segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Os 1% do topo

No nosso artigo anterior neste blog («Os 99% e os 1%») vimos como Potugal se destacava, entre os países da Zona Euro, por uma grande concentração de rendimento no 1% do topo da distribuição de rendimentos. Vimos, inclusive, que neste aspecto Portugal seguia em contramão com a média da Zona Euro, com uma evolução recente de aumento da concentração do rendimento, enquanto em termos médios se observa uma descida da concentração da rendimento nos 1%  do topo na Zona Euro de 2009 para 2011.
Recordemos que, nesse artigo, usámos dados oficiais sobre limiares de rendimento anual abaixo dos quais se situam o rendimento de certas percentagens de famílias (em rigor, agregados familiares). Os estatísticos chamam percentis a esses dados. Assim, e como exemplo, o percentil 10% de Portugal em 2010 foi de 10.043 €: 10% das famílias portuguesas receberam abaixo de 10.043 € em 2010 (ver tabela 1 do anterior artigo). Ao falar do percentil 10% do rendimento (em Portugal e em 2010) estamos, portanto, a falar do valor 10.043€.
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Existem várias outras formas de caracterizar a excessiva concentração de rendimento no topo da distribuição de rendimentos em Portugal. Vamos apresentar três caracterizações (A, B e C).

A – Os 1% do topo em Portugal comparados com os seus congéneres mundiais
Um gráfico muito esclarecedor é o da figura 1, adaptado de trabalhos do economista Branko Milanovic do Banco Mundial (BM; [1]). O gráfico sintetiza dados de 2008 relativos a dois tipos de informação:

1 – Percentis da distribuição de rendimento num qualquer país (valores de limiares de rendimento que correspondem a certas percentagens de agregados familiares num qualquer país);
2 – Percentis da distribuição de rendimento à escala mundial (valores de limiares de rendimento que correspondem a certas percentagens de agregados familiares para todos os países do mundo).

O eixo horizontal do gráfico (chamemos-lhe X) refere-se à informação 1; o eixo vertical (chamemos-lhe Y) corresponde à informação 2.
Vejamos como o gráfico deve ser lido, tomando Portugal como exemplo. No gráfico está assinalado um ponto da curva de Portugal com X = 50 e Y = 84. O que quer isto dizer? Tendo em conta o que X e Y representam, isto quer dizer o seguinte: o limiar de rendimento abaixo do qual se situam 50% das famílias portuguesas (em 2008) corresponde ao limiar de rendimento abaixo do qual se situam 84% das famílias de todo o mundo (também em 2008).
Torna-se, assim, claro, o grande interesse do gráfico: permite enquadrar a distribuição de rendimento de um país na distribuição de rendimento a nível mundial.




Fig. 1. Percentis de rendimento a nível de país e a nível mundial. Fonte: ver [1].

