sexta-feira, 9 de agosto de 2013

O roubo diário dos portugueses bem denunciado em «Os que acordaram agora e os que nunca dormiram»



Num nosso anterior artigo («Portugal em queda livre»: http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2013/07/portugal-em-queda-livre.html ) mencionámos os «arranjos» de fixação de preços entre empresas (como EDP, transportes, comunicações, etc.) e o sector financeiro, «arranjos» que alimentam défices de biliões de euros que mais tarde os bancos vão receber por via dos resgates. Mencionámos, a esse propósito, uma entrevista do economista José Gomes Ferreira, na SIC em 25/3/2013, onde este esclarece bem a questão. http://www.youtube.com/watch?v=KhH3diNzhRQ.
Referimos, então, que o povo (o povo trabalhador) é duplamente roubado: roubado pelos preços artificialmente elevados e roubado mais tarde para realimentar os cofres bancários. Enquanto o segundo tipo de roubo é mensal (cortes em salários e pensões, etc.) ou anual (impostos) e «dá logo nas vistas», o primeiro é um roubo diário -- diariamente consumimos água e electricidade, pagamos transportes, etc.-- que «dá menos nas vistas»; um roubo camuflado, insinuante e sub-reptício para o qual os porta-vozes do capital arranjam justificações enganadoras nos media (inflação, aumento do preço do petróleo, etc. Eles até nem têm culpa, coitados!).
É sobre esse tipo de espantoso roubo diário que nos vamos aqui debruçar. E vamos fazê-lo divulgando (contribuindo para divulgar) uma carta aberta da autoria de Agostinho Lopes, militante destacado do PCP e ex-Deputado na AR, carta essa que tem vindo a circular na Internet. Fazemo-lo por uma dupla razão:
a) Porque é uma carta inteiramente e excepcionalmente esclarecedora da questão (muito mais do que a entrevista de JG Ferreira), revelando um excelente acompanhamento e estudo do tema. Por isso mesmo merecedora da mais ampla divulgação possível. Consideramo-la de leitura indispensável!
b) Porque é de toda a justiça realçar que, muito antes de JG Ferreira, o PCP tinha (e tem) vindo sistematicamente a denunciar a situação e, para além disso, a lutar na AR contra a roubalheira de que somos vítimas. Tem, portanto, inteira razão Agostinho Lopes quando intitula a carta «Os que acordaram agora e os que nunca dormiram».
Segue-se a referida carta com algumas notas nossas de esclarecimento de termos e siglas entre parênteses rectos. (A carta, infelizmente, pelo uso de siglas não definidas e certo jargão técnico perfeitamente escusável, compromete a divulgação por uma larga audiência; divulgação tão necessária!!!)
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«Os que acordaram agora e os que nunca dormiram
Carta a José Gomes Ferreira
Assunto: "rendas excessivas" em sectores protegidos e entrevistas do ministro da Economia e Emprego Álvaro Santos Pereira e do ex-secretário de Estado da Energia Henrique Gomes
por Agostinho Lopes (*)
06MAI13
Caro José Gomes Ferreira
Ao visionar duas entrevistas recentes na SIC Notícias, com o ministro da Economia e Emprego (23ABR13) e com o ex-secretário de Estado da Energia Henrique Gomes (24ABR13) lembrei anteriores declarações suas, entrevistado a 25 de Março, na Edição da Tarde do SIC Notícias, sobre a captura de "rendas excessivas" por determinados sectores económicos, e que na altura, me suscitou a ideia de lhe escrever. Não o fiz então, faço-o agora, no contexto da mesma matéria reavivada pelas referidas entrevistas.
Valorizando o conjunto das denúncias feitas nas entrevistas, pela sua real importância para a generalidade dos portugueses, consumidores domésticos, e para a competitividade das empresas portuguesas, permita-me tecer algumas considerações e fazer alguns possíveis esclarecimentos.
De forma veemente, o JG Ferreira pronuncia-se contra as "rendas excessivas" capturadas por alguns sectores económicos/empresas, ditos produtores de bens e serviços não transaccionáveis [bens e serviços que, ao contrário dos transaccionáveis, não são susceptíveis de transacção nos mercados internacionais -- devido, p. ex. a custos de transporte proibitivos face ao valor intrínseco, ou por estarem intimamente relacionados com localização específica -- sendo apenas transaccionáveis no mercado interno: água, electricidade, combustíveis, transportes, saneamento, iluminação pública, etc.], e os grupos financeiros portugueses como os principais destinatários finais dessas "rendas". "O último beneficiário é o sector financeiro", diz e bem o JG Ferreira. Mas há afirmações suas que me merecem alguns comentários.
