segunda-feira, 24 de setembro de 2012

A Crise do Euro. Uma Apreciação (Parte III)

O Caso Português

A crise da dívida em Portugal tem diversas causas. O pacto de estabilidade com a troika, à semelhança do que acontece com outros países) não resolveu nenhuma delas; pelo contrário, agravou-as a todas e está a pôr em elevado risco o futuro desenvolvimento do país. Trata-se, de facto, como é bem denominado por sectores da esquerda portuguesa, de um «pacto de agressão» ao povo português levado a cabo por uma política absurda.
A data oficial da crise da divida soberana de Portugal pode ser colocada em 3 de Maio de 2011 com a asinatura pelo governo demissionário de Sócrates (tinha-se demitido a 23 de Março) de um acordo com a troika envolvendo um resgate de 78 biliões de euros, eufemisticamente denominado «acordo de ajuda externa». José Sócrates oscilava em economia entre tiradas keynesianas e tiradas neoliberais. Por um lado dizia «Esses programas [de resgate] impõem uma agenda liberal que é negativa para o Estado social» (15/12/2010); por outro lado, e na mesma altura, defendia ajustamentos no Código de Trabalho, com graves prejuízos para os trabalhadores, e agendava privatizações. Foi também responsável por enormes despesas públicas como as PPPs e os estádios de futebol; já com a crise em cima defendia obstinadamente, numa atitude autista e irreflectida, gastos desmesurados em obras públicas como o aerroport de Lisboa e o TGV. Parece também nunca ter entendido bem o que se passava no domínio da especulação financeira (apenas se referia à especulação com os preços do petróleo); aliás, o seu ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, também nunca demonstrou grandes preocupações com o assunto, deixando Vítor Constâncio em rédea solta, exteriorizando ambos «surpresa» com as insolvências e fraudes do BPN e BPP. A escasso tempo da eclosão da crise (3/12/2010) Sócrates congratulava-se com a descida das taxas de juro do BCE dizendo «Acho que os especuladores perceberam, aqueles que especulavam com as dívidas, que as instituições europeias estavam a falar a sério quando afirmaram que iriam defender a estabilidade do euro. Julgo que os fenómenos da especulação pararam». Santa ingenuidade! Ainda em Março de 2011 dizia «Portugal não precisa de aderir a nenhum fundo de resgate» no final da cimeira europeia. Veio de facto, logo a seguir, a pedir o resgate (sob insistência de Mário Soares, segundo afirmações deste), afirmando em 3 Maio de 2011: «o governo conseguiu um bom acordo, um acordo que defende Portugal… Vamos vencer a crise… [O acordo] também não mexe no 13.º nem no 14.º mês dos reformados. Não tem mais cortes nos salários da função pública. Não prevê a redução do salário mínimo.». Era logo desmentido a 5 de Maio pela Comissão Europeia que afirmou ser o programa de ajuda a Portugal tão duro como os programas da Grécia e da Irlanda.
No governo de Passos Coelho, para além da demagogia que caracteriza o personagem («Ninguém nos verá impor sacrifícios aos que mais precisam. Os que têm mais terão que ajudar os que têm menos.», em 25/5/2011) e a insensibilidade (“Despedir-se ou ser despedido não tem de ser um estigma, tem de representar também uma oportunidade para mudar de vida, tem de representar uma livre escolha também, uma mobilidade da própria sociedade”, em Dezembro de 2011, e «os professores portugueses podem olhar para o mercado da língua portuguesa como uma alternativa ao desemprego.» em 6 de Maio de 2012), destaca-se Vítor Gaspar, um reaccionário neoliberal puro e duro: «[despedir] 100 mil funcionários públicos não seria descabido», em 17 de Outubro de 2011 em entrevista à RTP; em Abril de 2012 afirmava, em declarações ao jornal New York Times, que as políticas expansionistas «ao estilo keynesiano» falharam e podem ter sido «contraproducentes», acrescentando ainda que as reformas estruturais acordadas com a troika são as necessárias para Portugal: «Esta é a abordagem correcta para eliminar os enormes desequilíbrios que prejudicam o país há anos». Parece, entretanto, que a grande sabedoria de economia neoliberal de Vítor Gaspar não lhe tem sido de grande ajuda, visto que quase todas as suas previsões têm estado erradas (o segundo ministro das Finanças menos credível da Europa, segundo o Financial Times). Em 19 de Janeiro de 2012 dizia que «2012 vai marcar um ponto de viragem», apontando para um deficit orçamental de 4,5%; em Setembro de 2012 a previsão oficial era de 6,7% (valor médio). Numa audição no Parlamento na Comissão Eventual de Acompanhamento das Medidas do Programa de Assistência Financeira a Portugal, Vítor Gaspar explicou que, com o montante transferido do fundo de pensões da banca, o défice orçamental «ficará na casa dos 4%, bem abaixo dos 5,9% previstos». Aliás, o deficit em 2011 ficou em 4,2% (não 4% como primeiro anunciado) dada a transferência do fundo de pensões: sem isso, o défice orçamental teria ficado em 7,5%. O servilismo de Vítor Gaspar perante Merkel e outros grandes personagens, a sua falta de dignidade e sentido de Estado, a sua insensibilidade e traição aos interesses do povo português, são espantosos. Chegou mesmo a dizer ao FMI: «[os portugueses] estão completamente dispostos a sacrificar- se».

