Adensam-se as nuvens da austeridade.
No artigo de 26 de Setembro p.p. tínhamos dito:
«Não tenhamos ilusões sobre as últimas manifestações e a concentração junto ao Conselho de Estado. O governo Passos Coelho continua firme e sólido na tarefa de servir o grande capital à custa do povo trabalhador.»
De facto, foi exactamente isso que aconteceu. Não obstante algumas fissuras e algum nervosismo no campo da direita pura e dura, O ataque do Governo de Passos Coelho continuou vivo e, pelas medidas já conhecidas do Orçamento de Estado para 2013, o ataque passou a fulminante!
Estamos a trilhar o mesmo caminho para o abismo já trilhado pela Grécia! É bom que ninguém tenha ilusões sobre isso!
Mas, vamos a factos, tal como foram anunciados pela imprensa diária ¾ medidas de austeridade para 2013 ¾ a partir de fontes do Governo.
O ataque aos funcionários públicos é esmagador: 42.000 contratados a prazo vão para a rua; a reforma é aos 65 anos, será menor (dizem da ordem de 50 a 60 € menos por mês) e as reformas estão congeladas; Os funcionários públicos vão ser duplamente penalizados: mais impostos e cortes nos salários; vai haver cortes nos investigadores científicos (lá se vai a Ciência!).
As condições sociais degradam-se rapidamente: 300.000 desempregados sem 1 cêntimo de apoio social; salário médio de licenciados de 906 €; no Hospital da Guarda quem morre depois das 20H00 só é levado para a morgue no dia seguinte, ficando os cadáveres junto dos doentes para poupar dinheiro com os motoristas!; processos submetidos pelos professores e que tiveram sentenças favoráveis, são as escolas que pagam as custas judiciárias e não o Ministério!; Em Felgueiras dorme-se na rua para poder ter vez de ir ao médico!
Os impostos aumentam brutalmente para encher os bolsos dos grandes capitalistas nacionais e estrangeiros: os escalões do IRS diminuiram para 5 com aumentos brutais da taxa de imposto, tendo além disso uma «sobretaxa» de 4%, truque do Governo para ir retirar o subsídio de Natal que diz que paga mas não paga porque o retira através da «sobretaxa», eufemismo do Governo para roubo puro e simples; pensões acima de 1350 € sofrem cortes de 3,5 a 10%; sobem os impostos de circulação automóvel e de subsídio por morte; subsídio de desemprego vai ter de pagar imposto de 6% (incrível, mas é verdade); o subsídio por doença também vai ter de pagar imposto (incrível, mas é verdade).
O Jornal de Notícias de 13 de Outubro p.p. trazia algumas contas feitas com base no documento preliminar do Orçamento de Estado para 2013, em particular as seguintes:
Situação
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Rendimento anual global em 2012 e 2013
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Rendimento mensal global em 2012 e 2013
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IRS 2012
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IRS 2013
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Variação
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2 titulares, 2 filhos
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22.960 €
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820 €/cada
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694 €
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1.431 €
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106%
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2 titulares, 2 filhos
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56.000 €
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2.000 €/cada
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10.120 €
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12.712 €
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26%
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1 titular
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11.480 €
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820 €
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487 €
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891 €
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83%
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1 titular
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28.000 €
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2.000 €
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5.200 €
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6.532 €
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26%
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2 titulares pensionistas
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28.800 €
(31.440 € em 2013)
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1.200 €/cada
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2.496 €
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4.639 €
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86%
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2 titulares pensionistas
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33.600 €
(35.396 € em 2013)
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1.400 €/cada
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3.672 €
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5.924 €
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61%
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Os números são suficientemente esclarecedores!
Hoje, 26 de Outubro, com o sugestivo título de «Mãos ao ar!», o JN publicava longos artigos tendo em conta o que transpirou da versão final do Orçamento do Estado para 2013. A conclusão é esta: se o documento preliminar já era muito mau, o documento final é bem pior! Só um exemplo: 1 pensionista cujo valor mensal da pensão fosse de 1.167 € pagou de IRS, em 2012, 413 €, e pagará em 2013 mais do dobro: 892 €! No mês em que pagar o imposto o pensionista fica com 275 € para viver.
O IMI, como já dissemos noutro artigo, também vai aumentar substancialmente.
É o maior aumento de impostos na história de Portugal!
Entretanto, custo da electricidade, gás, etc., está, também, sempre a aumentar.
O assalto aos bens lucrativos do Estado continua: o Governo pretende privatizar a TAP e a CGD. Já pouco resta de empresas do Estado!
