sábado, 20 de outubro de 2018

Permanecer no euro significa para Portugal mais empobrecimento dos trabalhadores e mais perda de soberania


Staying in the Euro means for Portugal more impoverishment for the workers and more loss of sovereignty

Um artigo do passado 8 de Outubro publicado no Públco trouxe novos aportes aos que já divulgámos sobre a ditadura da UE” e “PCP sobre a UE”. O Público, como se sabe, não é comunista.

Trata-se do artigo da autoria do economista Ricardo Cabral (RC), «O Vade Mecum da Comissão Europeia e o futuro da “geringonça”».

É um artigo muito bom, com importantes reflexões a propósito das regras orçamentais da zona euro (ZE). O artigo esclarece o seguinte:

-- As regras orçamentais da zona euro são muito mais complexas do que os conhecidos limites do défice governamental (3% do PIB) e da divida pública (60% do PIB).

-- Desde 2010 há diversos regulamentos e tratados que impõem condições anuais mais apertadas: reduzir a dívida pública acima de 60% em 1/20 avos; atingir um défice estrutural de 0,5% do PIB ou convergir para isso; convergir o saldo orçamental a uma taxa suficientemente rápida para um «objectivo de médio prazo»; não exceder um limite à taxa de crescimento nominal da despesa pública; etc.

-- O não cumprimento das regras acarreta, como diz o autor «procedimentos sancionatórios mais apertados e quase automáticos».

-- As regras são tão complexas que todos os anos a Direcção-Geral de Economia e Finanças (DG Ecfin) da Comissão Europeia (CE) publica um manual de instruções – o Vade Mecum!
[Este «Vai Comigo» é de facto, um manual de imposições dos grandes monopólios da UE aos pequenos países. As grandes potências que controlam a UE e EZ através dos seus monopólios podem perfeitamente esquecer o «Vai Comigo» sem sofrer sanções, já que sem eles a UE e EZ não existiriam.]

-- RC exemplifica (itálicos nossos):
«[…] uma das novas regras orçamentais da zona euro (Six-Pack de 2011) especificadas no Vade Mecum determina, no caso português, de forma complexa, mas na rea1idade arbitrária, que a despesa pública, “liquida” da despesa com juros e de alguns itens discricionários de despesa e receita, só pode crescer a taxas nominais muito baixas: 0,1% em termos nominais ao ano, em 2017. Esta taxa varia de ano para ano de acordo com urna fórmula complexa que depende do défice actual, da taxa de crescimento potencial de longo prazo estimada pela Comissão Europeia, de [etc., etc.]».

RC apresenta reflexões objectivamente fundamentadas sobre estas regras e o Vade Mecum (realces nossos):

a) Sobre a convergência do saldo orçamental:
«[…] convergir o saldo orçamental a uma taxa suficientemente rápida para um objectivo de médio prazo […], em teoria, definido por cada país, mas, na prática, condicionado por “objectivos mínimos” definidos pela Comissão Europeia».
Isto é, nem sequer quanto aos objectivos definidos pela CE – definidos supranacionalmente pelos monopólios dominantes -- cada país pode definir como os poderá atingir.

b) «Vade Mecum, onde não somente é feita a síntese das regras e dos procedimentos que orientam a DG Ecfin na monitorização da política orçamental dos países membros, como são complementadas e interpretadas essas regras».

c) «Se [tudo que respeita a regras e fórmulas] parece complexo e confuso é porque deliberadamente o é. O objectivo quase parece ser: causar o desinteresse das pessoas para um tema que tem um enorme impacto nas suas vidas».

d) «O VadeMecum não deveria ter força legal. Mas tem».

e) «O Vade Mecum da Comissão Europeia obriga ao empobrecimento». «A regra que limita o crescimento nominal da despesa pública obriga, na prática, no mínimo, ao congelamento, se não à redução, em termos nominais, da despesa pública com pessoal e com pensões».

f) «[…] o Vade Mecum obriga, no caso português, à redução em termos reais e, eventualmente, em termos nominais, de salários de funcionários públicos e pensões, isto é, obriga à continuação do “empobrecimento”, até que os responsáveis da DG Ecfin decidam que os salários e pensões em Portugal já caíram o suficiente».

