No presente
artigo completamos alguns aspectos dos precedentes (http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2013/07/desigualdade-social-portugal-e-os.html,
http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2013/07/desigualdade-social-portugal-e-os_17.html).
Dividimo-lo em duas secções: 1-Desigualdade Social; 2-Pobreza.
* * *
1 - Desigualdade Social
No artigo
anterior observámos a evolução temporal da desigualdade social (medida pelo
índice de Gini, IG) de alguns países que passaram por transformações económicas
e sociais importantes. As observações evidenciam uma diminuição da desigualdade
social na sequência de revoluções que conduzem a um sistema superior de
relações sociais de produção, e, inversamente, um aumento da desigualdade na
sequência de uma regressão para um sistema inferior (retrógrado) de relações
sociais de produção.
Mas há mais a
dizer sobre isto. A figura abaixo ([1]) mostra a evolução do IG, segundo os
dados da OCDE, em 33 economias capitalistas desenvolvidas (aquelas que são
estudadas pela OCDE). A evolução é representada em termos do valor médio do IG
relativamente a meados dos anos oitenta (a que foi atribuído o valor 100 para
fins comparativos). Vemos que em 2011 o IG subiu em média 10% face ao valor de
meados dos anos oitenta. No período anterior a tendência nos países da OCDE era
para o IG baixar (ver exemplos no artigo anterior). Foi a introdução das
políticas neoliberais nos anos oitenta (Reagan e Thatcher), que levou ao
crescimento do IG. As recentes medidas de austeridade têm continuado a
sustentar o aumento de desigualdade, com as camadas pobres a ficarem mais
pobres e as camadas ricas a ficarem ainda mais ricas. Um exemplo gritante é
precisamente o de Portugal onde o número de milionários tem aumentado e os que
já eram ricos têm ficado ainda mais ricos (conforme recentemente noticiado nos
jornais).
O
crescimento do IG médio nos países da OCDE a partir dos anos oitenta.
Na figura a
seguir representámos a evolução mediana do IG para todos os países do mundo
(para os quais há valores de IG; ver [2]) a traço preto, com uma curva de
tendência a vermelho. A partir de meados dos anos oitenta, embora nos países
capitalistas desenvolvidos se observasse uma tendência de crescimento do IG,
não se pode dizer que tal tendência fosse observável a nível mundial. A
tendência de aumento da desigualdade social a nível mundial só se verificou a
partir de cerca de 1992; isto é, a partir da destruição dos sistemas
socialistas da URSS e do leste europeu. Tal destruição, conforme referem vários
autores (ver, em particular, [3]), para além de ter imposto o capitalismo
mafioso na URSS e noutros países, acabou com as ajudas dos países de economia
socialista aos países do terceiro mundo, sustentando-os nas lutas que travavam
contra a penetração rapace do imperialismo, e permitiu total liberdade ao
imperialismo para conduzir políticas de exploração e opressão económica em
quase todo o mundo, ligando os interesses dos monopólios imperiais aos
interesses das burguesias locais, com o aumento das desigualdades sociais e da
pobreza.
Evolução do
IG mediano para todos os países do mundo no período de 1960 a 2010, a preto,
com curva de tendência a vermelho.
2 - Pobreza
Fizemos notar na
parte I (http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2013/07/desigualdade-social-portugal-e-os.html)
as insuficiências da utilização de um limar relativo de pobreza, do tipo «60%
da mediana da distribuição do rendimento» tal como é usado no Eurostat (com a
agravante da estranha visão do Eurostat tendente a exibir uma imagem da Europa sem
pobreza: http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2012/11/os-10-e-os-25-do-fundo.html).
O Banco Mundial (BM)
avalia a pobreza dos países em termos de limiares
absolutos: 1,25, 2 ou 2,5 dólares de 2005 por dia e em paridade de poder de
compra (PPC). Até aqui tudo bem. Resta saber o que faz o BM com os números que
recolhe e estima.
