As grandes manifestações populares no passado Sábado (15 de Setembro) são um testemunho claro de que o descontentamento com as medidas de austeridade – implementadas pelo governo aliado à troika –, atingiu um patamar novo, potencialmente explosivo.
Sentindo isso, os três partidos que têm liderado a contra-revolução capitalista iniciada em 25 de Novembro de 1975 – PS, PSD e CDS –, têm vindo a procurar soluções que, mantendo no essencial intactos os interesses do grande capital, perpetue no poder a dança entre os três (até agora a solo ou em duos).
Pela parte do PS, o seu líder António José Seguro – o homem da «abstenção violenta» e ainda por cima «construtiva» aquando da votação da proposta do orçamento de Estado (OE) para 2012, orçamento esse que já continha a maior parte das medidas de austeridade contra os trabalhadores portugueses –, voltou às declarações grandiloquentes sobre a proposta do OE para 2013: «Há uma linha que separa a austeridade da imoralidade. Ou o primeiro-ministro recua e retira a proposta, ou então o PS tomará todas as iniciativas constitucionais à sua disposição para impedir a sua entrada em vigor. Se para tal for necessário, apresentará uma moção de censura» (declarações de 17 de Setembro reportadas como proferidas em tom bastante duro). Serão estas declarações substancialmente diferentes das proferidas em Novembro de 2011? Não. Já nessa altura e sobre o OE para 2012 AJ Seguro dizia que o OE continha «medidas violentas e profundamente injustas» e de o ter deixado em «estado de choque». AJ Seguro tem vivido, portanto, estes anos de governação Passos Coelho em estado de choque. Agora, com a subida de descontentamento popular, começa a preparar a alternância no Poder, tendo afirmado em 17 de Setembro: «O PS só voltará ao Governo por vontade dos portugueses». Isto é, se for muito instado pelos portugueses em desespero, far-lhes-á a vontade.
Mas o que tem o PS a oferecer de novo? Não se sabe bem. Em 4 de Setembro, na véspera do encontro com a troika, dizia: «O que vou dizer amanhã à troika é que as propostas que fizemos em Setembro, Outubro e Novembro eram propostas que, se tivessem sido escutadas e concretizadas na altura, tinham aliviado muitos dos sacrifícios dos portugueses…teria havido certamente menos desemprego, menos queda da economia e o défice contratado seria completamente atingido [milagre dos milagres]». Acrescentou mesmo: «Se a troika não estiver sensível às pretensões do Partido Socialista, é uma troika mais insensível do que estava à espera». Santa ingenuidade? Não. Cortina de fumo para continuar a enganar os trabalhadores portugueses que ainda votam PS. AJ Seguro sabe bem que a troika é insensível «por definição»: porque representa os interesses do capital financeiro que acumulou enormes dívidas com a especulação baseada em crédito fácil (ver n/ estudo sobre a crise do euro). Aliás, mesmo agora, depois das grandes manifestações e indícios de tergiversação da ala mais à direita do PS e do próprio Cavaco Silva, o comissário europeu Oli Rehn, homem da troika, veio de imediato «avisar» que a nova tranche de apoio financeiro (3,3 biliões de euros (*)) só será entregue se Portugal cumprir o memorando de entendimento, incluindo a redução da Taxa Social Única (TSU) para as empresas com aumento para os trabalhadores. Vemos assim, que apesar das afirmações de AJ Seguro em 5 de Setembro de que «A troika vinha com muito menos argumentos do que anteriormente para contrapor às propostas do PS» (coitada da troika, sem argumentos para contrapor ao PS!) a troika continua impávida e serena.
No PSD certos lobos começam a vestir-se com pele de cordeiro, preparando uma alternativa de Governo a Passos Coelho. É o caso de Manuela Ferreira Leite – que como se sabe deixou tão boa impressão nos trabalhadores portugueses como ministra das Finanças –, que dizia em entrevista à TVI em 13 de Setembro que «Esta segunda dose de xarope já ninguém a consegue engolir», criticando as novas medidas de austeridade. Outra alternativa seria remodelar o governo, como recomendou Marcelo Rebelo de Sousa, tendo em conta o «estado de espírito do povo».
Quanto ao CDS, Paulo Portas veio a terreiro dizer que as alterações à TSU foram feitas contra a sua vontade enquanto por seu turno o vice-presidente do partido afirmava, em 14 de Setembro, que o CDS não devia deixar de reflectir desagrado profundo sobre o «experimentalismo» do governo. Estas e outras afirmações, prefigurando um certo distanciamento do CDS face ao PSD (preparação para futura lavagem de culpas), foram logo motivo de «tensão», que despoletou a preocupação de Cavaco Silva e até (surpresa!) da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) de 17 de Setembro que emitiu um apelo «à estabilidade política do país». Como quem diz: o povo anda muito agitado e isso é muito perigoso pois pode ressuscitar o espectro do comunismo; vejam lá vocês, os de cima, CDS-PSD, se se entendem. Sobre os sofrimentos dos trabalhadores a CEP é de grande comedimento e as suas palavras são de circunstância. Vale a pena também referir as palavras do bispo do Porto que quer um Senado Sénior a ajudar governos, aproveitando a sabedoria dos mais velhos. No fundo, uma proposta de extremo reaccionarismo (remetendo para ideias do início do século XIX) de submissão do povo português a uma ditadura gerontocrata. Para aqueles que ainda tinham dúvidas ficou-se a saber que classe social defendem os dignitários da Igreja católica.
Em suma, a dança pelos tachos do Poder dos partidos ao serviço do Capital começou. Como sempre, PS-PSD-CDS irão fazer declarações grandiloquentes de que têm muita pena dos sofrimentos do povo (Passos Coelho também dizia em 25/5/2011: «Ninguém nos verá impor sacrifícios aos que mais precisam. Os que têm mais terão que ajudar os que têm menos.») a fim de conquistar votos. Uma vez no poleiro atiram logo às ortigas o pesar pelo povo. Ao fim e ao cabo o que lhes interessa é a entrada em posições administrativas de grandes corporações e isso só se consegue prestando boas provas no governo de que se sabe bem cuidar dos interesses do Capital. O PS pode sempre invocar que a troika é quem dá as cartas (nós não queríamos, mas eles não nos compreendem). Em nome da estabilidade a dança no Poder contará sempre com a bênção do Capital e da Igreja.
A dança dos partidos ao serviço do Capital arranca animada: Ora agora danças tu, ora agora danço eu, ora agora danças tu, danças tu mais eu! Será que o povo trabalhador tem capacidade e engenho para interromper esta dança? As perspectivas actuais não são animadoras, conforme discutiremos proximamente.
(*) Usamos a nomenclatura anglo-saxónica e do português do Brasil: 1 bilião = 109 (mil milhões); 1 trilião = 1012.