quarta-feira, 24 de abril de 2013

A Direita em Rédea Solta


O panorama político em Portugal continua dominado pelas manobras da direita que, com completo cinismo e inteiro à vontade, prossegue no saque de rendimentos às classes pobres a favor do grande capital financeiro nacional e internacional.
Conforme já referimos em artigos anteriores a posição da esquerda parlamentar é de tibieza, com a proposição de medidas cosméticas e a concentração de atenções em questões menores, deixando de lado a questão essencial que passa por ultrapassar o incurável capitalismo através de medidas socializantes. Deixando de lado a questão das questões: a necessidade de nacionalizar a banca. Não há resolução da crise que não passe pela nacionalização da banca, o centro nevrálgico do capital financeiro.
A falta de um efectivo esclarecimento e de uma postura de chamar os bois pelos nomes tem levado a manifestações folclóricas, que não incomodam minimamente a direita. Manifestações que, sem contribuirem para um efectivo esclarecimento, fazem perdurar as ilusões nas massas, mantendo a ideia de que bastará uma mudança de governo (para o PS, claro) para resolver a crise. Manifestações que só servem para manter uma situação de marasmo ideológico e de falta de combatividade popular. Manifestações que não irão levar a lado nenhum se essa combatividade não aumentar de molde a passar a acções de rua com um sentido de luta mais elevado, como por exemplo fizeram os egípcios quando ocuparam a praça Tahrir e não a abandonaram até obterem o que queriam. Para agravar a situação certa esquerda (o BE e não só) está convencida que a solução passa por um entendimento com o PS. Um entendimento com uma inamovível cúpula direitista que desde o 25 de Abril sempre esteve amarrada aos interesses do grande Capital!
Vejamos alguns desenvolvimentos recentes:
  • As previsões dos principais indicadores, quer provenientes da troika quer de Gaspar, têm-se revelado totalmente falsas. É uma história que se repete e continuará a repetir-se. O défice do Orçamento de Estado (OE) de 2012, que em Janeiro e Fevereiro de 2013 juravam a pés juntos ser de 4,9%, é agora reconhecido que foi de 6,6%, ultrapassando substancialmente a fasquia dos 5%.
  • No início de Março a troika considerava impor novas medidas de austeridade (assunção pelo Estado de dívidas com as PPPs e com empresas públicas) que supostamente agravariam a dívida pública (DP) em 18%. O chumbo de certos artigos do OE pelo TC enfureceu Gaspar e a troika. Gaspar falou que tal deixaria um buraco de 1326 milhões de euros nas contas públicas. A troika veio exigir novas medidas para compensar o chumbo do TC. Gaspar não conseguiu inventar nada melhor que uma poupança de 800 milhões à custa de cortes em subsídios por desemprego e por doença! A febre direitista de Gaspar, a sua incompetência e insensibilidade são tão gritantes que um ex-assessor do ministro da Economia classificou-o de «psicopata social» (12/4), dizendo ainda «Cada dia que passa mostra que Vítor Gaspar é o ministro das Finanças mais arrogante e mais incompetente desde o reinado de D.Maria II», isto de mistura com críticas a António Borges e à banca.
  • Recordemos que o objectivo da austeridade era fazer baixar a dívida pública (DP). Na prática, o que é que a terapia da austeridade conseguiu fazer à DP? Apenas isto: o seu aumento que já está perto dos 120% (estima-se que em 2013 suba a 123,6%) em vez dos 108% de 2012 e dos 83,7% quando a troika impôs o seu acordo de resgate!!! E enquanto sobe a DP, sobe o desemprego e desce o PIB. Como dizia o jornal New York Times (15/4) o «Remédio da austeridade está matar o doente europeu». Numa parte dedicada exclusivamente a Portugal, o jornal escreve que «os economistas dizem que Portugal vai provavelmente ter um défice orçamental, este ano, maior que o acordado (com a troika) (...) porque as políticas nacionais, sem surpresa, causaram uma recessão mais profunda que o previsto». Note-se o «sem surpresa». Parece que surpreendido só está Gaspar.
