A UE é – e
sempre foi desde a sua origem -- um organismo supranacional de gestão e
compatibilização dos interesses dos monopólios europeus. São os interesses
dos monopólios que determinam as directivas económico-financeiras, as
alegadas políticas “sociais”, os fundos de vários tipos, incluindo os ditos
de “coesão” – numa UE onde a coesão é cada vez menor --, e regulamentos em
várias áreas. O Tribunal da UE e o BCE, instrumentos de coerção da UE, estão
também submetidos aos interesses dos monopólios.
Nas cúpulas da
UE – isto é, os comissários da CE, as lideranças do Tribunal da UE e do BCE e
de outras organizações menores e dependentes – encontram-se os testas-de-ferro
dos monopólios europeus. Esses testas-de-ferro operam articuladamente com os
chefões dos monopólios, em especial com os chefões do capital financeiro.
Esses
funcionários de cúpula, não eleitos e não prestando contas a ninguém – a não
ser, naturalmente, aos chefões dos monopólios – impõem como têm de viver os
muito milhões, a esmagadora maioria, das populações trabalhadoras europeias.
Isto é, para as massas trabalhadoras a UE é uma ditadura.
A “democracia”
da UE é só democracia para a grande burguesia monopolista e seus
serventuários, que encontram nas cúpulas da UE as arenas onde “democraticamente”
defendem e procuram compatibilizar os seus interesses. É certo que existem
eleições para o parlamento europeu (PE), mas as populações estão afastadas e
na ignorância do que lá se passa e mais do que isso: esse parlamento não
manda nada.
Dado ser uma
ditadura dos monopólios a UE é irreformável num sentido democrático para as
massas populares.
O PE é
meramente uma máscara “democrática” destinada a anestesiar a opinião pública,
a percepção das massas trabalhadoras. A única utilidade que a esquerda
consequente pode encontrar no PE é usá-lo para arrancar as massas
trabalhadoras da anestesia; paradenunciar publicamente todas as manobras
anti-democráticas, fascizantes, de infracção de direitos, da deriva
militarista, da reescrita da História, e das políticas anti-povo, que são
prática sistemática dos serventuários da ditadura do supranacional capitalismo
monopolista de estado da UE.
Um trabalho de interesse sobre este tema é: The EU, Brexit and class politics de Robert Griffiths, Secretário-Geral do
Partido Comunista da Grã-Bretanha. Apresentamos a seguir a tradução das cinco
primeiras secções deste trabalho que são as de interesse mais geral. (As
outras tratam da questão específica do Brexit.) O trabalho original encontra-se
aqui.
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The EU is
-- and has always been since its inception -- a supranational organization
for managing and harmonising the interests of European monopolies. It is the
interests of the monopolies which determine the economic and financial
directives, the alleged "social" policies, the various types of
funds, including the so-called "cohesion" funds -- in an EU where
cohesion is less and less – and regulations in several areas. The EU Court
and the ECB, EU instruments of coercion, are also subject to the interests of
monopolies.
At the EU
top – i.e. EC Commissioners, leaderships of the EU Court and the ECB and of other
lesser and dependent bodies -- stand the fronts of the European monopolies.
These fronts operate in co-ordination with the big bosses of the monopolies,
especially with the big bosses of financial capital.
These
unelected and unaccountable officials -- except, of course, with respect to the
monopolist big bosses -- enforce upon the many millions, upon the
overwhelming majority of the European working populations how they are
compelled to live. Therefore, the EU is a dictatorship for the masses of
workers.
The
"democracy" of the EU is only democracy for the monopolist big
bourgeoisie and their servants, which finds in the EU heights the arenas
where they “democratically” defend and seek the co-ordination of their
interests. It is true that there are elections for the European Parliament
(EP), but the people are far away and in ignorance of what goes on there. Furthermore,
this parliament does not rule anything at all.
Since it
is a dictatorship of the monopolies the EU is unreformable in a democratic
sense for the popular masses.
The EP is
merely a “democratic” mask destined to anaesthetise the public opinion, the perception
of the masses of workers. The only utility that the consequent left can find
in the EP is by using it to awake the working masses out of the anaesthesia;
by publicly denouncing all its anti-democratic, pro-fascist manoeuvres, the
infringement of rights, the militarist trend, the rewriting of history, and
the anti-people policies, which are systematic practice of the servants of
the dictatorship of the EU supranational state's monopoly capitalism.
A work of
interest on this theme is: The EU,
Brexit and class politics by Robert Griffiths, General Secretary of the Communist Party of Britain. This work can be found here.
(We present below the translation into Portuguese of the first five sections
of this work which are those of more general interest. The other ones deal
with the specific issue of the Brexit.)
