Chamámos já a atenção, em artigos anteriores, para uma quantidade de factos que configuram um cerrar de fileiras de toda a direita (CDS, PSD, PS) com vista a poder levar a cabo a tarefa de roubar o povo trabalhador e demolir os apoios sociais e serviços públicos, para canalizar fundos para o grande capital, em especial o financeiro, nacional e internacional.
Tudo enquadrado no «programa de ajustamento», mais uma das tais designações «respeitáveis» que os serventuários do grande capital inventaram para designar o programa de roubo aos trabalhadores. Imaginação não falta a esses indivíduos sem escrúpulos na invenção de designações assépticas, que façam parecer «respeitável» o que é simplesmente uma agressão ou tragédia para quem trabalha. Como a de designar o despedimento por «cessação de vínculo laboral». Despedimento? Não; uma mera desvinculação.
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Depois de algum nervosismo e algumas fissuras no campo da direita, surgidas no seguimento das manifestações populares (ver n/ artigo «Por enquanto, Passos-Gaspar, 1 – Povo, 0» de 26 de Setembro) a direita rapidamente recuperou de um certo incómodo e, precavendo-se para um futuro que adivinha agitado, procura criar uma espécie de «Frente Unida» do capital contra o trabalho.
No cerrar de fileiras tem-se assistido, por um lado, ao reforço do entendimento entre o PSD e o CDS, por outro lado, à aproximação entre o PSD e o PS. Perante a ameaça de um recrudescimento da luta popular, a direita prepara, assim, dois tipos de alternativa: 1 – O ataque forte e frontal; 2 – O ataque subreptício por adormecimento, desorientação e ludíbrio das forças do trabalho, com a ajuda dos «socialistas». É uma receita velha como o mundo.
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1 – O ataque forte e frontal
O reforço do entendimento entre PSD e CDS, depois de algum puxar de orelhas do PSD ao CDS, tem sido visível nas declarações recentes de altas figuras de ambos os partidos, culminando neste último fim-de-semana na realização de jornadas parlamentares conjuntas com a participação de todos os ministros. A intenção de apresentar perante a esquerda (PCP e BE) e a opinião pública um bloco firme em defesa do Orçamento de Estado (OE) para 2013 (ver n/ artigo « Assalto do Governo: espremendo o povo ao serviço do Capital!» de 16 de Outubro) é clara. PSD e CDS esperam, assim, com uma iniciativa conjunta de acerto de agulhas, pôr fim a alguma desarticulação entre os dois partidos. O líder parlamentar do PSD disse, num encontro com os jornalistas, que «Os ministros vêm cá explicar as políticas e as opções orçamentais»; o líder parlamentar do CDS, explicou por seu turno que as jornadas serviam para preparar a discussão do Orçamento do Estado que é «difícil».
Algumas figuras do campo da actual coligação gostariam mesmo de reforçá-la com outros partidos da direita; J. Ribeiro e Castro do CDS exprimiu a ideia (21 de Outubro) de que «Uma AD teria sido melhor para o país», referindo-se à Aliança Democrática que além do CDS e PSD englobava o PPM e que governou Portugal de 1979 a 1983. A incorporação na coligação de latifundiários e tierratenientes monárquicos, com as suas ligações à facção ultra-reaccionária do clero, formaria assim como uma espécie de hoste abençoada de consolidação do ataque aos trabalhadores. Entretanto, Duarte Pio não tem dúvidas: para ele, a «alternativa muito clara» é a restauração da «Instituição Real». À direita de tudo e todos está, como não podia deixar de ser, João Jardim. Quanto a ele os «portugueses vão-se enterrar com os políticos do regime» (o «revolucionário» João Jardim não está no regime, sabiam?). Diz mesmo que «Há que acabar com o actual sistema político e com a partidocracia que estão a afundar o país». João Jardim não está a pensar em Salazarismo (que ideia!); está talvez a pensar em Jardinismo.
