terça-feira, 29 de janeiro de 2013

A Primavera Árabe. Parte III (Egipto)

III – Da Independência até à Primavera Árabe
Egipto
Tal como noutros países árabes a burguesia do Egipto nunca teve um papel progressista: sempre serviu lealmente o capital britânico, nomeadamente através do seu partido Wafd. Quanto aos líderes burgueses e pequeno-burgueses da Irmandade Muçulmana (IM) arrebanhavam as camadas mais atrasadas da população, com base em justificações religiosas obscurantistas.
Nos dias de 22 a 26 de Julho de 1952 um grupo de oficiais (os «oficiais livres»), liderado pelo coronel Gamal Nasser derrubou o regime do rei Faruk, um joguete dos britânicos; para além do sentimento de humilhação que sentiam pelo mau desempenho na breve guerra contra Israel em 1948, propunham-se acabar com a pobreza, a doença e o analfabetismo no Egipto. Cedo se verificou a natureza pequeno-burguesa dos oficiais e do seu Conselho do Comando Revolucionário (CCR): manifestações dos trabalhadores em Kafr Dawar, em 12 de Agosto, exigindo reformas imediatas, foram brutalmente esmagadas e com duas sentenças de morte. Nessa época existia um Partido Comunista Egípcio (PCE). Contudo, a posição da URSS em reconhecer na ONU a divisão da Palestina (!) e, mais tarde, ter sido o primeiro país a reconhecer Israel (!), espalhou a confusão e a desmoralização nas fileiras dos comunistas egípcios ([1]). O PCE limitou-se a aconselhar «calma» quando os dois dirigentes dos trabalhadores foram executados! Isto valeu-lhe uma cisão e a alienação de trabalhadores e dirigentes sindicais.
No seguimento de diferendos entre os «oficiais livres», reflectindo as lutas de classes da sociedade egípcia, acabou por emergir em 1954 a figura de Nasser que passou a governar como autocrata. Todos os partidos, incluindo o partido comunista foram proibidos. Todos os sindicatos foram proibidos. 20.000 pessoas foram presas em poucas semanas. Nasser foi eleito presidente do CCR e o seu partido «Convergência Revolucionária» passou a partido único.
Nasser, entretanto, introduziu nos anos seguintes, até à sua morte em 1970, várias medidas progressistas: a reforma agrária que melhorou as condições de vida de milhões de camponeses (na altura 0,5% dos egípcios eram proprietários de 1/3 da terra arável!); a produção de electricidade e a construção da imponente barragem de Assuão; o desenvolvimento de várias indústrias, com destaque para a indústria têxtil; a reforma do sistema educativo; a introdução de direitos dos trabalhadores como o dia de 7 horas de trabalho, garantias contra despedimentos e seguro contra acidentes de trabalho; legislação progressiva sobre os direitos das mulheres. A sociedade egípcia deu assim um enorme passo em frente. Introduziu também medidas socializantes («socialismo árabe») com a nacionalização de bancos e companhias de seguros e das indústrias mais importantes. Sem qualquer participação dos trabalhadores, claro.
Nasser granjeou também uma grande estima do povo egípcio quandodecidiu nacionalizar a Companhia do Canal de Suez em 1956. Esta decisão levou à intervenção de forças armadas da Inglaterra, França e Israel, que ocuparam o Sinai e a faixa de Gaza ([2]). A crise só foi resolvida, na sequência de posições das superpotências, da ONU, e de embargos de petróleo dos países árabes, em 1957. O incidente do Canal de Suez marca o fim do imperialismo franco-inglês e a ascensão do imperialismo americano (que se mostrou hostil às pretensões franco-inglesas); a partir daí o imperialismo europeu passou a ser um simples joguete obediente do imperialismo americano. (Os EUA sempre viram o petróleo do Médio Oriente como um recurso estratégico, apesar de 40% do petróleo que consomem ser das suas próprias reservas.) Nasser surgiu como figura anti-imperialista prestigiada, ainda mais quando, juntamente com a Jugoslávia e a Índia, fundou o Movimento dos Não-Alinhados em 1961. Por esta altura Nasser estabeleceu boas relações com a URSS que forneceu armamento e participou na construção da barragem de Assuão.