Especulação financeira

Numa economia capitalista um sistema bancário sem especulação financeira e propenso a delitos como o branqueamento de capitais e fraudes nas contas é uma impossibilidade. O clima neoliberal que se instalou nas últimas décadas no «mundo ocidental», de que aos bancos tudo é permitido, só tem contribuído para incentivar esses males endémicos. O Banco Português de Negócios (BPN) e o Banco Privado Português (BPP) consituiram exemplos gritantes: vários responsáveis foram em 2009 constituídos arguidos (e alguns detidos) por práticas ilegais tais como desvios, falsificação de contas, fraudes fiscais e branqueamento de capitais com base em offshores.
No caso do BPN o governo Sócrates avançou para a sua nacionalização, num processo pouco claro (ocultação de informação e culpas não apuradas) em que o próprio governo tentou esconder perdas (estimadas em 1.800 milhões de €) à UE. Os contribuintes ficaram a saber que iriam ter de contribuir com um montante da ordem dos 400 milhões de euros (diz-se). Entretanto, ficou apurado que o BPN detinha milhões de euros em bancos (agências suas) em Cabo Verde (Banco Insular e BPN Cabo Verde IFI) e nas ilhas Caimão (BPN Cayman). Dos 1.800 milhões de euros 550 milhões seriam activos tóxicos do Banco Insular e do BPN Cayman (declarações da Secretária de Estado do Tesouro e Finanças em Maio de 2010). Em Setembro de 2012 o governo ainda não sabia a parcela do empréstimo ao BPN a constar no orçamento de Estado
O índice de alavancagem da banca portuguesa é elevado e, apesar das declarações dos responsáveis do governo e do Banco de Portugal, não tem diminuído substancialmente. A Tabela 10 mostra o activo total (rubrica 1) e os capitais próprios (rubrica 2) da banca a operar em Portugal. Em 2011 o índice de alavancagem era superior ao de qualquer dos anos anteriores, inclusive ao dos anos 2007 e 2008 em plena bolha de crédito (ver também [34]).
A descapitalização ([36]) e o crédito em risco da banca têm aumentado. Quanto a este último e relativamente ao final de 2011, duplicou (!) em menos de três anos ([37]). O BCP registava em Julho de 2012 perdas superiores a 500 milhões de euros. Entretanto, o ministro das Finanças do governo Passos Coelho já tinha anunciado em Junho um resgtae (eufemisticamente denominado recapitalização) com dinheiros europeus do BSSF (Bank Solvency Support Facility): 1,65 biliões de euros para a CGD, 3,5 biliões de euros para o BCP e 1,5 biliões de euros para o BPI.

