quinta-feira, 26 de março de 2015

A história ignominiosa do PS: O I Governo Constitucional do PS

    Vimos no artigo anterior (http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2015/02/a-historia-ignominiosa-do-ps-de-26-de.html ) como o PS liderou com a CIA a contra-revolução de 25/11/1975, e assestou as primeiras machadadas nas conquistas da revolução com o seu Sexto Governo Provisório (ataques à Reforma Agrária e à Comunicação Social independente e democrática, saneamentos à esquerda, recuperação de figuras do fascismo, etc.).
    Entramos agora no I Governo Constitucional (23/7/1976 a 23/1/1978) quase todo do PS e chefiado por Mário Soares. Tínhamos colocado a seguinte questão no artigo anterior: «Será que é desta que vamos assistir ao PS a construir denodadamente o “socialismo democrático”, o “socialismo da abundância” e, inclusive, o “socialismo auto-gestionário” que Mário Soares tanto tinha defendido?» Questão retórica, claro. Como iremos ver, o PS do I Governo Constitucional iria revelar (factualmente e documentalmente):
    -- A sanha feroz na eliminação de todas as conquistas da revolução;
    -- A completa ausência de escrúpulos em se prestar a todas as traficâncias com a direita assumida, chegando ao cúmulo de se aliar ao CDS a meio do mandato;
    -- A recuperação empenhada do capitalismo e dos latifúndios, sem ouvir ninguém, mormente os trabalhadores, e sem qualquer contenção no uso de meios repressivos.
*    *    *
A partir do presente artigo vamos simplificar a nossa exposição restringindo-nos aos factos mais relevantes. Sublinharemos a amarelo os que nos parecem merecer maior atenção.
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I Governo Constitucional: O PS no desmantelamento feroz das conquistas democráticas e socializantes da Revolução de Abril
   
1976
Agosto
Notícia
Comentário
3/8. M. Soares apresenta o Programa do Governo num discurso de 3 horas:
«nem recuperação capitalista nem capitalismo de Estado de fachada socialista» [1]; «procurar-se-á reanimar a iniciativa privada» [2]; «coexistência concorrencial entre sectores público e privado» (aplausos do PS, PPD e CDS) [3]; «processo político das nacionalizações está encerrado» [4]; «planeada a revogação da lei da unicidade sindical» [5]; «revisão da lei da greve em marcha» [6] (aplausos do PS, PPD e CDS).
As frases-chave do discurso são um portento de direitismo -- merecedor dos aplausos do PPD e CDS -- e de hipocrisia e mentira.
Quanto ao direitismo, temos as afirmações [2], [4], [5] e [6] que anunciam os vectores de desmantelamento de «Abril». Quanto à hipocrisia, note-se a afirmação [1] que, ao gosto «esquerdista», diz, de facto, «nem capitalismo nem socialismo»; afirmação mentirosa porque o PS tudo fará pela recuperação capitalista. Hipocrisia e mentira também na afirmação [3]: os gestores que o PS nomeia para o sector público (empresas e bancos nacionalizados) tudo farão, em geral, para o destruir. Sem concorrência.
6/8. M. Soares: «o nosso objectivo é a integração económica na Europa»
Veremos mais tarde porquê.
8/8. M Soares: «seria bom que os trabalhadores dessem provas de realismo político».
«Realismo» dos trabalhadores à Soares: deixarem-se explorar «A Bem do Capital».
12/8. M. Soares: «O governo socialista já pode “reconstruir o país”».
Para o PS a reconstrução do país é a reconstrução do Capital. E a instalação dos amigalhaços «socialistas» a enriquecerem-se com a ajuda do aparelho de Estado.
20/8. M Soares apresentará ao país novas medidas de austeridade.
PSs: especialistas de longa data em austeridade. Para os trabalhadores, reformados e pensionistas, claro.
    
    O CR continua ao serviço da reacção: programa do governo PS «muito realista», diz Melo Antunes (2/8);  julgamento dos pides em conserva (6/8) mas o proeminente agente Sachetti é libertado (7/8); Comando da PSP do Porto envolvido na rede bombista (comandante Mota Freitas – protegido do CDS que a 24/12 se manifestou contrário à sua exoneração -- e 2.º comandante Sampaio Cerveira), mas nada acontece (9/8); idem, quando surgem novos acusados da PSP e o energúmeno Ferreira Torres (10/8); Spínola regressa a 12/8, vai para Caxias mas já está em liberdade e sorridente junto com Palma Carlos a 14; a 17, fica-se a saber que o chefe dos operacionais da rede bombista é Ramiro Moreira. CR impávido.
   A 18/8, diz Vasco Lourenço que se vai «atingir uma sociedade socialista em convivência democrática e em paz». Espantosa, premeditada e despudorada burla de «o Lourenço».
     A 24/8, 39 sindicatos não afectos à Inter, dos 70 que apoiaram a «carta aberta», manifestam-se em Coimbra contra a criação de nova central sindical. Demonstração clara que só os muito amarelos estavam disponíveis para a futura UGT.
    A 28/8, a CIP diz que «sector privado não teme confronto com sector público». Pudera! Com o apoio estatal do PS (e, mais tarde, do PPD, CDS) não há razão para temores. A 31/8 são lançados petardos contra fábrica em autogestão. M. Soares, um amoroso da autogestão, fica calado.
     
