europa», isto é, os monopólios europeus de agenda neoliberal – a única que
actualmente serve o capitalismo –, com políticos de Esquerda? Que classe e
interesses serviriam então esses políticos de «esquerda»? Será que CM ainda não
compreendeu que a «chefia» não é formada de «homens perigosos» para o grande
capital, mas sim por homens bons, da sua inteira confiança? Homens que não «destroçam
a Europa» mas sim constroem afincadamente a «Europa» da sua classe. A única
«Europa» possível na actual versão neoliberal do capitalismo monopolista. Será
que não compreendeu que as suas políticas não «assustam os povos», antes
reduzem a condições mais miseráveis a parte dos «povos» que se designa por
classe trabalhadora, nomeadamente a classe dos trabalhadores manuais, a classe
operária, menos dada a «sustos» e mais dada a lutas?
O segundo
escreveu assim no JN de 27/06/2016: «Esta Europa em que as vontades nacionais
se submetem a uma pseudovontade europeia, esta Europa imposta aos povos, sem
respeitar as próprias decisões, esta Europa que enxovalha os países faz crescer
em mim a convicção de que não é reformável».
«Esta Europa»?
Qual? Não duvidamos que RS sabe bem que é a Europa do capital monopolista
neoliberal. (Álvaro Cunhal, sempre preciso nas suas afirmações, chamava-lhe a
«Europa dos monopólios».) Mas porque não o diz? Porque não chama os bois pelos
nomes precisos? A bem do esclarecimento político e do desfazer dos mitos caros
à Direita. Porquê invocar uma críptica «pesudovontade europeia» – quando não é
nem «pseudo» nem «europeia», mas sim a concreta
e objectiva vontade do capital europeu – e, de novo, invocar a
deusa «Europa», agora como «imposta aos povos»? Nós julgávamos que era imposta
às classes trabalhadoras. E não «imposta» mas acolhida e contribuída com apreço
por Belmiros, Amorins, Ricardos Salgados, e outra gente que também faz parte do
«povos». Por fim, quando RS diz «esta Europa que enxovalha os países» toca o
violino caro aos nacionalistas e permite uma monumental confusão. «Esta Europa»
(repetimos: mas há outra possível no capitalismo monopolista neoliberal?) não
enxovalha em nada o país de Belmiros, Amorins, Ricardos Salgados, e outra gente
acima subentendida, que inclui também um espantoso número de políticos como Passos
Coelho, Maria Albuquerque, Vítor Gaspar, Paulo Portas, e de gestores da banca,
etc., etc. Acontece ainda que, sob o capitalismo, os «enxovalhos» entre
«países» são enxovalhos entre capitalistas e seus políticos, e preocupam mais
os intelectuais pequeno-burgueses como já Lenine em devido tempo assinalou (o
«enxovalho» de países de RS é semelhante ao «amesquinham a Europa» de CM) do
que a classe trabalhadora, que está bem mais preocupada em lutar contra a
exploração e libertar-se dela. Se a «Europa» aplicar sanções a Portugal pelo
défice orçamental excessivo, será que RS se sentirá enxovalhado? Pesoalmente,
não nos sentiremos enxovalhados. Em nada. Entenderemos tal eventualidade como
mais uma oportunidade concedida pelos capitalistas de esclarecer os
trabalhadores das razões porque é necessário sair do euro, da «Europa» e do
capitalismo. O «enxovalho» é apenas uma sublimação emocional pequeno-burguesa
de mais uma contradição do capitalismo. Também pensamos que RS está bem mais
preocupado com a miséria imposta pelas políticas de austeridade da UE e a não
renegociação da dívida pública do que com «enxovalhos». Mas é preciso dizê-lo.
É imperioso falar claro, contribuindo constantemente para o desmantelar da
fraseologia que alimenta a pressão ideológica da Direita ao nível das
consciências.