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A UE, Brexit e política de
classe
Robert Griffiths
(Fevereiro de 2018)
A Guerra
Fria nas Origens da União Europeia
Adesão da
Grã-Bretanha às Comunidades Europeias
Uma Crónica
dos Tratados da UE
O Carácter
de Classe da UE
Crise
Financeira e 'Troika”
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A Guerra Fria nas Origens da União
Europeia
Até meados da década de 1980, a maior parte do movimento trabalhista e da
esquerda na Grã-Bretanha opunha-se à adesão à Comunidade Económica Europeia
(CEE) ou "Mercado Comum", o precursor da União Europeia (UE). A
esquerda via a CEE como anti-democrática, anti-classe trabalhadora e projectada
para servir os interesses das grandes empresas, bloqueando o caminho para o
socialismo.
A análise da
maior parte da esquerda trabalhista, dos principais sindicatos e do Partido Comunista
erra que a CEE surgira como um projecto anti-socialista no início da Guerra
Fria, na segunda metade da década de 1940.
O primeiro
componente da UE -- a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA) -- foi
criado em 1951. Tinha como finalidade coordenar o renascimento dos monopólios
industriais pré-guerra da França, Alemanha, Bélgica e Luxemburgo num mercado
interno sujeito a altas barreiras tarifárias. Com o tempo, essas corporações
gigantes poderiam novamente competir contra os monopólios do carvão e do aço
dos EUA.
Hoje esquece-se frequentemente
que a CECA se destinava principalmente a construir e fortalecer a base económica
de uns Estados Unidos da Europa capitalistas com as suas próprias dimensões
políticas e militares; uma união para deter o avanço do socialismo e a esquerda
não só na Europa Oriental, mas também na Europa Ocidental, onde os partidos
comunistas tinham emergido da Segunda Guerra Mundial imensamente reforçados
pelo seu papel na resistência antifascista na França, Bélgica, Holanda,
Luxemburgo e Itália.
Lenine previu
essa possibilidade em meados da guerra imperialista de 1914-1918. Também viu a
contradição no âmago de tal projecto. Os monopólios capitalistas de cada país
exercem o poder político através do seu próprio Estado nacional ou -- no caso da
Grã-Bretanha -- multinacional. O poder do Estado serve os interesses comuns
destas corporações monopolistas, desde logo na competição contra os
capitalistas e estados de outros países
No entanto,
embora essa contradição [da competição] não possa ser abolida, ela pode ser
moderada quando as classes capitalistas das potências imperialistas rivais
compartilham um objectivo comum. Conforme Lenine expressou no seu artigo "Acerca
do slogan dos Estados Unidos da Europa" (1915):
Do ponto de vista das condições económicas do
imperialismo -- isto é, da exportação de capitais e da divisão do mundo pelas
potências coloniais "avançadas" e "civilizadas" -- os
Estados Unidos da Europa, sob o capitalismo, são ou impossíveis ou reaccionários
... Claro, acordos temporários são possíveis
entre capitalistas e entre estados. Nesse sentido, uns Estados Unidos da Europa
são possíveis como acordo entre capitalistas europeus, mas para que fim? Apenas com a finalidade de, em
conjunto, suprimir o socialismo na Europa; de, em conjunto, proteger o saque
colonial contra o Japão e a América.
Mesmo antes da
CECA, a maioria dos seus estados membros fundadores (excepto a Alemanha
Ocidental) tinha inaugurado a OTAN em 1949, sob o domínio dos EUA. Logo depois,
políticos franceses de direita avançaram propostas para formar uma Comunidade
Europeia de Defesa. De acordo com isso, os seis Estados da CECA, incluindo a
Alemanha Ocidental, assinaram o Tratado de Paris em 1952. Os mesmos países
elaboraram planos para uma Comunidade Política Europeia. Porém, os deputados franceses
comunistas e gaullistas rejeitaram em Agosto de 1954 o tratado da Comunidade
Europeia de Defesa e logo depois o projecto da Comunidade Política entrou em
colapso.
A Alemanha
Ocidental foi rearmada e admitida na OTAN em 1955, o que provocou a União
Soviética e seus aliados europeus a formar o Pacto de Varsóvia.
Após a derrota dos
seus planos de união militar e política da Europa Ocidental em 1954, os
partidos de direita e social-democratas decidiram concentrar-se na criação da Comunidade
Económica Europeia (CEE). Mas nunca desistiram do grande projecto original de
construção de uns Estados Unidos da Europa capitalistas e militaristas.
A CEE foi fundada
em 1957 pelo Tratado de Roma, com os seus princípios fundamentalistas exigindo
a «livre circulação» do capital, bens e serviços e do trabalho através de um
mercado comum europeu. Barreiras tarifárias elevadas limitariam as importações para
o Mercado Comum de economias rivais, com excepção de alimentos e
matérias-primas específicas de antigas colónias e semi-colónias europeias.
