O movimento «Que se lixe a Troika!» tem vindo a dinamizar a mobilização popular contra as políticas de austeridade impostas pela Troika. E com assinalável sucesso, a avaliar pela grande afluência nas manifestações que convocaram. Bem maior do que nas manifestações convocadas pela CGTP.
Já referimos, em artigo anterior, que o «apartidarismo» do movimento «Que se lixe a Troika!» tem consequências. A mais grave é a do baixo nível de esclarecimento e até da confusão que deixa reinar nas cabeças dos manifestantes. São exemplos disso, os seguintes: a) a ideia de que «os políticos são todos os mesmos» ¾ uma frase curiosamente repetida até à exaustão precisamente por aqueles que sempre votaram nos mesmos políticos, pelo que a frase deverá ser efectivamente lida como círculo vicioso: «os mesmos políticos são todos os mesmos»; b) a ideia de que poderá existir um «poder popular» acima dos interesses de classe, um poder que prescinda dos partidos ¾ no fundo, trata-se da velha e comum falta de compreensão de que os partidos existem precisamente porque representam os interesses de determinadas classes e estratos sociais, instalados nos seus quadros dirigentes (não estamos aqui a referir-nos aos votantes); c) a ideia de que um movimento espontaneísta de «todo o povo», fraternalmente unido (o velho ideário pequeno-burguês), pode opor-se como um todo à Troika; d) finalmente, a ideia de que o principal mal é o de fora, o principal mal é da Troika.
Diz-se «Que se lixe a Troika!». Não se diz «Que se lixe a Troika e quem os ajuda!» ou mais claramente «Que se lixe a Troika e PS, PSD e CDS!». Esta última formulação desfaria claramente as confusões acima indicadas. Claramente denunciaria que o mal não é só dos troikanos de fora. O mal principal é, de facto, dos troikanos de dentro. E mais: se vencermos os troikanos de dentro os de fora também serão vencidos, mas o contrário não é verdadeiro. Nesta medida, a palavra de ordem «Que se lixe a Troika!» é, lamentavelmente, extremamente redutora e causadora de confusões:
Os verdadeiros culpados da miserável situação em que está mergulhado o país, da destruição de Portugal, da exploração brutal do povo trabalhador português, não estão lá fora. Estão cá dentro: foram (e são) os quadros dirigentes e governamentais do PS, PPD/PSD e CDS. Todos eles ao serviço do grande Capital, nomeadamente do capital improdutivo do sector bancário.
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As políticas impostas pela Troika são as políticas desejadas pelos banqueiros. Pelos nossos banqueiros também. Já demonstrámos isso várias vezes com factos e números em artigos anteriores. Efectivamente a nossa demonstração é apenas uma de milhentas patrocinadas por economistas de diversas escolas, keynesianas e marxistas. E até mesmo por alguns economistas convencionais (neoclássicos, mas não neoliberais).
A política de austeridade da Troika é simplesmente isto: uma máquina de extorsão de dinheiro das camadas trabalhadoras para tapar os furos ¾ através dos «resgates» ¾ criados pelas operações fraudulentas da banca (alicerçadas em «bolhas de crédito fácil e de despesismo público) para que banqueiros, gestores e seus homens de mão continuem ricos e habilitados a prosseguir nas mesmas operações fraudulentas. Precisamente aquelas operações que, no actual capitalismo financeirizado, conferem lucros elevados aos grandes investidores (lucros expressos em capital fictício, a pagar no futuro pelo Zé-pagode). Aquelas operações que motivaram os resgates do BPN, BCP, CGD e BANIF, cujas causas e escândalos associados só a pouco e pouco vão sendo do domínio público. Tudo porque afinal BPN, BCP, CGD e BANIF sempre tinham «activos tóxicos», embora Teixeira dos Santos, ministro das finanças do governo PS dissesse em Novembro de 2009 que não. Embora o jesuítico Vítor Constâncio, figura de proa também do PS, enquanto administrador do Banco de Portugal, também não tivesse sabido de nada.
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A nosso ver, pelo menos duas conclusões se impõem:
- Continuar a gritar «Que se lixe a Troika!» não incomoda minimamente os nossos troikanos de dentro. Nada, absolutamente nada. Muito pelo contrário. Sorriem-se beatificamente, porque enquanto os «papalvos» gritam «Que se lixe a Troika!» atirando com as culpas «para fora» continuarão eles a mandar. E até podem dizer que a culpa é da Troika e não deles. Vítor Gaspar já veio dizer que o problema da dívida pública irá até 2040 e que ele não tinha previsto que a recessão ia ser tão grave e trazer tanto desemprego. Enfim, falta de previsão… Em 2040 provavelmente já não haverá Troika; nessa altura é muito possível que Gaspar diga que, coitado (!), além de não conseguir prever o que se ia passar a Troika bem o lixou estragando-lhe as previsões!
- É necessário construir de raiz um novo movimento de esquerda, marxista, que ultrapasse todos os desvirtuamentos dos partidos que se reclamam do marxismo, incluindo os desvirtuamento dos partidos comunistas responsáveis pelas aberrações que tiveram lugar na URSS e na China (e noutros lugares). Aberrações que são a causa principal, a causa fundamental, do descrédito em que caiu a ideia do socialismo entre os próprios trabalhadores. A causa, afinal, pela qual até esta nojeira de capitalismo que temos continua largamente popular, mesmo entre os trabalhadores, e ainda iremos aturar mais do mesmo.