Setembro
Notícia
Comentário
4/9. Manuel Alegre, Secretário de Estado da Comunicação Social: «RTP ao serviço do povo».
Um brincalhão, este Alegre. Entretanto a RTP será inundada de PSs.
10/9. Medidas do governo apresentadas na AR por M. Soares. Para além de muitas pequenas medidas (do tipo alargar período de pagamento de imposto complementar) avultam: a revogação da unicidade sindical; a «regulamentação» do despedimento sem justa causa.
Ataques aos trabalhadores em marcha: desuni-los e atemorizá-los ameaçando com a perda do posto de trabalho. A Inter protesta a 16/9 junto do Ministério do Trabalho por estar a ser preparada legislação laboral sem participação dos trabalhadores. Mas os tempos tinham mudado.
21/9 Medeiros Ferreira: «ingresso no Mercado Comum considerado “essencial”».
A voz do dono.
28/9. «Saneamento à esquerda»: Sottomaior Cardia exonera o Professor Teixeira Ribeiro de Reitor da Universidade de Combra. A juventude do PPD aplaude. A Assembleia Magna da Universidade não aceita o saneamento.
Teixeira Ribeiro, de estatura moral intocável, tinha sido Vice-Primeiro-Ministro do V Governo Provisório e defensor de Vasco Gonçalves. Motivos de sobejo para o ódio cego do PS.
A 5/10 a Academia de Coimbra manifesta-se contra a exoneração de Teixeira Ribeiro e a nomeação do Reitor pelo MEIC (pelo PS).
     
    A 12/9 é anunciado que o 13.º mês será pago em títulos de Tesouro e a 27/9 é anunciado o aperto do cinto aos pobres e o alargamento aos ricos: congelar salários, aumentar preços, agravar impostos e... indemnizar capitalistas e agrários. Para supervisar a obra de «reconstrução do país» Carlucci-CIA visita a 30/9 o «rei do Norte» Pires Veloso.
    
Outubro
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Comentário
2/10. Afastados repentinamente directores militares da RTP (entre eles o tenente-coronel Pinto Simões). Despediram-se outros 3 em solidariedade com os «dignos e competentes camaradas enxovalhados».
Eis o que entendia M. Alegre a 4/9 por colocar a «RTP ao serviço do povo».
Instala-se o monopólio do PS na RTP. A 5/12 Soares inicia na TV1 o programa «Linha Directa», uma espécie de «Conversas em Família» de Marcelo Caetano à mistura com propaganda eleitoral.
13/9. Professores do Ensino Superior manifestam-se contra o MEIC de Sottomaior Cardia.
As medidas reaccionárias de Cardia (uma das figuras mais lamentáveis do PS) revoltaram alunos, professores e funcionários. Incluindo do PS. Mas... a 17/10, a JSD nas suas «jornadas democráticas» aprovou por aclamação uma moção de apoio a Cardia.
(Cardia teve depois que recuar em várias medidas.)
29/9. Congresso do PS: «não haverá debate ideológico»; mas «vai ser definida a linha política do partido».
Democracia à PS, num Congresso onde Soares «conteve ímpetos da ala esquerda» e o Ministro do Trabalho Marcelo Curto defende a «carta aberta» [futura UGT].
    
    3/10: atraso no julgamento dos pides. 9/10: julgamento dos pides mais uma vez adiado. Ex-presos politicos contra juiz que absolveu o 1.º pide julgado (11/10). Juiz que absolveu o pide fora alvo de inquérito por usar «métodos inquisitórios contrários ao princípio da investigação penal» (12/10). Julgamento do pide que asassinou o escultor José Dias Coelho adiado sine die (20/10). (Mais tarde, a 25/11 o pide que matou José Dias Coelho diz que foi acidente com arma de fogo!) Uns amigalhaços dos pides, estes democratas do PS e do CR!
    A 18/10, a CIP (que entretanto levantou a cabeça) contesta a lei sobre a autogestão e a 19/10 critica a inoperâncio do sector público (empresas nacionalizadas). No dia seguinte, a Setenave anuncia que já reparou 50 navios em 1976, dos quais 40 estrangeiros. A nacionalizada Setenave está operante.
    A 4/10 o PPD apresenta a sua nova designação: PSD. A 22/10 Octávio Pato declara ao Diário de Lisboa que o PCP não exclui uma aliança com o PSD!
    
Novembro
Notícia
Comentário
4/11. Lopes Cardoso demite-se do governo por «falta de apoio real» do governo PS (de facto, falta de apoio da clique soarista).
A demissão de Cardoso é comentada assim, a 5/11, por Amaro da Costa (CDS): «derrota para o PCP e vitória para a CAP». De facto, Cardoso não era nenhuma maravilha (ver n/ artigo anterior). Mas era bem melhor que o seu sucessor António Barreto, liquidador da Reforma Agrária.
19/11. Jaime Gama: «o Alentejo é hoje uma Bulgária em Portugal»
Para Gama os alentejanos são búlgaros.
30/11. M. Soares à chegada a Genebra: «Eu e Willy Brandt estamos completamente sintonizados».
Unha com carne... dos capitalistas alemães.
     
