quinta-feira, 15 de novembro de 2012

A Economia convencional: uma pseudociência (IVa)

 IV. Produtividade e Oferta
Vimos no artigo anterior que a curva da oferta, de um mercado perfeitamente competitivo, não existe. A lógica subjacente ao postulado neoclássico de uma curva ascendente da oferta de mercado é esta: a curto prazo a produtividade de uma firma diminui à medida que a produção aumenta, pelo que a firma só produzirá maiores quantidades se obtiver um maior preço. A curva da oferta de uma firma (preço em função da quantidade) será, por conseguinte, ascendente com a quantidade, e a curva de mercado reflectirá o mesmo comportamento.
Tudo isto a «curto prazo», isto é, um prazo em que só se alteram os custos variáveis, correspondentes a salários pagos aos trabalhadores; os custos fixos (maquinaria, edifícios, patentes, etc.) permanecem constantes. O «curto prazo» é, portanto, um ciclo produtivo até se alterarem as condições tecnológicas de produção (envolvendo novas máquinas, patentes, etc.).
Continuemos a seguir o livro do Professor de Economia Steve Keen (ver artigos anteriores, nomeadamente o primeiro), acompanhando as análises aí apresentadas. Como anteriormente, também, a síntese que aqui apresentamos e materiais de suporte (dados e gráficos) são da nossa lavra.
*     *     *
Steve Keen começa por chamar a atenção que os economistas clássicos (Adam Smith, David Ricardo) não viam assim a curva da oferta: consideravam-na horizontal ou descendo suavemente: mais produção à menor preço. Chama também a atenção para um estudo ([1]) em que se mostraram diferentes e hipotéticas curvas, de variação do custo unitário de produção com a quantidade produzida, a gestores de fábricas, para que se pronunciassem sobre qual a curva que achavam corresponder (aproximadamente) ao da respectiva fábrica. Duas das curvas hipotéticas desse estudo são semelhantes às apresentadas na figura 1.

Fig. 1. Curvas hipotéticas de variação do custo unitário com a quantidade produzida.

O estudo envolveu 334 fábricas de vários tipos. O resultado foi este: 203 gestores escolheram uma curva do tipo (b); outros 113 escolheram uma curva parecida com a (b), mas tornando-se quase horizontal no final; 0 (zero) gestores escolheram curvas ascendentes como a (a); 18 gestores escolheram curvas que começavam por ser descendentes e só a partir de certa quantidade, geralmente elevada, passavam a ascendentes. Em suma, nenhum dos gestores esteve de acordo com a ideia neoclássica; 94,6% dos gestores estiveram de acordo com o conceito clássico (o custo baixa com a produção); 5,4% só admitiram uma subida do custo acima de certo valor da produção.
Este estudo é já antigo; de 1952. Keen refere, contudo, que outros 150 estudos empíricos levaram a conclusões semelhantes. Refere, inclusive, um estudo de 1998 do vice-presidente do Banco de Reserva Federal dos EUA (o banco central dos EUA) envolvendo 200 médias e grandes empresas americanas responsáveis por 7,6% do PIB, cujas conclusões foram as seguintes (tradução e ênfase nossa): «As esmagadoras más notícias aqui (para a teoria económica) é que, aparentemente, só 11% do PIB é produzido em condições de custos marginais crescentes […] E muitas mais firmas declaram que têm curvas de custo marginais decrescentes em vez de crescentes.  Embora haja razões para perguntar se os respondentes interpretaram correctamente as perguntas sobre custos, todas as respostas configuram uma imagem da estrutura de custos da firma típica que é muito diferente da imortalizada em livros académicos.»
Estes e outros resultados apresentados no livro de Steve Keen conduzem inevitavelmente à seguinte conclusão:
Os custos de produção são normalmente quer constantes quer decrescentes para a vasta maioria dos bens manufacturados, pelo que as curvas de custos marginais são normalmente horizontais ou decrescentes.
Em que se baseiam, então, os economistas neoclássicos na sua assunção de curvas crescentes de preços com a quantidade?
*     *     *
A justificação neoclássica tem a ver com a ideia de que a produtividade baixa quando a quantidade aumenta. A ideia pode parecer estranha e contra-intuitiva. Veremos mais tarde porque razão esta ideia é tão do agrado dos economistas neoclássicos.
A tabela 1 mostra a evolução de certos indicadores de uma firma imaginária em que a produtividade primeiro aumenta com o número de trabalhadores para depois diminuir ([2]). Os trabalhadores ganham todos 1000 € por mês e os custos fixos são de 250.000 €.
Inicialmente, com 1 trabalhador, a produção é de 49 unidades. Passou-se de 0 para 49 unidades, logo a produção marginal (de quanto aumenta a produção com mais um trabalhador) é de 49 unidades. O custo total é de 250.000 + 1000 = 251.000 €. O custo marginal é de 1000/49 = 20,4 €/unidade.
Vamos supor que a firma está num «mercado perfeitamente competitivo» em que o preço, segundo os neoclássicos, é fixo e igual à receita marginal (ver n/ anterior artigo «IIIb»): 4 €/unidade. A receita total é de 4´49 = 196 € e a firma sofre um prejuízo de 251.000 – 196 €.
Com 2 trabalhadores há um aumento de produtividade. A produção passa para 100 unidades; logo, a produção marginal aumentou para 51 unidades e a produtividade passou de 49 unidades/trabalhador para 100/2 = 50 unidades/trabalhador. Os restantes valores calculam-se da forma que já vimos para 1 trabalhador. Apesar do aumento da receita total, o prejuízo aumenta: o aumenta da produtividade não é suficiente.
Com o aumento da produtividade (ver 3.ª coluna da tabela) acaba-se por atingir a situação correspondente a 305 trabalhadores: finalmente, obtém-se algum lucro. Entretanto, a produtividade continua a aumentar e o custo marginal a diminuir, até que com 401 trabalhadores atinge-se o máximo da produção marginal e o mínimo do custo marginal.