Considere-se a
notícia trombeteada em 29 de Fevereiro de 2012 por várias agências de notícias
de que segundo o BM a pobreza a nível mundial tinha declinado entre 2005 e
2008. Na versão divulgada pela Bloomberg:
«O Banco Mundial disse hoje que o número de pessoas que vivem com menos de 1,25$
por dia declinou entre 2005 e 2008». Uma das principais missões do BM -- instituição apresentada como uma
espécie de cooperativa onde figuram 5 instituições e 187 países (mais
pormenores em futuro artigo) --, é proclamada como: «Ajudar governos de
países em desenvolvimento a reduzir a pobreza através de fornecimento de
dinheiro e de conhecimentos técnicos que necessitem num largo leque de
projectos». De facto as «ajudas» de instituições como o BM, hegemonizadas pelos
EUA e vocacionadas para defender os interesses do capitalismo e do
imperialismo, são frequentemente presentes envenenados. Mas, claro, o BM e
outros agentes do capitalismo procuram sempre fazer passar a mensagem de que
estão a resolver questões sociais a nível mundial.
Concretamente, será que é verdade que a pobreza a nível mundial declinou
entre 2005 e 2008? Vamos analisar esta questão.
* * *
O BM procura obter dados fiáveis sobre indicadores de pobreza dos países
que solicitam ajuda. Conforme descrito na respectiva folha informativa do BM ([4])
é usual os dados serem obtidos por aplicação de modelos matemáticos a valores
reais provenientes de inquéritos a amostragens de famílias. Com base em tais
modelos o BM quantifica a percentagem da população cujo rendimento diário
(note-se: rendimento individual e não de agregado familiar) está abaixo de um
certo limiar. Na informação disponibilizada na Internet, e que vai de 1978 até à actualidade, são estabelecidos
dois limiares -- 1,25 e 2 dólares de 2005 em PPC. Este trabalho do BM é
seguramente útil e feito, parece-nos, com o rigor possível.
Vejamos o que
podemos inferir do repositório de dados do BM para 1,25$ ([5]). Ao respectivo
indicador, percentagem da população que vive diariamente com menos do equivalente
a 1,25 dólares de 2005, chamaremos POB1,25. Comecemos por referir que um elevado número de
países não tem qualquer entrada no conjunto: para além de muitos países
europeus também não aparecem quaisquer dados (seja de que ano for) de outros
países; supostamente nunca foram avaliados pelo Banco ([6]) no citado período.
Apenas constam 102 de 214 estados e regiões autónomas. Além disso, para estes
102 países faltam valores do POB1,25 para muitos anos: o conjunto de dados é muito
rarefeito. O ano com mais valores do POB1,25 no conjunto de dados é 2008 e tem
entradas para 47 países. Podemos desde já fazer uma observação para estes 47
valores: a correlação com o índice de Gini (0,25) não é estatisticamente significativa. Na figura abaixo vemos que há
países com IG semelhante e POB1,25 muito diferente (casos de Moçambique e
Uruguai) bem como países com POB1,25 muito semelhante e IG muito diferente
(casos do Paquistão e Honduras).
Diagrama de
dispersão de IG e POB1,25 (2008).
Passemos à
avaliação do POB1,25 no período de 2005 a 2008. Surge um embaraço devido à
rarefacção do repositório: os países que têm dados em todos esses anos são
muito poucos e, obviamente, não podemos
comparar anos em que entram uns países com outros anos em que entram outros.
Como o ano terminal do período em causa é 2008, é-se desde logo obrigado a
efectuar uma primeira operação preliminar: remover todos os países que não têm
dados em 2008. Efectivamente, para poder efectuar uma análise fundamentada sobre
descidas e subidas do POB1,25, para um número representativo de países e um
intervalo temporal tão grande quanto possível, procedemos às seguintes
operações:
a)
Eliminámos países sem valor do POB1,25 no ano de 2008, um
dos anos com mais entradas no repositório: 47 países.
b)
Eliminámos países com dois ou menos valores.
c)
Considerámos um
intervalo temporal abrangendo o intervalo de interesse (2005 a 2008) com menor
rarefacção e boa representação dos vários continentes.
d)
Eliminámos os países que não têm valor de entrada num ano
antecedendo o ano inicial do intervalo considerado em c), já que não permitem
interpolações iniciais.
e)
Procedemos a interpolações lineares ([7]) para os anos em
falta.