O regabofe dos bancos continua: A Fitch apresentou um outlook (avaliação) negativo da CGD, BCP, BPI e Santander Totta por insuficiente recapitalização, isto é, em termos simples, por não terem ainda recuperado de qualquer forma significativa do atulhamento com activos tóxicos (ver n/ artigo «A Crise do Euro» neste blog), sem qualquer valor de suporte de liquidez; Bruxelas está desagradada com o lixo financeiro das sociedades criadas para absorver os activos tóxicos do BPN, nacionalizado em 2008. Fala-se já em perdas totais de 6.500 milhões de €, isto é, cerca de 4% do total da dívida pública em 2010! Conclusão: na nacionalização do BPN o povo trabalhador português foi duplamente enganado, 1.º quando disseram que tinha de ser o povo a pagar, 2.º quando em vez dos anunciados 1.800 milhões de €, se verifica agora que a factura quase quadruplicou!
Perante este cenário de mentira e violência constantes contra o povo, como se pronunciam individualidades e organizações?
Dos sectores da direita:
- A troika veio dizer que está céptica que as medidas resultem. Se calhar vai ser preciso esmagar mais o povo.
- Christine Lagarde chora lágrimas de crocodilo pelos desempregados, alertando recentemente para a ameaça do desemprego das camadas jovens. Ah! Se não fossem os alertas da Lagarde!
- Klaus Schwab, do World Economic Forum alertou para a necessidade de dotar as novas gerações da capacidade de elas próprias criarem emprego. É a velha repetição da historieta de transformar todos em «empresários»; a balela do «empreendorismo». Quando se sabe o abate contínuo que sofrem as PMEs e a concentração crescente do capital em grandes corporações monopolistas; isto para já não falar que um capitalismo só de empresários é uma contradição. Mas quem julgam estes fulanos enganar com estes absurdos?
- No PSD ouvem-se vozes de remodelação do Governo. Como se a questão fosse essa. Entretanto, a vontade de continuar o ataque ao povo trabalhador é exposto de mil e uma maneiras. Vítor Gaspar: «O Orçamento é o orçamento possível. A nossa margem de manobra para decisões unilaterais é inexistente. A recusa do Orçamento do Estado é a recusa do programa de ajustamento». Isto suscita-nos algumas considerações: 1 – possibilidades há muitas; quanto à «possibilidade» ao gosto de Gaspar é que parece só haver uma: a que serve os instintos predadores da troika e do grande capital. 2 - «Inexistente» não é; mas que a margem de manobra é pouca, aí o Gaspar tem razão. O povo trabalhador de Portugal terá de decidir se é este o caminho que quer trilhar: o de acorrentado ao carro da troika, ou seja, o carro dos interesses do grande capital, nomeadamente do grande capital financeiro. 3 – Só é «ajustamento» para menos de 1% da população, o ajustamento das grandes fortunas; é violência e destruição para mais de 99%. A «recusa do programa de ajustamento» é precisamente o caminho que o povo trabalhador deve trilhar.
- No PS estão preocupados é com a frota de carros dos seus deputados. Toca a adquirir carros novos (à nossa custa, claro). Sabem, isto de carros pelintras dá mau aspecto aos representantes do «socialismo».
Entretanto, António J Seguro considerou, num encontro PS em Montijo, «inaceitável o aumento do desemprego». Que faz ele, concretamente, para tornar o «inaceitável» inaceitável? Não se sabe. Que propõe ele? Isto: «Na Europa temos que reduzir os custos do financiamento e ter mais tempo para consolidar as contas públicas. Não temos que ter uma data, a trajectória de consolidação das contas públicas tem que ser feita de forma natural e sustentável, sem deixar nenhum português para trás. Portugal não é uma folha de excel e os portugueses não são um centro de custos». Discurso vago, cheio de subjectividades: o que significa, na prática, «de forma natural»? O que significa, na prática, «sustentável»? Quanto a essa de «sem deixar nenhum português para trás» não tem ponta por onde se lhe pegue! Enfim, mais um discurso de pseudo-esquerda, ambíguo quanto baste, com tiradas «radicais» e ridículas quanto baste («Portugal não é uma folha de excel e os portugueses não são um centro de custos»: vai dizer isso à troika), para enganar os trabalhadores, e que resumido e concluído revela a vontade de colaboracionismo com o grande capital. Desde que, claro (!), o grande capital trate as coisas de forma natural e sustentável, sem deixar nenhum português para trás. Talvez prendendo uma corda aos tornozelos dos portugueses.
- O cardeal patriarca de Lisboa veio dizer que "rua a dizer como se governa é fora da Constituição", que isto de "balbúrdia de opiniões» é muito mau e ainda que as manifestações «são uma corrosão da harmonia democrática». Ou seja, para o cardeal: nada de manifestações; nada de dizer como se governa, nada de muitas opiniões e muito menos corroer a «harmonia democrática» em que os pobres se tornam cada vez mais pobres e os ricos cada vez mais ricos. Então não é mesmo uma harmonia, algo de paradisíaco assistir-se ao que se está a assistir? O cardeal enganou-se quanto à Constituição; devia estar a pensar na de 1933, a de Salazar. Seja como for, com ou sem enganos, a semelhança entre ele e o cardeal Cerejeira não será pura coincidência.