    1/11: Sá Carneiro em Congresso rejeita a tese da «democracia avançada», mas «queremos que se faça o socialismo»!
   Congresso do PCP (14 e 15/11): «governo PS não corresponde» («não corresponde»?), mas preconiza «maioria de esquerda» como alternativa ao governo PS e preconiza a continuação na OTAN. Vá-se lá entender!
    A 28/11, é dito num encontro em Coimbra dos sindicatos da «carta aberta»: «não à hegemonia de partidos». Como se na UGT não houvesse hegemonias de partidos! Incidentalmente, note-se que nem todos os trabalhadores portugueses mostraram (nessa época de bastante liberdade) consciência de classe. É óbvio que o «todos» nunca existe. Mas em Portugal esteve-se muito longe disso; a propaganda do clero no Norte e Centro e a contaminação social-democrata via emigrantes (cantando maravilhas sobre a França e a Alemanha) não são alheias ao facto. Exemplo demonstrativo: a 29/12, na FACAR (grande empresa nortenha de tubos de aço e moldes, intervencionada pelo Estado), a maioria votou «sim» ao regresso dos patrões (544 em 1.061). A entrega aos patrões não favoreceu os trabalhadores. Logo no início dos 1980 a empresa «entrou em crise» e veio a fechar.
     
Dezembro
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Comentário
28/12. M. Soares depois de uma visita ao Brasil: «O Presidente Geisel ... é um homem compreensivo e com uma grande abertura de espírito». Soares disse também que Geisel era um «general humaníssimo».

A visita de Soares tinha como finalidade a «conquista da confiança dos empresários». Na visita saiu-se com várias tiradas reaccionárias, como «queremos implantar em Portugal os valores cristãos da civilização». Geisel foi o general da ditadura militar-fascista brasileira que se distinguiu pela escalada do terrorismo fascista (torturas, assassinatos e desaparecimentos).
31/12. O governo negoceia com o FMI um empréstimo de 1,5 mil milhões de escudos de «ajuda» financeira.
PS: especialistas em pedidos de «ajudas» ao Império. A 19/12 Soares também tinha dito: «capital estrangeiro bem-vindo a Portugal»
     
    O que mais avulta em finais de Novembro e em Dezembro é a escalada Barreto contra a Reforma Agrária. Aqui fica o recorte final sobre este tema.
     
A Liquidação da Reforma Agrária (RA) por António Barreto
       
    Lopes Cardoso demitiu-se a 4/11 de Ministro da Agricultura. A liquidação da RA não estava a ir suficientemente depressa, como queria a clique soarista. Revela Cardoso: «O Primeiro-Ministro [Soares] reprovou-me o facto de eu não conseguir impedir o controlo do Partido Comunista no Alentejo. Só temos dois meios de combater o domínio do PC: seguir a minha política ou mandar a guarda Republicana. Como não penso que um Governo Socialista possa enviar a Guarda Republicana contra os camponeses, temo que se encontrem num beco sem saída» (citação com referência em José Soeiro, Reforma Agrária. A Revolução no Alentejo, 2013). Soares não tinha os escrúpulos de Cardoso. O que ele queria era liquidar a RA e correr com o PCP, à bala se preciso fosse. Para tal, escolheu o homem adequado: António Barreto.
    
22/11. Forças militarizadas junto às UCPs.
02/12. «Plano regulador da RA» será apresentado [por Barreto] dentro de dias.
05/12. Governador Civil de Beja (PS): «relançamento da economia acabará com a hegemonia do PC no Alentejo».
07/12. Barreto envia a GNR para impedir a ocupação de herdades que tinham sido declaradas legalmente como reservas da RA e militariza o alentejo. Barreto: «O Alentejo não será a Sibéria», «O Alentejo, tal como está, é uma empresa organizada quase militarmente para a tomada do poder, para a opressão dos trabalhadores e de todos os cidadãos alentejanos».
10/12. Barreto: «Procurou-se instaurar no Alentejo uma máquina infernal, um Estado privado.»
12/12. Manifestação na Herdade da Lobata impedida por poderosa cintura de segurança.
20/12. Barreto suspende o Centro Regional da Reforma Agrária de Portalegre.
21/12. Sindicalistas detidos sem culpa formada, por capricho de Barreto, afirmam: «Ninguém mais do que os trabalhadores quer ver cumprida a lei [da RA] com rigor». Mas é claro que a lei não interessava a Barreto e soaristas. Eles eram os donos da Lei.
    
