segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Austeridade em Portugal: Ponto da Situação

Passaram-se 19 meses desde que o primeiro-ministro demissionário Sócrates, incitado por Mário Soares, assinou o «acordo de ajuda externa» com a troika, em 3 de Maio de 2011, hipotecando o futuro de Portugal a troco de um resgate de 78 biliões de euros. (Como já dissemos e justificámos em anteriores artigos, usamos bilião = milhão de milhões.) Resgate, de facto, do sistema bancário envolvido em jogos de casino e práticas fraudulentas e de outros tubarões que «escoaram» os dinheiros públicos (PPPs, etc.); não do sistema produtivo e dos serviços sociais. O governo PSD-CDS de Passos/Gaspar, governo de marionetes obedientes aos ditames da troika (quantas vezes não vimos, desde Novembro de 1975, o PS a dizer «mata» seguindo-se o PPD/PSD a dizer «esfola»?), tornou Portugal numa espécie de semi-colónia do imperialismo alemão-francês ([1]). Seguiu à letra (mais do que à letra) os ditames de austeridade da troika.
No final de Janeiro de 2013, os resultados da política de austeridade, segundo vários indicadores, são os seguintes (comparar com valores do nosso artigo de Setembro de 2012 «A Crise do Euro. Parte III»):
1 – Dívida Pública (DP)

Ano
DP em percentagem do PIB
Fonte
Jan 2010
83,1%
Eurostat
Jan 2011
93,5% a
Eurostat
Jan 2012
108,1% a
Eurostat
Ago 2012
117,6%
Banco de Portugal

a Ligeira correcção dos valores anteriormente publicados (resp., 93,3%, 107,8%)

Em apenas oito meses a DP piorou 9,5%!
O FMI diz que a DP vai subir mais do que o esperado e pede mais privatizações até 2014!
Entretanto, o que se passa com o resgate dos 78 biliões de euros?
Os fundos recebidos até Setembro de 2012 foram os seguintes ([2]):


Valor nominal
(biliões €)
Valor de emissão (milhões €)
Juros e comissões
Prazo de pagamento (anos)
MEEF a
20,1
20029
3%
12,1
FEEF b
18,7
17569
3,2%
14,5
FMI
19,8
19818
4,7%
7,3
TOTAL
58,6
57415
3,6%
11,2

a Fundo financeiro da Zona Euro, criado para resgates: Mecanismo Europeu de Estabilidade Financeira
b Fundo financeiro da Zona Euro, criado para resgates: Fundo Europeu de Estabilidade Financeira

Isto é, ainda só recebemos nominalmente 58,6 biliões (75% do resgate) e o efeito na DP é o que se vê. Entretanto, os bancos cobram de juros e comissões ao Estado (para financiar a dívida) valores de entre 3 a 4,7% (ver tabela acima) enquanto o BCE financia esses mesmos bancos a juros de 0,75%! Um esquema da mais despudorada agiotagem, que já denunciámos no nosso artigo anterior (ver também [3]). E isto vai continuar por pelo menos mais 14 anos e meio! (Embora haja pedidos para que o BCE financie directamente os Estados, tais pedidos não se concretizaram e o mais provável é não se concretizarem; o BCE é fundamentalmente um instrumento ao serviço do capital financeiro europeu e não ao serviço dos povos da Europa.)
Na realidade, o cenário é ainda mais negro, conforme mostra a figura abaixo da evolução da dívida portuguesa em biliões de euros ([4]):