Na mesma altura,
em 1957, os Estados da CECA e da CEE instituíram a Comunidade Europeia da
Energia Atómica ("Euratom") para desenvolver a energia nuclear. Embora
tenha sido alegado que seria um projecto para produzir energia mais limpa,
segura e barata para os civis, sabemos agora que era principalmente para
produzir urânio enriquecido e plutónio para armas nucleares.
Estes três
organismos [CECA, CEE, Euratom] vieram a juntar-se em 1965 nas Comunidades
Europeias (CE).
Adesão da Grã-Bretanha às Comunidades Europeias
O governo Tory
[Conservador] de Edward Heath levou a Grã-Bretanha a entrar na CE em 1973 sem
referendo (ao contrário da Irlanda e da Dinamarca -- ou da Noruega, que
rejeitou a entrada). O Partido Trabalhista, juntamente com a maioria dos
sindicatos, opôs-se à união da Grã-Bretanha, e por isso o governo trabalhista
de Harold Wilson venceu duas eleições em 1974 com promessas num manifesto de renegociar
a adesão à CE e colocar a questão para o povo decidir.
Na campanha do
referendo de 1975, a TUC [Trades Union
Congress, confederação sindical], a maioria dos sindicatos, a esquerda
trabalhista e o Partido Comunista apelaram aos eleitores que rejeitassem a CE por
ser um "clube dos patrões". Para o Plaid Cymru [partido nacional de
Gales] e o SNP [partido nacional escocês], em particular, a CE era um aparelho
centralista não democrático em que o País de Gales e a Escócia seriam
marginalizados. Wilson e a maioria de seu gabinete juntou-se aos conservadores,
liberais, grandes empresas e à imprensa de direita para fazer campanha para
votar por ficar [na CE], e ganharam.
Nos dez anos
seguintes, materializaram-se muitos dos temores sobre a adesão à CE. As
importações irrestritas desempenharam um papel importante no enfraquecimento das
indústrias e dos empregos, enquanto o levantamento dos controlos de capital
pelo governo de Margaret Thatcher, em 1979, agravou a crise do sub-investimento
interno.
No geral, entre
1973 e 2007 (na véspera do crash e da
recessão), a contribuição da indústria da Grã-Bretanha para o seu resultado
económico caiu para quase metade, para 19%
a preços constantes (e apenas 12% se a inflação extra no sector de
serviços for tomada em conta). O número de empregos na indústria caiu de 7,4
milhões para 3 milhões. Foi de longe a mais acentuada descida de todas as
economias capitalistas do G7. Tendo tido um superávit comercial ao longo da
maioria dos anos de 1950 e 1960, o défice comercial da Grã-Bretanha com o resto
da Europa aumentou desde que se juntou à CE, de £ 2 mil milhões em 1974 para £
82 mil milhões em 2016.
As políticas
regionais mais eficazes da Grã-Bretanha, que restringiam o desenvolvimento de actividades
industriais e administrativas nas áreas mais prósperas, direccionando o capital
para as mais carenciadas, foram desmanteladas em conformidade com os princípios
da "livre circulação" da CE.
O sistema
britânico de apoio agrícola introduzido pelo governo do Partido Trabalhista no pós-guerra,
baseado em subsídios à produção e investimento foi desmantelado, empobrecendo
muitos pequenos agricultores e suas comunidades locais. Em vez disso, a Política
Agrícola Comum da CE comprou produtos agrícolas "excedentários" e
armazenou-os ou destruiu-os, o que, juntamente com as altas tarifas contra as
importações da Comunidade Britânica, levou a preços mais altos nas lojas.
Por outro lado, receberam
acesso preferencial as importações agrícolas e de minérios das colónias britânicas
e de outros países europeus na África, Caribe e Pacífico, mantendo-as no seu
papel subserviente como produtores primários super-explorados, enquanto os bens
manufacturados de países em desenvolvimento foram mantidos de fora.
A Comissão da UE
e o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE) vieram até a dissolver,
através do governo Tory em 1994, o Milk
Council Board [Administração da Junta do Leite], deixando os agricultores e
consumidores de lacticínios à mercê dos gigantes dos supermercados.
A adopção do
Imposto sobre Valor Acrescentado (IVA) foi outra condição para ingressar na CE.
Os preços no consumidor aumentaram à medida que o IVA foi alargado a mais bens
e serviços e as taxas do IVA aumentadas.
Não surpreende,
portanto, que o apoio público da Grã-Bretanha à adesão à CE tenha diminuído nos
anos após a entrada em 1973. Todavia, paradoxalmente, a oposição à CE no
movimento trabalhista britânico esboroou-se em meados da década de 1980.