Em 1958 o Egipto juntou-se à Síria na chamada República Árabe Unida (RAU); uma tentativa pan-árabe que veremos mais em pormenor quando tratarmos da Síria. A Síria abandonou a RAU em 1961, embora o Egipto continuasse a chamar-se RAU até 1971.
Em 1967 o Egipto sofreu uma derrota humilhante com Israel na «guerra dos seis dias». Nasser, porém, permaneceu como presidente. O último período da sua vida é marcado por medidas reaccionárias: privatizações de empresas estatais entregues a burocratas do poder; diminuição de salários; repressão de manifestações e de greves; apoio ao reaccionarismo islâmico ([3]). Entretanto, a burguesia egípcia tinha-se reforçado; e à custa, precisamente, das medidas «socializantes» a que se tinha oposto. Estava agora capaz de ter um papel na história.
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Esse papel surgiu com Anwar Sadat, antigo membro dos «oficiais livres». Sadat introduziu «reformas de mercado», encorajando privatizações e investimentos estrangeiros. Aumentou, assim, o peso dos capitalistas e da pequena burguesia urbana na sociedade egípcia. A fim de combater a oposição popular e, particularmente, a oposição marxista, apoiou-se nos partidos islâmicos. Permitiu o regresso do exílio dos líderes da IM e a sua actividade política, fazendo-se proclamar como o «Presidente Crente».
Entretanto, em consequência das reformas económicas, aumentou a pobreza nas massas populares e a opressão sobre os trabalhadores. Desencadearam-se vários protestos e tumultos populares em 1977 devido aos aumentos dos bens de primeira necessidade (os chamados «tumultos do pão»). Devido às más condições de vida mais de três milhões de trabalhadores emigraram entre 1975 e 1985.
Em 1973 Sadat desencadeou uma guerra com Israel que lhe valeu uma meia vitória, tendo o Egipto reocupado o Sinai. Logo a seguir, porém, voltou-se abertamente para uma aliança com o imperialismo americano quebrando os laços de cooperação com a URSS. Tomou, então, a iniciativa de reconhecer o Estado de Israel e firmar os Acordos de Camp David; iniciativas que lhe alienaram amizades de outros estados árabes e levaram à expulsão do Egipto da Liga Árabe.
No final dos anos setenta Sadat já não tinha necessidade do apoio dos islamitas (IM e Jihad Islâmica), que aliás o censuravam pela aproximação a Israel e pelo apoio prestado aos direitos das mulheres (opôs-se ao uso do véu islâmico). Atacou-os e dissolveu as organizações estudantis da Irmandade. Como represália, em 6 de Outubro de 1981 Sadat foi assassinado por um tenente jihadista.
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Hosni Mubarak, vice-presidente desde 1975, tornou-se presidente num referendo no final de Outubro de 1981; assim permaneceu até à revolução de 2011, confirmado por referendos para períodos de 6 anos. Só no último, em 2005, teve opositor: um defensor dos direitos humanos que acabou por ir parar à prisão donde só saiu em 2009. Mubarak ganhou com 87% dos votos. No Parlamento o seu «Partido Democrático Nacional» (PND) dominava totalmente. Apenas 20% dos lugares eram de independentes, de facto da IM.
Mubarak governou como autocrata ([4]), sustentado e acolitado pelas altas patentes do exército e pelos serviços de segurança. O Egipto viveu desde a morte de Sadat num regime de «estado de emergência» com suspensão de direitos constitucionais. Isto queria dizer: censura, proibição de manifestações, proibição de partidos políticos. Os prisioneiros políticos ascenderam a 30.000. Qualquer pessoa podia ser presa por qualquer razão e qualquer período de tempo. O pretexto era o combate aos fundamentalistas islâmicos.
Em 1986 houve um motim das forças de segurança exigindo melhores pagamentos. Foi reprimido pelo exército. Em 1992 o exército (14.000 soldados) ocupou um bairro do Cairo para reprimir seguidores de fundamentalistas islâmicos: 5000 pessoas foram presas. Os fundamentalistas continuaram com atentados terroristas visando, inclusive, turistas estrangeiros.