g) «De facto, é a restrição ao aumento nominal de salários de funcionários públicos e pensões, e não a evolução do défice público ou da dívida pública, que condicionam a actual proposta do Orçamento do Estado de 2019 do Governo […]. O Governo, que está preparado para gastar 11 milhões de euros por ano com a Web Summit […] e que transfere 150 milhões de euros para abater dívida tarifária do Sistema Eléctrico Nacional […] em beneficio de empresas de produção eléctrica […] somente está disposto a aumentar os salários dos funcionários públicos em cinco euros por mês, após nove anos de congelamento dos salários».

h) «As regras orçamentais da zona euro e a forma como são interpretadas no Vade Mecum da Comissão Europeia consubstanciam um menu à la carte, que permite e até exige a criação de regras e objectivos completamente diferentes para a politica orçamental de diferentes países membros numa perversão do princípio basilar de que todos somos iguais perante a lei».

i) Apesar da grande obediência (submissão) do governo às regras da CE – RC diz: «[…] embora o Governo antecipe uma significativa melhoria do saldo orçamental e uma queda significativa do nível de divida pública em 2019, cumprindo os três principais critérios orçamentais da zona euro, o quarto critério  […] aparenta estar em risco, tanto em 2018 como em 2019, como já esteve em 2017» -- esta «poderá considerar que o não cumprimento da regra do aumento da despesa pública constitui um “desvio significativo” […], exigir alterações à proposta do Orçamento do Estado e até recomendar a abertura de um Procedimento por Desvio Significativo e a aplicação de sanções […]».

Que significa tudo isto? Qual a lógica subjacente a todas estas regras?

RC fica aquém de uma resposta científica a estas questões.

Fica-se por uma adjectivação do Vade Mecum -- «demoníaco ou simplesmente maquiavélico», por uma observação algo vaga -- «Há várias forças em movimento na zona euro, que procuram implementar alterações na política económica e orçamental […] [que] têm vindo a reforçar o colete-de-forças, e de regras, em que se encontram economias periféricas, como a portuguesa» («várias forças»: quais? de que tipo?; «alterações»: a favor de quem?) -- e, embora dizendo que as regras «não são isentas» que são «uma forma de concorrência económica em que a “competição” entre países membros e empresas se ganha nos detalhes da secretaria […]» remata com um velho aforismo para qualificar a DG Ecfin: «dividir para reinar».

Mas o que é necessário esclarecer -- se não quisermos ficar por trivialidades -- é quem «divide» e quem «reina» e porquê.

Se tivermos em conta que o sistema económico da UE é o do capitalismo monopolista de Estado – coisa de que nem os chefes do grande capital duvidam embora dêem outro nome e silenciem – e que num sistema de capitalismo monopolista quem detém o chicote em prol dos lucros – aqui, o Vade Mecum -- são os grandes monopólios, principalmente os financeiros, damos um grande passo na compreensão de quem «divide» e quem «reina», de por que razão são as «economias periféricas», como a portuguesa, que estão sujeitas ao «colete-de-forças», e ainda de que «a “competição” entre países membros e empresas» é, de facto, uma “competição” viciada já que os monopólios dominantes ganham «nos detalhes da secretaria» (e também noutros «detalhes») impostos pelos poderes coercivos estatais a que estão ligados, supranacionais ou não.

Concretamente e em síntese:

São os monopólios dominantes da UE -- os grandes monopólios da Alemanha, França, Benelux, Itália, com destaque para os bancários – que necessariamente, obrigatoriamente – e não porque são «demoníacos» ou «maquiavélicos» (isso seria o mesmo que dizer que um leão mata, não pela causa objectiva de que tem fome, mas porque é «mau») -- oprimem as «economias periféricas» porque estão no topo da actividade predadora: extorsão de grandes lucros e outras extorsões (como, p. ex., juros de empréstimos, benefícios dos fundos da UE, e até mesmo as sanções a erceiros por não cumprimento de regras).

São eles que dividem e reinam. Mesmo sem ir ao Vade Mecum, mesmo ficando pelos «limites mágicos» dos 3% e 60% é sabido que a França, a Itália e até mesmo a Alemanha – o predador alfa -- repetidamente e impunemente os têm ultrapassado. E só não os ultrapassam mais vezes e com maior intensidade devido aos seus ganhos da predação.