Esta reviravolta
ocorreu no contexto da derrota, recuo e desmoralização quando, na sequência das
vitórias dos Tories de Thatcher nas eleições gerais de 1979, 1983 e 1987, foram
privatizados os serviços públicos, reduzidos os impostos para os ricos e
grandes empresas, dominadas as greves dos trabalhadores das siderurgias, dos mineiros,
professores e tipógrafos e introduzida uma barragem de leis anti-sindicais.
Foi argumentado
pelos media e comentaristas
eleitorais -- e mesmo por alguns até então intelectuais de esquerda -- que
nunca mais haveria um governo de maioria trabalhista na Grã-Bretanha. Era
impossível -- assim alegaram eles -- não apenas politicamente, mas também aritmeticamente.
O chamado "thatcherismo" era quase invencível e, diziam-nos, só
poderia ser posto em xeque por uma aliança eleitoral entre os trabalhistas com os
ferrenhos liberais pró-CE e o Partido Social-Democrata (uma organização pró-CE,
pró-OTAN e anti-socialista que saiu do Partido Trabalhista em 1981).
Enquanto muitos
líderes e activistas sindicais rejeitaram qualquer aliança eleitoral, começaram
a olhar para a CE e a sua perspectiva de "Europa Social" como a única
possível, uma alternativa progressiva face ao governo Tory. O Presidente da
Comissão Europeia Jacques Delors (que tinha sido um político de direita do
Partido Socialista da França) disse aos delegados da Conferência da TUC em
Bournemouth em 1988 que os sindicatos britânicos tinham na CE e na sua Comissão
Europeia um firme aliado.
A maioria dos
sindicatos caiu nas lisonjas de Delors, apesar da sua prometida dimensão da "Europa
Social” de um "Mercado Único" europeu não ter valido o papel em que foi
escrita. O sindicato dos trabalhadores dos governos locais, NALGO, o sindicato
dos trabalhadores dos transportes (Transport & General) e alguns sindicatos
menores permaneceram cépticos, mas não puderam impedir a TUC e o partido
trabalhista de aderir à UE (como veio a ser chamada a CE em 1993).
Contudo, até
mesmo antes da conversão do movimento trabalhista britânico em 1988, o carácter
de classe capitalista da UE estava a tornar-se mais claro.
Foi por isso que a
primeiro-ministro Thatcher defendeu o Acto Único Europeu (AUE) em 1986, que
definiu os passos concretos para a União Económica e Monetária (UEM), um
mercado interno único europeu e o desenvolvimento de uma política externa comum
da UE. O AUE também acabou com o direito de veto dos Estados membros em áreas
de tomada de decisões da UE, prometendo políticas para promover o
desenvolvimento regional, o meio ambiente, a saúde e a segurança no trabalho.
Thatcher, ao
mesmo tempo que entendia que qualquer chamada "Europa Social" entregaria
muito pouco aos trabalhadores e suas famílias, considerava as menores concessões
sociais como indesejáveis e desnecessárias. Ao contrário de muitos políticos
conservadores e cristão-democratas da França, Alemanha e Itália, a sua
abordagem às relações de trabalho, sindicalismo e política social era mais de
confronto de classes do que de colaboração de classes.
Thatcher também
não percebeu todas as implicações para a soberania da Grã-Bretanha da tomada de
decisão centralizada da UE e o compromisso do AUE com uma "união sempre
mais forte". Só quando a agenda de Delors para os Estados Unidos da Europa
se tornou mais clara, expressou as suas preocupações em Bruges, poucas semanas
depois da sua aparição na TUC e do seu "Não! não! Não!” no discurso nos
Comuns em Outubro de 1990. Poucas semanas depois, foi expulsa do 10 de Downing Street
por insistência dos rivais conservadores pró-UE e dos doadores do mundo de negócios
para os conservadores pró-UE.
Estes acreditavam
que o tipo de União Europeia previsto sob o AUE poderia resolver a contradição
principal levantada pelo sufrágio universal -- entre a democracia e o
capitalismo monopolista. A massa de eleitores da classe trabalhadora poderia
votar por reformas radicais do capitalismo -- talvez até pelo socialismo.
A "solução" da UE é transferir os
poderes de decisão política, económicos, financeiros e sociais, para o topo,
dos parlamentos e governos nacionais democraticamente eleitos para o nível da
UE. Lá, a Comissão Europeia, não eleita, pode elaborar e policiar as políticas impostas
pelo Tribunal de Justiça da UE e consagradas pelos tratados e directivas da UE.
O Parlamento Europeu, em grande parte sem poder, constituído por deputados que
representam vastos círculos eleitorais sem ligação orgânica com os eleitores, cobre
de um falso verniz democrático tais arranjos.