    Com Barreto, como diz José Soeiro, irá reinar o «arbítrio, a prepotência, a ilegalidade, o estrangulamento económico e financeiro, o assalto à mão armada às UCPA, a selvajaria, a prisão arbitrária de dirigentes sindicais e das UCPA e Cooperativas, a violência física e psicológica contra os trabalhadores agrícolas, contra as UCPA e Cooperativas». Barreto será para sempre recordado como um dos mais raivosos inimigos da revolução. O livro de José Soeiro documenta bem todas as acusações contra Barreto. Alguns dos documentos são bem reveladores. Como a linguagem fascista do oficial da GNR ao perguntar à dirigente sindical Luzia Veredas se queria ser uma nova Catarina Eufémia (existem testemunhas); como a prisão sem qualquer culpa formada, dos dirigentes sindicais Luzia Veredas e José Godinho; como Jaime Neves no QG de Évora, em Dezembro de 1976, a apoiar os ataques à RA; ou, ainda, como os assassinatos dos trabalhadores António Casquinha (17 anos) e José Geraldo (57 anos) da UCP Bento Gonçalves, assassinatos que ficaram impunes até hoje numa clara ilustração do que significa a justiça no sistema capitalista!
    Para além das acções de intimidação, aliciamento de trabalhadores para saírem das UCPs, proibição de venda da cortiça, cortes no crédito, etc., António Barreto aprofundou o ataque às UCPs com a Lei de 29/9/77 que liberalizou o direito de reserva dos grandes agrários dentro das próprias UCPs (!) a qual «não será aí demarcada [dentro das UCPs] caso seja afectada a viabilidade económica da exploração delas». Na prática, os PSs à frente do Ministério da Agricultura, dos Centros da RA e de outros organismos, nunca viam que a viabilidade económica fosse afectada. Começaram as desanexações em massa com grande aparato bélico fornecido pelos governadores civis, também do PS. A lei também aumenta a pontuação das herdades expropriáveis, de 50 para 70 mil pontos, dificultando fortemente a expropriação.
    As acções de Barreto, embora não tivessem destruído totalmente a RA -- dada a grande oposição unitária dos trabalhadores e suas lutas legais, bem como o grande combate movido pelo PCP, praticamente o único partido que esteve sempre ao lado dos trabalhadores na construção e luta pela RA -- enfraqueceram-na seriamente. Além disso, Barreto serviu de batedor da direita, indicando o caminho da liquidação final da RA. Foi e será sempre este o papel histórico da «socialismo democrático» do PS: indicar à restante direita, que segue na sua esteira, como fazer para restaurar o capitalismo e, mais tarde, como implementar o neoliberalismo dominado pelo grande capital financeiro. Em 1988, já consolidado o processo anti-RA do PS, e com a adesão de Portugal à CEE, Cavaco Silva, com a conivência do PS, decretou a morte da moribunda RA com a lei 109/88 de 20/8/1988 que reconstituíu os latifúndios.
    A propósito: os ataques à RA, a violência contra as UCPs, contra os respectivos trabalhadores e sindicatos, nunca mereceram protesto dos grupos esquerdistas. O seu papel tinha-se esgotado com o 25 de Novembro. O actual MAS, contra toda a verdade histórica, tem mesmo a lata de escrever: «Durante os 18 meses do PREC, o PCP [...] opôs-se [...] à reforma agrária» (MAS: Que partido queremos?).
    O ódio imperial contra a RA ainda hoje é de monta. Em Julho de 2013 era noticiado que «O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem condenou o Estado português a pagar cerca de 1,5 milhões de euros de indemnização a famílias que viram as suas herdades expropriadas em 1975, por via da reforma agrária.» Incrível, mas verdade. Os milhares de alentejanos que ficaram na miséria com a liquidação da RA não mereceram uma tal atenção e comiseração do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
    Quanto ao povo português, o que ganhou com a destruição da RA? Nada. Só perdeu. Em produção e em bem-estar social no Alentejo. Quanto à produção, já vimos em artigo anterior como a área cultivada aumentou com a RA. O gráfico abaixo (do INE) mostra como a área cultivada tem sistematicamente diminuído desde o fim da RA.
     
1977
Janeiro
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Comentário
1/1. Bancários paralisam contra medida do Ministro das Finanças, Medina Carreira (na altura do PS) que revogou a cláusula do contrato colectivo de trabalho que limitava a 29 contos o vencimento máximo dos quadros superiores dos bancos, nomeadamente administradores.
Medina Carreira, o homem da austeridade. Mas não para os quadros superiores dos bancos. Quanto a isso, STOP!
     
    Neste mês avultam as manobras ziguezagueantes de Sá Carneiro para subir ao poleiro. A 13/1, ataca o governo: «o país está entre a bancarrota e o desenvolvimento paulatino apoiado do exterior»; a 16, recusa a ideia de uma «guerra» com o PS (está a jogar na aliança); a 23, diz que já está de bem com M. Soares; a 26, o PSD diz desejar a sua inclusão no grupo socialista da Europa.
    A 19/1 o PS procura a adesão de Portugal à CEE (os 9). Benelux e França opõem-se. As diligências irão continuar. (A 11/2 PSD também apoia adesão à CEE.) A 31/1 António Reis (PS) considera afastada a aliança com o PSD. (A 5/2 o PSD propõe na AR um «governo de  maioria».)
    A 25/1, mais agentes da pide saem em liberdade!
     
Fevereiro
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8/2. «Reorganização da imprensa estatizada»
«Reorganização» significa privatização.
22/2. M. Soares no regresso de tour pela Europa em conquista de apoios para entrada na CEE: «não podemos isoladamente caminhar para o socialismo».
Governos da CEE: uns apaixonados pelo socialismo.
     