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Quanto a este último aspecto vale a pena olhar para os resultados de um inquérito, conduzido recentemente pela Universidade Católica (UC), acerca das intenções de voto nos partidos, comparando com os resultados de inquérito idêntico realizado no passado Setembro. Os resultados foram (com a comparação entre parêntesis): PS 31% (=), PSD 28% (+4%), CDU 12% (-1%), BE 8% (-3%), CDS 5% (-2%). Isto é, apesar de todas as manifestações, apesar de todos os descontentamentos com a Troika, o PSD melhora a sua posição (cresce 4% nas intenções de voto face a Setembro) enquanto a esquerda, CDU e BE perdem (!) nas intenções de voto. Pode-se argumentar, como muita vez se faz, que os resultados são apenas estimativas. É certo. Contudo, a UC tem já reconhecida experiência na condução de trabalhos estatísticos deste género e os resultados passados têm andado próximo da verdade. O argumento, portanto, não colhe; a não ser para os que preferem continuar a assobiar para o lado.
Que se passa à esquerda? O BE, tal como previmos há bastante tempo, continua todo entretido no seu namoro ao PS: «foi dado um passo importante» disse João Semedo a propósito da carta de António Seguro à Troika (19/2); «O BE não fecha as portas à esquerda», a propósito da carta do PS a convidar para aliança na eleição autárquica do Porto (13/3). Isto é, o BE não tem dúvidas que o PS é de esquerda, logo não lhe fecha as portas! Um ridículo espantoso!!! Como se fosse o BE a abrir as portas ao PS; a conferir-lhe a bênção de esquerda, a ungir o PS com os santos óleos. E o PS, ungido pelo BE, assim seguirá avante pela estrada da redenção de esquerda.
O PCP continua a alternar sinais contraditórios (entremeados com posições não marxistas na análise de situações internacionais; ver, por exemplo, o que dissemos nos artigos sobre «A Primavera Árabe»). Tanto toma posições que nos parecem inteiramente correctas, como a da rejeição do convite do PS respondendo, com todo o acerto, de que se tratava de uma proposta para o PCP fazer de muleta ao PS e de «calculismo eleitoral em busca de capitalizarem em Outubro aquilo que deveriam fazer hoje [apresentar moção de censura ao Governo]», como defende em panfletos distribuídos na rua medidas comezinhas, do género das que até a direita defende, como preços controlados e aumentos de salários e pensões. No quadro do nosso actual sistema capitalista (e é nesse que o PCP advoga tais medidas) controlo de preços (de facto, congelamento ou fixação de máximos) e aumentos salários e pensões não passam de boas intenções. Pela simples razão de que o sector produtivo capitalista não consegue suportar tais medidas. E não consegue porque está debilitado, parcialmente liquidado e nas mãos de estrangeiros. E continuará assim porque a banca não está a conceder empréstimos ao sector produtivo, conforme se queixam desde há muito as PMEs. A banca e investidores financeiros estão mais interessados em continuar nos jogos de casino. Portanto, as «12 medidas imediatas contra a exploração e o empobrecimento» advogadas pelo PCP, no quadro do actual sistema capitalista, não passam de boas intenções. Voltamos sempre ao problema crucial e fulcral da banca. Sem uma banca nacionalizada ao serviço do «povo» as «12 medidas» não irão ser implementadas porque tal é impossível; isto sem prejuízo de uma ou outra migalha poder passar. Ora, o PCP não fez ainda uma única afirmação clara sobre o sector bancário. Apesar de ter quadros que entendem do assunto, como o bem conhecido ex-deputado Octávio Teixeira.
Na esquerda não parlamentar o MAS tem surgido com boas apreciações da situação política, interna e externa. O seu manifesto contém, contudo, gritantes incorrecções históricas no que se refere ao papel do PCP durante a revolução do 25 de Abril, denunciando além de falta de rigor um sectarismo «anti-estalinista» muito próprio dos partidos trotskistas, do género: tudo que os «estalinistas» (com um entendimento demasiado lato de «estalinista») dizem, disseram ou fizeram está errado. A nosso ver o MAS pode trazer uma contribuição útil à esquerda necessária, nomeadamente se não cair no esquematismo e dogmatismo, se não cair no endeusamento da figura de Trotsky considerando-o como o detentor de toda a verdade e só a verdade (ver nosso artigo «A Teoria de Tudo e a Última Verdade»). Esperemos também que o MAS consiga legalizar-se como partido, ultrapassando a prepotência do Tribunal Constitucional bem denunciada pelo bastonário da Ordem dos Advogados Marinho Pinto (ver o JN ou o portal do MAS).
Quanto ao PCTP/MRPP lá continua carregando às costas com Estaline e Mao Tsé-Tung. Carregando também com o ex-Secretário Geral Arnaldo Matos, «grande educador do povo» e um dos primeiros a felicitar Ramalho Eanes pelo 25 de Novembro de 1975, apelando nessa altura a que se aproveitasse a ocasião para liquidar o PCP; fisicamente. De grupelho provocatório e tropa de choque contra militantes do PCP e de outros partidos de esquerda (para grande gáudio da burguesia) passou a tocar uma partitura mais suave com Garcia Pereira. Mas as aberrações Estaline e Mao continuam a dar o tom a este partido de verborreia de esquerda, meio trauliteiro e visceralmente anti-marxista.
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Em suma, o que se passa à esquerda permite que a direita continue a sorrir-se beatificamente sob os gritos de «Que se lixe a Troika!», com Marcelo Rebelo de Sousa a representar chocarreiramente o seu papel de iluminado politólogo de serviço. Até quando?