Em 1990, apoiado
por deputados trabalhistas pró-UE, o primeiro-ministro conservador John Major integrou
a Grã-Bretanha no Mecanismo Europeu de Taxas de Câmbio (MTC), como um passo em
direcção à UEM. Isso atrelou a libra super-valorizada ao marco alemão, forçando
a subida das taxas de juros e dos preços de exportação britânicos e destruindo em
consequência um milhão de empregos industriais. Só depois da Grã-Bretanha ter saído
da UEM na "Quarta Negra" de 1992, é que as taxas de juros caíram, a
libra esterlina se desvalorizou e se iniciou uma recuperação económica.
Foi nessa altura,
quando o bilionário pró-UE George Soros e outros especuladores com taxas de
câmbio revelaram a insensatez de Thatcher que esta se voltou contra todo o
projecto da UE. Thatcher temia a perda da soberania britânica e do
"relacionamento especial" do imperialismo britânico com o
imperialismo norte-americano, que só este pode militarmente proteger os
interesses mundiais do capitalismo britânico.
Uma Crónica dos Tratados da UE
O Tratado de
Maastricht de 1992 aprofundou as preocupações dos Tory, embora Major tenha conseguido
assegurar a opção de desistência britânica da união monetária e do seu débil
"Capítulo Social". O Tratado comprometeu os Estados-Membros da UE
empenhados não só à UEM e a uma moeda única europeia (o «Euro»), mas também a
políticas monetaristas rigorosas, uma “economia de mercado competitiva”, uma
Política Externa e de Segurança Comum e uma cooperação militar mais estreita. O
Banco Central Europeu (BCE) seria estabelecido para gerir o “euro”, controlar
os bancos centrais dos estados-membros da zona do euro e para ajudar a impor
políticas monetaristas. O BCE seria independente de quaisquer órgãos eleitos a
nível nacional ou europeu.
Assim, o Tratado
de Maastricht acelerou o desenvolvimento do capitalismo monopolista de estado a
nível europeu, construindo um aparelho de estado embrionário da UE cujo poder
político -- e depois militar -- pudesse articular com o poder económico dos monopólios
capitalistas da Europa. Por estas razões, o Partido Comunista, Tony Benn, Dennis
Skinner e outros da esquerda pediram a rejeição do tratado num referendo.
Embora o Partido
Trabalhista se tenha oposto à opção de desistência do Capítulo Social,
recusou-se a pedir um referendo sobre Maastricht. Na Dinamarca, os eleitores
rejeitaram o tratado, antes de o aprovar na segunda vez com opções de
desistência. Na França, o Partido Comunista liderou uma campanha de referendo
que quase derrotou o Tratado de Maastricht.
O Tratado de
Amesterdão de 1997 da UE incluía um notório "Pacto de Estabilidade e
Crescimento". Este exigia limites para défices fiscais do governo e da dívida,
respectivamente de 3% e 60% do PIB, para todos os estados membros da UE. Como
resultado, todos os governos têm de submeter um “Programa de Convergência”
anual à Comissão da UE, indicando como vão implementar uma estratégia de
redução de défices para alcançar orçamentos equilibrados ou excedentários.
Em 2001 o Tratado
de Nice reformou as estruturas e procedimentos dos principais órgãos
decisórios. Quando o povo da República da Irlanda votou a favor de rejeitar a transferência
para a UE da sua soberania nacional duramente conquistada, foi realizado um
segundo referendo para assegurar o seu consentimento.
Em 2004, um
projecto de Constituição Europeia consagrou novos e enormes poderes nas mãos da
Comissão Europeia e do BCE, proibiu os bancos centrais dos Estados membros de emissão
de obrigações para financiar o investimento do sector público, proibiu o
auxílio estatal às indústrias em quase todas as circunstâncias, alinhou com a OTAN
a futura política externa e de segurança comum da UE e criou novas estruturas
para acelerar o rearmamento e a coordenação militar.
Depois que os
povos da França e da Holanda rejeitaram o projecto de Constituição em referendos,
foram canceladas as consultas na Grã-Bretanha e noutros países.
Um documento
quase idêntico foi então reintroduzido em 2007 como Tratado Constitucional (ou
"de Lisboa"). Mais uma vez, o povo irlandês rejeitou um tratado da UE
e foi considerado que votaram erradamente, obrigando-os, com base em várias
ameaças e promessas, a chegar à resposta correcta numa segunda consulta. Nenhum
outro estado membro permitiu aos seus cidadãos votarem antes de ratificar o
Tratado de Lisboa, incluindo a Grã-Bretanha, onde o governo de Tony Blair do Novo
Trabalhismo tinha prometido realizar um referendo sobre quaisquer grandes reformas.
A longa saga dos
tratados da UE impostos a populações relutantes ilustra um desprezo pela
democracia que permeia todo o projecto da UE.