2 – O ataque subreptício
No ataque subreptício enquadram-se as movimentações quer para obter uma alternativa de governação PSD+PS, quer com PS sozinho, em resultado de novas eleições (eventualmente antecipadas).
Jardim Gonçalves, o patrão do BCP, não tem dúvidas: «o melhor Governo para o País seria PSD mais PS» (declarações à TV em 22 de Outubro). A ideia de um tal Governo de «Salvação Nacional» ¾ que seria de facto um Governo de consolidação da «Destruição Nacional» ¾ tem sido emitida pelas mais diversas personalidades, desde Jardim Gonçalves a Marinho Pinto (a quem, apesar de tudo, se devem posições corajosas na informação dos cidadãos sobre o que se passa na Justiça e na respectiva dignificação). Invoca Marinho Pinto o breve percurso do IX Governo (1983-1985) dito do «Bloco Central» formado pelo PS (Mário Soares) + PSD (Mota Pinto), cantando loas ao seu desempenho: «souberam colocar o interesse nacional acima dos interesses imediatos dos respectivos países» (JN, 8 de Outubro). Não, Sr. Marinho Pinto, não cante loas a esse malfadado Governo do «Bloco Central»: foi ele que estabeleceu um acordo com o FMI com graves repercussões económicas e sociais que levaram o país a entrar em recessão em 1984 (pela primeira vez desde 1975) e a aumentar o número de desempregados para 400 mil (um máximo histórico até então!); foi ele que iniciou o rumo febril das privatizações e desmantelamento do sector empresarial do Estado; foi ele que abriu as portas à Banca privada, com a constituição do BCP liderado por um fundador do PSD – a bem, naturalmente, dos interesses dos capitalistas representados pelo bloco central, e não a bem de qualquer mítico «interesse nacional», frase com que os capitalistas sempre encobrem os seus interesses; foi ele, finalmente, que iniciou a destruição do sector produtivo (começando por cimentos e adubos) a par de um aumento da exploração do trabalho. Tudo sob a capa da «modernização»!
O próprio Passos Coelho não desdenharia um governo de Bloco Central, por razões óbvias e em antecipação de uma mais que provável derrota eleitoral em futuras eleições. Já começou a piscar o olho ao PS «desafiando-o» a «envolver-se no aprofundamento da reforma do Estado» e numa espécie de «refundação» do acordo com a troika. No fundo, a ideia chave do «Bloco Central».
O PS tem mantido uma posição manobrista, ambígua quanto baste, que lhe dê latitude para, com boas razões «para socialista ver», poder enveredar numa ou noutra via de solução governamental, conforme o que sair de próximas eleições.
A. J. Seguro, secretário-geral do PS, afirmou em 17 de Outubro, quando ainda se faziam sentir as fissuras entre CDS e PSD, que uma crise política «não é desejável»; mas, logo a seguir, usou palavras violentas (a violência das palavras não custa nada e cai sempre bem nas mentes «socialistas»!) para se referir ao OE-2013 que qualificou de «uma verdadeira bomba atómica fiscal». Bem, pelos vistos, a «bomba atómica» não perturba muito A. J. Seguro para quem o mais importante é, como afirmou, evitar uma «crise política». Aliás, A. J. Seguro tão pouco perturbado está que quis antecipar a discussão do OE para despachar rapidamente este frete.
Entretanto (27 de Outubro), criticou Passos Coelho pela «falta de ambição» demonstrada na cimeira europeia. Ambição!? Para fazer o quê? Quanto ao «desafio» [1] de Passos Coelho afirmou que «não haverá acordos nas costas dos Portugueses. O primeiro-ministro tem que explicar o que quer». Ó Passos! Estás a ouvir? Explica lá ao Seguro o que queres que ele ainda não percebeu. Depois, sim, se verá; mas nunca «nas costas dos Portugueses». Agora, o que o A. J. Seguro e todos os dirigentes do PS [2] sabem desde já é que nada de alinhar com a esquerda. Safa! Era o que faltava! Por isso mesmo todos os deputados do PS se abstiveram na votação das duas moções de censura (PCP, BE) na AR no passado 4 de Outubro.