    Mês fértil em lutas dos trabalhadores. A 5/2, na inauguração da nova fábrica da Secil, M. Soares enfrentou a crítica dos trabalhadores, cujo representante referiu entre outras coisas que a recepção a Soares lembrava as do passado. A 18, grevistas dos têxteis enfrentam cargas da GNR. A 24, os patrões dos têxteis não aparecem, conforme acordado, nas negociações com os trabalhadores; estes paralisam em todo o país. A 28, o plenário dos trabalhadores têxteis decide manter a greve. O regresso ao passado, com a repressão da GNR, agressões a trabalhadores, clima de intimidação nas empresas e a arrogância dos patrões (e de fascistas conhecidos), é cada vez mais clara.
    A 27/2 mais pides, julgados, saem em liberdade!
    
Março
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Comentário
13/3. M. Soares: «não há outra alternativa que não seja a adesão plena [à CEE]».
«não há outra alternativa» à recuperação capitalista.
23/3 Marcelo Curto anuncia todo sorridente o fim da intervenção estatal em [grandes] empresas privadas.
Mais um passo a caminho do socialismo.
     
    Continuam as lutas dos trabalhadores. A 2/3, uma força policial dispersa manifestantes dos CTT à porta do Min. do Trabalho. A 4, operários da construção civil paralisam em todo o país. A 5, a CGTP diz que as medidas anunciadas pelo governo «não têm nada a ver com o socialismo» e que, embora algumas medidas possam ter resultados positivos, as medidas mais importantes só terão impacto negativo na vida dos trabalhadores: a alteração do regime geral dos preços permitindo mais rápidos e constantes aumentos de preços por parte do patronato em artigos essenciais; o minicabaz de compras só abrange 15% das despesas familiares; o aumento de 20% do imposto sobre as transacções (futuro IVA); a modificação dos horários dos trabalhadores do comércio; o aumento das tarifas telefónicas; as medidas que levam à desvalorização do escudo. A 21, os metalúrgicos lutam pelo CCT. A 24, os antigos patrões regressam à Guérin com escolta polícial.
    A 26/3, Cunhal volta a reafirmar no Porto a ideia de «maioria de esquerda»!
     
Abril
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Comentário
3/4. Maldonado Gonelha (PS): «sindicalismo leninista acabou em Portugal».
A «carta aberta» não se vincula aos festejos da Inter e lamenta que no PREC «ser empresário é ser quase criminoso».
Gonelha é o novo Ministro de Trabalho. Irá desempenhar face aos trabalhadores industriais papel semelhante ao de Barreto face aos trabalhadores rurais.
Não existe nem nunca existiu um «sindicalismo leninista» nem os empresários foram tratados como criminosos durante o PREC. Mas Gonelha tinha de adoptar um tom histérico, anti-PCP, de criação de falsas vítimas em prol da «carta aberta» e da desunião dos trabalhadores.
14/4. Gonelha em reunião do PS onde se elaborou o «projecto sindical»: «o projecto sindical dos socialistas entrará necessariamente em choque com a Intersindical», porque «a Inter segue de perto o PCP e as concepções leninistas que o PS repudia»
Resposta da Inter: «governo utiliza as palavras “diálogo” e “concertação social” como mero expediente táctico para tentar confundir a opinião pública, porque tudo indica que irá continuar a sua política de ataques sistemáticos ao movimento sindical e às outras organizações dos trabalhaores, irá testar soluções para os problemas económicos e sociais na perspectiva do interesse dos capitalistas».
Foi exactamente o que veio a acontecer. O anti-PCP do PS – com frases erróneas mas de efeitos diabolizadores -- foi sempre uma justificação em prol dos interesses do capital.
23/4. Jaime Gama explica: 1) «socialismo democrático é o governo de uma democracia por socialistas» e 2) «Inter é a consubstanciação de uma central sindical corporativa».
E «o governo de uma democracia por socalistas que defendem o capitalismo», o que será?
Registe-se o insulto soez à Inter, comparando-a aos sindicatos corporativos do fascismo, obrigados à colaboração com o patronato. Colaboração contra a qual a Inter combateu heroicamente. Na realidade, a caracterização de Gama iria aplicar-se como uma luva à UGT. De marca PS.
     
    Este é o mês de empolamento da «carta aberta», futura UGT, visando a divisão dos trabalhadores nas suas lutas contra o patronato, atrelando-os ao carro da recuperação capitalista: a 15/4, o PS reprova a participação de militantes na Inter, o PSD diz ter «consciência da gravidade da situação» e o CDS e Secretariado Nacional do PS defendem a «criação de sindicatos paralelos aos do PCP»; a 17/4 a «carta aberta», que tinha sido um mero grupo de fura-geves dos quadros superiores, controlado pelo PS e PSD, transforma-se em «orgão intervencionista» que busca aliciar os trabalhadores menos conscientes; a 20/4 Gonelha faz uma crítica acesa ao movimento sindical: «há desemprego... como resolver... é preciso investir... mas Estado não tem para investir... como se sai daqui? É apelando ao sector privado nos seus sectores próprios» e queixa-se que a Inter se opõe a isto. Gonellha, como bom PS, só vê a saída capitalista ao «como se sai daqui?». A 18/4, Gonelha diz que «a Inter não é democrática» e «neste momento não há central sindical» (!)
    A 1/4 corre a notícia de que José Manuel de Mello (implicado no golpe do 11 de Março) regressa a administrador da Lisnave. A 13/4, o EMGFA prevê mudanças nas chefias, sendo o fascista Soares Carneiro um dos convidados.
     