Dos sectores da esquerda:
A CGTP dinamizou o movimento dos «sem emprego» (trabalhadores desempregados) que fizeram manifestações importantes.
O PCP tem tido ultimamente excelentes intervenções na AR, intervenções essas que todos os trabalhadores deveriam ver com atenção (estão no YouTube). Destacamos, em especial, a intervenção do deputado Bruno Dias, na qual denunciou as privatizações em marcha, fazendo o historial do que foram no passado as privatizações (caso da Sorefame), o que elas significaram como destruição do sector produtivo. Denunciou a passividade do PS e a liquidação das PMEs. Referiu também que os lucros das empresas privatizadas correspondiam aproximadamente a tudo que o Estado encaixou desde 1999. Intervenção clara, incisiva e denotando estudo e preocupação de rigor; qualidades de que a esquerda precisa em alto grau.
Jerónimo de Sousa também teve uma excelente intervenção, acutilante e rigorosa. Quando disse que «violentas são as políticas deste Governo», em resposta à acusação de Passos Coelho de que o PCP estava a apelar à violência, a frase foi inteiramente justa e oportuna.
Francisco Louçã do BE apresentou à imprensa as razões da moção de censura. Não disse nada de propriamente novo, mas esteve bem. Já o mesmo não podemos dizer da deputada Joana Amaral Dias que, num encontro, disse que para a direita o aumento de desemprego é uma questão ideológica. Como se o desemprego não fosse o corolário material, e não ideológico, do capitalismo! Como se pudesse haver capitalismo sem desemprego! Como se para acabar com o desemprego tudo que os capitalistas tivessem a fazer fosse mudar de ideologia! Como se os capitalistas implementassem propositadamente o desemprego por questões ideológicas! Enfim, afirmação absurda, violando toda a sustentação científica e de preocupação de rigor que a esquerda deve ter. Afirmar que o desemprego é uma questão ideológica só serve para criar ideias erradas sobre o capitalismo e sobre os meios de o combater.
Mas, afinal, austeridade para quê?
- O PIB continua a decrescer (estima-se um decrescimento de 1 % em 2013).
- Portugal está em recessão, embora Gaspar diga que não. Não sabemos que definição de recessão ele está a usar. Segundo a definição, geralmente aceite, de descida do PIB em pelo menos 6 meses consecutivos, então e segundo os dados oficiais Portugal está em recessão desde o segundo trimestre de 2010 (ver n/ artigo «A Crise do Euro» neste blog).
- O desemprego só tem aumentado: passará de 15,5% em 2012 para 16,4% em 2013!
- E…
Pasmem!
A razão de ser da medicina troika-Gaspar: a dívida pública! Lembram-se??? É por causa da dívida pública que estamos a levar com a austeridade!
Que se passa com a famigerada dívida pública? Será que os remédios da troika-Gaspar estão a dar resultado?
Lamento desiludir. A dívida pública continua a aumentar. Estava em 119,1% em 2012 e passará para 123,7% em 2013.
Não, a austeridade não tem nada a ver com a dívida pública. De facto, não há nenhum caso na História em que a austeridade tenha resolvido o problema da dívida pública excessiva.
Já aqui dissemos, noutros artigos neste blog, para que serve a austeridade: serve para ir buscar dinheiro aos 99% da população com vista a manter intactos os lucros do grande capital, em particular os lucros do grande capital financeiro, nacional e europeu (em particular, alemão, holandês e francês) que teve enormes perdas devido às enormes operações especulativas de 2005 até agora.
A especulação financeira não parou! Continua em crescimento! Ainda há pouco tempo o Banco de Portugal publicava números que mostram bem o gigantismo da especulação em Portugal (ver nosso artigo «A Crise do Euro, Parte III»).
Em termos simples, é isto: os banqueiros vão ao casino das especulações financeiras. Mas é um casino muito especial porque nunca perdem; quando perdem, lá estão os 99% da população obrigados por Gaspares e quejandos a pagar as perdas!
Até quando vai o povo trabalhador português suportar esta nojeira de um capitalismo que já de há longa data deixou de contribuir para o aumento das forças produtivas, de um capitalismo parasitário que já nada tem a oferecer?
Até quando se vai manter a ficção do «Estado Social» capitalista?
E que não haja ilusões. A recuperação desta crise não vai levar dois ou três anos, ao contrário do que afirmam os aldrabões do Governo Passos Coelho. Vai levar muitos mais (ver n/ artigo «A Crise do Euro») e a recuperação não vai ser brilhante.
O momento exige mobilização.
Novas e superiores formas de luta terão de ser encaradas.