sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

A Economia convencional: uma pseudociência (VIIc)


Steve Keen (economista keynesiano como já referimos em artigos anteriores; ver nomeadamente a Parte I) faz uma breve apresentação no seu livro de abordagens mais recentes ao comportamento dos mercados bolsistas; abordagens que modelam de forma mais realista o comportamento dinâmico dos mercados, fornecendo resultados de acordo com os dados empíricos. É particularmente importante, neste aspecto, a nova área da Econofísica que se inspira em métodos da Física no tratamento de problemas económicos.
Diz Steve Keen que: «[...] durante muito tempo os neoclássicos se gabavam de que só eles usavam matemática na Economia. Na realidade, as coisas não são actualmente assim; as novas abordagens da economia necessitam de mais matemática, não de menos. O mal da economia neoclássica não é matemática; é, sim, o mau uso de matemática.»
Dizemos nós: Sim, a matemática é uma boa coisa e a corrente marxista da Economia também usa cada vez mais matemática. Mas, atenção! A matemática não é tudo. Não há matemática que salve uma teoria que assenta em premissas erradas (aquilo que os físicos designam por «condições do problema»).
*   *   *

Na explicação das causas de crises económicas graves, como a Grande Depressão americana dos anos trinta e a Grande Recessão de 2007-2008, os economistas neoliberais (os mais «liberais» dos neoclássicos) recorrem constantemente à ideia de insuficiência da massa monetária em circulação. Esta explicação provém da teoria monetarista de Milton Friedman e foi totalmente adoptada por Ben Bernanke, presidente do Banco Federal de Reserva americano (o banco central dos EUA). A ideia, expressa por Ben Bernanke relativamente à Grande Depressão, é a seguinte: «A Grande Depressão foi despoletada pela Reserva Federal, por esta reduzir a oferta de base monetária dos EUA entre Junho de 1928 e Junho de 1931».
Bernanke referia-se àquilo que os economistas designam como o agregado monetário M0: todo o numerário em circulação num país (emitido pelo banco central) mais as reservas que os bancos depositam no banco central. Efectivamente, o agregado M0 decresceu nominalmente entre Março de 1928 e Maio de 1929 a uma taxa anual média de 1%. Tendo em conta a inflação o decréscimo médio foi de apenas 0,5%. Ora, o M0 também decresceu e ainda mais noutras épocas sem causar recessões graves!
Além disso, se a descida de M0 fosse a causa da Grande Depressão (e causa principal, segundo Bernanke), então, no período de 1928 a 1940, ter-se-ia verificado uma correlação negativa entre M0 e a taxa de desemprego (em termos médios, quando M0 descesse o desemprego devia aumentar e vice-versa); ora, pelo contrário, a correlação é positiva. Mais: uma análise detalhada mostra que ao invés de ser a descida de M0 que leva ao desemprego é, pelo contrário, o desemprego que leva à descida de M0. Steve Keen descreve em pormenor estes e outros factos que desmentem cabalmente a «teoria» de Ben Bernanke. Mas o desmentido mais cabal estava para vir: é que Ben Bernanke esqueceu a sua «receita» aquando da Grande Recessão de 2007-2008.
Em 2002 Bernanke homenageava assim o seu mestre Milton Friedman: «Permitam-me acabar o meu discurso abusando algo do meu estatuto de representante oficial da Reserva Federal. Gostaria de dizer a Milton e Ana: Quanto à Grande Depressão. Vocês tinham razão, conseguimos. Nós estávamos pesarosos [pelo que a Reserva Federal fez: a diminuição de M0]. Mas, graças a vós, não faremos isso de novo.».
Na realidade, Ben Bernanke pouco aumentou o agregado M0 antes de eclodir a Grande Recessão, conforme se vê na figura abaixo. Esteve sempre longe de imaginar que ela iria ocorrer (ver n/ artigo «A Crise do Euro. Parte II»).


Contudo, mal ela ocorreu e fiel à sua teoria, desatou a imprimir dólares a um ritmo desmedido (ver figura): duplicou a base monetária em apenas 5 meses! Quando tirou o pé do acelerador de M0 em 2010 a base monetária tinha subido de 850 biliões de dólares para 2,15 triliões! Na realidade, a base monetária tem continuado a subir no âmbito do programa «quantitative easing». (Ben Bernanke é conhecido por muitos economistas por «o helicóptero Ben», por seguir Milton Friedman que advogava lançar dinheiro de helicóptero para combater a deflação de Grande Depressão; a subida espantosa da base monetária americana pode, de facto, ser comparada ao lançamento de helicóptero de montões de dinheiro.) Obama, aconselhado por economistas como Bernanke, disse o seguinte aquando da investidura como presidente dos EUA: «E embora haja muitos americanos que compreensivelmente pensam que o dinheiro do governo seria melhor gasto indo directamente para as famílias e empresas em vez dos bancos ¾ 'onde está o resgate?' perguntam eles ¾ a verdade é que um dólar de capital num banco pode de facto resultar em oito ou dez dólares de empréstimos às famílias e empresas, um efeito multiplicador que por fim pode conduzir a um mais rápido crescimento da economia.» [itálico nosso].
Na realidade nada disso aconteceu. Os 8 ou 10 dólares para as famílias e empresas por cada dólar de resgate aos bancos não ocorreram.
Abordaremos este efeito «multiplicador de dinheiro» no próximo e último artigo.