Maio
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Comentário
1/5. M. Soares no regresso de Estrasburgo, sobre a nacionalização da banca: «não se pode voltar atrás».
De facto, pode, e Soares já está a tratar disso. A 17/5 é aprovada por PS e PSD uma Lei que delimita os sectores público e privado e admite que sectores que foram totalmente ou parcialmente nacionalizados passem ao sector privado.
7/4. Soares em Madrid: «PS passará à oposição se fosse imposto governo de coligação» e  «PS não entrará em governo de coligação»
Soares está a 7 meses de se desmentir. Já a 10/4 o PS-Soares manifesta «abertura do governo ao diálogo com o CDS».
8/4. Soares: «governaremos sós, não nos aliaremos» e corrige notícias vindas de Madrid: «nunca falei  que o PS passase à oposição»
A História registará o número extraordinário de correcções mentirosas de Soares, do «não disse isso».

23/4. Soares diz não às coligações.
Soares irá repetir ainda inúmeras vezes o mesmo. Até se coligar com o CDS.
31/4 Soares na Cimpor: «temos de caminhar em frente – o futuro está no socialismo!»
Como caracterizar o personagem? Impostor compulsivo?
     
    Mês anti-Cardia: a 12/5 há uma carga da PSP sobre estudantes perto do tribunal da policia onde se julgava um deles; a 13, a Academia do Porto está em greve e decorrem em todo o país manifestações de estudantes contra Cardia; a 18, o MEIC é contestado por todas as Universidades; a 22, o MEIC aceita uma contraproposta sobre os órgãos de gestão das Universidades; a 25, o MEIC «abre as portas ao diálogo com os estudantes».
    A 22/5 a comissão nacional do PS discute o «documento Gonelha»; a ala mais radical do PS abandona a sala e o documento é aprovado em família... soarista. A 23, a revelação: «PS abriu caminho ao pluralismo sindical.»
    A 27/5, o Sindicato dos Metalúrgicos de Lisboa reivindica direitos e regalias contratuais, contra uma portaria que lhes retirou esses direitos, e denuncia que 1.800.000 contos foram metidos no bolso do patronato. A fraude que dá pelo nome de Manuel Alegre procura meter medo aos metalúrgicos agitando o espantalho do Chile: «não esqueçam a lição do Chile!». Aparentemente, para Alegre, ou Soares ou Pinochet.
    Apesar da – de facto, por causa da – recuperação capitalista todos os indicadores económicos pioraram. A taxa de inflação é de 24,1%.
    O síndrome de negação do PCP continua: a 30/5 propõe entendimento com o PS!
     
Junho
Notícia
Comentário
3/6. Salgado Zenha: «PS considera o convite [para reunir com PSD e CDS] um acto de agressão». O convite tinha em vista uma «convergência democrática».
Veremos, mais tarde, a prelecção bajuladora do CDS na AR, proferida por Zenha.
9/6. Marcelo Curto afirma que, na reunião da OIT, a CGTP tinha alinhado nas votações com a URSS. (Como se isso fosse crime.)
14/6. A CGTP mostra as Actas da OIT: «Actas da OIT desmentem categoricamente Marcelo Curto».
     
    A 16/6, o Conselho de Ministros concede maiores facilidades ao capital estrangeiro, liberalizando a transferência de lucros e de dividendos.
   26/6: Está em marcha um «projecto Roque Lino» para a informação; fala-se que vão ser despedidos 2.200 trabalhadores dos jornais estatizados. A 28, o Conselho da Informação mostra-se preocupado com o «projecto Roque Lino».
    A 29/6, Sousa e Castro – que tinha afirmado que «a palavra socialismo não foi abolida do CR» é confrontado por Carlos Candal: enquanto Presidente da Comissão de Extinção da PIDE/DGS Sousa e Castro é responsável pela libertação maciça de pides. Já tínhamos referido este assunto. Sousa e Castro é uma das figuras mais sinistras do CR. (A 2/7 as Associações dos ex-presos políticos antifascistas manifestam-se contra Sousa e Castro.) Os fascistas movem-se à vontade e arrogantemente. A 29/6, Kaulza de Arriaga apresentou o MIRN - Movimento Independente para a Reconstrução Nacional.
    A 18/6, decorre o Congresso do PS francês. O PS enviou uma delegação. Jean Pierre Chevenement declara no Congresso que a  divisa do PS francês devia ser: «nem perecer -- como no Chile -- nem trair -- como em Portugal». A delegação do PS português abandona a sala.
     