Só em 2020 (!) seria de esperar uma certa acalmia da DP portuguesa, mas mesmo esta perspectiva é completamente irrealista por várias razões de que apresentamos as principais:
a) Como bem assinalou o Tribunal de Contas, em 26 de Outubro de 2012, o facto de a população estar a envelhecer, logo aumentando os gastos com pensões, combinado com o aumento do desemprego, logo aumentando o volume de subsídios de desemprego (já bem magros, apesar de tudo), vai fazer aumentar as despesas.
b) Os principais importadores dos bens que produzimos, como a Alemanha e a Espanha, estão a sofrer a crise; a economia alemã está quase estagnada e a espanhola está em recessão. As exportações de Portugal para Alemanha diminuíram 3,8% e para a Espanha diminuíram 4,4% ([5]). O BCE prevê uma recessão média de 0,3% na Zona Euro e as previsões do BCE têm sido optimistas… O próprio FMI afirmou ([6]): «Na área do Euro, o regresso da recuperação depois de uma contracção prolongada, está adiada».
c) Segundo o Banco de Portugal (BdP) as exportações portuguesas cresceram 4,2% em 2012 quando estava previsto que crescessem 6,3%. E o sistema produtivo português está a ser sistematicamente destruído...
d) A crise do sistema capitalista nos países de forte economia, está para durar. Para a maior economia mundial, a dos EUA, o Banco Mundial tem vindo a rever sempre em baixa o crescimento: tinha previsto em meados de 2012 um crescimento de 2,4% e agora só prevê 1,9%.
Por todas estas razões, o FMI ¾ o verdadeiro patrão da troika que representa a hegemonia dos EUA sobre a Europa (e resto do mundo) ¾,  já diz que a austeridade ainda se vai estender por muitos anos. E Berlim diz o mesmo; chegou a falar em 40 ou 50 anos! Só mesmo o Passos Coelho é que diz que na segunda metade deste ano as coisas vão melhorar, ecoando as palavras do patrão do FMI/troika Selassie (proferidas a 13 de Dezembro de 2012). E o testa-de-ferro do capitalismo europeu, Durão Barroso, tem mesmo a distinta «lata» de dizer que «a crise abre oportunidades imensas […] o pior já passou […]» ([7]). «Oportunidades imensas» para os milhões de pobres e desempregados sem quaisquer perspectivas de emprego! Mário Draghi, patrão do BCE, também disse em Dezembro passado que a «austeridade faz bem a Portugal»!

2 – Divisa Externa (DE)
A Dívida Externa portuguesa, que tinha vindo a diminuir até Janeiro de 2012, voltou a subir, situando-se em Outubro de 2012 em 385,986 biliões €, qualquer coisa como 232% do PIB!!! (Usámos o valor estimado do PIB de 166,469 biliões € publicado pelo Eurostat para 2012.)

Gráfico da Trading Economics construído com dados do Banco de Portugal.

Reflectindo este elevado valor da DE a Fitch Ratings classificava em 11 de Dezembro de 2012 Portugal com a 8.ª pior notação da dívida (BB+) em 107 países.

3 – Deficit Orçamental (DO)
Ano
DO em percentagem
Fonte
2009
10,2%
Eurostat
2010
9,8%
Eurostat
2011
4,2%
Eurostat
2012
5,0%
V. Gaspar, Jan. 2011
2012
6,7%
Previsão oficial em Set. 2012
2012
5,6%
Banco de Portugal, 29/12/2012: valor do DO nos primeiros 9 meses de 2012
2012
5,4%
Meta apontada em Out. 2012 pela troika a
2012
5,0%
Valor oficial do governo em Jan. 2013

a O acordo com a troika é eufemisticamente designado por Programa de Ajustamento Económico e Financeiro (PAEF).

O governo apresentou como grande feito ter atingido um DO de 5% (valor que é ainda provisório). De facto, só o conseguiu devido à venda da concessão da ANA o que permitiu um encaixe da ordem de 800 milhões €. Como disse Arménio Carlos da CGTP, «graças a uma matreirice». É sempre possível construir «matreirices» à custa da venda dos «anéis», só que, para além dos «anéis» irem escasseando, a sua venda traz prejuízos (a entrega de serviços que deveriam ser públicos a privados tem, em regra e em todo o mundo, representado a perda de soberania popular, a isenção e a qualidade dos serviços).
Mas mesmo as «matreirices» não conseguem esconder as duras realidades, que no caso do Orçamento de Estado (OE) são estas: em 2012 baixaram as receitas com impostos, incluindo a do IVA: ficou 3,2 biliões € abaixo do previsto! É o resultado lógico da recessão, logo do encerramento de empresas e do aumento do desemprego. Por outro lado, as despesas não diminuíram como previsto porque, para dar dois exemplos, os prejuízos com o BPN aumentaram em 240 milhões € e o Estado financiou um resgate ao Banif de 1,1 biliões € ([8])! No que se refere a safar gestões fraudulentas de bancos o governo (ao serviço do capital financeiro) é sempre mãos largas (por definição). No lado das despesas o que diminuiu mais foi a rubrica de despesas com pessoal: dezenas de milhares de funcionários públicos e de professores foram postos na rua.