Outras conclusões se podem tirar do gráfico no que diz respeito a Portugal. Por exemplo, o grupo dos 1% mais pobres em Portugal tem um nível de rendimentos correspondente ao percentil 34% da distribuição mundial do rendimento. Isto é, com base apenas nesta constatação, concluiríamos que os mais pobres de Portugal não são assim tão pobres quando considerados a nível mundial. Tal conclusão não é, contudo, legítima, dado que esquece que o nível de pobreza tem de ser enquadrado num dado contexto sócio-económico e civilizacional: basta lembrarmo-nos do sem sentido que decorreria de considerar os índios do Amazonas ou os hotentotes de África como pobres porque têm um rendimento anual de 0 €. A pobreza em Portugal terá de ser analisada num quadro de referência adequado. Debruçar-nos-emos sobre este aspecto num próximo artigo.
Voltemos aos 1% do topo. Aqui, sim, a comparação é legítima porque qualquer coisa como 100 mil ou mais euros de rendimento anual tem um significado muito semelhante em todo o mundo. Que nos diz o gráfico, neste particular? Diz-nos o seguinte: enquanto o ponto 100% no eixo X da Rússia, China e Índia está afastado do ponto 100% a nível mundial (eixo Y), ele coincide com o ponto 100% a nível mundial no que se refere aos EUA, Portugal e Brasil. Isto é, os 1% mais ricos de Portugal estão no topo da distribuição de rendimento a nível mundial ex-aequo com os EUA e o Brasil. Que palmarés para Portugal!
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Antes de continuarmos a nossa análise sobre os 1% do topo, abrimos aqui um parêntesis por julgarmos ser importante uma chamada de atenção sobre os trabalhos de Branko Milanovic, economista do BM. O BM está ligado ao FMI e tem como missão combater a pobreza; estranhamente, em praticamente todos os países em que interveio o BM, a pobreza tem aumentado em vez de diminuir. (Oportunamente discorreremos sobre este tema.) Um trabalho positivo do BM, talvez o único, parece-nos ser o da recolha de dados que permitem construir figuras como a figura 1. Milanovic, num encontro organizado pela revista americana Global Policy, fez uma apresentação relacionada com o livro que escreveu ¾ apresentação e livro com o mesmo título: The Haves and Have Nots («Os que têm e os que não têm») ¾ onde aparece uma figura que serviu de base à nossa figura 1.
Acontece que a apresentação de Milanovic no referido encontro (Inverno de 2010-2011), tem como tema-chave o seguinte (tradução nossa, integral, de um dos primeiros slides):

Um Mundo não-Marxista

·         A longo prazo, decrescimento da importância das desigualdades dentro de cada país apesar de alguma reversão no ultimo quarto de século.
·         Importância crescente das desigualdades entre países.
·         Divisão global entre países mais do que entre classes.
No slide seguinte, diz (tradução nossa):
A composição da desigualdade global mudou: em vez de ser maioritariamente devido à classe (intra-país), é hoje maioritariamente devida ao «lugar» (onde as pessoas vivem; inter-país).
Não esperaríamos, obviamente, que um funcionário do BM tivesse uma visão marxista, nem isso é importante: há um enorme mundo de verdades fundamentais, fundamentadas e científicas que não provieram de marxistas. Não, a questão é outra. A questão é que Milanovic coloca em cima da mesa uma doutrina bolorenta e sinistra: a substituição da «divisão de classes» pela «divisão entre países». Dado que quem sofre com as desigualdades tentará combatê-las, não é o eufemismo «divisão» que impedirá que a divisão se transforme em hostilidade e luta. Que ideologia é esta, bolorenta e sinistra? Quem é que historicamente substituiu consciente e consequentemente a luta de classes por luta entre nações, luta essa supostamente acima das classes? A resposta é fácil: o fascismo.