Em 1989, apesar da sua patente aliança com o imperialismo e da acomodação com o sionismo Mubarak conseguiu ver o Egipto de novo aceite na Liga Árabe. Diz bem do estado a que tinha chegado a Liga.
Mubarak foi um dos grandes aliados dos EUA no Médio Oriente: pagaram-lhe uma ajuda financeira de 2 biliões de dólares até à assinatura dos acordos de Camp David. O Egipto fez também parte da coligação da primeira guerra do Golfo (expulsão do Iraque do Kuwait); mas não da segunda. Foi devidamente recompensado pelos EUA: além de pagamentos da ordem de 500 mil dólares por soldado, foi perdoada a dívida do Egipto. Segundo um texto do The Economist ([5]): «o programa funcionou maravilhosamente: um exemplo académico, diz o FMI.[…] Depois da guerra a sua recompensa [de Mubarak] foi que a América, os estados árabes do Golfo Pérsico e a Europa perdoaram o Egipto de uma dívida de cerca de 14 biliões de dólares». O PIB do Egipto em 2005 foi de 78,8 biliões de dólares.
Como sempre, a falta de direitos humanos não incomodava os EUA. Conforme afirmou cinicamente Condolleeza Rice na visita ao Egipto em Junho de 2005 «durante 60 anos, o meu país, os Estados Unidos, procuraram estabilidade à custa de democracia nesta região, aqui no Médio Oriente, e não obtivemos nem uma nem outra».

Amigos do coração e grandes paladinos dos direitos humanos

Por essa altura Mubarak permitiu que partidos «registados» pudessem concorrer às eleições para a Assembleia. O registo em si já era complicado; para além disso as reuniões dos partidos eram constantemente incomodadas pela polícia. O PND ganhou esmagadoramente, como seria de esperar: 417 lugares; seguiu-se o partido Wafd, conservador e apoiante da antiga monarquia, no qual se concentraram os votos da IM: 6 lugares; dois partidos nasseristas ganharam conjuntamente 6 lugares e o partido liberal 1 lugar. As eleições foram classificadas de fraudulentas por observadores independentes. Mubarak proibiu o acompanhamento de monitores internacionais. Uma organização de juízes conseguiu que Mubarak consentisse a monitorização das diversas fases da eleição, com exclusão de cerca de 2000 juízes considerados «críticos».
As eleições de 2005 representaram um esforço de Mubarak, aconselhado pelo imperialismo, de promover a «estabilidade» na região: perpetuar o status quo que permitia a hegemonia imperialista e o controlo económico do FMI. Como dizia o Economist (9/9/2005) citando uma fonte oficial egípcia ([5]): «a eleição foi apenas um exercício, que o governo nunca teria aceite sem incitamento estrangeiro».
Um aspecto importante do regime era o papel dos militares ([6]). Logo que os «oficiais livres» tomaram o poder imediatamente passaram a controlar em grande parte o aparelho de estado. No tempo de Nasser a percentagem de oficiais em ministérios oscilou entre 32% e 65%. Entre 1952 e 1967 só uma vez um civil teve papel de topo no governo. Isto isolou os «oficiais livres» do resto da população. Por outro lado, ainda durante Nasser, o chefe das forças armadas, Abdel Hakim Amer, converteu-se, ele e outros militares, numa casta isolada onde só eram promovidos os que mostrassem lealdade a Amer. Nasser procurou remover Amer do poder mas não conseguiu. Sadat, apesar de não ter o carisma de Nasser, depois de anos de manobrismo cauteloso, devido à necessidade de remover os oficiais opostos aos acordos de Camp David, colocou no topo das forças armadas homens que lhe eram leais, tais como o vice-presidente Hosni Mubarak e o ministro da defesa Abu Gazala. O esquema de promoções com base da lealdade manteve-se. Com Mubarak, um novo fenómeno, dantes larvar, desabrocha em toda a sua pujança na atracção de lealistas: a concessão de lugares na administração de empresas. Surge assim o chamado Complexo Militar-Industrial-Comercial (CMIC). O CMIC é uma «vasta empresa comercial que tentaculiza cada canto da sociedade egípcia» ([6]) produzindo alimentos (azeite, leite, pão, água mineral), cimento, gasolina, veículos e infra-estruturas. No topo do CMIC estava (e ainda está) o Comando Supremo das Forças Armadas (CSFA) com Mubarak e familiares à cabeça. As empresas militares não pagavam impostos e não sofriam as dificuldades burocráticas que pesavam sobre o sector privado. Muitos terrenos públicos foram transformados em condomínios fechados e instâncias de férias dos militares. As altas patentes usavam os recrutas como mão-de-obra. A cadeia lealista estendia-se até às mais baixas patentes; os suspeitos de crítica, oposicionismo ou de pertencerem a partidos islâmicos, não eram promovidos; eram enviados para as regiões mais inóspitas, nomeadamente no extremo sul do país.