Com estas
operações preliminares obteve-se a tabela abaixo com dados completos para 37
países (11 da Europa, 12 da América do Sul, 9 da Ásia e 5 de África), mais de
um terço do total de países com valores no repositório.
Valores de POB1,25 para 37 países. Dados do Banco Mundial completados
por interpolação linear (valores interpolados a sombreado).
|
1992
|
1993
|
1994
|
1995
|
1996
|
1997
|
1998
|
1999
|
2000
|
2001
|
2002
|
2003
|
2004
|
2005
|
2006
|
2007
|
2008
|
ARG
|
1,8
|
2,1
|
1,9
|
3,9
|
4,3
|
3,8
|
4
|
4,2
|
5,1
|
8,3
|
12,6
|
9,8
|
6,3
|
4,6
|
3,7
|
2,7
|
1,9
|
BLR
|
0,02
|
0
|
0,2
|
0,4
|
0,57
|
0,73
|
0,9
|
0,6
|
0,3
|
0,5
|
0,6
|
0,4
|
0,2
|
0,2
|
0,1
|
0,1
|
0,1
|
BOL
|
6,85
|
8,5
|
10,7
|
12,9
|
15
|
17,2
|
20,3
|
23,3
|
26,9
|
21,4
|
22
|
20
|
19,5
|
18,2
|
16,2
|
13,1
|
15,6
|
BRA
|
17,9
|
17
|
14,2
|
11,3
|
12,4
|
12,3
|
11
|
11,4
|
11,6
|
11,8
|
10,6
|
11,2
|
9,8
|
8,5
|
7,6
|
7,1
|
6
|
CAF
|
83,2
|
81,3
|
79,4
|
77,5
|
75,6
|
73,8
|
71,9
|
70
|
68,1
|
66,2
|
64,3
|
62,4
|
62,5
|
62,6
|
62,6
|
62,7
|
62,8
|
CHN
|
63,8
|
53,7
|
59,8
|
54,1
|
36,4
|
47,8
|
48
|
35,6
|
33,2
|
30,8
|
28,4
|
24,4
|
20,3
|
16,3
|
15,2
|
14,2
|
13,1
|
COL
|
6,3
|
7,98
|
9,65
|
11,3
|
13
|
14,1
|
15,1
|
16,2
|
17,9
|
19,2
|
20,3
|
19,6
|
19
|
12,7
|
11
|
8,8
|
11,3
|
CRI
|
8,1
|
6,9
|
5,8
|
6
|
7
|
5,3
|
4,2
|
5,4
|
5,5
|
6
|
6
|
5,8
|
5,3
|
3,9
|
4
|
2,2
|
2,4
|
CIV
|
17
|
17,8
|
19,5
|
21,1
|
22,1
|
23,1
|
24,1
|
23,9
|
23,7
|
23,5
|
23,3
|
23,4
|
23,5
|
23,6
|
23,6
|
23,7
|
23,8
|
HRV
|
0,04
|
0,05
|
0,06
|
0,07
|
0,08
|
0,09
|
0,1
|
0,2
|
0,1
|
0,1
|
0,1
|
0,1
|
0,1
|
0,1
|
0,1
|
0,1
|
0,1
|
DOM
|
4,7
|
4,7
|
4,7
|
4,7
|
4,7
|
5
|
5,07
|
5,13
|
5,2
|
3,7
|
5,7
|
6,6
|
8,1
|
6,1
|
4,2
|
3,8
|
3,3
|
ECU
|
13,8
|
13,9
|
14,1
|
10
|
11,5
|
13
|
14,5
|
23,9
|
20,7
|
17,9
|
15,0
|
12,2
|
10,7
|
9,1
|
6,1
|
7,2
|
6,5
|
EGY
|
4,1
|
3,7
|
3,3
|
2,9
|
2,5
|
2,33
|
2,15
|
1,98
|
1,8
|
1,84
|
1,88
|