4 - Produção industrial
A produção industrial caiu acentuadamente em todos os meses de 2012 face aos valores homólogos de 2011, como documenta a seguinte tabela (dados do INE):

Crescimento da produção industrial.
Variações percentuais de 2012 face a 2011
Jan
Fev
Mar
Abr
Mai
Jun
-8,7%
-5,4%
-6,8%
-4,7%
-7,4%
-6,7%
Jul
Ago
Set
Out
Nov
Dez
-4,6%
-0,3%
-2,1%
-9,5%
-3,6%
-4,1%


A destruição do sector produtivo, combinada com a crise dos mercados interno e externo, justifica estas quebras brutais que chegam a atingir valores próximo de 10% num único ano. Um exemplo sintomático foi o fecho da Autoeuropa durante 44 dias com quebra de produção da ordem 12,4% (noticiado a 7/12/2012).
Entretanto, o investimento no sector produtivo e às famílias é cada vez mais difícil. As PMEs debatem-se com dificuldades para obter crédito, e o investimento no sector produtivo caiu. Em 2012 o valor total dos empréstimos dos bancos às empresas «encolheu» 9,9 biliões € (dados do Banco de Portugal publicados a 9 de Janeiro de 2013)!

5 - Insolvências
Segundo valores publicados pelo Instituto de Informação Comercial (IIC) o número de empresas que pediram insolvência em 2012 subiu 39% face a 2011: 6281 empresas. Os sectores mais atingidos foram os do comércio a retalho (864; [9]) e imobiliário/construção (856). No sector imobiliário as insolvências subiram 45,8%! No sector de vendas de carros atingiram-se os piores valores desde 1985, com uma quebra nas vendas de 40,7% (menos 32 mil empregos)!
Mesmo o grande comércio, que se aguentou melhor que o comércio a retalho, fechou o ano com quedas de 2% e perdeu 600 postos de trabalho ([10]).
Note-se que os valores do IIC para 2011 estão abaixo dos valores indicados pela Coface (ver nosso anterior artigo «A Crise do Euro. Parte III»), possivelmente porque o IIC se concentra no sector comercial. Se aplicarmos a taxa de 39% ao valor de 2011 da Coface obtemos uma estimativa de 8447 insolvências, valor que é, efectivamente, muito próximo da estimativa Coface mencionada no nosso anterior artigo.

6 – Crescimento do PIB
A economia portuguesa continua em recessão (desde o início de 2011) e o PIB continua a decrescer. Contraiu de 3,5% no último trimestre de 2012 face ao trimestre homólogo de 2011. Relativamente ao primeiro trimestre a contracção tinha sido de 3% (valores do INE).
Segundo a UE a contracção do PIB português será (média anual) de -1% em 2013, passando depois a crescer de +0.8% em 2014 e +1.8% em 2015-2016. Mas isto são meras previsões e a UE tem sistematicamente falhado nas previsões de retoma económica. Um exemplo clamoroso foram as previsões feitas para a Grécia que mostrámos no nosso anterior artigo «A Esquerda parlamentar que temos».

7 – Desemprego
Tem vindo a aumentar com o programa de austeridade. Enquanto no 1.º trimestre de 2012 a taxa (média) de desemprego face à população activa era de 14,9%, estava em Novembro de 2012 nos 16,3% ([11]). Nesse mês na UE só a Espanha e a Grécia tinham taxas de desemprego mais altas (resp. 26,6% e 26%). Em Dezembro de 2012 parece situar-se em 16,5% (dados do INE).
Note-se que todas estas taxas pecam por defeito por não terem em conta o trabalho precário de curta duração. É preciso, também, ter em conta que uma elevada percentagem de assalariados estão abaixo do nível oficial de pobreza (ver nosso artigo anterior «Os 10% e os 25% do Fundo»).
Com o corte nos subsídios de desemprego a situação de pobreza vai aumentar e, como se isso não bastasse, vale a pena referir que o presidente da rede Europeia Anti-Pobreza, Sérgio Aires, acusou funcionários dos Centros de Emprego e Formação Profissional de tratarem os desempregados como «bandidos», não tendo presente que aqueles que recebem subsídio de desemprego contribuíram e descontaram para isso ([12]).
Entretanto, o FMI não está contente com a situação, pelo menos no que se refere a funcionários públicos. Disse a 9 de Janeiro de 2013 que devia haver em 2013 10 a 20% de despedimentos com «dispensa» de 50 mil professores e de 100 mil polícias que estão «a mais».