  • Um artigo de Mark Thoma publicado no Economist's View (8/4) refere: «[…]o artigo do Financial Times cita o jornal português Público onde diz “Portugal entrou num ciclo de recessão. As pessoas não têm razão para acreditar que o futuro será melhor. O programa [de ajuste com a troika] falhou e tem de mudar». Será isto surpreendente? De forma nenhuma... Pode alguém que não esteja cego por fé ideológica em contracções fiscais acreditar que a austeridade não é um tiro no pé? E contudo, tivemos a oportunidade de ler o relatório da Comissão Europeia sobre Portugal [a propósito da decisão do TC]: […] ameaça cortar fundos se o governo português não segue as suas prescrições […]; recomenda que não deve ter lugar uma discussão democrática […]. Isto ultrapassou tudo que eu imaginaria. Fui ver se o dia das mentiras não tinha sido movido para 7 de Abril. Isto está a passar-se na realidade e não precisa de mais comentários…»
  • O FMI mantém uma postura de cinismo despudorado, com Abebe Selassie (4 de Abril) a mostrar-se desapontado pelo facto dos preços da electricidade e das telecomunicações não terem descido… Também disseram que as metas orçamentais para 2013 foram revistas para não causar recessão. Inicialmente, a meta do défice de 2012 era de 4,5% e passou a 5% (de facto ficou em 6,6%), e a de 2013, de 3%, passou a 4,5%. Agora, o novo objectivo do défice para 2013 é de 5,5%, o de 2014 é de 4% e só em 2015 é que o défice deverá cair abaixo dos 3%, ficando nos 2,5% do PIB. Alguém se acredita nisto, sabendo que Portugal foi o país periférico onde as previsões do défice mais falharam? Entretanto, foi já reconhecido que as novas metas do défice agravaram as necessidades de financiamento em 4700 milhões de euros; isto é, continuaremos a assistir à destruição do sector produtivo de que um exemplo recente é o fecho dos estaleiros de Viana.
  • Entretanto, soube-se recentemente que o fundamento «científico» da austeridade de científico não tinha nada; os neoliberais que o inventaram nem contas numa folha Excel souberam fazer. Voltaremos noutra altura a este assunto. Registe-se também o «alerta da troika» (13/4) de que a «dívida de Portugal é detida sobretudo por especuladores». Mas estes indivíduos são parvos ou quê? É evidente que a dívida portuguesa, tal como a grega e outras é detida em grande parte por especuladores. Há alguma novidade nisto? Aliás, desde há muito que bancos «respeitáveis» da UE se dedicam à especulação financeira. O BCE sabe disso e todos os bancos centrais sabem disso. Onde está a surpresa? É evidente que a arte de vender gato (papeis praticamente sem valor ou mesmo sem valor) por lebre (como se tivessem valor) está nas mãos de corporações de especuladores licenciados em vigarices e respaldados por governos de direita. Certamente não será o leitor anónimo que vai comprar títulos de dívida portuguesa. Disse também o FMI (Christine Lagarde) que a zona euro «deve limpar sistema financeiro e fechar bancos "onde necessário"». Deram-se agora conta que nem com muitos anos de resgates conseguem salvar os banqueiros especuladores mais comprometidos com activos tóxicos e com fraudes.
  • Mas a febre da especulação, característica de um sistema sócio-económico podre (vem-nos à cabeça a França de Luís XV, de feudalismo decadente, entregue às famosas especulações financeiras do vigarista John Law), já não se cinge às corporações financeiras. Soube-se agora que as empresas de transportes de Lisboa e Porto se dedicaram a esse jogo com o objectivo de varrer as dívidas para baixo do tapete. Obtiveram empréstimos da banca baseados em derivativos (no caso, "swaps"). Em termos simples é isto: apostaram com a banca que a bola da roleta cairia no vermelho e nesse caso tapariam parte da dívida; como a bola caiu no preto não só não taparam a dívida como sofreram um elevado prejuízo. Resultado: estão agora com um rombo de 3 biliões de euros que se espera que eu e o leitor iremos pagar!!! Eu e o leitor, não os culpados, envolvidos na operação: gestores das empresas públicas dos transportes e gestores bancários.