Tabela 1
N.º de trabalha-dores
Produção
Produção marginal
Total de salários
Custo total
Custo marginal
Custo total médio
Receita total
Lucro
1
49
49
1000
251000
20.4
5122.4
196
-250804
2
100
51
2000
252000
19.6
2520.0
400
-251600
10
633
79
10000
260000
12.7
410.7
2532
-257468
100
21153
361
100000
350000
2.8
16.5
84612
-265388
304
138488
724
304000
554000
1.4
4.0
553952
-48
305
139212
724
305000
555000
1.4
4.0
556848
1848
401
211187
761
401000
651000
1.3
3.1
844748
193748
500
284677
709
500000
750000
1.4
2.6
1138708
388708
664
380948
425
664000
914000
2.4
2.4
1523792
609792
700
394515
329
700000
950000
3.0
2.4
1578060
628060
725
401807
256
725000
975000
3.9
2.4
1607228
632228
726
402060
253
726000
976000
4.0
2.4
1608240
632240
750
407187
177
750000
1000000
5.6
2.5
1628748
628748
800
411634
1
800000
1050000
1000.0
2.6
1646536
596536

A partir deste número de trabalhadores, a produtividade segue sempre baixando e o custo marginal começa a subir, conforme assume a economia neoclássica. Efectivamente, a produção marginal da tabela 1 segue uma evolução parabólica com o número de trabalhadores, conforme mostra a figura 2.


Fig. 2. Variação da produção marginal com o n.º de trabalhadores.

O lucro, entretanto, continua a subir. Por fim, atinge-se a situação que a economia neoclássica considera como regra tabu: aquela em que o custo marginal na sua subida atinge a receita marginal (os 4 € de preço de mercado) quando o número de trabalhadores é de 726. A firma obtém, então, o lucro máximo de 632.240 €. Note-se que até chegar perto deste ponto, concretamente até chegar a 664 trabalhadores, o custo total médio esteve sempre acima do custo marginal.


Fig. 3. Custo total, receita total e lucro (a diferença dos anteriores) em função da quantidade produzida (não do n.º de trabalhadores). Notar o máximo do lucro para 402.060 unidades produzidas.

Fig. 4. A intersecção da receita marginal (o preço de mercado, 4 €) com o custo marginal, na posição assinalada pela recta a tracejado, fornece o valor óptimo da produção: 402.060 unidades.

As figuras 3 e 4 documentam o que acabámos de dizer. Notar na figura 3 o ponto de máximo lucro assinalado pela recta a tracejado. Na figura 4 este mesmo ponto corresponde à intersecção do custo marginal com a receita marginal (o preço do «mercado perfeitamente competitivo», conforme já tínhamos visto) na posição assinalada pela recta a tracejado. O 1.º ponto de intersecção, perto da origem dos eixos, não conta porque estamos ainda na situação de prejuízo e não de lucro.
Como o custo marginal é ascendente, pelo menos a partir de certo valor da quantidade produzida, os economistas neoclássicos concluem que a curva da oferta de mercado será também ascendente. Toda esta motivação teórica parece apelativa, embora já tivéssemos referido acima que não é assim que as coisas se passam no mundo real. O que está mal nisto tudo? É o que veremos no próximo artigo.

[1] Eitman WJ, Guthrie GE (1952) The shape of the average cost function. American Economic Review 42(5):832-838.
[2] Os dados que aqui apresentamos são parecidos com os do livro de Steve Keen. Foram por nós obtidos gerando o valor da produção com o seguinte polinómio: 2,2 + 45,1´t + 1,818´t2 - 0,001539´t3, onde t representa o número de trabalhadores. As conclusões não dependem, claro, dos dados utilizados. Steve Keen refere que a necessidade de recorrer a dados fictícios advém do facto de não existirem dados reais como os neoclássicos os imaginam.