8 - Salários e Pensões
Têm decrescido conforme é do conhecimento público e foi documentado em artigos anteriores. Em 2012 todos os trabalhadores com salário acima de 1799 € viram o seu rendimento diminuir em cerca de 4.4% face a 2011; na fatia de 310-599 € ¾ isto é, os mais pobres ¾ o rendimento desceu 8,9%.
Como se isso não bastasse estima-se que 33.000 patrões roubam a Segurança Social, não pagando a TSU de 65 mil trabalhadores a recibo verde. A dívida já vai nos 24 milhões ([13]).
Além disso, a CGTP estimou (e argumentou as razões pelas quais a estimativa é por defeito) que as empresas e o Estado devem 316 milhões aos trabalhadores em indemnizações e salários em atraso ([14]).
Para 2013 o corte médio nos salários é da ordem de 7% e nas pensões varia entre 15 a 20%. Mas, mais uma vez, o FMI não está satisfeito. Quer diminuir as actuais pensões, e um corte definitivo nos subsídios de férias e Natal, com aumento da idade da reforma para 66 anos e proibição de reformas antecipadas.
Mais: a 13 de Dezembro de 2012, Abebe Selassie, chefe da missão do FMI (o tal que afirmou cinicamente que os portugueses são bem comportados ¾ queria ele dizer que aguentam tudo ¾ e têm altas pensões), veio dizer que «três quartos de despesa social recai sobre pensões que são menos dirigidas em termos de redução de pobreza de idosos». O excelente artigo de Eugénio Rosa ([15]), cuja leitura vivamente aconselhamos, desmonta cabalmente e completamente tal afirmação, demonstrando que «Cerca de 70% da redução da taxa de risco de pobreza em Portugal é devida às pensões, e apenas 30% às restantes prestações sociais [como p. ex. o RSI]». Diz ainda Eugénio Rosa, com inteira verdade, que «Selassie revela dois tipos de ignorância: (1) Que não conhece a importância do sistema de pensões na diminuição da pobreza em Portugal; (2) Que não sabe o que é um sistema de pensões que se baseia na lei que o Estado, se for pessoa de bem, deve respeitar, a qual estabelece que os pensionistas têm direito a uma pensão de acordo com as remunerações que descontaram e com o período que contribuíram». Veremos, mais adiante, as razões da «ignorância» do lacaio do FMI Selassie.
Entretanto, as pensões na Alemanha sobem 11%! Como bem documenta o trabalho [16] o nível de vida dos alemães tem sido, também, conseguido à custa do deficit comercial e do endividamento de Portugal.
*    *    *
Quais as perspectivas para 2013 e 2014?
Já vimos em anteriores artigos o que consta no OE de 2013. O resumo é: mais impostos, mais cortes nas funções sociais do Estado, mais privatizações (o governo pretende vender a TAP com um encaixe de 100-150 milhões €; depois da TAP, seguir-se-á a RTP e parece-nos que já pouco sobra).
Vejamos as previsões das grandes luminárias do capitalismo português e internacional ([17]):

Previsões Económicas
Carlos Costa
Banco de Portugal
Boletim de Inverno
Vítor Gaspar
Ministro das Finanças
Durão Barroso
Comissão Europeia
Nov. 2012
Christine Lagarde
FMI Out. 2012
Angel Gurría
OCDE
Nov. 2012
Para o ano
2013
2014
2013
2014
2013
2014
2013
2013
2014
PIB
-1,9%
-1,3%
-1,0%
-2,0%
-1,0%
0,8%
-1,0%
-1,8%
0,9%
Consumo privado
-3,6%
0,1%
-2,2%
0,5%
-1,7%
0,2%
-2,2%
-3,5%
-0,1%
Consumo público
-2,4%
1,5%
-3,5%
-2,6%
-3,2%
-1,5%
-3,5%
-4,0%
-1,6%
Investimento
-8,5%
2.8%
-4,2%
3,1%
-4,6%
2,1%
-4,2%
-6,5%
1,6%
Exportações
2,0%
4,8%
3,6%
6,4%
2.7%
4,8%
3,6%
3,6%
5,8%
Importações
-3,4%
3,5%
-1,4%
2,6%
-1,1%
3,3%
-1,4%
-2,8%
3,4%
Inflação
0,9%
1,0%
0,9%
1,1%
0,9%
1,3%
0,9%
0,8%
1,0%
Desemprego
-
-
16,4%
-
16,4%
15,9%
16,4%
16,9%
16,6%
Deficit
-
-
-4,5%
-1,8%
-4,5%
-2,5%
-4,5%
-4,9%
-2,9%


