domingo, 3 de março de 2013

As Manifestações de 2 de Março. E agora?

Num artigo anterior tínhamos escrito «Um povo que não se levanta em luta pela sua dignidade, é um povo sem futuro». As manifestações de Sábado, 2 de Março, pela sua grandiosidade, vieram mostrar que grande parte do povo português está pronta para lutar por uma vida digna. Está pronta para lutar pelo seu futuro.
Estas novas manifestações constituem uma confirmação clara da disponibilidade para lutar que apenas se entrevia nas anteriores manifestações promovidas pelo Movimento "Que se Lixe a Troika" (MQSLT) de 15 de Setembro de 2012 e pela CGTP a 29 de Setembro de 2012.
Que perspectivas políticas se abrem com esta manifestação?
Esta é a questão essencial e cuja resposta não é fácil.
Notemos, em primeiro lugar, que em Portugal está a acontecer algo de semelhante ao que acontece em outros países da UE atingidos pela chamada crise do euro: Grécia, Espanha, Itália. (Conhecemos mal o que se passa na Irlanda.) Nestes países também tiveram lugar grandiosas manifestações dinamizadas por movimentos não alinhados partidariamente, tal como o nosso MQSLT (http://queselixeatroika15setembro.blogspot.pt/). Qual foi a tradução prática de todas essas lutas, algumas inclusive com violentos confrontos com as forças da «ordem» como na Grécia, e outras com majestosos e prolongados sit-in como na Espanha? A resposta é: nada que os políticos ao serviço do grande Capital não conseguissem absorver. Na Grécia, apesar da grande votação do Syriza (partido próximo do nosso BE) acabou por ir para o governo uma aliança conservadora submissa à troika. Em Espanha, o reaccionário PP venceu as eleições e Rajoy continua impávido apesar de todos os escândalos recentes de corrupção Na Itália, verificou-se uma espécie de empate em recentes eleições entre as forças mais conservadoras (Berlusconi, Monti) e as menos conservadoras ou mesmo patéticas (Bersani, Grillo); nada que tire o sono às forças do Capital.
Este é, portanto, um dos cenários possíveis ¾ e, para já, o mais provável ¾ para Portugal: apesar das grandes manifestações contra a troika o partido vencedor nas próximas eleições será o PS e iremos ter mais do mesmo. É claro que António José Seguro usa agora um discurso bem mais esquerdizado do que usava há uns tempos; agora já defende a rejeição do memorando e não simples alterações pontuais, etc. Tenta colar-se, como sempre fez o PS, às reivindicações populares de forma a colher dividendos nas eleições. Uma vez estas realizadas todo o discurso de esquerda é prontamente esquecido e aplica as políticas de direita consonantes com os interesses que na realidade representa e defende.
Ora, um movimento não alinhado partidariamente como o MQSLT é muito bom para dinamizar a mobilização popular. Mas tem um grave defeito, dada precisamente a sua posição «apartidária» e de indefinição ideológica: não contribui em nada para desfazer ilusões e para esclarecer politicamente as massas populares. As ilusões e falta de esclarecimento eram patentes em praticamente todas as entrevistas feitas a populares durante as manifestações. A mais corrente (e mais ingénua) é a de que o problema é o de certas figuras políticas: para muitos manifestantes se, por exemplo, se trocasse o Coelho pelo Seguro outro galo cantaria. As massas populares, em geral, não compreendem que se trata aqui da crise do sistema capitalista e das forças partidárias que o apoiam; não estão, em geral, receptivas a ideias como a da nacionalização da banca e da saída do euro. Tendem a pessoalizar as questões (no mesmo partido há políticos «bons» e outros «maus») em vez de as interpretar como lutas de classes com interesses antagónicos; e, embora rejeitando a troika pelas consequências directas de que são vítimas, não entendem porque razão a troika age como age. Muitos nem sequer compreendem que a troika representa precisamente os interesses daquela «Europa» de que durante anos e anos lhes contaram maravilhas. A Europa do grande Capital alinhada pelo império: os EUA.
Insistimos: a falência de partidos de esquerda como o BE e o PCP no esclarecimento político das massas populares, os disparates que constantemente propalam, a tibieza e falta de clareza que muitas vezes demonstram, vão contribuir para que o cenário político mais provável no futuro próximo seja o de um governo PS. A continuação da nojeira. O BE, em particular, pelo piscar de olhos constante que faz ao PS, está a desempenhar um papel lamentável de alimentar a continuação das ilusões das massas populares no PS.
Um outro cenário bem diferente seria o de uma coligação de partidos de esquerda com um programa claro de medidas contra o grande Capital, monopolista e financeiro, medidas como as que defendemos nos anteriores artigos «Alternativa? Sim, Existe» e «Por uma solução de esquerda da crise portuguesa». Medidas que apontem no sentido de que «o povo é quem mais ordena» em vez de «o Capital é quem mais ordena». É um cenário que levará tempo a construir, tanto mais tempo quanto mais se perder em diligências inúteis («atalhos» como a busca de alianças com o PS). Mas só esse cenário, em nosso entender, merece ser construído porque só esse dará resultados, canalizando devidamente a vontade de luta expressa nas manifestações populares.
Dizíamos o seguinte em ««Governo de Esquerda» dizem eles»: «A esquerda tem pela frente um trabalho complexo, longo e árduo. Um trabalho que exige muito estudo e rigor. Não há «atalhos» que substituam o estudo e o rigor.» Mantemos totalmente esta afirmação.