Mas concedamos o benefício da dúvida: Milanovic não quis dizer isso. Mas porque carga de água substituiu uma divisão pela outra? Parece-nos óbvio que existe só uma: a das classes, visto que, por exemplo, os capitalistas americanos responsáveis pela desigualdade intra-seu-país também são responsáveis por imensas desigualdades inter-seu versus outros-países. Além disso, a valorização de desigualdades entre países, mesmo que abstraindo das suas causas historico-evolutivas, não impede a valorização de desigualdades entre classes. Não é preciso ser marxista para ver isso.
Não Sr. Milanovic! Não engane as pessoas com doutrinas que deviam estar no caixote da história. Olhe que, para dar um exemplo, independentemente de haver países com mais pobreza ou maior desigualdade que Portugal, os trabalhadores portugueses não deixarão de atribuir a «maioritária» importância à luta contra as desigualdades intra-seu-país. Além disso, Sr. Milanovic, o Sr. mente que se farta! Então o Sr. tem a lata de dizer «apesar de alguma reversão»? A reversão não é «alguma»; é enorme, é enormíssima! O Sr. tem a obrigação de saber isso. Com técnicos como o Sr. bem se percebe porque o BM nada fez e faz de substancial para diminuir a pobreza no mundo, antes pelo contrário: aumenta-a!
Fechamos este parêntesis com uma observação: é lamentável que o Observatório das Desigualdades (OD) (e ISCTE-IUL) de um Estado dito democrático deixe passar sem comentar esta visão reaccionária! Visão que, no fundo, vai no sentido de menorizar o combate às «desigualdades sociais», objectivo central do OD. Isto sem prejuízo de pensarmos que o OD tem conduzido um bom trabalho na documentação e análise das desigualdades sociais em Portugal; as tais que têm a ver com classes sociais e não com divisões entre países. Não se entende esta postura do OD de, inclusive, incensar Milanovic.
*    *    *
B – Os 1% do topo: quem faz parte deles?
Vimos no artigo anterior que o percentil 99% do rendimento anual em Portugal era de 38.794 € em 2010. Em 2011 o percentil tinha aumentado: 41.312 € (6,5% de aumento: superior à taxa de inflação). Os 1% do topo eram, portanto, as famílias que auferiam mensalmente mais de 3.233€ em 2010 e 3443€ em 2011 (2771€ para os que em 2010 auferiram 14 salários). Rendimentos líquidos. Assumindo uma taxa de 30% de imposto o rendimento mensal ilíquido correspondente a 2771€ em 2010, será de 3959€.
Que se pode dizer mais sobre estes cidadãos do 1% do topo? Apesar da escassez de dados, os que transpiram para o domínio público são suficientemente esclarecedores:
1 – A grande maioria deles são quadros superiores ao serviço do Estado e quadros de profissões liberais
Alguns exemplos de remunerações ilíquidas mensais em 2010 que excedem os 3959€: Professor Associado com Agregação (4010€), Tenente-General da GNR (4188€), Contra-Almirante (4188€), Médico Chefe de Serviço (3969€), Juíz no início de carreira (4302€), Presidente da República, Primeiro Ministro, gestor de empresa pública (7400€), ministros, chefes de gabinete (4900). Tendo em conta a informação que conseguimos obter na Internet, as estimativas da tabela 1 não devem estar muito longe da realidade:

Tabela 1. Estimativas de números totais, salários mensais médios e rendimentos anuais de quadros superiores.

N.º total
salário mensal médio (€)
Rendimento annual  (milhões de €)
Professores do Ensino Superior com grau de Professor Associado com Agregação (em tempo integral) ou superior
7613 a
3966
422,7
Juízes e altos magistrados
18000 b
5322
1341,1
Médicos chefes de serviço, especialistas destacados , etc.
15000 c
4000
840,0
Altas patentes das Forças Armadas e militarizadas (Contra-Almirante, Tenente-General, etc.)
300
4300
18,1
Titulares de altos cargos públicos
500
6000
42,0
Gestores de empresas públicas e outros
200
6500
18,2
TOTAL
41.613

2.682,1
a O total de docentes do Ensino Superior público e privado era, em 2010, de 38.064 (Porbase).  O rácio médio de professores com grau igual ou superior ao de Associado com Agregação parece ser de 20%.
b 18 por 100.000 habitantes segundo estudo da Comissão Europeia.
c 35737 médicos nacionais em 2010 (Porbase).

Chegámos a um total de 65.800 cidadãos. Ora, segundo dados do Eurostat, o número médio de pessoas por agregado familiar em Portugal era de 2,7 pessoas em 2010; logo, como a população era de 10,637 milhões de pessoas, 1% dos agregados corresponde a 39.396 agregados. Supondo que, em 25% destes agregados, há casais em que ambos (marido e mulher) têm rendimentos na tabela 1 então teremos 33.290 agregados nestas condições. Falta ainda contabilizar nos 1% do topo qualquer coisa como 6000 agregados.
Além disso, já tínhamos visto no artigo anterior, que os 1% do topo correspondiam a 6,3% do PIB em 2010, ou seja, correspondiam a um rendimento total de 10.878,2 milhões de euros. Logo, os cidadão não contabilizados na tabela 1 terão um rendimento total de 10.878,2 – 2.682,1 = 8.196,1 milhões de euros.
Em suma: qualquer coisa como 16% dos 1% do topo «comem» qualquer coisa como 75% da fatia.
É claro que estes dados contêm alguma imprecisão; a não existência (ou divulgação) de valores precisos obrigou-nos a fazer estimativas. Pensamos, contudo, que o panorama geral não andará muito longe do que estes números mostram.
A figura 2 mostra os valores da última linha da tabela 1 bem como os valores que restam explicar. Os valores do grupo 1 (tabela 1) correspondem a cidadãos cujos vencimentos estão tabelados (pelo menos parcialmente). Os restantes, que agrupámos no grupo 2, são de cidadãos cujos vencimentos não estão sujeitos a tabelas; correspondem aos grandes capitalistas, aos seus serventuários directos (gestores de empresas privadas, presidentes de conselhos de administração, etc.) e mediáticos (altos funcionários da RTP, entertainers com programas na RTP destinados à imbecilização de massas, etc.) e outros (por exemplo, futebolistas). Ganham, frequentemente, salários mensais acima de 10 mil euros, bem acima dos máximos salariais das categorias da tabela 1; é frequente um gestor de empresa privada ganhar 15 ou 20 mil euros e um imbecilóide da RTP ganhar 20 ou 30 mil euros.

Fig. 2. Na fatia dos 1% do topo distinguimos dois grupos. O grupo 1 corresponde aos cidadão com remuneração tabeladas, como na tabela 1. O Grupo 2 é o do grande capital que tratamos abaixo.

Vejamos dois subgrupos do grupo 2:

2 – Ex-membros de Governos
O semanário Expresso publicou em Outubro de 2011 um estudo da evolução do rendimento de 15 políticos portugueses antes e depois de passarem pelo Governo ([2]). Os resultados mais importantes desse estudo estão na tabela 2 com informação adicional. Marcámos na tabela, a cinzento, 2 políticos cujo tempo decorrido, entre o máximo salário indicado pelo Expresso (depois de sair do Governo) e o salário antes de ingressar em Governo, nos parece demasiado grande para legitimar um nexo de causalidade. Concentremo-nos nos 13 políticos restantes, 9 do PS e 4 do PSD. Constata-se que:
- 3 deles (Pina Moura, Mexia e Vitorino) não estavam nos 1% do topo antes de irem para o Governo;
- O rendimento de todos eles aumentou substancialmente depois de passarem por Governos, por um factor entre 1,7 e 30,6 vezes;
- Para os assinalados na última coluna a negrito, o aumento de rendimento depois de sair do Governo foi maior do que o aumento enquanto permaneceram em Governo(s): entre 2,4 a 20,9 vezes maior;
- Muitos deles figuram entre os homens mais ricos do País, como Pina Moura (ex-comunista, que pouco depois de abandonar o PCP aderiu ao PS e entrou num Governo PS) que em 12 anos viu o seu rendimento anual aumentar de mais de 30 vezes;
- 4 em 13 são ou foram arguidos, ou pelo menos directamente associados a processos e casos de corrupção e/ou fraude.

Tabela 2. Rendimentos anuais (€) de 15 ex-membros de governos portugueses. Fonte: [2].