Nos últimos anos do regime de Mubarak era esta a situação económica e social:
·         Segundo a Freedom House, uma NGO dos EUA, Mubarak tinha aumentado dramaticamente em 2005 o número de regulamentos burocráticos e requisitos de registos e outros instrumentos que alimentavam a corrupção (exigência de pagamentos de «luvas»). Tinha também aumentado a diferença de rendimento entre os muito ricos (directores de empresas estatais, bancos, seguros, petróleo, canal do Suez, meios de comunicação, etc.) e os trabalhadores.
·         Em 2011 o Índice de Percepção de Corrupção do Egipto era de 3,1 (índice de 0 a 10, sendo 0 o máximo de corrupção) em 112.º lugar em 174 países.
·         No Egipto a prisão arbitrária sem julgamento e a aplicação de torturas eram coisas comuns. Segundo a Organização Egípcia dos Direitos Humanos, 204 presos morreram devido a torturas entre 1985 e 2004.
·         O Egipto é ainda um país largamente agrícola, embora com forte componente industrial. A contribuição para o PIB dos vários sectores era em 2010 a seguinte: 13,5% para a agricultura, 37,9% para a indústria e 48,6% para os serviços. Uma distribuição comparável à da China (respectivamente, 10,1%, 46,8% e 43,1%) mas muito diferente de Portugal (respectivamente, 2,6%, 23% e 74,5%).
·         No Egipto não existiam sindicatos geridos pelos próprios trabalhadores. Existia, sim, uma Federação Geral de Sindicatos (FGS) ao serviço do regime de Mubarak (os dirigentes eram nomeados pelo regime). Embora legalmente fossem permitidas greves, na prática elas não eram permitidas porque necessitavam da anuência da FGS e essa anuência era sempre impossível de obter. Isto não obstou a que imensas greves espontâneas fossem levadas a cabo, como referimos a seguir.
·         O Egipto seguiu desde os anos oitenta uma política neoliberal imposta pelo FMI. Diminuiu a dívida pública e externa à custa do congelamento dos salários e da diminuição drástica do poder de compra dos trabalhadores. Desde 2003 a inflação manteve-se sempre alta, atingindo níveis bem acima dos 10% nas vésperas da revolução. Para dar uma ideia do baixo poder de compra dos trabalhadores basta referir que a média salarial no sector privado, em 2007, era de 214 LE (LE=Libra Egípcia), e no sector público era de 308 LE. (Nessa altura, 1 LE = 0,125 €. Logo, estamos a falar em salários mensais de 26,75 € e de 38,5 €) Ora, 500 g de pão custavam 6 LE, 12 ovos 11 LE e 1 kg de frango 31 LE ([7]). Nem os quadros técnicos escapavam à penúria: um professor do ensino secundário ganhava, em 2008, cerca de 540 LE; um médico recém-licenciado, 300 LE. Isto quando vários estudos económicos mostravam que 1200 LE seria o mínimo para uma vida decente. Em Setembro de 2011 houve uma greve dos médicos tendo o ministro da saúde prometido para Outubro um aumento para 1000 LE.
·         Em 1984 o salário mínimo era de 35 LE. Passou para 280 LE nas véspera da revolução. Só depois da revolução foi fixado o salário mínimo de 700 LE ([7]).

Taxa de inflação do Egipto. Fonte: Trading Economics.