No que se refere a 2013 e quanto ao PIB, Carlos Costa e Angel Curría são os menos optimistas: queda de 1,8 a 1,9%. Gaspar, Durão Barroso e C. Lagarde, os mais optimistas. Se repararmos bem, as previsões de Gaspar e Barroso (que não são obviamente do Barroso, mas sim da Comissão Económica da UE) concordam completamente (Gaspar) ou quase (Barroso) com as de C. Lagarde. Coincidência? Claro que não: o ministro das finanças português e a comissão económica da UE são simples caixas de ressonância do FMI. Daqui para a frente, no que se refere a 2013, podemos desprezar Gaspar e Barroso e ir à fonte: FMI.
Quanto aos outros indicadores notemos as previsões de descidas nos consumos públicos e privados, a quebra nas importações que poderá ir acima dos 3% e a pequena subida nas importações, com Lagarde (logo, Gaspar) optimistas mas o Banco de Portugal (BdP) muito menos optimista, e parece-nos que com boas razões (ver alínea c do ponto 1 acima), tanto mais que o investimento, segundo o BdP, volta a cair 8,5%! Lagarde está mais optimista: indica uma descida de quase metade do valor do BdP, destoando também da previsão da OCDE. Parece-nos que o FMI está mortinho por dar a ideia de que a recuperação já vem a caminho…
Quanto a desemprego e DO pensamos que as previsões da OCDE são mais realistas. Veremos o que o futuro dirá, mas a verificar-se a queda de 8,5% no investimento parecem-nos previsões por defeito.
As previsões para 2014 têm um muito menor grau de fiabilidade. Nota-se um esforço para fazer crer que o pior passou. Pensamos ser dificilmente concebível que num ano o investimento passe de uma queda de 8,5% para uma subida de 3,8% como diz o BdP, e o mesmo se pode aplicar às outras previsões desta rubrica. Pensamos serem também optimistas as previsões do DO, principalmente a de Vítor Gaspar: -1,8%? Em 2011 só 6 países dos 17 da Zona Euro tiveram DO igual ou acima de -1,8%: Dinamarca, Alemanha, Estónia, Luxemburgo, Finlândia e Suécia. Trata-se de países que têm tido ultimamente economias superavitárias (balança de pagamentos positiva) com a única excepção da Finlândia no ano 2011. Pensamos que Gaspar está a sonhar. Quanto ao desemprego, as previsões apontam para uma ligeira diminuição, em consonância com as previsões optimistas de subida do investimento.
*    *    *
Ao contrário do que pretendem fazer crer as luminárias do capitalismo neoliberal que impera na UE e na Zona Euro, pensamos que Portugal já está no desastre e não, como dizem alguns, à beira do desastre.
A própria direita (portuguesa e europeia) sente que as medidas de austeridade não estão a surtir o efeito pretendido no ressarcir dos rombos sofridos pelo sector financeiro, devido aos jogos de casino com activos tóxicos, para manter altas taxas de lucro com capital fictício.
Assim, a direita europeia está a pensar, seriamente, em lançar às ortigas essa coisa do «Estado social» que só os anda a incomodar e embaraçar. O l'Humanité, de 18 de Outubro de 2012, revelou o texto de uma directiva da União Europeia, em apreciação no Parlamento Europeu, sobre contratos públicos (um tema, à partida, inofensivo). No anexo XVI dessa directiva diz-se, preto no branco, quais os serviços públicos que passariam a estar sujeitos a regras da concorrência e dos mercados:
- Serviços de saúde e serviços sociais
- Serviços administrativos nas áreas da educação, da saúde e da cultura
- Serviços relacionados com a segurança social obrigatória
- Serviços relacionados com as prestações sociais
Note-se a enormidade do atentado contra o «Estado social». Entre outros, o serviço de pensões passaria a ser privatizado!
Em Portugal, a implementação desta destruição do «modelo social europeu» passa pelo eufemístico projecto de «reforma do Estado», tanto apregoado ultimamente por Passos Coelho. É um projecto articulado com o FMI que visa liquidar tudo que sejam funções sociais do Estado incluindo cortes de pensões e a privatização da Segurança Social. Pretende-se criar também uma «lista de excedentários» onde se colocariam os trabalhadores como rebanho dócil à espera de serem chamados para trabalhar em cascos de rolha por um salário de miséria (ou aceitas ou emigras). Uma autêntica regressão ao século XIX quando os contratadores de trabalho iam às zonas pobres das cidades arrebanhar quem estava desesperado. Também tivemos isso nos tempos do fascismo, relativamente aos trabalhadores agrícolas do Alentejo.
E note-se que o FMI não está a falar apenas dos funcionários públicos modestos. Está também a falar de professores e profissionais da Saúde como «alvos preferenciais» da bolsa de excedentários ([18]); isto é, está também a falar de enfermeiros e médicos.
Parece-nos que a chamada «classe média» em Portugal anda a dormir muito. Anda embalada na ilusão que são só os trabalhadores de colarinhos azuis e os pobres que irão sofrer com a austeridade, sem ver (ou querer ver) que esta não é mais que a primeira onda do tsunami de destruição do «Estado social». E ocorre-nos aqui citar as frases famosas do sacerdote protestante Martin Niemöller que aceitou, primeiro (num encontro com Hitler), não se incomodar muito com as perseguições que o regime nazi levava a cabo, até que a perseguição chegou até ele e acabou no campo de concentração de Dachau. Martin Niemöller teria dito:
 «Primeiro eles vieram prender os comunistas e eu não me opus porque não era comunista.
Depois, vieram prender os socialistas e eu não me opus porque não era socialista.
Depois, vieram prender os sindicalistas e eu não me opus porque não era sindicalista.
Depois, vieram prender os judeus e eu não me opus porque não era judeu.
Depois, vieram prender os católicos e eu não me opus porque não era católico.
Então, vieram-me prender e já não restava ninguém para se opor em meu favor.»