Rendimento anual

Nome
Partido
Cargo actual/Processo
1 - LOGO ANTES de ser membro de Governo (excepto assinalados com *)
2 - Último rendimento
(conhecido) como membro de Governo
3 - DEPOIS de ser membro de Governo
(quantos anos depois)
(2)/(1)
(3)/(2)
Joaquim Pina Moura
PS
Presidente do CA da Iberdrola Portugal, vogal do CA da Galp Energia.
22.814 (1994)
172.857 (2003)
697.338 (1 ano)
7.6
4.0
Jorge Coelho
PS
Presidente da CE da Mota-Engil
Arguido no caso CNEMA
41.233 (1994)
123.217 (2001)
702.758 (7 anos)
3.0
5.7
Armando Vara
PS
Administrador do BCP
Processo face Oculta (acusado de 3 crimes)
59.486 (1994)
99.666 (2000)
239.541 (7 anos)
1.7
2.4
Manuel Dias Loureiro
PSD
Administrador da SLN e da Ericsson Espanha
Processo BPN
65.010 (1994 *)
65.010 (1995)
861.366 (6 anos)
1.0
13.2
Fernando Faria de Oliveira
PSD
Presidente do CA da CGD
65.010 (1994 *)
65,010 (1994)
170.190 (3 anos)
1.0
2.6
Fernando Gomes
PS
Administrador executivo da Galp Energia
47.901 (1997 **)
77.834 (2000)
515.000 (9 anos)
1.6
6.6
António Vitorino
PS
Administrador da Siemens Portugal, presidente da AG da Brisa, da Finipro e da Novabase
36.089 (1994)
70.963 (1996)
383.153 (9 anos)
2.0
5.4
Luís Parreirão
PS
Vogal do CA da Mota-Engil
Arguido no caso CNEMA
52.212 (1996)
87.116 (2000)
463.434 (13 anos)
1.7
5.3
José Penedos
PS
Presidente da REN
Processo face Oculta
112.947 (1994)
98.951 (1998)
728.635 (4 anos)
0.9
7.4
Luís Mira Amaral
PSD
Administrador do BPI
64.968 (1994 ***)
64.968 (1994)
414.294 (5 anos)
1.0
6.4
António Mexia
PSD
Presidente do CA da EDP
680.360 (2003)
16.710 (2005)
310.348 (4 anos)
0.2
18.6
António Castro Guerra
PS
Presidente da Cimpor
43.658 (1995)
88.626 (1998)
257.198 (3 anos)
2.0
2.4
Joaquim Ferreira do Amaral
PSD
Administrador da Semapa
64.968 (1994 *)
64.968 (1994)
278.258 (15 anos)
1.0
4.3
Filipe Baptista
PS
Vogal da SAdministração da Anacom Caso Freeport
74.254 (2004)
92.130 (2009)
192.282 (1 ano)
0.1
20.9
Ascenso Simões
PS
Vogal do CA da ERSE
70.285 (2004)
113.002 (2009)
122.103 (1 ano)
1.6
1.1
AG-Assembleia Geral; CA-Conselho de Administração; CE-Comissão Executiva.
* Foi membro do Governo a partir de 1987. ** Foi membro de Governo a partir de 1983. *** Foi membro de Governo a partir de 1985.

Pode-se argumentar que os dados pecam por alguma imprecisão e dizem respeito apenas a uma pequena amostra. Contudo, a nosso ver, os dados revelam simplesmente a ponta de um icebergue, a ponta de um segredo de Polichinelo bem conhecido dos portugueses: o de que a adesão de quadros superiores de rendimento médio e consciência elástica, a partidos como o PSD e o PS, representa para os ditos quadros uma oportunidade de carreirismo fulminante que os pode guindar ao topo dos 1% do topo. A passagem pelo Governo funciona como obtenção de um atestado de bom comportamento ao serviço do Capital, e que o Capital logo recompensará.

