Um problema que obcecou os antigos matemáticos gregos era o da determinação com compasso e régua de um quadrado cuja área fosse igual à de um círculo. Não conseguiram resolver este problema -- « quadratura do círculo» -- pela boa razão de que tal envolve o número transcendente π (3,14159…) implicando, por isso, num número infinito de utilizações de régua e compasso. O problema é citado como um exemplo de algo que parece possível mas é, de facto, impossível.
Vem isto a propósito do Congresso Democrático das Alternativas anunciado para o próximo 5 de Outubro.
O Congresso nasceu (pelo menos segundo o noticiado nos jornais) numa reunião de promotores realizada no passado 1 de Julho. Os promotores são fundamentalmente individualidades do PS e do BE, ex-militares de Abril como Pezarat Correia, Franco Charais e Vitor Crespo, ex-militantes do PCP, e outros elementos menos conhecidos. Como figuras de proa destacam-se Vasco Lourenço, presidente da Associação 25 de Abril, e Carvalho da Silva ex-líder da CGTP. O mote do Congresso é «Resgatar Portugal para um futuro decente»; as ideias veiculadas pelos líderes promotores é de que é necessário reflectir sobre o predomínio da «lógica neoliberal» e procurar alternativas para o actual afundamento do país levantando a interrogação de «Como conseguir uma alteração das relações de força, no plano social e político, em favor de valores e objectivos progressistas».
Nos textos das quatro «vertentes» a discutir no Congresso e divulgados na Internet, abundam as interrogações («Qual?», «Como?», etc.) o que se pode compreender porque algumas das interrogações não têm resposta fácil; pelo menos as de índole mais técnica, por vezes construídas com os chavões «sinergético» e «sustentável», como esta pérola: «Como potenciar o crescimento aproveitando as sinergias entre o desenvolvimento sustentável e as potencialidades associadas ao valor da economia verde…» Deixando de lado os «palavrões», será que é esta a preocupação do momento? Abundam também expressões como «Estado Social» e outras belas frases – tão belas quanto inócuas -- como «sociedade livre, justa e solidária» e até a menção de «contrato social» expressão que nos faz recuar até Rousseau.
Não pomos em dúvida as boas intenções dos promotores e participantes em encontrar ou delinear novas pistas que permitam sair do atoleiro em que está metido «Portugal»; isto é, está metido o povo trabalhador, porque os grandes capitalistas e seus serventuários continuam com a cabeça bem acima do atoleiro. Atoleiro, diga-se de passagem, em que muitos dos que promovem o Congresso partilham responsabilidades, incluindo os ex-militares ligados ao Grupo dos Nove.
Mas, afinal, o que representam e o que desejam os alternativos?
Mas, afinal, o que representam e o que desejam os alternativos?
- Representam, conscientemente ou não, o mal-estar da pequena burguesia que se sente duplamente ameaçada: primeiro, pelas próprias medidas do governo ao serviço da troika que ameaçam o seu bem-estar, em particular o seu maior afastamento face ao Poder; segundo, pela própria ascensão do descontentamento popular que lhes parece inquietante. É significativo que um dos textos de discussão do Congresso refira que é preciso fazer algo «Antes que o sofrimento do nosso povo e o clamor dos oprimidos inunde as ruas e transborde numa revolta justa, mas de consequências imprevisíveis».
- Desejam, no fundamental, uma operação cosmética que mantenha quase tudo como está: isto é, o neoliberalismo (imposto pela União Europeia e a Zona Euro a que tanto gostam de pertencer), sem os seus aspectos mais odiosos. De facto, não se encontra no texto nada de radicalmente novo, nada que configure uma ruptura com a lógica actual. (Não são, certamente, as «sinergias» e a «economia verde» que alteram a lógica neoliberal.) Não se fala em nacionalização da banca (fala-se apenas enigmaticamente em «processo de resolução bancária»), não se fala em acabar com a especulação financeira, não se fala em apropriar pelo Estado os bens dos agiotas, não se fala em controlo das empresas por comissões de trabalhadores, não se fala em estimular o sector produtivo. Fala-se, assepticamente e com as belas frases do costume, em «interesses do Povo e da Pátria», em «alternativa democrática», em «diminuição das desigualdades»; em suma, frases feitas para continuar a manter ilusões nos trabalhadores.
A realidade é esta: No quadro dos critérios económicos neoliberais adoptados pelos tratados da União Europeia e pela Zona Euro, critérios esses de que decorrem logicamente os compromissos com a troika e o alinhamento com as políticas made in Germany NÃO há solução possível para o atoleiro em que está metido o povo trabalhador português. Quando muito, uma pequena e temporária suavização. Neste aspecto estamos inteiramente de acordo com a posição do PCP quando diz e muito bem que «qualquer alternativa real -- inseparável do desenvolvimento da luta dos trabalhadores e do povo e incompatível com actos sectários e de objectiva marginalização -- exige uma clara ruptura com a política de direita e os seus promotores nos últimos 36 anos (e não só com o actual Governo) e a rejeição do Pacto de Agressão (e não com um reajustamento quanto à sua aplicação)».
Por mais alternativas que os alternativos congeminem, desde que essas alternativas fiquem confinadas ao quadro neoliberal (a que a Santa Aliança liderada pelo PS-Mário Soares amarrou Portugal no seguimento da contra-revolução iniciada a 25 de Novembro de 1975), não levarão a nada de substancialmente diferente, no que concerne à melhoria das condições de vida dos trabalhadores. Tal como, obviamente, não levaram a nada de substancialmente diferente nesse aspecto os sucessivos governos PS; muito pelo contrário.
Em suma, a solução que buscam os alternativos é como a solução da quadratura do círculo.
P.S. Temos fundadas suspeitas que a única finalidade do Congresso, com ou sem intenção clara de todos os congressistas, é escrever o discurso pré-eleitoral de um próximo governo PS: belas frases para continuar a enganar o povo. Hoje (21 de Setembro) vinha nos jornais o apelo de João Semedo, dirigente do BE, para a formação de um governo de esquerda PS-PCP. Para além do irrealismo do cenário, importa dizer que o PS nunca foi, nem previsivelmente será alguma vez, um partido de esquerda. É um partido cuja missão histórica tem sido e é a de atrelar os trabalhadores menos esclarecidos aos interesses do capital. Brevemente escreveremos em detalhe sobre isto. Só nos resta registar que depois de anos e anos de demonstração desta tese ainda perduram as ilusões.
P.P.S. Sobre quem possa perguntar: mas então qual é a alternativa aos alternativos? É não fazer nada? Certamente que não. Participar activamente nas mobilizações populares e procurar esclarecer os menos esclarecidos já será um bom começo. Mas sobre o que, em nosso entender, é necessário fazer de mais substancial falaremos proximamente.