Repara [Refere] JG Ferreira que o conhecimento de tais "rendas excessivas" se verificou com o Programa da Troika. "A Troika chegou e viu"! Que ninguém fez ou tinha feito nada sobre o assunto. "Tudo isto acontece e o país assiste impávido e sereno". Que a excepção é o ministro Álvaro Santos Pereira, que por isso mesmo "os lóbis querem deitar abaixo". Que em vez da liberalização, o necessário era "tabelar o preço" e dizer-lhes, "vendem abaixo desta tabela". Que há um responsável de uma dessas empresas que diz, como o "consumo está a cair" o "preço tem de subir". E ninguém o contraria"! Para respeitar a "Lei da concorrência" "estamos a prejudicar os consumidores". Nos combustíveis "low cost" "ninguém deixa instalar estas bombas". Etc, etc, etc. (Possíveis erros na transcrição das citações!)
Ora a história destes assuntos, nomeadamente em matéria de electricidade, gás natural e combustíveis, não é bem assim!
Talvez não se tenha dado por ele, com a ideia de que o PCP é uma histórica aldeia gaulesa irredutível, mas não tem grande importância!
O que é certo é que todas estas questões e problemas foram, ao longo dos últimos anos, muitas e muitas vezes denunciadas pelo PCP. Que não se limitou às denúncias, mas apresentou soluções! Houve de facto muita gente distraída! Mas não foi o PCP. Numa Audição Parlamentar após a sua demissão, o Eng. Henrique Gomes, referiu que aqueles sectores e aquelas empresas têm um enorme poder sobre os órgãos de comunicação social (e não só, digo eu, e dirá, também, certamente o J G Ferreira!)! Daí uma enorme cortina de silêncio, que continua até hoje, e até se adensa…sobre estas questões e o PCP! [O controle da classe capitalista sobre os media que temos sistematicamente referido nos nossos artigos.]
Andou muita gente distraída sobre as denúncias e intervenções do PCP sobre o assunto. Para não maçar muito, e sem ir muito atrás, algumas breves lembranças.
No já longínquo ano de 2006, intervindo na Assembleia da República (AR) a 17 de Dezembro, sobre o aumento dos preços de venda de electricidade, referimos os vícios genéticos/estruturais desses preços como resultado da "remuneração da produção vinculada no âmbito dos CAE [Contratos de Aquisição de Energia], o excesso de produção térmica, o preço da electricidade paga na cogeração, o preço da electricidade produzida por via eólica, entre outros".
Quantas vezes referimos as consequências da segmentação (o dito, "unbundling"), numa das reestruturações da EDP, entre a produção e a distribuição, liquidando a perequação [repartição equitativa] de custos que havia ao longo da cadeia de valor do sistema e "inventando" em consequência o "Défice Tarifário" e os custos do acesso à Rede. Ou o caso absolutamente extraordinário, entre as empresas portuguesas, da justificação da ERSE [Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos] da subida desses custos (acesso às redes), porque havia redução de consumo – não é apenas o empresário, citado por JG Ferreira! (A ERSE, diz o mesmo por exemplo para o abastecimento do GN [gás natural]: "Deste modo, o menor consumo de gás natural perspectivado para o próximo ano, face ao considerado nas tarifas actualmente em vigor, resulta num aumento dos custos unitários do acesso" (Comunicado da ERSE de 15JUN12)
E tudo isto acontecia, enquanto a EDP, ia somando lucros anuais (desde 2005) superiores a mil milhões de euros! Já posteriormente, quantas vezes denunciámos o escândalo da garantia de potência, oferecida pelos Governos PS aos grandes electroprodutores (66,6 milhões em 2011!)? Ou os escandalosos mais de 24 milhões de euros anuais pagos na factura de electricidade de cada cidadão, de "rendas" das terras das barragens – expropriadas há décadas pelo Salazar a preços de miséria a muitos pequenos agricultores! (De 2010 para 2011 estas rendas passaram de 13,406 para 24,205 milhões, porque uma Portaria (542/2010 de 21 de Julho) passou o indexante de actualização do IPC [índice de Preços no Consumidor] para uma taxa swap (por onde andava já este bicho!!!) interbancária acrescida de meio ponto percentual!
