IV. Produtividade e Oferta
Vimos no artigo anterior a razão que leva os economistas neoclássicos a guiar-se em macroeconomia pela regra que pensam optimizar o lucro: a regra da receita marginal igualar o custo marginal. A razão é esta: a curto prazo (custos fixos constantes) a produtividade de uma firma diminui à medida que a produção aumenta.
Contudo, como também já vimos no artigo anterior, os dados empíricos do mundo real desmentem a crença dos economistas neoclássicos da diminuição da produtividade com a produção.
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As razões porque as coisas não se passam no mundo real como os economistas neoclássicos as imaginam, foram elucidadas já em 1926 pelo famoso economista neo-ricardiano e keynesiano Piero Sraffa. A análise detalhada dos argumentos de Sraffa, argumentos esses comprovados por firmas do mundo real, é apresentada no livro de Steve Keen. Cingimo-nos aqui a uma apresentação simplificada:
1 – O abaixamento da produtividade que os neoclássicos assumem, não se verifica na prática. No mundo real a produtividade é em geral constante (a firma só usa o número de trabalhadores adequado à capacidade instalada), pelo que a curva da receita total é uma recta (e não como mostrada na figura 3), logo o custo marginal é constante. Sendo assim, logo que a recta da receita total ultrapassa a recta do custo total, verificar-se-ia, se mais nada acontecesse, um lucro sempre igual por cada unidade extra produzida. Isto é, a produção continuaria até infinito!
2 – Efectivamente a produção não continua até infinito porque as assunções neoclássicas de que existem «factores de produção» fixos num ciclo produtivo (a) e de que a oferta e a procura no «mercado competitivo» são independentes (b) não podem ser satisfeitas simultaneamente. As assunções (a) e (b) são contraditórias.
3 – Factores que alteram a oferta (por exemplo, salários) também afectam a procura. Por conseguinte, a oferta e a procura intersectar-se-ão em múltiplos pontos sendo impossível dizer que preço ou quantidade prevalecerá. Portanto, a ideia neoclássica de receita marginal fixa e igual ao preço de mercado não tem fundamento. (Já vimos no artigo anterior outra abordagem deste aspecto.)
4 – Uma firma procura, racionalmente, produzir em cada momento com a maior produtividade possível, adequando os valores dos custos variáveis (trabalho) aos custos fixos (capital investido: maquinaria, etc.). A firma trabalha sempre na máxima eficiência possível, fixando o preço pelo custo total médio. A determinação da quantidade por um preço de mercado (intersecção de receita marginal com custo marginal da figura 4 acima) levaria a firma a operar muito acima do valor de máxima eficiência. (Já vimos atrás que o custo médio está acima do custo marginal até quase atingir o ponto de intersecção.) A teoria neoclássica só seria, assim, aplicável num cenário de utilização total (por todas as firmas) do trabalho e do capital. Ora, é sabido que para além do desemprego sempre presente, também a capacidade de utilização das firmas está sempre bem abaixo dos 100%. A figura 5 mostra isso mesmo para o sector industrial dos EUA. Vemos que a capacidade total utilizada face à instalada (grosso modo, maquinaria usada face à existente) está sempre abaixo de 100% e inclusive tem vindo a diminuir, estando em 2011 em 77% (os traços verticais assinalam inícios de recessões). O declínio da capacidade está correlacionado com o declínio do emprego.
Fig. 5. Evolução da capacidade de utilização nos EUA (Dados do NBER).
Em suma: Ao contrário do que assumem os economistas neoclássicos ¾ cada firma produz no ponto em que o custo marginal iguala a receita marginal ¾, a receita marginal da última unidade vendida será normalmente substancialmente superior ao custo marginal de a produzir; a quantidade produzida não é constrangida pelo custo marginal, mas sim pelo custo e dificuldade de expandir as vendas à custa das firmas competidores. A produção depende da competição.
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A teoria económica neoclássica da determinação do emprego e do valor do salário é um exemplo gritante das conclusões a que conduz a regra de «custo marginal iguala a receita marginal». A regra leva a fixar o salário real como equivalendo ao produto marginal do trabalho. O empregador toma o salário como fixo pelo mercado (no mercado competitivo, como já vimos, nenhum empregador pode afectar o preço das suas entradas). O empregador só empregará um trabalhador adicional se a quantidade que ele adiciona à produção ¾ a produção marginal do trabalhador ¾ exceder o salário real. Daí a frase predilecta dos economistas neoclássicos: se há desemprego é porque os salários estão muito altos!
Belo, não é? Uma demonstração científica das causas do desemprego! Com a desmontagem da regra de «custo marginal iguala a receita marginal» fica também desmontada a «teoria» explicativa do desemprego.
Uma outra influência da regra de «custo marginal iguala a receita marginal» é a da fixação de preços em empresas públicas. Seguindo a regra, os economistas neoclássicos normalmente pressionam as empresas públicas a fixar o preço igual ao custo marginal. Como o custo marginal é normalmente constante e bem abaixo do custo total médio (ver atrás), tal política leva a que normalmente as empresas públicas tenham prejuízo, impedindo-as de manter a qualidade desejável dos serviços prestados. Isso serve de pretexto para pressionar no sentido da privatização das empresas públicas e para induzir os cidadãos a optarem pelo fornecimento de serviços fora do sector público. O resultado final, tal como Ken Galbraith o exprimiu, é «a abundância privada e o miserabilismo público».
De facto, como detalha Steve Keen no seu livro, a desmontagem da regra «custo marginal igual à receita marginal» corresponde ao colapso do edifício da economia neoclássica.
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Uma outra razão importante da fraqueza da economia convencional (neoclássica) é não tomar o factor tempo como parte integrante da análise.
De facto, a determinação do ponto de maximização do lucro pela regra «custo marginal igual a receita marginal» supõe, como já vimos anteriormente, um «curto prazo»; na realidade, a análise desenrola-se supondo constantes os salários e os custos fixos; isto é, trata-se de uma análise estática, de «tempo parado».
É óbvio que o tempo não está parado. Teremos, então, de ter em conta dois factores afectam o lucro: a quantidade da produção (factor já anteriormente considerado) e o tempo. Podemos escrever para a análise dinâmica ([1]):
Variação do lucro = (variação do lucro com o tempo) ´ variação do tempo +
(variação do lucro com a quantidade) ´ variação da quantidade
A variação do lucro com a quantidade é o mesmo que «receita marginal menos custo marginal». Seguindo a teoria neoclássica o lucro é máximo quando esta quantidade é nula. Logo, quando o lucro é máximo, temos apenas:
Variação do lucro = (variação do lucro com o tempo) ´ variação do tempo
Ora, a teoria neoclássica ignora o tempo. Segundo a teoria neoclássica uma firma deve maximizar o lucro agora; mesmo que isso signifique gastar recursos que faltem para a firma poder sobreviver e crescer mais tarde. As consequências negativas e drásticas de não ter em conta o comportamento dinâmico serão vistas num próximo artigo.
[1] Para os versados em Matemática, trata-se da bem conhecida regra dL = ¶L/¶t.dt + ¶L/¶q.dq, em que t é o tempo e q a quantidade.