  • A balela da política de austeridade é tão gritantemente errada que começam a levantar-se vozes dos sectores de direita contra ela. Kenneth Rogoff, Professor da Universidade de Harvard disse: «Espera-vos 15 anos de estagnação se não houver perdão da dívida»; há quem diga que serão muito mais que 15 anos. O próprio Mário Soares acha agora que devíamos fazer como em tempos fez a Argentina: pura e simplesmente não pagar a dívida (lá ficariam os papeis de títulos de dívida sem valor). Na entrevista à Antena 1, Mário Soares defendeu como imperativo a mudança de Governo e o fim da austeridade. Disse ainda: «Com essa ânsia de se ser útil à senhora Merkel, estão a estragar o país e a vender tudo. Em dois anos, este Governo destruiu quase tudo em Portugal». Só que o agora de esquerda Mário esquece a quota-parte que teve na destruição de Portugal, com a entrega ao desbarato de empresas públicas ao capital privado enquanto esteve no poder e, mais recentemente, o incitamento que deu a Sócrates de entrar num resgate com a troika.
  • Com muitas vozes no Eurogrupo cépticas quanto à política de austeridade, acabou por ser concedido a Portugal um prazo de 7 anos para pagar a dívida. Como muito bem disse Jerónimo de Sousa (13/4) «Significa um adiamento da renegociação da dívida, uma dívida que se vai manter latente, porque eles permitiram um alargamento do prazo, mas isto significa que os credores vão receber mais dinheiro em juros [ênfase nossa], porque os anos se estendem, os juros aumentam, ficam sempre a ganhar». Considerou ainda «uma vergonha» que a moratória «ainda vá precisar do selo do Bundestag [o parlamento alemão] para autorização». Também o ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Paulo Portas, foi alvo do líder comunista, que considerou e muito bem um «ultraje» o governante ter alegadamente admitido que Portugal vive hoje em regime de protectorado. «O tal patriota, nacionalista, que andava sempre com a bandeira da independência na mão é o mesmo que diz que já vivemos sob protectorado. Com dirigentes destes bem podemos dizer que a manter-se esta situação ainda os Filipes estavam cá, ou os seus descendentes, a mandar em Portugal».
·         Entretanto, continua o regabofe na banca (lucros chorudos -- aumentos de capital dos bancos rendem até 100% --, vencimentos milionários de gestores, cartelização que está a ser alvo de uma investigação da Autoridade de Concorrência, etc.), o desemprego e a pobreza aumentam e os salários baixam. Portugal foi o país do euro que mais destruiu empregos no quarto trimestre de 2012 e aquele em que se verificou uma das maiores descidas do custo de mão-de-obra.
 

A direita europeia segue em frente. Hollande, perante Merkel, é, como era de esperar, mais uma demonstração do direitismo PSista. A própria constituição europeia pode ser violada, como no caso de Chipre em que se deu o amén para sacar dinheiro directamente das contas dos contribuintes. Tudo serve para «recapitalizar» os bancos. Merkel acha mesmo que o que é preciso para resolver os problemas da Europa é acabar com os salários mínimos. Resolver, portanto, os problemas do grande capital, não os problemas dos trabalhadores.
E como a própria direita europeia se sente livre de violar a constituição europeia não é de admirar que a direita portuguesa procure também alijar a constituição (João Jardim) ou pelo menos «reformar» o Estado (Passos Coelho). É que esta coisa da democracia é um luxo que a burguesia só concede quando ainda dispõe de umas migalhas para manter os pobres quietos. Logo que as migalhas se acabam os pobres tornam-se «subversivos» e está na altura de apertar a tarraxa, sem contemplações por constituições. Como dizia um reaccionário francês em apertos semelhantes (Odilon Barrot), «a legalidade mata-nos». Em hora de apertos, em que o que se necessita é de sacar à bruta rendimentos ao povo, toca, portanto, a alijar os fundamentos legalistas da democracia burguesa. É esta a via actual que a direita portuguesa (e de outros países) está a explorar.