3 – Milionários e bilionários
A edição de Agosto de 2008 da revista Exame divulgava a lista dos 100 homens mais ricos de Portugal, com fortunas bilionárias. Revelava, entre outras coisas, o seguinte:
- Em 2008 os 100 mais ricos tinham ficado menos ricos que em 2007 devido às desvalorizações bolsistas. É preciso ter em conta que, normalmente, nas fortunas dos muito ricos não são os activos imobiliários que mais pesam nas fortunas. São, sim, os activos mobiliários (acções, obrigações, e outros títulos de crédito muitas vezes especulativos, como os derivativos).
- As fortunas dos 100 portugueses mais ricos valiam um quinto da riqueza produzida em Portugal. Note-se que estamos a falar aqui de riqueza (fortuna); não de rendimento. Contudo, exceptuando alguns (poucos) casos de grandes fortunas passadas por herança já de anos anteriores ao 25 de Abril de 1974 ([3]), as actuais fortunas representam a acumulação de capitais já depois da revolução dos cravos que se afirmava anti-monopolista e visando uma sociedade sem classes!
- Afirmava o citado número da revista Exame que as cem fortunas dariam para fazer 6,5 aeroportos de Alcochete, 3,5 linhas TGV Lisboa-Madrid ou comprar 6 BCP ou 3,5 Galp Energia.
A lista dos vinte mais ricos, com a menção das fortunas e das corporações onde tinham os principais activos era a seguinte:
1 - Américo F. Amorim: 3.106 milhões de euros. Principais activos: Grupo Américo Amorim, Galp Energia, Banco Popular, Corticeira Amorim, Banco Internacional de Crédito, Cimangola-cimentos de Angola.
2 - Belmiro de Azevedo: 1.722 milhões de euros. Principais activos: Efanor Investimentos, Sonae SGPS, Sonae Indústria, Sonae Capital e Sonaecom.
3 - Família José Manuel de Mello: 1196 milhões de euros. Principais activos: Grupo José de Mello EDP, Brisa, Grupo CUF, Mello Saúde, Efacec.
4 - Joe Berardo: 882 milhões de euros. Principais activos: Metalgest, Bacalhoa Vinhos, Sogrape, Caves Aliança, EMT-empresa madeirende de tabacos, Sodim sgps, Quinta do Carmo, participações financeiras, Colecção Berardo.
 5 - João Pereira Coutinho: 815 milhões de euros. Principais activos: Grupo SGC, SAG, SGC Telecom, participações financeiras.
6 - Luís Augusto da Silva e Maria P. B. da Silva: 757 milhões de euros. Principais activos: Cinveste SGPS, participações financeiras, imobiliárias e arte.
7 - Maria do Carmo Espírito Santo Silva: 754 milhões de euros. Principais activos: Grupo Espírito Santo, Grupo Santogal, imobiliário.
8 - Família Mello: 753 milhões de euros. Principais activos: Nutrinveste, BCP, Chai SGPS.
9 - Elíseo A. S. dos Santos: 739 milhões de euros. Principais activos: Soc. F. M. dos Santos, Grupo Jerónimo Martins.
10 - Horácio da Silva Roque: 726 milhões de euros. Principais activos: Grupo Rentipar, Grupo Banif, Açoreana Seguros, Finpro, EMT-Savoy (ligada à Rentipar), imobiliário.
11 - Salvador Caetano: 681 milhões de euros. Principais activos: Grupo Salvador Caetano, Baviera, Toyota Caetano, Grupo Soares da Costa, Altitude Software.
12 - Álvaro Pinho da Costa Leite: 487 milhões de euros. Principais activos: Grupo VIC, Grupo Finibanco.
13 - Família Matos Gil: 433 milhões de euros. Principais activos: Imatosgil, Grupo Espírito santo, La Seda Barcelona, Ibersuizas, Telefónica, participações financeiras, imobiliário.
14 - João Nuno Macedo Silva: 433 milhões de euros. Principais activos: Grupo RAR, Colep-CC, RAR, Vitacress, Geotur-Star Viagens, Wight Salads.
15 - Dionísio Pestana: 407 milhões de euros. Principais activos: Grupo Pestana, ITI, Pousadas de Portugal, Empresa de Cervejas da Madeira e Euroatlantic.
16 - Manuel Rui Azinhais Nabeiro e Alice Gonçalves Nabeiro: 379 milhões de euros. Principais activos: Nabeirogest, Delta Cafés, Adega Mayor, Cafés Ginga (Angola).
17 - Ilídio Pinho: 343 milhões de euros. Principais activos: IP Holding, Fomentinvest SGPS, participações financeiras e imobiliário.
18 - Humberto Pedrosa: 343 milhões de euros. Principais activos: Grupo Barraqueiro, Fertagus, Metro Sul do Tejo.
19 - Manuel Roseta Fino: 334 milhões de euros. Principais activos: Manuel Fino SGPS, Investifino, Grupo Soares da Costa, Cimpor, BCP.
20 - Manuel Champalimaud: 332 milhões de euros. Principais activos: Gestmin, Sogestão, Silos de Leixões, REN, ONI, imobiliário e turismo.