Julho, Agosto e Setembro
    O ritmo da recuperação capitalista e latifundiária não agrada a todos os sectores da burguesia. Sucedem-se movimentações para rearranjo do poder. Inicialmente, por iniciativa do PSD, parece estar próximo um acordo tripartido PS-PSD-CDS (4/7 e 15/7); o CDS chega a dizer que o «governo pode cair dentro dos próximos dias» (17/7). A 23/7, o PSD passa a privilegiar o PS nos entendimentos parlamentares; está na mira um governo PS-PSD. Mas, a 31/7, há um recuo na «lua de mel» PS-PSD, talvez porque a 28/7 o PSD se absteve na votação de empréstimos externos aprovados na AR com votos do PS.
    A 6/8 o CDS fala em moção de censura até ao final do ano. 18/8: Secretariado do PS: «necessário um pacto de progresso [!]». 25/8: Soares desmente remodelação para breve e CDS procura outra dinâmica para «convergência tripartida». 26/8:  CDS volta a ameaçar com moção de censura. 27/9: PS está «confiante numa atitude patriótica [do CDS]». 28/8: «compromisso histórico a tentar pelo governo com os partidos da oposição»; de facto, só com PSD e CDS. 30/8: Sá Carneiro em reunião «secreta» a convite de Soares. 28/9: Freitas do Amaral: «desenha-se a possibilidade de um entendimento [com o PS]». 
    Agrava-se a situação económica, apesar de todas as ajudas ao capital: as exportações apenas cobrem 44% das importações (3/9); é anunciado o 2.º pacote de medidas de austeridade: nova desvalorização do escudo (embora o BdP ameace processar os jornais que falarem em próxima desvalorização do escudo!); subidas de preços incluindo gasolina e transportes (7/8). A 14/8, a gasolina fica mais cara e é  racionada, embora Soares diga na TV, a 26/8, que não «não conheceremos bichas nem racionamentos». 23/9: a taxa de desemprego é de 16%.
    De todo o cinzento panorama económico, só uma luz sobressai. Vem da Reforma Agrária: «Portugal tem [só] de importar 530 mil toneladas de trigo, 73% menos que no ano passado».
     A 2/8, M. Soares e dois ministros PS participam nas solenes exéquias do Cardeal Cerejeira, um dos maiores esteios do fascismo português. A 18/8 o CR aprova a Lei da RA!
    A 22/9, um bom exemplo de sabotagem do sector público. O patronato da construção civil tinha vindo a espalhar boatos de falta de cimento, desencadeando corridas a abastecimentos vultuosos, visando a exaustão de stocks, bichas e racionamento. (Este modus operandi da reacção é velho como o mundo e foi muito usado no Chile de Allende; aliás, deve ter sido daí que o patronato português importou a receita). Os reaccionários enfrentaram, contudo, um gestor público que não estava feito com eles. O Eng.º Torres Campos, Presidente do Conselho de Gerência da empresa pública Cimpor diz que as «notícias falsas [de falta de cimento] postas a circular em certa imprensa, no inicio do Verão [também no JN], da existência de fornos parados, levou à criação de um clima de carência com os utilizadores a anteciparem as suas aquisições, o que originou uma falta artificial. Essas notícias são uma tomada de posição de natureza essencialmente política, que tem como objectivo pôr em causa o funcionamento das empresas públicas e, assim, a existência das nacionalizações.»
     
Outubro
Notícia
Comentário
23/10. M. Soares em comício: «não contem connosco para governar connosco e à nossa custa».

Aumenta a pressão do CDS e PSD. 17/10: PSD dá prazo [para o PS se definir] até ao fim do mês. 22/10: CDS quer que PS se defina. 30/10: PSD disposto a concretizar moção de censura em Novembro.
     
    A política direitista e tecnicamente incompetente do PS é de tal monta que elementos do PS começam a contestá-la. A 6/10, 19 elementos do PS acusam a cúpula «de apoio incondicional à política suicida do governo», dizendo «Que recuperação económica?: devemos 25 milhões de contos e não temos com que pagar... Um volume grande de desemprego, uma inflação galopante atingindo níveis elevados, um investimento (público e privado) muito abaixo do previsto, endividamento externo perigosamente grave; uma desvalorização da moeda que rondará os 40% em Dezembro [...]». A 10/10, Manuela Silva, ex-Secretária de Estado do Planeamento justifica a saída do governo: «medidas económicas não estão de acordo com o projecto socialista». Até o direitista Medeiros Ferreira está zangado! A 12/10 justifica a sua demissão dos Negócios Estrangeiros: «tomei conhecimento de factos dolorosos que a minha dignidade não podia aceitar... mesmo do primeiro-ministro». M. Soares desmentiu a seguir ter feito «diplomacias paralelas». Mas já sabemos o que valem os desmentidos de Soares...
    A 11/10 é noticiado que vem aí o pacote 3 do FMI. A 26/10, que o supremo tribunal militar libertou o pide Mortágua.

Novembro
Notícia
Comentário
17/10. Roque Lino demitiu-se de Secretário de Estado da Comunicação Social. Motivo: o seu chefe de gabinete foi preso e acusado de crime (rede de tráfico de capitais e de automóveis).
O primeiro caso retumbante pós-25 de Abril de comportamento criminoso de altas figuras do Estado.
Chancela: PS.
     