Este desprezo
reflecte-se também nos enormes poderes da Comissão Europeia, consagrados nos
dois tratados básicos da UE, corrigidos pelo Tratado de Lisboa; a saber, o
Tratado de Roma sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) e o Tratado de
Maastricht sobre a União Europeia (o TUE).
A Comissão da UE
goza agora do direito exclusivo de elaborar quase todas as propostas (TFUE
17.2); pode até recusar-se a fazê-lo em qualquer assunto específico solicitado pelo
Parlamento Europeu (TFUE 225), o qual não tem esse poder. Além disso, os
Comissários podem dirigir-se ao parlamento sempre que o peçam (TFUE 230) e até
mesmo negar permissão para criar uma comissão de inquérito.
Seria esta
situação tolerada em qualquer país que afirma ser uma democracia? Que o serviço
civil se possa recusar a elaborar um projecto de lei parlamentar quando
solicitado a fazê-lo pelos representantes eleitos!? Que os altos funcionários
públicos têm o direito de se dirigir ao Parlamento eleito sempre que o peçam!?
Esta contradição
entre o poder burocrático da UE e a democracia representativa não pode ser
resolvida, porque o Parlamento da UE não é democrático, a não ser num sentido
puramente formal. Com um deputado para meio milhão ou mais de votantes, a
representação está numa escala muito grande para ser significativa. Não é
possível haver uma ligação estreita entre eleitores e eleitos -- e é por isso
que a maioria dos eleitores da Grã-Bretanha e resto da UE não tem a menor ideia
de quem os representa na festa móvel que é o Parlamento da UE, alternando
dispendiosamente entre Bruxelas e Estrasburgo.
Além disso, sem
inverter totalmente os dois tratados básicos da UE, qualquer tentativa de dar ao
Parlamento da UE mais poderes só pode ser à custa dos poderes dos parlamentos eleitos
e dos governos nacionais. O chamado "défice democrático" na UE representa,
portanto, uma contradição insolúvel: só pode ser resolvida ao nível
continental, reforçando os poderes de um organismo que tem a forma mas não a substância
da democracia.
Até que ponto os parlamentos
eleitos e governos nacionais se tornaram sujeitos à soberania da UE foi
demonstrado na véspera do referendo da Grã-Bretanha.
As directivas da
UE estabelecem taxas mínimas para o IVA numa ampla gama de produtos que não
pode ser reduzida. As directivas também proíbem -- excepto nas circunstâncias
mais extraordinárias -- a abolição do IVA sobre um produto após a sua
classificação. O desejo unânime do parlamento e do governo de Westminster era
abolir o IVA sobre os produtos sanitários das mulheres. Mas isso requeria
permissão da UE. Assim, assistimos ao espectáculo de um governo britânico
eleito a dirigir-se a comissários não eleitos em Bruxelas para pleitear serem
autorizados a fazê-lo. A taxa zero foi finalmente concedida só três meses antes
do referendo de 2016. Quelle surprise!
O Carácter de Classe da UE
O carácter
antidemocrático da UE desenvolveu-se a fim de reforçar o seu carácter de classe
fundamental. Os tratados, regras e instituições da UE destinam-se a servir os
interesses comuns dos monopólios capitalistas da Europa.
É por isso que o
Tratado da União Europeia (TUE) efectivamente proíbe economias planificadas, insistindo
em que cada Estado membro tenha “um mercado altamente competitivo” (artigo 3.º)
e também por isso o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE)
exige repetidamente que os Estados membros operem "uma economia de mercado
aberta, de livre concorrência” (artigos 119.º, 120.º e 127.º). Na realidade,
quase todos os ramos da economia nos países capitalistas mais avançados da UE é
dominada por não mais de seis ou sete corporações gigantes. Isto significa que,
de vez em quando, a UE e os governos nacionais tomam relutantemente débeis medidas
contra práticas de monopólio para manterem a ficção de que têm "uma
economia de mercado aberta, de livre concorrência”. Significativamente, a UE
toma medidas mais firmes contra os monopólios rivais dos EUA.
O TFUE também
insiste num mercado interno único com a "livre circulação de bens,
pessoas, serviços e capitais” (artigo 26º) -- fazendo eco ao Tratado de Roma (1957). Desta forma, as corporações empresariais
podem movimentar livremente capital e trabalho através da Europa, a fim de
maximizar o lucro. O mesmo tratado também declara que "todas as restrições
sobre os movimentos de capitais entre os Estados-Membros e entre os
Estados-Membros e países terceiros são proibidos” (artigo 63.º). Não
surpreende, por isso, que a UE lidere na Organização Mundial do Comércio (OMC) o
movimento para abrir outros países à penetração do capital monopolista europeu,
ajudando as empresas sediadas na UE a controlar os sectores da água, electricidade,
transporte, mineração e agricultura de muitos países menos desenvolvidos e em
desenvolvimento em todo o mundo -- muitas vezes com pouco ou nenhum benefício
para as populações locais.
