IIIa. A curva da oferta de mercado
Continuando a seguir o livro de Steve Keen Debunking Economics (ver parte I neste blog) vamos agora analisar a questão da curva da oferta de mercado.
Tínhamos visto que a curva da procura de mercado descendente, conforme é vista pelos economistas neoclássicos, é praticamente impossível de realizar. A curva da procura de mercado pode ter qualquer forma; a forma puramente descendente implica condições matemáticas totalmente irrealistas no mundo real.
Vamos agora ver que a curva da oferta de mercado, naquilo que os neoclássicos denominam de «mercado competitivo», tem um destino ainda pior: simplesmente não existe.
* * *
Comecemos por considerar um mercado claramente não competitivo, constituído por uma só firma, um monopólio. O monopólio pode então usar em seu benefício exclusivo a procura de mercado, que consideramos descendente como na Economia neoclássica.
A tabela 1 ilustra a situação de um dado bem cujo preço é 1000 euros quando a procura no mercado é de apenas uma unidade (2.ª coluna). Por cada abaixamento de 0,5 euros de preço a procura aumenta de um unidade adicional. Assim, quando o preço baixa para 995 euros a procura aumenta para 11 unidades; quando baixa para 650 euros a procura aumenta para 701 unidades, etc. Se o monopólio satisfizer integralmente a procura obtém a receita total da 3.ª coluna; por exemplo, se vender 10 unidades a receita é de 10´995,5 = 9955 €. Note-se que, como o preço por unidade está a baixar, a partir de uma certa quantidade o monopólio não tem interesse em satisfazer a procura, Na tabela 1, ao passar de 1001 para 1002 unidades a receita total baixou de 1 €; finalmente, ao chegar a 2000 unidades a receita total foi tanta como se tivesse vendido apenas 1 unidade ([1]).
Tabela 1. Procura de mercado e custos e lucros de um monopólio. Valores monetários em €.
Quantidade
|
Preço da procura
|
Receita total
|
Custo fixo
|
Custo marginal
|
Custo total
|
Lucro
|
1
|
1000
|
1000
|
100000
|
15
|
100015
|
-99015
|
2
|
999,5
|
1999
|
100000
|
14,971
|
100030
|
-98031
|
3
|
999
|
2997
|
100000
|
14,942
|
100045
|
-97048
|
10
|
995,5
|
9955
|
100000
|
14,741
|
100149
|
-90194
|
11
|
995
|
10945
|
100000
|
14,712
|
100163
|
-89218
|
201
|
900
|
180900
|
100000
|
10,197
|
102496
|
78404
|
202
|
899,5
|
181699
|
100000
|
10,179
|
102506
|
79193
|
701
|
650
|
455650
|
100000
|
12,955
|
107175
|
348475
|
702
|
649,5
|
455949
|
100000
|
12,990
|
107188
|
348761
|
971
|
515
|
500065
|
100000
|
28.18539
|
112469
|
387596
|
972
|
514.5
|
500094
|
100000
|
28.26486
|
112497
|
387597
|
973
|
514
|
500122
|
100000
|
28.34452
|
112525
|
387596
|
1001
|
500
|
500500
|
100000
|
30,650
|
113352
|
387148
|
1002
|
499,5
|
500499
|
100000
|
30,735
|
113383
|
387116
|
1501
|
250
|
375250
|
100000
|
99,694
|
143630
|
231620
|
2000
|
0,5
|
1000
|
100000
|
233,853
|
223824
|
-222824
|
Vejamos, agora, o que acontece do lado dos custos de produção. Existe um custo fixo, correspondendo por exemplo a maquinaria. Na tabela 1 o custo fixo é de 100.000 €. Existe também um custo variável, que é tipicamente de mão-de-obra. Este custo variável traduz-se num custo marginal, ou seja no custo de produzir mais uma unidade adicional. Os economistas neoclássicos assumem que, a partir de certa altura, a produtividade do trabalho decresce quando a produção aumenta. É estranho, não é assim que acontece no mundo real, mas é assim que os neoclássicos assumem. Em conformidade, na tabela 1 assumimos um custo marginal que primeiro decresce (segundo certa função que não é importante saber) de 15 € até cerca de 8,2 € para 410 unidades, passando depois a crescer até atingir 233,853 € para 2000 unidades. Assim, o custo total para 1 unidade é de 100.000 + 15 = 100.015 €. Para duas unidades, é o valor anterior acrescido do custo marginal 14, 971: 100.015 + 14,971 = 100.030 €, arredondado ao euro. O processo repete-se para unidades adicionais.
A última coluna da tabela 1 mostra os valores do lucro: lucro = receita total – custo total. Aquilo que interessa ao monopólio é saber até que ponto deve satisfazer a procura de mercado. Qual o valor do óptimo da produção e do correspondente preço óptimo.
A figura 1 fornece a resposta: o lucro, mostrado a azul tracejado, depende da subtracção de 2 curvas: receita total, custo total. O seu máximo ocorre para 972 unidades produzidas correspondendo a um lucro de 387.597€.
Fig. 1
Usando o valor de 972 unidade na curva da procura obtemos o preço: 514,5 €.
Vemos, portanto, que para o monopólio não existe uma curva da oferta; logo, não existe um ponto de equilíbrio entre procura e oferta. Para fixar o ponto óptimo de operação, o monopólio, para além da curva da procura, precisa de duas curvas e não de uma: custo total e receita total.
Existe uma outra alternativa ao uso das curvas de receita total e custo total que nos vai ser útil. Para isso, vamos definir a chamada receita marginal, que é simplesmente a quantidade de que aumenta a receita pelo facto de se vender mais uma unidade. No exemplo da tabela 1, a receita marginal é inicialmente 1000 €. A seguir, para duas unidades, é de 1999 – 1000 = 999 €. Para três unidades é de 2997 – 1999 = 998 €. Em suma, a receita marginal decresce proporcionalmente: 1000, 999, 998, 997, etc. Atinge o valor 0 para 1001 unidades e depois passa a valores negativos, o que quer dizer que a quantidade óptima será certamente inferior a 1001 unidades.
A figura 2 mostra a curva da receita marginal: é uma recta que vai do valor 1000€ (para 1 unidade) até ao valor 0€ (para 1001 unidades); na figura só se mostra a parte da recta abaixo de 200 €. A figura mostra também a curva do custo marginal, correspondendo aos valores da 5.ª coluna da tabela 1. Ora, a alternativa de que falávamos acima é esta: a intersecção destas duas curvas ocorre para 972 unidades. Conclusão: não é necessário estar a calcular o lucro e a seguir o seu máximo; basta determinar a intersecção da receita marginal com o custo marginal para obter a quantidade óptima. Usando depois a curva da procura, obtém-se o preço óptimo.
Fig. 2
No próximo artigo vamos ver o que acontece num mercado onde existem várias firmas, e é «perfeitamente competitivo».
[1] Designando a quantidade por q, o preço inicial por p e o abaixamento de preço por unidade por a, a receita total é R = q(p – aq). O ponto máximo desta parábola corresponde a dR/dq=0 à q = p/2a = 1000.