Não são conhecidas as percentagens de activos em cada sector de negócios de todos eles. Entretanto, na contagem que efectuámos de quantos deles têm capitais no sector industrial, no sector de serviços não financeiros e no sector financeiro, obtivemos: sector industrial: 12; sector de serviços não financeiros: 15; sector financeiro: 15. Portanto, mesmo esta contagem é sintomática do que já vimos em artigos anteriores (ver nomedamente o nosso artigo «A Crise do Euro. Parte III»). A actividade em sectores de serviços financeiros e não-financeiros supera a actividade no sector produtivo. Um exemplo ilustrativo disto é o caso de Joe Berardo (figura próxima de José Sócrates segundo a Exame) citado pela revista Forbes como um dos mais ricos em Portugal em 2007 (à frente de Belmiro de Azevedo) com activos mobiliários avaliados em 2 triliões (2´109) de euros. Já vimos como actualmente os grandes capitalistas, incluindo banqueiros e apaniguados, hipervalorizaram o sector financeiro jogando na especulação, nomeadamente com os valores de activos imobiliários («bolhas imobiliárias»). Pois bem, a crise da bolha imobiliária (2008-2009) a que se seguiu a do euro não podia deixar de trazer consequências para Joe Berardo: os activos caíram para 542 milhões em 2010 e depois para 340 milhões em 2011 (um sexto do que valiam em 2007). Joe Berardo contraiu uma dívida de 1 trilião de euros em 2007 para poder entrar no BCP. A dívida continua em valores gigantes, agora ao BCP, CGD e BES. No entanto a banca continua a ser mais benevolente com ele do que com os pequenos empréstimos! A solidariedade de classe funciona. Ah, e a propósito: Joe Berardo declarou ao Fisco em 2011 230 mil euros e pagou 77 mil de imposto.
A tabela 3 apresenta o número de bilionários, NB (pessoas com fortuna disponível em dinheiro superior a mil milhões de dólares) dos diversos países em 2011. A fonte dos dados é a revista Forbes e a tabela está disponível na wikipedia. A tabela está ordenada por ordem decrescente do número de bilionários por milhão de habitantes: coluna NBM. Portugal ocupa um «confortável» 33.º lugar em 53 países. Isto em plena crise!

Tabela 3. Lista de bilionários por país. NB é o número de bilionários e NBM é o NB por milhão de habitantes.
País
NB
NBM
País
NB
NBM
País
NB
NBM
Mónaco
1
27,87
Austrália
11
0,480
Roménia
3
0,158
Hong Kong
36
5,068
Áustria
4
0,473
Brasil
30
0,156
Israel
16
2,036
Reino Unido
29
0,466
Sérvia
1
0,140
Taiwan
37
1,592
Rússia
62
0,433
Filipinas
11
0,119
Líbano
6
1,409
Malásia
9
0,318
Ucrânia
5
0,110
Suíça
11
1,383
Kazaquistão
5
0,299
Polónia
4
0,104
Irlanda
6
1,308
Holanda
5
0,299
México
11
0,098
Estados Unidos
403
1,285
Arábia Saudita
8
0,295
Egipto
8
0,098
Suécia
10
1,054
República Checa
3
0,286
Indonésia
22
0,093
Kuwait
3
0,838
Espanha
13
0,281
África do Sul
4
0,079
Noruega
4
0,799
Chile
4
0,230
Venezuela
2
0,074
Singapura
4
0,772
Coreia do Sul
11
0,226
Índia
69
0,053
Canadá
24
0,690
Itália
13
0,219
Argentina
2
0,050
Nova Zelândia
3
0,677
China
271
0,201
Tailândia
3
0,046
Alemanha
53
0,647
Portugal
2
0,189
Colômbia
2
0,043
Dinamarca
3
0,538
Grécia
2
0,185
Nigéria
2
0,012
Turquia
38
0,509
França
12
0,184
Paquistão
1
0,006
Emiratos Árabes
4
0,484
Japão
22
0,172
-
-
-