Um apontamento relativamente a Jorge Sampaio. Disse ele em 23 de Outubro p.p.: «há mais vida para além do Orçamento». A afirmação é, já de si, bastante ambígua. Quer isto dizer que Jorge Sampaio, relativamente ao Orçamento, acha que devemos assobiar para o lado ¾ talvez, por exemplo, indo para um retiro de meditação franciscana e observar a vida das flores e dos passarinhos ¾ ou, pelo contrário, quer dizer que se deve ser contra a preocupação da satisfação do compromisso orçamental com a troika, e olhar sim para a vida dos trabalhadores? Jorge Sampaio explica: o que ele quer dizer é que a «possibilidade de se enviar o Orçamento para o Tribunal Constitucional tem de ser equacionada» e que isto «é uma decisão muito difícil, ainda bem que não sou presidente da República» (se não, pelos vistos, não saberia o que fazer; onde é que já assistimos a este filme?), pelo que aconselhou os governantes a «olhar em volta» (para as flores e os passarinhos?). Satisfeitos com a explicação?
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Face ao cerrar de fileiras da Direita, qual o desempenho da esquerda? Insuficiente, no nosso entender. PCP e BE continuam, a nosso ver, com uma praxis bastante rotineira, em que dizem umas coisas acertadas na AR mas pouco passam disso. Quer-nos parecer que a desinformação e falta de perspectivas nas mentes portuguesas continuam abissais. Não vão ser os comícios ¾ fundamentalmente para os militantes ¾ nas épocas eleitorais que vão alterar substancialmente esta realidade.
É certo que PCP e BE têm dinamizado as manifestações populares e está marcada uma greve geral em Novembro. Óptimo. Mas uma coisa é mover, outra é esclarecer. Que tal, entre outras ideias possíveis, voltar à divulgação de panfletos e organizar sessões abertas de esclarecimento?
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A situação política que vivemos não é uma situação que se resolva por atalhos curtos. Ela é uma de várias manifestações de uma situação mais geral dos países capitalistas desenvolvidos: a situação da degradação do capitalismo com a liquidação do chamado «Estado social».
Tínhamos expressado a nossa convicção no nosso artigo de 16 de Outubro («Assalto do Governo») de que a crise não iria durar apenas dois ou três anos. Em 24 de Outubro ficámos a saber que, se pecávamos, era por moderação; a convicção anunciada da Comissão Europeia é que só daqui a 30 ou 40 anos Portugal conseguirá regressar a uma percentagem da dívida pública considerada aceitável pela UE (Pacto de Estabilidade e Crescimento: 60%; [3]).
A crise actual não será uma crise passageira!
O PS não é solução da crise, mas sim parte do problema!
[1] A palavra «desafio» é uma das tais que os políticos da direita em Portugal têm abandalhado. Tal como a palavra «coragem» e outras. Para eles é «desafio» o apelo ao conluio contra os trabalhadores; não é «desafio» a tomada de medidas que satisfaçam as reais necessidades dos trabalhadores e do progresso e independência do país. Para eles é «coragem» atacar impunemente o bem-estar dos trabalhadores, não é «coragem» a assunção de políticas que acabem com as grandes riquezas imorais e as gritantes desigualdades sociais.
[2] Estamos no nosso direito de dizer «todos os dirigentes do PS» porque, primeiro, a abstenção foi unânime e, segundo, numa votação daquela importância nenhum dirigente do PS se pronunciou de forma contrária. Nem mesmo o trovejante Manuel Alegre.
[3] Já referimos no nosso artigo «A Crise do Euro. Parte II» que este compromisso dos 60% é, em grande medida, um mito. De facto, em 2010, 12 países dos 17 da zona euro (71% dos países) não cumpriram o compromisso.