·         A sociedade egípcia é uma sociedade de fraca classe média; só existem os muito ricos e os muito pobres. Num estudo bastante detalhado de 2007 ([8]) o Banco Mundial analisou a pobreza no Egipto. Uma das principais conclusões é que 45% dos trabalhadores que recebiam salários eram pobres (rendimento de menos de 0,56 euros por dia). No geral, verificava-se, na véspera da revolução, que 19,6% (13,6 milhões) dos egípcios era pobre não conseguindo satisfazer necessidades básicas, 3,8% dos quais (2,6 milhões) extremamente pobres não conseguindo satisfazer necessidades alimentares básicas, mesmo quando gastassem todo o rendimento em comida.
·         O Egipto tem, entretanto, o maior número de bilionários do continente africano, 7 em 40, segundo a revista Forbes.
·         A taxa de desemprego tinha-se mantido da ordem dos 10% entre 2007 e 2011, tendo chegado a 12% em 2006.
·         A taxa de analfabetismo era de 17% nos homens e 40,6% nas mulheres.
A grande oposição ao regime de Mubarak veio dos trabalhadores, que lutaram durante vários anos por melhores condições de vida. Foram particularmente grandiosas as ondas de greves dos anos de 2005 a 2007. A firmeza e tenacidade dos trabalhadores egípcios foram verdadeiramente admiráveis. Vamos apenas cingir-nos aqui à luta dos trabalhadores da fábrica de têxteis Misr, situada em Gazl el-Mahala, que em Setembro de 2007 empregava 27.000 trabalhadores, trabalhando por turnos ([9]). No domingo de 23 de Setembro 10.000 trabalhadores pararam o trabalho em resposta a provocações dos gestores que procuravam voltar atrás em anteriores acordos, alcançados em prévia greve. Exigiram a demissão o director corrupto e seus homens de mão, aumentos de salários e de benefícios e melhores condições de trabalho. A polícia cercou a fábrica e a direcção declarou que fechava a fábrica para férias. Procuraram também enganar os trabalhadores com pequenas promessas. Entre 10 a 15 mil trabalhadores dormiram nessa noite na fábrica.
O regime enviou um representante da Confederação de Sindicatos oficial. As trabalhadoras quase o matavam, sendo salvo pelos dirigentes da greve. Entretanto, outras greves de apoio desencadeiam-se noutras fábricas. Em várias cidades é recolhido dinheiro em apoio aos grevistas. O regime, uma vez falhadas as tentativas de engano, envereda pela repressão e prende cinco dirigentes da greve por sabotagem, incitamento a insurreição e perdas de biliões de libras egípcias. Esta prisão desencadeou ondas de manifestações solidariedade de trabalhadores e estudantes. Os cinco dirigentes acabaram por ser soltos. Os trabalhadores, contudo, não desmobilizaram; mantiveram-se firmes e o regime foi obrigado a ceder e a assinar um acordo que satisfazia todas as reivindicações. De realçar o apoio da população aos grevistas.
Em 2007 e 2008 continuaram as greves e manifestações (150) em vários sectores: «algumas foram violentas e exigiram o envio em força das forças de segurança» ([10]). Por essa época nasceu o movimento opositor Kefaya ("Basta!").
Nos últimos anos a IM tinha também aumentado o número de apoiantes. Representante da burguesia, usa a religião para arrebanhar as camadas politicamente mais atrasadas. Durante os anos oitenta os homens de negócios da IM controlavam 40% das corporações do sector privado ([11]).
