Steve Keen (economista keynesiano como já
referimos em artigos anteriores; ver nomeadamente a Parte I) faz uma breve
apresentação no seu livro de abordagens mais recentes ao comportamento dos
mercados bolsistas; abordagens que modelam de forma mais realista o
comportamento dinâmico dos mercados, fornecendo resultados de acordo com os
dados empíricos. É particularmente importante, neste aspecto, a nova área da
Econofísica que se inspira em métodos da Física no tratamento de problemas
económicos.
Diz Steve Keen que: «[...] durante muito tempo os
neoclássicos se gabavam de que só eles usavam matemática na Economia. Na
realidade, as coisas não são actualmente assim; as novas abordagens da economia
necessitam de mais matemática, não de menos. O mal da economia neoclássica não
é matemática; é, sim, o mau uso de matemática.»
Dizemos nós: Sim, a matemática é uma boa coisa e a corrente marxista da Economia
também usa cada vez mais matemática. Mas, atenção! A matemática não é tudo.
Não há matemática que salve uma teoria que assenta em premissas erradas (aquilo
que os físicos designam por «condições do problema»).
* * *
Na explicação das causas de crises económicas
graves, como a Grande Depressão americana dos anos trinta e a Grande Recessão
de 2007-2008, os economistas neoliberais (os mais «liberais» dos neoclássicos) recorrem
constantemente à ideia de insuficiência da massa monetária em circulação. Esta
explicação provém da teoria monetarista de Milton Friedman e foi totalmente
adoptada por Ben Bernanke, presidente do Banco Federal de Reserva americano (o
banco central dos EUA). A ideia, expressa por Ben Bernanke relativamente à
Grande Depressão, é a seguinte: «A Grande Depressão foi despoletada pela
Reserva Federal, por esta reduzir a oferta de base monetária dos EUA entre Junho
de 1928 e Junho de 1931».
Bernanke referia-se àquilo que os economistas
designam como o agregado monetário M0:
todo o numerário em circulação num país (emitido pelo banco central) mais as
reservas que os bancos depositam no banco central. Efectivamente, o agregado M0
decresceu nominalmente entre Março de 1928 e Maio de 1929 a uma taxa anual
média de 1%. Tendo em conta a inflação o decréscimo médio foi de apenas 0,5%. Ora, o M0 também decresceu e ainda mais
noutras épocas sem causar recessões graves!
Além disso, se a descida de M0 fosse a causa
da Grande Depressão (e causa principal, segundo Bernanke), então, no período de
1928 a 1940, ter-se-ia verificado uma correlação negativa entre M0 e a taxa de
desemprego (em termos médios, quando M0 descesse o desemprego devia aumentar e
vice-versa); ora, pelo contrário, a
correlação é positiva. Mais: uma análise detalhada mostra que ao invés de
ser a descida de M0 que leva ao desemprego é, pelo contrário, o desemprego que
leva à descida de M0. Steve Keen descreve em pormenor estes e outros factos que
desmentem cabalmente a «teoria» de Ben Bernanke. Mas o desmentido mais cabal
estava para vir: é que Ben Bernanke esqueceu a sua «receita» aquando da Grande
Recessão de 2007-2008.
Em 2002 Bernanke homenageava assim o seu
mestre Milton Friedman: «Permitam-me acabar o meu discurso abusando algo do meu
estatuto de representante oficial da Reserva Federal. Gostaria de dizer a
Milton e Ana: Quanto à Grande Depressão. Vocês tinham razão, conseguimos. Nós
estávamos pesarosos [pelo que a Reserva Federal fez: a diminuição de M0]. Mas,
graças a vós, não faremos isso de novo.».
Na realidade, Ben Bernanke pouco aumentou o
agregado M0 antes de eclodir a Grande Recessão, conforme se vê na figura
abaixo. Esteve sempre longe de imaginar que ela iria ocorrer (ver n/ artigo «A
Crise do Euro. Parte II»).
Contudo, mal ela ocorreu e fiel à sua teoria,
desatou a imprimir dólares a um ritmo desmedido (ver figura): duplicou a base monetária em apenas 5
meses! Quando tirou o pé do acelerador de M0 em 2010 a base monetária tinha
subido de 850 biliões de dólares para 2,15 triliões! Na realidade, a base
monetária tem continuado a subir no âmbito do programa «quantitative easing». (Ben Bernanke é conhecido por muitos
economistas por «o helicóptero Ben», por seguir Milton Friedman que advogava
lançar dinheiro de helicóptero para combater a deflação de Grande Depressão; a
subida espantosa da base monetária americana pode, de facto, ser comparada ao
lançamento de helicóptero de montões de dinheiro.) Obama, aconselhado por
economistas como Bernanke, disse o seguinte aquando da investidura como
presidente dos EUA: «E embora haja muitos americanos que compreensivelmente
pensam que o dinheiro do governo seria melhor gasto indo directamente para as
famílias e empresas em vez dos bancos ¾ 'onde está
o resgate?' perguntam eles ¾ a verdade é
que um dólar de capital num banco pode de facto resultar em oito ou dez dólares
de empréstimos às famílias e empresas, um efeito
multiplicador que por fim pode conduzir a um mais rápido crescimento da
economia.» [itálico nosso].
Na realidade nada disso aconteceu. Os 8 ou 10
dólares para as famílias e empresas por cada dólar de resgate aos bancos não
ocorreram.
Abordaremos este efeito «multiplicador de
dinheiro» no próximo e último artigo.