segunda-feira, 15 de outubro de 2012

A Economia convencional: uma pseudociência (IIIa)

IIIa. A curva da oferta de mercado
Continuando a seguir o livro de Steve Keen Debunking Economics (ver parte I neste blog) vamos agora analisar a questão da curva da oferta de mercado.
Tínhamos visto que a curva da procura de mercado descendente, conforme é vista pelos economistas neoclássicos, é praticamente impossível de realizar. A curva da procura de mercado pode ter qualquer forma; a forma puramente descendente implica condições matemáticas totalmente irrealistas no mundo real.
Vamos agora ver que a curva da oferta de mercado, naquilo que os neoclássicos denominam de «mercado competitivo», tem um destino ainda pior: simplesmente não existe.
*     *     *

Comecemos por considerar um mercado claramente não competitivo, constituído por uma só firma, um monopólio. O monopólio pode então usar em seu benefício exclusivo a procura de mercado, que consideramos descendente como na Economia neoclássica.
A tabela 1 ilustra a situação de um dado bem cujo preço é 1000 euros quando a procura no mercado é de apenas uma unidade (2.ª coluna). Por cada abaixamento de 0,5 euros de preço a procura aumenta de um unidade adicional. Assim, quando o preço baixa para 995 euros a procura aumenta para 11 unidades; quando baixa para 650 euros a procura aumenta para 701 unidades, etc. Se o monopólio satisfizer integralmente a procura obtém a receita total da 3.ª coluna; por exemplo, se vender 10 unidades a receita é de 10´995,5 = 9955 €. Note-se que, como o preço por unidade está a baixar, a partir de uma certa quantidade o monopólio não tem interesse em satisfazer a procura, Na tabela 1, ao passar de 1001 para 1002 unidades a receita total baixou de 1 €; finalmente, ao chegar a 2000 unidades a receita total foi tanta como se tivesse vendido apenas 1 unidade ([1]).

Tabela 1. Procura de mercado e custos e lucros de um monopólio. Valores monetários em €.
Quantidade
Preço da procura
Receita total
Custo fixo
Custo marginal
Custo total
Lucro
1
1000
1000
100000
15
100015
-99015
2
999,5
1999
100000
14,971
100030
-98031
3
999
2997
100000
14,942
100045
-97048
10
995,5
9955
100000
14,741
100149
-90194
11
995
10945
100000
14,712
100163
-89218
201
900
180900
100000
10,197
102496
78404
202
899,5
181699
100000
10,179
102506
79193
701
650
455650
100000
12,955
107175
348475
702
649,5
455949
100000
12,990
107188
348761
971
515
500065
100000
28.18539
112469
387596
972
514.5
500094
100000
28.26486
112497
387597
973
514
500122
100000
28.34452
112525
387596
1001
500
500500
100000
30,650
113352
387148
1002
499,5
500499
100000
30,735
113383
387116
1501
250
375250
100000
99,694
143630
231620
2000
0,5
1000
100000
233,853
223824
-222824


Vejamos, agora, o que acontece do lado dos custos de produção. Existe um custo fixo, correspondendo por exemplo a maquinaria. Na tabela 1 o custo fixo é de 100.000 €. Existe também um custo variável, que é tipicamente de mão-de-obra. Este custo variável traduz-se num custo marginal, ou seja no custo de produzir mais uma unidade adicional. Os economistas neoclássicos assumem que, a partir de certa altura, a produtividade do trabalho decresce quando a produção aumenta. É estranho, não é assim que acontece no mundo real, mas é assim que os neoclássicos assumem. Em conformidade, na tabela 1 assumimos um custo marginal que primeiro decresce (segundo certa função que não é importante saber) de 15 € até cerca de 8,2 € para 410 unidades, passando depois a crescer até atingir 233,853 € para 2000 unidades. Assim, o custo total para 1 unidade é de 100.000 + 15 = 100.015 €. Para duas unidades, é o valor anterior acrescido do custo marginal 14, 971: 100.015 + 14,971 = 100.030 €, arredondado ao euro. O processo repete-se para unidades adicionais.
A última coluna da tabela 1 mostra os valores do lucro: lucro = receita total – custo total. Aquilo que interessa ao monopólio é saber até que ponto deve satisfazer a procura de mercado. Qual o valor do óptimo da produção e do correspondente preço óptimo.
A figura 1 fornece a resposta: o lucro, mostrado a azul tracejado, depende da subtracção de 2 curvas: receita total, custo total. O seu máximo ocorre para 972 unidades produzidas correspondendo a um lucro de 387.597€.

Fig. 1

Usando o valor de 972 unidade na curva da procura obtemos o preço: 514,5 €.
Vemos, portanto, que para o monopólio não existe uma curva da oferta; logo, não existe um ponto de equilíbrio entre procura e oferta. Para fixar o ponto óptimo de operação, o monopólio, para além da curva da procura, precisa de duas curvas e não de uma: custo total e receita total.
Existe uma outra alternativa ao uso das curvas de receita total e custo total que nos vai ser útil. Para isso, vamos definir a chamada receita marginal, que é simplesmente a quantidade de que aumenta a receita pelo facto de se vender mais uma unidade. No exemplo da tabela 1, a receita marginal é inicialmente 1000 €. A seguir, para duas unidades, é de 1999 – 1000 = 999 €. Para três unidades é de 2997 – 1999 = 998 €. Em suma, a receita marginal decresce proporcionalmente: 1000, 999, 998, 997, etc. Atinge o valor 0 para 1001 unidades e depois passa a valores negativos, o que quer dizer que a quantidade óptima será certamente inferior a 1001 unidades.
A figura 2 mostra a curva da receita marginal: é uma recta que vai do valor 1000€ (para 1 unidade) até ao valor 0€ (para 1001 unidades); na figura só se mostra a parte da recta abaixo de 200 €. A figura mostra também a curva do custo marginal, correspondendo aos valores da 5.ª coluna da tabela 1. Ora, a alternativa de que falávamos acima é esta: a intersecção destas duas curvas ocorre para 972 unidades. Conclusão: não é necessário estar a calcular o lucro e a seguir o seu máximo; basta determinar a intersecção da receita marginal com o custo marginal para obter a quantidade óptima. Usando depois a curva da procura, obtém-se o preço óptimo.

Fig. 2

No próximo artigo vamos ver o que acontece num mercado onde existem várias firmas, e é «perfeitamente competitivo».

[1] Designando a quantidade por q, o preço inicial por p e o abaixamento de preço por unidade por a, a receita total é R = q(p – aq). O ponto máximo desta parábola corresponde a dR/dq=0 à q = p/2a = 1000.