1,92
|
1,96
|
2
|
1,9
|
1,8
|
1,7
|
SLV
|
15,3
|
13,6
|
11,8
|
10
|
11,5
|
14,5
|
17,4
|
13,8
|
14,1
|
14,4
|
14,8
|
13,3
|
11,5
|
11,6
|
5,3
|
6,6
|
5,4
|
HND
|
27,3
|
23,5
|
35,9
|
27,3
|
31,4
|
20,6
|
25,5
|
25,4
|
21,7
|
18
|
28,2
|
26,2
|
25,3
|
26,4
|
22,9
|
16,3
|
21,4
|
IDN
|
54,4
|
54,4
|
50,7
|
47,1
|
43,4
|
44,8
|
46,7
|
47,7
|
41,6
|
35,4
|
29,3
|
26,7
|
24,0
|
21,4
|
28,6
|
24,2
|
22,6
|
JOR
|
2,8
|
2,54
|
2,28
|
2,02
|
1,76
|
1,5
|
1,45
|
1,4
|
1,35
|
1,3
|
1,25
|
1,2
|
0,93
|
0,67
|
0,4
|
0,25
|
0,1
|
KAZ
|
3,36
|
4,2
|
4,47
|
4,73
|
5
|
6,72
|
8,44
|
10,2
|
11,9
|
13,6
|
5,2
|
3,1
|
1,7
|
1,05
|
0,4
|
0,2
|
0,1
|
KGZ
|
14,9
|
18,6
|
21,2
|
23,9
|
26,5
|
29,2
|
31,8
|
32,4
|
32,9
|
33,5
|
34
|
24,1
|
14,2
|
22,9
|
5,9
|
1,9
|
6,4
|
LAO
|
55,7
|
54,4
|
53,1
|
51,9
|
50,6
|
49,3
|
48,4
|
47,2
|
46,2
|
45,1
|
44
|
42,3
|
40,6
|
39,0
|
37,3
|
35,6
|
33,9
|
LVA
|
0
|
0
|
0
|
0
|
0,4
|
0,6
|
0
|
0
|
0
|
0
|
0
|
0,4
|
0,3
|
0,27
|
0,23
|
0,2
|
0,1
|
LTU
|
1,78
|
2,2
|
1,47
|
0,73
|
0
|
0,15
|
0,3
|
0,3
|
0,3
|
0,4
|
0,4
|
0,4
|
0,4
|
0,35
|
0,3
|
0,25
|
0,2
|
MRT
|
42,6
|
42,8
|
36,4
|
30
|
23,4
|
22,9
|
22,3
|
21,8
|
21,2
|
22,3
|
23,3
|
24,4
|
25,4
|
24,9
|
24,4
|
23,9
|
23,4
|
MEX
|
4,8
|
4,2
|
3,6
|
5,75
|
7,9
|
8,25
|
8,6
|
7,05
|
5,5
|
4,7
|
3,9
|
2,75
|
1,6
|
1,15
|
0,7
|
0,95
|
1,2
|
MDA
|
17
|
16,6
|
16,2
|
15,9
|
15,5
|
15,1
|
27,2
|
39
|
32,8
|
26,5
|
17,5
|
6,8
|
8,1
|
12,5
|
2
|
0,9
|
1,1
|
NER
|
72,8
|
75,5
|
78,2
|
75,7
|
73,1
|
70,6
|
68,0
|
65,5
|
62,9
|
60,4
|
57,8
|
55,3
|
52,8
|
50,2
|
48
|
45,8
|
43,6
|
PAK
|
61,9
|
59,2
|
56,4
|
53,6
|
50,9
|
48,1
|
38,6
|
29,1
|
31,1
|
33,2
|
35,9
|
31,5
|
27,0
|
22,6
|
22,6
|
21,8
|
21
|
PRY
|
5,2
|
7,3
|
9,4
|
11,5
|
11
|
10,5
|
13
|
14,2
|
12,7
|
11,1
|
15,8
|
10,7
|
8,1
|
7,2
|
10,9
|
8,8
|
5,6
|
PER
|
12,5
|
12,7
|
12,9
|
8,93
|
4,97
|
1
|
14,3
|
15,8
|
12,4
|
14,5
|
12,4
|
9,5
|
7,4
|
8,6
|
7,2
|
7,9
|
6,2
|
POL
|
0
|
4,2