[1] O caso do Reino Unido é especial: trata-se de uma espécie de apêndice europeu do imperialismo americano, que só colabora com o imperialismo alemão-francês, no âmbito das disposições «europeias», quando tal convém aos seus exclusivos interesses (leia-se do capital britânico face à aliança capitalista entre Alemanha e França, hegemonizada pela Alemanha). Veja-se, entre outros, o caso recente do afastamento de Cameron relativamente à UE. Noutros países da UE, economicamente fortes, as respectivas classes capitalistas estão fundamentalmente ligadas aos capitalistas alemães e franceses. Para dar um exemplo, os interesses da classe capitalista holandesa estão indissoluvelmente ligados aos interesses da classe capitalista alemã. A ligação é tão íntima que o banco holandês ING é já o segundo banco comercial na Alemanha. Outros bancos holandeses (ABN, Amro, Rabobank) estão também a conquistar posições importantes na Alemanha ao serviço da aliança capitalista holandesa-alemã.
[2] Notícia do JN de 13 de Novembro de 2012.
[3] Eugénio Rosa (2010) O BCE Está a Financiar a Especulação dos Bancos. O Dilema Actual: Ou Esta Situação É Alterada Rapidamente ou o País Tem de Sair da Zona Euro. Estudo 4.3.2010 (www.eugeniorosa.com).
[4] «Portugal segue passos da Irlanda» artigo da Negócios online publicado em 22/1/2013.
[5] Jornal Público, 17 de Janeiro de 2013.
[6] Notícia publicada no JN a 24/1/2013
[7] Diário Económico, 8 de Janeiro de 2013.
[8] «Estado injecta 1100 milhões de euros na recapitalização do Banif» Notícia do Jornal Público de 31/12/2012. A notícia refere que o Banif é o quarto banco a ser recapitalizado com recurso a fundos públicos. (Aquilo que temos vindo a repetir várias vezes do resgate aos banqueiros.) Refre ainda a notícia de que com o resgate do Banif o Estado terá injectado um total de 5,6 biliões € na banca através do programa de assistência financeira a Portugal (isto é, troika), seguindo-se ao BCP, BPI e CGD.
[9] Foi noticiado pelo JN que o volume de vendas do comércio a retalho registou dentro da Zona Euro a maior queda em Portugal: -4.5%. A queda média na Zona Euro foi de -1.2%.
[10] Notícia publicada no JN a 20/12/2012.
[11] Valores do INE. O valor para Novembro de 2012 veio publicado no JN de 9 de Janeiro de 2013.
[12] Notícia publicada no JN a 26/1/2013.
[13] Notícia publicada no JN a 13/11/2012.
[14] Notícia publicada no JN a 29/12/2012
[15] Eugénio Rosa: A Ignorância sobre Portugal Revelada por Selassie, Chefe da Missão do FMI na "Troika" e os Interesses que Defende. Estudo 10/1/2013  (www.eugeniorosa.com).
[16] Eugénio Rosa: O nível de vida dos alemães também foi conseguido à custa do défice comercial de Portugal e do endividamento dos portugueses. Estudo 11/11/2012 (www.eugeniorosa.com).
[17] Dados publicados no JN a 16/1/2013.
[18] Notícia publicada no JN a 19/1/2013.