E sobre os preços dos combustíveis, onde as "rendas excessivas" estão muito mais bem disfarçadas, quantas vezes questionou o PCP sucessivos ministros da Economia e secretários de estado da Energia, e a Autoridade da Concorrência (e até a Comissão Europeia por escrito e o Comissário da Concorrência Almunia oralmente), relativamente a uma questão que o JG Ferreira levanta!
O facto dos preços em Portugal antes de impostos, serem mais elevados do que na generalidade dos países da União Europeia, decorrente dos diferenciais adicionados aos índices Platts de Roterdão (referência para Portugal), serem maiores no nosso país! O que ninguém percebe, excepto a AdC [Autoridade da Concorrência], que o justifica pela posição periférica do País!!! Mas como, se os combustíveis consumidos cá, são produzidos, em geral, cá? AdC com uma também extraordinária, concepção do funcionamento do mercado grossista dos combustíveis líquidos… como é verificável num dos seus Relatórios sobre o assunto. Ou porque razão, o País não criou uma efectiva concorrência aos combustíveis líquidos, pelo uso do GN Comprimido (GNC) e GN Liquefeito (GNL), e expansão do uso do GPL, no transporte rodoviário, com o estabelecimento de redes nacionais de abastecimento de GNC e GNL, e alargamento da rede já existente de GPL! (Anote-se: uma recente Comunicação da CE (COM(2013) 17 final) e uma consequente Proposta de Directiva comunitária (COM(2013) 18 final), avançam exactamente nesta direcção! E questionar porque razão sucessivas maiorias PS, PSD e CDS chumbaram (três ou quatro vezes) o projecto de lei do PCP para a criação da rede nacional de GNC! E quantas vezes reclamamos da dita rede combustíveis low cost, de que se fala há anos?
E a pergunta a que nenhum Ministro respondeu (nem a AdC, que considerava que nas suas investigações, não tinha que analisar os lucros das empresas, apesar de confrontada com evidentes lucros de monopólio!) porque razão se multiplicaram por 5 os lucros da GALP quando por decisão do Governo PSD/CDS, foram liberalizados a partir de 1 de Janeiro de 2004, os preços dos combustíveis líquidos! De uma média de lucros anuais (depois de impostos) entre 2000/2003 de 138,8 milhões de euros, a GALP teve entre 2004 e 2011, uma média de 667,8 milhões de euros!
Quantas vezes, apresentamos projectos de resolução (PJR), com recomendações aos governos, visando atenuar, reduzir, eliminar essas rendas. Para não o sobrecarregar com informação excessiva, veja, por exemplo, o PJR 449/XII/2ª (Preços de Energia compatíveis com o poder de compra dos portugueses e a produtividade da economia nacional), e os PJR 277/XII/1ª (Preços máximos nos combustíveis, travar a especulação e PJR 343/XII/1ª (Uma estratégia para a promoção de combustíveis alternativos na mobilidade rodoviária) já com o actual Governo e maioria PSD/CDS! (documentos anexados).
E quantas vezes, foram chumbados pelo PS, PSD e CDS, os requerimentos do Grupo Parlamentar do PCP, para que fossem ouvidos os responsáveis da EDP e GALP sobre a origem dos (super)lucros das suas empresas? Muitas vezes! Com o registo, de que alguns colegas jornalistas do JG Ferreira, apodavam tais tentativas do PCP, de esclarecer as "rendas excessivas", como atitudes demagógicas!
Quem tiver dúvidas sobre o que afirmamos, pode retirá-las facilmente, pela leitura da intervenção do PCP sobre a matéria, acessível e disponível na página da net da Assembleia da República. Vantagens das novas tecnologias…
Caro JG Ferreira
Estes problemas são de facto há muito conhecidos e denunciados pelo PCP. Eles têm como raiz principal (mas não única) a privatização de grandes empresas públicas de bens e serviços essenciais, em sectores de bens não transaccionáveis (BnT), muitas vezes monopólios públicos, transformando-as em monopólios (se quiser, em oligopólios, com uma empresa dominante) privados. Associando processos de reestruturação, como o referido para a EDP, e a (aparente) liberalização dos respectivos mercados.
Aliás, a predação dos sectores de BnT sobre os sectores de bens transaccionáveis (BT) (empresas exportadoras, PME da indústria, agricultura, pescas) até está calculada. No livro "O Nó Cego da Economia", Vitor Bento, aponta um valor equivalente a 15% do PIB entre 1990 e 2010! Questão que várias vezes levantei nos debates travados na AR! É fácil perceber a enorme "fraude" e mistificação, com que tantos, tantas vezes abordam o problema da competitividade da economia portuguesa, sem qualquer referência a esta predação!