|
3,27
|
2,33
|
1,4
|
0,75
|
0,1
|
0,1
|
0,1
|
0,1
|
0,1
|
0,1
|
0,1
|
0,1
|
0,1
|
0,1
|
0,1
|
ROU
|
0,4
|
0,45
|
5
|
4,18
|
3,35
|
2,53
|
1,7
|
2,7
|
3,7
|
2,7
|
2,9
|
1,9
|
1,4
|
1,2
|
1
|
0,8
|
0,5
|
RUS
|
1,3
|
1,5
|
1,93
|
2,37
|
2,8
|
2,63
|
2,47
|
2,3
|
1,6
|
0,9
|
0,3
|
0,3
|
0,1
|
0,2
|
0,1
|
0
|
0
|
SVK
|
0
|
0,08
|
0,15
|
0,23
|
0,3
|
0,29
|
0,28
|
0,26
|
0,25
|
0,24
|
0,23
|
0,21
|
0,2
|
0,2
|
0,1
|
0,1
|
0,1
|
THA
|
8,6
|
6,35
|
4,1
|
3,3
|
2,5
|
2,3
|
2,1
|
3,2
|
3
|
2,3
|
1,6
|
1,48
|
1,36
|
1,24
|
1
|
0,7
|
0,4
|
TUR
|
1,87
|
1,99
|
2,1
|
2,09
|
2,08
|
2,06
|
2,05
|
2,04
|
2,03
|
2,01
|
2
|
2,5
|
2,4
|
2
|
1,5
|
1,1
|
0
|
UKR
|
0
|
0,67
|
1,33
|
2
|
1,9
|
1,93
|
1,97
|
2
|
1,5
|
1
|
0,5
|
0,2
|
0,3
|
0,1
|
0,1
|
0,1
|
0
|
URY
|
0,9
|
0,8
|
0,7
|
0,6
|
0,7
|
0,6
|
0,8
|
0,65
|
0,5
|
0,6
|
0,8
|
1
|
1,2
|
1,4
|
0,7
|
0,5
|
0,3
|
Note-se que a
tabela respeita inteiramente os dados do BM; apenas os completa de uma forma
estatisticamente correcta: na ausência de informação o modelo de
proporcionalidade por interpolação linear é o modelo que melhor se comporta em
termos médios. Das 629 entradas da tabela 271 entradas (43,1%) foram completadas
por interpolação.
Com base na tabela
é agora possível calcular um valor médio do POB1,25 no período considerado. O
gráfico do POB1,25 médio é mostrado na figura seguinte. Verifica-se que houve
um declínio do POB1,25 médio a partir de 1999 e até 2008; isto é, a notícia da Bloomberg em sentido lato é verdadeira. Contudo, e ao contrário do que a notícia
pode levar a crer, de 2007 para 2008 quase não houve descida e, além disso, a
maior descida do POB1,25 médio no período 1999-2008 não foi a de 2005 para 2006
(1,27%) mas sim a de 2002 para 2003 (1,6%). Acresce que descidas do POB1,25 médio já se tinham verificado no
passado; por exemplo, de 1994 a 1995 verificou-se uma descida de 0,91%,
enquanto a descida de 2007 para 2008 foi bem menor: 0,11%.