    A 12/11, o CDS reafirma «ou pacto ou moção de censura». A 13, António Reis diz que «PS nunca fará acordos com apenas um partido». A 14, Salgado Zenha afirma que «confrontos entre portugueses seriam agravados pela entrada de outro partido no governo».
    Carlucci-CIA tem a 4/11  uma audiência em Belém. Quer saber como está a ir a colónia e deixar umas dicas de como resolver a situação. Para Carlucci-CIA um governo com CDS seria, sem dúvida, interessante
    15/11, caso «ALGOT»: governo acusado de indiferença face ao despedimento eminente de 1.200 trabalhadores. 25/11: défice da balança comercial está agora em 83%! 30/11: PS vai apresentar moção de confiança.
     
Dezembro
    A 6/12, é apresentada na AR a moção de confiança do PS. Chumba.
    As reservas de divisas só dão para 4 a 6 semanas (14/12) e Eanes vai à RFA, como um mendigo de mão estendida, e em substituição de funções governamentais, apelar ao investimento (12/12). Sabe-se que já prepara o II Governo (10/12). Há dias em que uma coisa e a sua contrária são noticiadas, como a 22/12: «Acordo PS-CDS esteve iminente. Socialistas mais virados outra vez para o PSD?»
    Algum temor do PS de ser ultrapassado à direita leva Jaime Gama a dizer, a 5/12, em Aveiro: «isolamento do partido comunista prejudicaria o campo democrático». Tese logo esquecida. O patético apelo de Carlos Brito à «maioria de esquerda» a 8/12 na AR, logo mostrou à direita que o PCP estava firme numa posição reformista e fora da realidade, que não incomodava minimamente as manobras da direita.
    A 29/12, é oficial: Soares é convidado a formar governo. A 30/12, os  «socialistas e centristas [estão] mais próximos uns dos outros».
    
1978
Janeiro
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Comentário
13/1. O Presidente da RTP, o militante do PS Edmundo Pedro, é detido por posse de dezenas de G3: «eram para defender [em 25/11/75] a Constituição», diz ele. As armas destinar-se-iam à «luta antitotalitára», «pensa» (sic) o Secretariado Nacional do PS. Opinião de um administrador PS da RTP: «uma situação aborrecida». Como quem diz: não havia necessidade de ter divulgado isto.

Eis, finalmente, revelado o «mistério» das armas que tinham desaparecido de Beirolas pouco antes do 25 de Novembro de 1975! As tais que estavam nas mãos dos comunistas para fazer a guerra civil. Afinal – surpresa! -- estavam nas mãos do PS. E estavam nas mãos do PS com o amén de militares ligados aos Nove. De facto, a 14/1, é noticiado que o Estado-Maior do Exército «confirma a distribuição de armas no 25 de Novembro». Só no dia 25? A 17/1, consta que o general Galvão de Figueiredo, à data vice-chefe do EME – logo, tutelado por Vasco Lourenço – teria sido o entregador das armas. Muitos pormenores deste «mistério» ainda hoje não foram trazidos à luz do dia. E há quem os conheça.
20/1. Edmundo Pedro pediu demissão da RTP e de dirigente do PS. Salgado Zenha: «democrática e patriótica a solução adoptada» e que «vivemos em ditadura durante 50 anos, habituamo-nos a certos maniqueismos de linguagem e de tipo mental, [...]».
Segundo Zenha, há que dizer o melhor possível de Edmundo Pedro. Um democrata e um patriota. Nada de maniqueísmos de linguagem! Safa!
     
   A 6/1, sabe-se que um acordo PS-CDS irá ser brevemente anunciado, apesar de todas as afirmações contrárias, de poucos dias antes, proferidas por altíssimos dirigentes do PS (ver acima). A 11, é noticiado que o FMI em Lisboa forçou a solução. A 19, é oficial: o PS faz governo com o CDS. A 22, Manuel Alegre diz que «o governo não é de coligação mas sim de base PS com personalidades centristas»! A 26, Salgado Zenha diz que o novo governo vai «fortificar a democracia». A 31, tem lugar a 1.ª reunião do novo conselho de ministros. O reaccionário coronel Firmino Miguel, Ministro da Defesa, é o n.º 2 do governo.
    A sabotagem económica continua: açambarcamento -- a 3/1 é noticiado que grandes quantidades de batata apodrecem nos armazéns – e especulação -- a 27/1 são detectados crimes de especulação de preços em cinco empresas. A 7/12/77 um dos gurus do neoliberalismo, Frederico von Hayek, tinha dito no Grémio Literário em Lisboa: «justiça social é impossível com a planificação económica». Portugal estava já, pela mão do PS, nesse bom caminho. Quanto mais à solta estiver o Capital, melhor!
*    *    *

    Janeiro de 1978. Três anos e oito meses depois do 25 de Abril de 1974 o PS tinha efectuado uma viragem de 180º. Da grandiloquente vozearia a favor do marxismo, do socialismo auto-gestionário, do «É aos trabalhadores que compete organizar a democracia» (Mário Soares à chegada a Lisboa em 28/4/74), nada restava. O PS, tendo liderado com a CIA a vitória da contra-revolução, não tinha agora os mínimos escrúpulos em aliar-se à extrema-direita, ao CDS, onde se acolitavam muitas figuras do antigamente. Algo na altura julgado impossível. Quer por muitos do PS quer pelos comunistas subscritores da peregrina ideia da «maioria de esquerda»!