Tabela 10. Capitais próprios (pertencem aos accionistas) e activo total da banca a operar em Portugal. Valores em milhões de euros. Fonte: Fonte: Relatório de estabilidade financeira, Maio de 2012, Banco de Portugal.
RUBRICAS DO BALANÇO
Dez-2007
Dez-2008
Dez-2009
Dez-2010
Dez-2011
1- Total do Activo
443.458
476.883
510.587
531.751
513.126
2- Capitais próprios
28.273
26.322
31.765
32.825
25.944
3- ÍNDICE DE ALAVANCAGEM (1:2)
15,7
18,1
16,1
16,2
19,8
4- "Capitais Próprios" em % do "Activo" (2:1)
6,4%
5,5%
6,2%
6,2%
5,1%

Fig. 27. Volume de transacções em derivativos (biliões de euros) relativo à actividade ca CMVM de recepção de ordens por conta de outrem. O volume de transacções com futuros é dominante, atingindo um peso da ordem dos 95%. O valor para 2012 é uma estimativa. Fonte: CMVM.

O mercado de derivativos continua florescente. A Figura 27 mostra a evolução do volume total de transacções em derivativos com as respectivas percentagens em termos do PIB, segundo dados da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM, um organismo público com ligações ao Banco de Portugal).
Um aspecto espantoso do frenesim especulativo é o apoio que o próprio BCE empresta à especulação dos bancos da ZE, permitindo que estes especulem com a dívida dos Estados. Tal é possível porque, embora o BCE não possa comprar dívida aos Estados, pode todavia comprá-la aos bancos. No caso de Portugal, enquanto a banca tem praticado uma taxa de juro de 6,87% a 5,5%, entre 2008 e 2010, o BCE pratica uma taxa de juro de 1% na compra de títiulos de dívida aos bancos. Suponhamos que um banco tinha emprestado 1 milhão de euros a uma firma portuguesa em 2010; à taxa de 5,5% recebia 55.000 euros de juros. Entretanto, vendendo o título de dívida ao BCE só tinha de pagar 1%, ou seja 10.000 euros; obtinha, assim, uma margem de lucro de 45.000 euros. No fundo o BCE está a financiar os lucros dos bancos, os grandes responsáveis pela crise! No período de 2008 a 2010 o total de lucros da banca obtidos por este processo foi de 3,8 biliões de euros! (ver mais detalhes em [34]).

A Destruição do Sector Produtivo

A crise imobiliária teve consequências evidentes no investimento industrial conforme ilustra a Figura 14a ([38]). Entretanto, não foi só a crise imobiliária que contribuiu para a autêntica destruição do sector produtivo a que se tem vindo a assistir. A Figura 14b documenta uma continuada queda do contributo do sector produtivo de bens para o VAB. DE 1997 para 2011 verificou-se uma descida acentuada, de 9,1%. O investimento estrangeiro em Portugal tem tido apenas uma participação de entre 16 a 18% no sector produtivo; o restante vai para a especulação financeira. Números semelhantes de observam para o investimento de Portugal no estrangeiro ([39]). Dizia assim o capitalista Belmiro de Azevedo num encontro sobre a re-industrialização do Norte em Outubro de 2011: «O aparelho produtivo está a ficar assucatado, não se injecta um centavo na economia».
Fig. 28. a) Queda do investimento industrial e das expectativas de produção em Portugal em consequência da crise imobiliária. Fonte: [38]; b) Componente do VAB de produção de bens em Portugal em percentagem do VAB total. Fonte: Eurostat. 

PPPs e Despesismo

As Parcerias Público-Privadas (PPPs) encontram-se bem estudadas e documentadas na referência [40] onde se menciona que segundo a League Tables Project Finance International, Portugal aparece distanciado dos outros no que se refere a empréstimos para pagar PPPs: 1.579 bilões de euros, seguido da França com 467, Polónia com 418, Espanha com 289, Irlanda com 141, Itália com 66.
Lançados como contratos autosustentáveis, entre a administração pública e os parceiros privados, que ajudariam a resolver atrasos infra-estruturais do país, devido a constantes renegociações de contratos, sem qualquer controlo de instituições independentes e transparentes, acabaram sempre para se tornar um pesado encargo para o Estado e um maná para os privados, num quadro em que as suspeitas de corrupção são legítimas. De facto, a «receita» das PPPs tem sido mais ou menos esta: os privados ficam com os lucros e o Estado com os prejuízos. Em 2008 estimava-se um peso das PPPs na DP da ordem de 50 biliões de euros (25,9% da DP) pagos escalonadamente pelos orçamentos de Estado até 2050. Um peso importante das PPPs foi na construção de SCUTS. Portugal é actualmente o país da UE com com maior número de quilómetros de auta-estrada por 100.000 habitantes. Não admira que várias delas estajam «às moscas».
Para além das PPPs existem outras contribuições para a DP de um desenfreado despesismo público dos sucessivos governos PS, PSD (com e sem CDS). Para além das auto-estradas, um exemplo gritante foi o desvio de recursos (que teriam sido melhor empregeues no reforço do sector produtivo) para a construção de estádios de futebol: um encargo total de 525,1 milhões de euros que, segundo contas de 2004, corresponderia a um encargo anual 69,1 milhões de euros durante 20 anos.