POB1,25 médio dos
países da tabela anterior.
Mas há mais a
dizer quando se analisa a evolução do POB1,25 dos países separadamente. Concretamente,
determinemos quantos países viram o seu POB1,25 diminuir no período de tempo
considerado (17 anos).
Se, de forma
simplista, tomarmos apenas em conta os anos inicial e final (1992 e 2008) a
resposta é: 25 em 37 países (67,6%). É uma resposta que proporciona uma visão
optimista mas enganadora. De facto, uma diminuição de 1992 para 2008 pode ser
meramente acidental: existem muitas
maneiras de escolher um ano inicial e um ano final para obter resultados
optimistas! Uma possível alternativa seria determinar a diferença entre os
extremos (máximo e mínimo) do POB1,25 no citado período. É, todavia, uma
alternativa não razoável, porque: a) tal valor ocorre em anos diferentes nos
vários países; b) pode corresponder a um acréscimo em vez de um decréscimo; c)
pode ocorrer multiplamente. Por exemplo, o máximo e o mínimo do POB1,25 para a
Jordânia ocorrem nos anos terminais (1992 e 2008) e verifica-se um decréscimo
(de 2,7%); já para a Bielo-Rússia os extremos (máximo e mínimo) ocorrem em 1993
e 1998 e verifica-se um acréscimo; para a Letónia o máximo ocorre em 1997
(0,6%) e verifica-se existir uma multiplicidade de mínimos (0%) correspondendo
a um decréscimo para alguns e a um acréscimo para outros.
De facto, a
pergunta que parece mais razoável colocar é esta: ao chegar a um ano final de
referência, digamos 2008, será que, baseados na amostra de 37 países, se pode
concluir ter havido uma diminuição significativa da pobreza por se ter atingido
o nível mais baixo do POB1,25? A resposta baseia-se no cálculo da diferença
entre o valor correspondente a 2008 e o valor mínimo obtido desde o ano inicial
de referência (1992) até ao penúltimo ano ([8]): 2007. O resultado é 12. Só 12 países (menos de um terço do total)
chegam a 2008 com um POB1,25 menor do que já alguma vez tinham conseguido no
passado (remontando a 1992). Uma resposta bem pessimista! Efectivamente, não se
verificou, deste ponto de vista, nenhum progresso relativamente a 2006 e 2005 e
até se verificou um retrocesso relativamente a 2007! Estas constatações
ilustram bem o cuidado que é necessário ter quando deparamos com declarações
optimistas de entidades oficiais baseadas em resultados médios (ou acumulados:
somas). Conclusões semelhantes se retirariam se em vez do limiar 1,25$ se
usassem outros limiares.
As figuras abaixo
foram produzidas com os dados do BM ([9]), Mostram os milhões de pessoas, em
várias regiões do mundo, que vivem abaixo de um certo limiar de rendimento
diário, no período de 1981 a 2008. Para além dos habituais 1,25 $/dia e 2
$/dia, mostramos também a evolução para o limiar de 4 $/dia, valor próximo da
média do RSI (rendimento social de inserção, [10]).
POB1,25
POB2
POB4
População (em
milhões) que vive abaixo de um dado limiar diário de rendimento. De cima para
baixo: POB1,25=1,25 $(2005)/dia, POB2=2 $(2005)/dia e POB4=4 $(2005)/dia.
Uma descida clara dos níveis de
pobreza em todos os indicadores (POB1,25, POB2 e POB4) apenas se verifica nos
países da Ásia Oriental e Pacífico. Para o POB1,25 verifica-se uma subida de
1981 para 2008 nos países da África subsariana, Ásia do Sul, Médio Oriente e
Norte de África (pequena neste caso). Esta constatação complementa e apoia a
nossa análise anterior. A situação da evolução da pobreza agrava-se quando se
consideram limiares mais realistas, como o POB4 correspondente ao nosso RSI.