As grandes
corporações empresariais encontram-se mais ou menos em sessão permanente com os
Comissários a UE e persistentemente procuram influenciar o Parlamento da UE.
Cerca de 50 das maiores empresas industriais do continente organizaram-se desde
1983 na Mesa Redonda Europeia de Industrialistas, propondo e moldando muitos
dos aspectos económicos e políticas sociais prosseguidas pela Comissão da UE.
Desde 2003, a Mesa Redonda Europeia de Serviços Financeiros exerceu influência
semelhante em nome de 21 ou mais bancos e outras sociedades financeiras. Daí o
lento e fraco progresso das medidas da UE para regular o sector financeiro,
supervisionadas pelo presidente da Comissão, Juncker. Anteriormente, como
primeiro-ministro de direita do Luxemburgo, Juncker presidiu a uma enorme
fraude de evasão fiscal corporativa internacional para tornar o seu país um lucrativo
paraíso fiscal.
A colaboração
entre a Comissão da UE e as grandes empresas resultou numa série de iniciativas
para defender idades mais elevadas para pensões do Estado, a “liberalização” de
pensões profissionais, mais transportes rodoviários para mercadorias, e o Esquema
de Comércio de Emissões da UE (que sustenta um mercado altamente lucrativo em
licenças de poluição). Outras directivas exigiram a fragmentação, a
"marketização" e a "liberalização" de serviços públicos e
estatais nacionalizados, preparando o terreno para a privatização da electricidade,
dos caminhos-de-ferro e dos serviços postais em particular. Os resgates
financiados pela UE exigiram privatizações radicais como condição de
empréstimos a estados membros com dívidas a bancos alemães, franceses e
britânicos.
Embora a
nacionalização não seja explicitamente proibida pelos tratados e directivas da
UE, elas proíbem medidas preferenciais que "distorçam" o mercado ou
violem critérios comerciais. Assim, qualquer tipo de tratamento preferencial
para o sector das empresas públicas é proibido, incluindo políticas relativas a
subsídios estatais, preços de compra e venda, obrigações de investimento do
sector público e cumprimento de contratos. O TJE também deixou claro que o
"direito de estabelecimento" implica que os monopólios nacionalizados
não podem permitir a exclusão de empresas do sector privado da maioria dos sectores
das economias dos estados membros.
Em matéria de leis
do trabalho é também muito clara a base de classe dos tratados, directivas e decisões
do tribunal.
O TFUE proíbe
expressamente a legislação da UE de promulgar ou aplicar o direito de greve ou
de aderir a um sindicato, a um salário mínimo estatutário ou à protecção dos
trabalhadores contra lock-outs (artigo 153). A UE não fez absolutamente nada
para proteger os trabalhadores Grã-Bretanha das, no mínimo, doze leis Tory anti-sindicato
desde 1979.
Muitas medidas da
UE, como a directiva relativa ao tempo de trabalho e à licença parental estão
cheias de furos, ficando aquém das provisões obtidas pela luta e governos
progressistas em muitos estados membros. As directivas da UE não puseram fim à
disparidade salarial entre géneros na Grã-Bretanha, não limitaram a semana
média de trabalho a 48 horas, não aumentaram as férias remuneradas para o nível
da média europeia. Para isso só se pode confiar na acção sindical e na legislação
nacional.
[O autor enumera
aqui uma série de direitos obtidos pelos trabalhadores ingleses através da luta
sindical. Omitimos aqui essa enumeração.]
Assim como o
carácter antidemocrático da UE serve os interesses do capitalismo monopolista, também
o fundamentalismo neoliberal da UE restringe ainda mais a democracia a todos os
níveis. Em particular, as regras financeiras da UE, as da "livre
circulação" e do "direito de estabelecimento" restringem
enormemente a capacidade dos representantes eleitos de intervir na economia no
interesse dos trabalhadores, das pessoas em geral e das suas comunidades
locais.
Em 2015, por
exemplo, o governo SNP em Edimburgo foi obrigado a transferir a gestão e
financiamento de dezenas de projectos de investimento de um órgão público “sem
fins lucrativos" -- o Scottish
Futures Trust -- para o sector privado. Caso contrário, todo o empréstimo
inicial teria de ser incluído nas contas do sector público ameaçando, assim,
violar as regras da UE do défice e dívida do governo. Em resultado disso o
programa de infra-estrutura do governo escocês acabará custando três vezes mais
em encargos unitários ao longo de 40 anos do que o valor das respectivas novas escolas,
estradas, hospitais e clínicas.
Os tratados da UE
proíbem toda uma série de outras políticas que os governos podem querer implementar
no interesse da classe trabalhadora e da sociedade em geral. Mas nada ilustrou
melhor a base de classe da UE do que a sua resposta ao crash financeiro de 2007-08.