A Política de Austeridade

A concessão de resgates aos GPIIS passou pela imposição de planos de agressão aos trabalhadores nos moldes que já mencionámos. Note-se que a CE (isto é, a chanceler alemã enquanro porta-voz dos banqueiros alemães) permitiu o tratamento diferenciado de três dos GPIS; três pesos e três medidas cujas razões não foram bem esclarecidas e são mais um sintoma do absurdo desta Europa neoliberal: quanto à Grécia, a troika incluiu no pacote de medidas, aquando do 2.º resgate, um perdão de 70% da dívida aos bancos europeus (a troco de alguns rebuçados); quanto à Irlanda e Portugal, receberam o tratamento standard, sem perdão; quanto à Espanha e Itália, a chanceler concedeu que obtivessem dnheiro do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira para recapitalizar bancos e apoiar títulos de tesouro, sem ter de entrar num programa de austeridade controlado pela troika.
Nos indicadores que a seguir mostramos é claramente visível o falhanço das políticas acordadas com a troika, cumpridas com desvelo pelo governo PSD-CDS, além dos tremendos danos sociais que tem implicado e irá implicar para o povo português. A hipocrisia da troika não tem limites: em Setembro de 2012 culpava o governo pelo falhanço das políticas implementadas! Como se essas políticas não tivessem tido a aprovação entusiástica da troika. Este e outros factos (ver o que dizemos abaixo sobre desemprego) sugerem que estamos em vias de assistir a uma farsa em que governo e troika trocam acusações só para enganar o povo português.

Dívida Pública
Tem aumentado em vez de baixar (Figura 29).
 
Fig. 29. Dívida pública em percentagem do PIB. Fonte: Eurostat.
Deficit Orçamental
Está agora maior do que antes do pacto de austeridade, excedendo o limiar dos 3% (Figura 30).
Fig. 30. Deficit orçamental em percentagem do PIB. Fonte: Eurostat.

Taxa de Crescimento do PIB
Está negativa e tem decrescido sistematicamente desde o 3.ª trimestre de 2010. Portugal encontra-se em recessão (Figura 31).
Fig. 31. Taxa de crescimento anual do PIB (%). Fonte: www.tradingeconomics.com; INE.

Produção Industrial
Piorou acentuadamente depois do plano de austeridade, como mostra a Figura 32. (Note-se que também tem baixado gravemente a produção agrícola e as pescas.)
Fig. 32. Variação percentual da produção industrial. Fonte: www.tradingeconomics.com; INE.

Nível de Optimismo sobre a Economia
Nunca esteve tão mal como depois do pacto (Figura 33).
Fig. 33. Nível de optimismo sobre a economia. Fonte: www.tradingeconomics.com; INE.

Nível de Desemprego
Disparou para valores nunca antes conhecidos em Portugal (Figura 34), para grande «espanto» do governo e troika, que choraram em Março de 2012 «lágrimas de crocodilo» quando informados do assunto (ver mais detalhes em [41]).
Fig. 34. Percentagem de desempregados. Fonte: INE.

Número de Insolvências.
Disparou para valores descomunais (Figura 35).
Fig. 35. Número de insolvências. Fonte: Coface MOPE,(Compagnie Française d´Assurance pour le Commerce Extérieur). O valor para 2012 é uma estimativa.