Neste caso, as subidas são enormes em todas as regiões do mundo com excepção da
Europa e Ásia Oriental e Pacífico. È claro que, tratando-se de valores
acumulados, cada uma das regiões envolve situações diversas dos respectivos
países. Assim, embora na Europa, na sua totalidade, haja descida da pobreza
pelo POB4, o que é certo é que tal não se verifica em certos países, como
Portugal, onde em vez de descer tem vindo a subir.
Note-se que na evolução do POB4
ainda se verifica uma pequena tendência (acumulada) de descida de 2002 para
2008. Se usássemos o POB5 tal tendência seria muito reduzida (quase nula).
Em suma, todas estas observações não suportam a
visão optimista de que finalmente a pobreza está a descer em todo o mundo. Pelo
contrário, a pobreza a nível mundial tem vindo a subir de modo significativo.
As razões deste fenómeno são as mesmas que apontámos acima para a desigualdade
social e que podemos resumir assim: imperialismo neroliberal à solta, sem
países socialistas para o refrearem.
* *
*
Os meios de comunicação social,
dominados pelos capitalistas, constantemente procuram incutir nos cidadãos,
directamente ou por formas sub-reptícias, a ideia de que a existência de
pobreza é uma necessidade, nomeadamente pela falta de recursos para acabar com
a pobreza. Na realidade a questão da pobreza não é uma questão da falta de
recursos, mas sim uma questão da distribuição de recursos e de políticas
sociais adequadas, nomeadamente as conducentes ao pleno emprego. Questões
que o capitalismo, por sua própria natureza, é incapaz de resolver.
Vamos citar aqui apenas os
títulos esclarecedores de dois artigos bem fundamentados da Oxfam, uma
confederação internacional de 17 organizações representadas em mais de 90 países
que estuda o problema de construir um «futuro livre da injustiça da pobreza»:
1 - «O rendimento anual das 100
pessoas mais ricas de todo o mundo seria suficiente para acabar quatro vezes com
a pobreza global»: http://www.oxfam.org/en/pressroom/pressrelease/2013-01-19/annual-income-richest-100-people-enough-end-global-poverty-four-times
2 - «Os impostos sobre os
biliões "privados" que estão hoje escondidos em paraísos fiscais
seriam suficientes para acabar coma pobreza extrema, a nível mundial, duas
vezes»: http://www.oxfam.org/en/eu/pressroom/pressrelease/2013-05-22/tax-havens-private-billions-could-end-extreme-poverty-twice-over
.
Referências
[3]
Roger Keeran, Thomas Kenny (2004) O
Socialismo Traído. Por trás do colapso da União Soviética. Edições Avante!
(Roger Keeran é professor no SUNY/Empire State College e Thomas Kenny é
economista).
[4] Income Poverty: Data Availability and
Analyses Tools (World Bank).
[5]
http://data.worldbank.org/indicator/SI.POV.DDAY (consultado em Abril de
2012).
[6] Presume-se que devido a nunca terem solicitado ajuda.
[7] A interpolação linear entre dois valores rodeando valores em falta,
preenche esses valores segundo uma regra simples de proporcionalidade.
[8] Note-se que o mínimo não se altera com a operação de interpolação
efectuada na tabela.
[9] Fonte das figuras: http://www.tableausoftware.com/public/gallery/visualizing-global-poverty-trends
PovcalNet; http://iresearch.worldbank.org/PovcalNet/index.htm
.
[10] O Relatório do ISS de 2008 indica 84,9€ como o valor médio mensal do
RSI. Este valor corresponde a 2,83€/dia. Tendo em conta a correspondência em
PPC do dólar e do euro em 2008 (http://stats.oecd.org/Index.aspx?datasetcode=SNA_TABLE4),
este valor corresponde a 4,35 $/dia. A diferença entre o dólar de 2005 e de
2008 é pouco importante.