Crise Financeira e 'Troika”
O carácter
capitalista, anti-trabalhador e pró-monopólio da UE foi dramaticamente confirmado
quando os bancos e o sistema financeiro tiveram de ser salvos da sua própria ganância
e corrupção. Todos os compromissos da UE com os princípios do "mercado
livre" imediatamente saíram pela janela. De repente, tornou-se perfeitamente
aceitável para os governos emprestarem em grande escala para socorrer o
capitalismo financeiro com subsídios e até com nacionalizações. Em consequência
disso, quando os estados membros da UE se colocaram em posições de insolvência
e bancarrota iminente, as principais instituições da UE intervieram para refinanciar
os resgates em quatro casos principais.
Em 2010, a
Comissão Europeia e o BCE juntaram-se ao Fundo Monetário Internacional (a “Troika”)
para lançar uma série de empréstimos e “swaps de obrigações” (com o BCE a
assumir riscos de incumprimento) aos governos da Grécia, Irlanda, Portugal,
Espanha e Chipre. Estes [empréstimos e swaps] permitiram a esses governos
honrar os títulos emitidos para financiar despesa pública (incluindo os
resgates dos bancos dos seus próprios países).
Os verdadeiros
beneficiários das intervenções da Troika foram os bancos alemães, franceses, britânicos
e italianos, que tinham sido os principais detentores de títulos.
No total, a UE
encontrou cerca de € 433 mil milhões (£ 377 mil milhões) para salvar governos de
oito países membros. Isso equivale ao total de gastos da UE em todas as
despesas sociais, programas regionais, de infra-estrutura, I & D, educação,
formação e cultura da Europa nos próximos cinco anos.
As intervenções da
Troika também tiveram outro preço. Lideradas pela Comissão da UE e o BCE, foram
exigidos severos cortes de austeridade em programas sociais e de bem-estar, aumentos
do IVA e de outros impostos regressivos (em especial em Chipre), reformas do
mercado de trabalho para reduzir os direitos dos trabalhadores (nomeadamente em
Espanha) e medidas radicais de privatizações (especialmente na Grécia).
Quando o governo
social-democrata do PASOK em Atenas ameaçou realizar um referendo contra as
exigências da Troika de ainda mais austeridade como condição para um segundo
resgate, foi ameaçado com sabotagem financeira e o primeiro-ministro Papandreou
foi removido. Em Novembro de 2011, os restantes social-democratas aderiram a uma
coligação de direita liderada por um "tecnocrata" não eleito, o ex-vice-presidente
do BCE Lucas Papademos.
Nesse mesmo ano,
o governo italiano de direita de Silvio Berlusconi não conseguiu ter uma acção
suficientemente dura para impor medidas de austeridade e reduzir os direitos dos
trabalhadores. A pressão dos bancos, dos mercados obrigacionistas, da Comissão
Europeia e do BCE obrigou-o a sair do gabinete sob ameaça de falência
financeira. Um regime de tecnocratas não eleitos governou a Itália a partir de Novembro
de 2011 por 18 meses, liderado pelo ex-Comissário da UE Mario Monti.
Após a eleição de
um novo governo na Grécia em Janeiro de 2015, liderado pela coligação do Syriza
supostamente de esquerda, um referendo mostrou que 61% das pessoas se opunham a
nova rodada de medidas de austeridade e privatizações exigidas pela Troika. Contudo,
a liderança do Syriza capitulou para a UE depois de ganhar eleições
parlamentares, chegando a concordar com as "reformas" do mercado de
trabalho que tornava mais fácil despedir trabalhadores e acabar com acordos de
negociação colectiva com sindicatos.
As consequências
para as vítimas destas agressões punitivas da UE foram severas. As medidas de
austeridade da Troika mergulharam as economias numa recessão mais profunda e
mais longa, destruíram milhões de empregos, eliminaram serviços públicos e
reduziram padrões de vida da classe trabalhadora -- em 40% e até mais no caso
da Grécia.
Esta experiência
tem desempenhado um papel significativo na mudança de algumas organizações
sindicais, socialistas e forças comunistas para uma atitude mais céptica em relação
à UE. Isto é certamente verdade para os partidos comunistas e operários na França,
Espanha, Chipre e Alemanha, que agora consideram a UE irreformável. Os partidos
comunistas da Grã-Bretanha, Irlanda, Dinamarca, Hungria, Grécia e Portugal
continuam a opor-se à UE como construção capitalista, imperialista. Outras
forças de esquerda, como o Partido da Esquerda Sueco, o Partido Socialista
Holandês, o Partido de Esquerda na França e o Bloco de Esquerda em Portugal também
são profundamente eurocépticos.