Rendimentos transferidos para o estrangeiro
Subiram dramaticamente desde 2005 com o início das bolhas imobiliárias (Figura 36). O pacto com a troika não alterou esta situação. Os dados provisórios para 2011 apontam para um impressionante total de mais de 18 biliões de euros, ou seja, mais de 11% do PIB! As privatizações totais ou parciais de empresas do Estado, prática que remonta aos primeiros governos PS, bem como o domínio da economia portuguesa por grandes grupos monopolistas estrangeiros, são responsáveis pela elevada percentagem do PIB desde anos anos bem anteriores; por exemplo, em 1995 os rendimentos transferidos para o estrangeiro já representavam mais de 4% di PIB. A crise especulativa do crédito (imobiliário e outros) e o pacto com a troika veio piorar drasticamente a situação.

Fig. 36. Rendimentos transferidos para o estrangeiro em milhões de euros. Fonte: INE (quadro A.2.1).

Obtenção de Empréstimos
As taxas de juro em leilões de certificados de Tesouro com maturidade a 10 anos, apesar de terem baixado do pico histórico de 16,7% em Fevereiro de 2012, continuam (Set 2012) a um nível demasiado alto, acima de 9%.

Fig. 37. Taxa de juro de certificados do Tesouro com maturidade a 10 anos. Fonte: www. trading economics.com; IGCP.

Síntese

A crise das dívidas soberanas da zona euro teve (e tem) como causa essencial a especulação financeira, conduzida pela banca e outras instituições, em particular por via de transacções de títulos tóxicos de dívida imobiliária. A especulação financeira tem sido, historicamente, a resposta dos capitalistas a descidas de taxas de lucro nos sectores produtivos. Fenómeno já conhecido e diagnosticado por Marx, esta especulação deu nas décadas recentes um salto qualitativo com as doutrinas neoliberais e a globalização da economia mundial com a divisão capitalista entre países com uma forte componente de especulação financeira (EUA, Grã-Bretanha) e países com uma forte componente produtiva (China, Índia, México).
As classes capitalistas da Europa, desde o thatcherismo na Inglaterra, abandonaram as doutrinas keynesianas de alguma intervenção estatal na economia, doutrinas essas que não impediram a crise do petróleo em 1975, e passaram a seguir com fervor as doutrinas neoliberais, nomeadamente na sua versão mais reaccionária (escola austríaca). A implosão dos países de economia planificada de Leste forneceu apoio considerável na defesa do neoliberalismo perante os povos. Muitas economias europeias quer fortes (Grã-Bretanha, Holanda) quer fracas (Irlanda, Portugal) têm actualmente um forte sector financeiro dedicado à especulação e que não recua perante nada (fuga a acordos de regulamentação, falsificação de contas, etc.). A situação actual nos EUA e Europa é a de que os governos dependem da banca em vez da banca depender dos governos.
As práticas especulativas dos EUA foram seguidas na Europa, nomeadamente com a formação de bolhas imobiliárias. A crise dos EUA despoletou a crise nas economias mais fracas (GPIS) com contornos que variam de país para país. Os pactos com a troika só têm agravado as crises. As instituições da UE têm revelado o seu carácter de classe, nomeadamente com o BCE a participar na especulação e a servir os interesses hegemónicos da Alemanha, país que, pese embora ser ainda uma grande potência exportadora de bens, procura salvar-se das descidas de lucros à custa de entradas de rendimentos provenientes de economias fracas.
Vários mitos têm sido divulgados nos media (a culpa é dos gastos nos serviços públicos, os GPIS são preguiçosos, etc.) procurando esconder das populações os verdadeiros culpados: proprietários, accionistas, chefes executivos bancários e seus serventuários no sector privado e no governo. Em Portugal tem funcionado um vasto esquema de alienação das populações, em que participam jornalistas, fazedores de opinião e comentadores de diversa índole (políticos, economistas, sociólogos, etc.).
Portugal tem tido, historicamente, uma classe capitalista de pendor parasitário, subserviente ao estrangeiro, alheia aos interesses do povo e da dignidade nacional. Os sucessivos governos de direita, com várias composições no leque PS-PSD-CDS, preocuparam-se mais com obras de impacto propagandístico (auto-estradas, estádios de futebol, etc.) do que com o apoio continuado e paciente ao sector produtivo. Preocupações com a bolsa e com a especulação financeira passaram a ser dominantes entre os capitalistas portugueses. A crise do euro em Portugal era uma crise anunciada, em particular pela sua vulnerabilidade económica, devido à enorme dívida externa. Fazendo jus ao apanágio de subserviência e servilismo da classe capitalista portuguesa, os seus representantes e instituições têm recebio elogios da troika por serem tão bons cumpridores (mais papistas que o papa).
O pacto com a troika veio acelerar a destruição do sector produtivo, aumentar a dívida pública e externa, e trazer inúmeros sofrimentos aos trabalhadores portugueses, nomeadamente aos mais desfavorecidos. É o corolário brutal da recuperação capitalista e contra-revolucionária - iniciada pelo PS em 1975 e continuada também depois por governos de outros partidos -, com o país espoliado, o seu futuro hipotecado aos interesses estrangeiros, e um aumento brutal das desigualdades sociais.
FIM