E a montagem (desmantelando outras estruturas públicas) de custosas entidades ditas reguladoras, como a prática evidencia não regulam nada… Alguém, já se interrogou (agora que se está novamente a legislar na AR sobre as ditas entidades) porque razão a ERSE não viu, não descobriu, não detectou, ao longo de anos de actividade, os 4 mil milhões de euros de rendas excessivas, que o Estudo externo mandado fazer a pedido da Troika, calculou?!
Mas é evidente, que as ditas entidades reguladoras não se libertam das teias/malhas (teóricas/neoliberais, relações de poder, promiscuidade política) da estrutura monopolista do sector de BnT! Nem os governos.
Como muito bem diz o JG Ferreira, "enquanto o governo não disser assim: quem manda no país não são meia dúzia de banqueiros e os presidentes das grandes empresas que estão no PSI 20, na Bolsa, quem manda no país não são eles, isto não muda"!
E não vai mudar, porque os que estão neste governo, como nos anteriores são os "paus mandados" dos mandantes, a tal "meia dúzia de banqueiros e os presidentes das grandes empresas que estão no PSI 20"!
E o ministro Álvaro, pese a sua farronca, não é melhor que os outros. Faz é um esforço para passar por entre os pingos da chuva… É fácil ver (um dos rapazes da Troika sinalizou-o recentemente), em matéria de rendas excessivas quase tudo continua como dantes, quartel-general em Abrantes! Na energia eléctrica, o corte de 1800 milhões (menos de 50% das rendas excessivas calculadas por entidade externa!) que era para ser feito até 2020, já foi alisado para lá dessa data até 2030, ou seja até 2020 o corte fica em 1 200 milhões.
Se quiser um Balanço recente sobre a matéria, é ler o recente estudo de Eugénio Rosa "Rendas (lucros) excessivas da EDP…" de 02MAI13 em www.eugeniorosa.com!
E porque na sua entrevista se falou da nova Lei da Concorrência, uma das ditas reformas estruturais de que se gaba o ministro A Santos Pereira, o JG Ferreira já se questionou, porque razão a dita legislação nada avançou nas matérias "posição dominante colectiva" e "abuso de dependência económica"? De facto o governo PSD/CDS, o ministro Álvaro com a tutela do tema, e a sua maioria na Assembleia da República, e também com a ajuda do PS, concretizaram uma alteração minimalista e insuficiente da legislação, impedindo – pela inviabilização das propostas do PCP – o desenvolvimento legislativo de três questões fundamentais: a introdução do conceito de "posição dominante colectiva" (hoje presente em legislação de outros países europeus), o aperfeiçoamento e tipificação do "abuso de posição dominante" e sobretudo do "abuso de dependência económica", e ainda a introdução do conceito de "dumping" e a sua penalização em termos concorrenciais. Ora eram estes progressos legislativos que poderiam fazer alguma mossa aos monopólios do sector de BnT!!!
É fácil perceber, porque razão António Mexia abriu a garrafa de champanhe, quando o Governo se viu livre de Henrique Gomes! (Poucos meses antes (Dezembro de 2011), em audição parlamentar, tinha eu feito uma profecia ao então secretário de Estado sobre o seu destino, caso levasse até ao fim a sua missão. Não me enganei!)
E não é difícil, compreender a situação de promiscuidade EDP/poder político dominante: basta olhar para a fotografia a duas páginas do Conselho de Supervisão da EDP, na revista da EDP nº 25 de fevereiro/março 2012. Só ex-ministros PS, PSD e CDS são seis (com o A Mexia são sete)! Só representantes visíveis da Banca e Grupos do PSI 20 (BCP, BES, Liberbank, J. Mello, Colep/BIG, CIMPOR, CIN) são outros tantos! Todos, naturalmente, fanáticos da austeridade e dos baixos salários (dos outros)! Acredite, JG Ferreira, a fotografia ampliada, dava um excelente cenário/pano de fundo para um debate nos Negócios da Semana, sobre energia eléctrica…
Pedindo-lhe compreensão para a extensão da missiva,
Com os meus melhores cumprimentos,
[*] Agostinho Lopes, responsável pela Comissão de Assuntos Económicos junto do CC do PCP e ex-Deputado na AR »