Politicamente a IM é de um evidente reaccionarismo: defende um Estado teocrático com a legislação baseada na sharia para os muçulmanos e leis específicas para os crentes de outras religiões; defende o uso do véu para as mulheres; pretende proibir o uso de bebidas alcoólicas para os egípcios; pretende, nas artes e na música, controlar o que é ou não aceitável em termos religiosos; tem uma posição ambígua em relação ao imperialismo, criticando-o em palavras mas aceitando a sua ajuda. A IM criticou sempre as greves dos trabalhadores, actuando algumas vezes como polícias do regime ([7]). Na Economia a IM defende a política de mercado livre, com um forte sector privado e atracção de capitais estrangeiros. Figuras do topo da IM têm interesses em grandes negócios: mobílias, vestuário, construção de autocarros, produtos farmacêuticos, etc. ([12]). Para dar um exemplo, Essam al-Haddad, actual conselheiro do Presidente Morsi e membro do Gabinete de Orientação da IM, com um doutoramento em biologia na Inglaterra, tem (só!) os seguintes cargos: membro do Grupo Árabe de Desenvolvimento, da União das Exposições Árabes, do Forum Internacional de Negócios, da Câmara de Comércio e Indústria Germano-Árabe, da Associação de Negócios Anglo-Egípcia, e da Câmara de Comércio Canadiana. É fundador daInter-Build Egypt” a maior expositora egípcia do sector de construção. Muitas outras figuras de proa do IM são de idêntico calibre, controlando uma larga parte da economia Egípcia ([13]). São estes os «Irmãos» que merecem a confiança dos pobres dos pobres…

[1] Frederik Ohsten, Frank Harper (2011) Nasser and the Arab Revolution, publicado pela International Marxist Tendency. Este artigo aborda todo o período anterior à revolução de 2011. A wikipedia na versão inglesa contém também muita informação de interesse
[2] Um acordo secreto entre a Inglaterra, a França e Israel estabelecia que Israel invadiria o Egipto dando assim um pretexto à intervenção da Inglaterra e da França. Assim foi feito. Nasser recusou um ultimato para cessar as hostilidades; hostilidades que não tinham iniciado! Os EUA, URSS e ONU condenaram a acções militar anglo-francesa, com a URSS a ameaçar intervir a favor de Nasser. Os EUA não tinham interesse em ver uma acção imperialista anglo-francesa subsidiada com fundos seus (plano Marshall) e ocupando o espaço que os próprios EUA desejavam ocupar.
[3] Depois da derrota da «guerra dos seis dias» Nasser apelou a uma maior participação da religião na vida da sociedade. Incentivou programas de religião na TV, o uso de barbas e de véus islâmicos. O clima de incentivo à religião foi de tal ordem que até consagrados escritores materialistas se converteram de repente ao islamismo e incensaram os seus benefícios!
[4] Mubarak não era prezado pelos seus dotes de inteligência. Era apelidado pelo povo por «la vache qui rit» (marca de queijo conhecida no Egipto) pela sua estupidez algo bovina. Tinha, contudo, a dose adequada de esperteza saloia que lhe permitiu manobrar e granjear uma entourage dedicada.
 [5] citado na Wikipedia, versão inglesa.
 [6] Ahmed Hashim (2011) The Egyptian Military – Part I. Middle East Policy, vol. 18, 3:63-78. This study, the first of two parts, is a short version of a book-length manuscript –Guardians of the State: The Political Roles of the Egyptian Military from Revolution to Revolution– that is due for publication at the end of 2011.
[7] Hamid Alizadeh, Frederik Ohsten (2010) Egypt: The Gathering storm. International Marxist Tendency. Estes números podem ser confirmados noutras fontes.
[8] Arab Republic of Egypt: Poverty Assessment Update. World Bank, report no. 39885 EGT, Setembro de 2007.
[9] Frederik Ohsten, Francesco Merli (2007) Egypt: The victory of Mahalla workers exposes the weakness of Mubarak's regime. International Marxist Tendency.
[10] Ver: wikipedia; Tarek Osman (2010) Egypt on the Brink, Yale University Press.
[11] Alan Woods (2011), Egyptian workers take the lead, International Marxist Tendency.
[12] Factbox - Policies of Freedom and Justice Party of Egypt’s Muslim Brotherhood, by Reuters Staff December 5, 2011.
[13] Ver: Eric Trager, Katie Kiraly, Cooper Klose, and Eliot Calhoun, Who's Who in Egypt's Muslim Brotherhood. Washington Institute monographs and Special Studies. Setembro 2012; Ahram (jornal egípcio) online, Brotherhood business heads enter spotlight, Março 2012; http://www.pearltrees.com/#/N-u=1_146917&N-p=51659105&N-s=1_5501956&N-f=1_5501956&N-fa=1556413.