Notas

[36] Eugénio Rosa (2011) A responsabilidade dos banqueiros pela crise que Portugal enfrenta e pelo estrangulamento financeiro actual das empresas (http://resistir.info/e_rosa/banqueiros_22jun11.html).
[37] Nuno Carregueiro (2011) Crédito em risco na banca portuguesa quase duplica em menos de três anos. Jornal de Negócios online, 29 Novembro 2011.
[38] Maria Correia Russo (2010) As obrigações hipotecárias em Portugal: uma alternativa às titularizações de créditos. Projecto de Mestrado em Finanças, ISCTE Business School, Lisboa.
[39] Eugénio Rosa (2012) Portugal a Saque e Saldo. Estudo 22.3.2012. (www.eugeniorosa.com)
[40] Carlos Moreno (2010) Como o Estado gasta o nosso dinheiro. Editora Caderno.
[41] Eugénio Rosa (2012) Governo e Troika, numa Gigantesca Campanha de Manipulação da Opinião Pública, Dizem-se Surpreendiddos com o Aumento tão Elevado do Desemprego. Estudo 4.5.2012.

Índice
Parte I
O Pano de Fundo
A Lei da Queda Tendencial da Taxa de Lucro
Trabalho Produtivo e Trabalho Não-Produtivo
Crises
A Actual Fase Financeiro-Imperialista do Capitalismo
A Especulação Financeira

Parte II
A Crise Imobiliária dos EUA
A Crise das Dívidas Soberanas
A União Europeia e a Zona Euro
A Crise: Causas e Mitos
Dois Círculos Viciosos
As Bolhas Imobiliárias
Derivativos
Balanças Comerciais
Mitos
O mito dos preguiçosos
O mito dos custos de mão-de-obra
O mito da competitividade
O Mito da Despesa Pública
O mito do deficit orçamental

Parte III
O Caso Português
Especulação financeira
A Destruição do Sector Produtivo
PPPs e Despesismo
A Política de Austeridade
Síntese
Notas

Siglas:
BC                          Balança comercial (exportações menos importações)
BCE                       Banco Central Europeu
BP                           Balança de Pagamentos (BC mais balança de transacções de capitais)
BEA                       U.S. Bureau of Economic Analysis
CE                          Comissão Europeia
COC                       Composição orgânica do capital
CUC                       Custo Unitário do Capital
CUT                       Custo Unitário do Trabalho
DE                          Dívida Externa (DP mais dívidas do sector privado)
DP                           Dívida Pública (dívidas das administrações públicas)
FMI                        Fundo Monetário Internacional
GPIS                       Grécia, Portugal, Irlanda, Espanha (sigla usada em substituição de PIGS =«porcos» em inglês)
GPIIS                     Grécia, Portugal, Irlanda, Itália, Espanha (idem)
LQTQL                  Lei da queda tendencial da taxa de lucro
PEC                        Pacto de Estabilidade e Crescimento
PIB                         Total de bens e serviços produzidos numa dada economia em dado período de tempo (assume- -se ano)
PPP                         Parceria Público-Privada
UE                          União Europeia
VAB                       Valor Acrescentado Bruto (= PIB sem impostos e com subsídios ao consumo)
ZE                           Zona Euro