C – Evolução das fortunas dos 1% do topo
A figura 3 mostra a evolução do total da 25 maiores fortunas de Portugal (dados da revista Exame). O que nos revela esta figura?
Primeiro, que as fortunas subiram constantemente de 2004 a 2007, com uma subida notável de 2006 para 2007. Estava-se, então em plena euforia do capital financeiro especulativo associado às «bolhas imobiliárias» (dos EUA e da Europa) e, de uma forma geral, à euforia do crédito fácil.
Segundo, que embora sofrendo uma queda importante de 2007 para 2008 e 2009, associada ao ruir das «bolhas», mesmo em plena crise do euro, em 2011, enquanto a enorme maioria dos portugueses apertava o cinto, as 25 maiores fortunas não desceram, mas sim subiram! Subiram e não pouco: subiram acima do nível pré-crise de 2007.
Terceiro, a recessão, entretanto instalada em Portugal, deixou também marcas nas 25 maiores fortunas (queda em todos os ramos de negócio). Assim de 2011 para 2012 registou-se uma queda de 17,4%. Será essa queda muito importante? Nem por isso. Notemos que o valor para 2012 está ao nível dos valores pré-crise de 2004 a 2006.
Só mais um número: Metade de toda a fortuna dos 25 mais ricos correspondeu em 2011 a 5% do PIB (nesse ano). Pois bem, 5% do PIB é quase o dobro do rendimento total em 2011 de 10% das famílias portuguesas de mais baixos rendimentos (2,9% do PIB). Metade da fortuna de 25 indivíduos é quase o dobro do rendimento anual de 394.000 famílias (famílias, não indivíduos)!

Fig. 3. Evolução das maiores 25 fortunas.

[1] O trabalho] http://www2.lse.ac.uk/assets/richmedia/channels/publicLecturesAndEvents/ slides/20110208_1830_theHavesAndHaveNots_sl.pdf foi apresentado por Milanovic, com o título do livro que publicou The Haves and Have Nots, numa sessão pública do encontro Global Policy. Neste trabalho apresenta um gráfico correspondente ao da figura 1 comparando os EUA com os BRICs (Brasil, Índia, Rússia, China). Um outro gráfico, onde consta Portugal mas não todos os BRICs, foi divulgado pelo Observatório das Desigualdades no trabalho «Mais ricos em Portugal no topo da distribuição mundial dos rendimentos» com a menção de que Milanovic o apresentou na conferência Global Income Inequality: Past Two Centuries and Key Issues for the XXI Century, realizada em Fevereiro de 2012 no ISCTE-IUL, Lisboa. A nossa adaptação consistiu em fundir adequadamente os gráficos das duas apresentações de Milanovic.
[2] Carlos Paes e Jaime Figueiredo (infografia): Os rendimentos de 15 políticos portugueses antes e depois de passarem pelo Governo. Expresso, 13 de outubro de 2011.
[3] Destas grandes fortunas, já provenientes dos inícios do séc. XX, fala o bem conhecido livro «Os Donos de Portugal» publicado pelas Edições Afrontamento.
[4] Jornal Público, 7/10/2009 (cita fonte)