O Vade Mecum é simplesmente a capa legal com que os predadores melhor ocultam a sua predação. Vejam: eles não de portam mal; e até desenvolvem os maiores esforços no desenvolvimento de complexas fórmulas para nos constranger a não nos portarmos mal.

Portugal perdeu grande parte da sua soberania por causa da UE e ZE; isto é, por estar submetido aos ditames dos monopólios dominantes da UE. Esta perda de soberania tem duas componentes: a destruição do tecido produtivo, obrigando a maiores importações da UE; a impossibilidade, enquanto estiver na UE e ZE, de determinar livremente as suas políticas económicas e sociais (estas últimas também dependem da economia). As reflexões de (a) a (i) de RC constituem uma óptima demonstração, num aspecto específico desta segunda componente.

Essa perda de soberania, enquanto Portugal permanecer na irreformável UE e ZE dos monopólios é imparável. E é imparável por causas objectivas. À medida que se perde soberania, a economia, a capacidade produtiva, fica mais fraca; o empobrecimento geral exerce pressão para aceitar menores salários e para só manter actividades subsidiárias baseadas em baixos salários, como o turismo e os call-centers, sem investimentos de aumento e modernização da capacidade produtiva de indústrias domésticas. Tudo isto, por sua vez, leva a um contínuo agravamento da balança de trocas comerciais, como se tem verificado; logo, à manutenção de défices ou até maiores défices. É um círculo vicioso.

Os leões buscam sempre primeiro as presas mais fáceis. Para um país neo-colonizado pelos monopólios da UE, em que se transformou Portugal pela mão do PS, PSD e CDS, a espiral de dependência e empobrecimento é imparável. A saída deste quadro passa necessariamente pela luta dos trabalhadores por uma mudança de rumo.
An article published by Público [Portuguese newspaper] last October 8 brought new contributions to those we already posted on the "EU dictatorship" and "PCP on the EU". Público is not a communist newspaper. Far from that.

The article by the economist Ricardo Cabral (RC) is titled (translated): The European Commission's Vade Mecum and the future of the ‘contraption’" ["contraption" is how the Portuguese right-wing derogatively calls the government of the minority Socialist Party, tied to a conditioning agreement with the PCP and BE].

This is a very good article with important thoughts on the euro-zone (EZ) fiscal rules. The article explains:

-- The euro-zone fiscal rules are far more complex than the known deficit limits of government budget (3% of GDP) and of public debt (60% of GDP).

-- Since 2010, there are several regulations and treaties that impose tighter annual conditions: reduction of public debt above 60% in fractions of 1/20; to achieve a structural deficit of 0.5% of GDP or converge to this; convergence of the budgetary balance at a sufficiently fast rate for a “medium-term objective”; not exceeding a limit of the nominal growth rate of public expenditure; etc.

-- Failure to comply with the rules entails, as the author says, "tighter and quasi-automatic sanction procedures".

-- The rules are so complex that every year the Directorate-General for Economic and Financial Affairs (DG Ecfin) of the European Commission (EC) publishes an instruction manual – a Vade Mecum!
[This “Go with Me” amounts to a manual of impositions of the large EU monopolies on small countries. The Great Powers that control the EU and EZ through their monopolies can perfectly forget the "Go with Me" without sanctions, since without them the EU and EZ would not exist.]

-- RC exemplifies (our italics):
“[...] one of the new euro-zone fiscal rules (2011 Six-Pack) specified in the Vade Mecum determines, for the Portuguese case, in a complex way, but truly in an arbitrary way, that public ‘net’ expenditure, without both interest and some discretionary spending and revenue items, can only grow at very low nominal rates: 0.1% in nominal terms per year in 2017. This rate varies from year to year according to a complex formula depending on the current deficit, the long-term potential growth rate estimated by the European Commission, the [etc., etc.]”.

RC presents objectively reasoned thoughts on these rules and on the Vade Mecum (our highlights):

(a) On the convergence of the budget balance:
“[...] converge the budget balance at a sufficiently fast rate for a medium-term objective [...] in theory, defined by each country, but in practice, defined by the European Commission.”
That is, not even with regard to the objectives defined by the EC -- supranationally defined by the dominant monopolies – is it permitted to each country to define how to achieve them.

(b) “Vade Mecum, where not only a summary of the rules and procedures guiding DG Ecfin in the monitoring of Member States' fiscal policy is presented, but also how these rules are complemented and interpreted.”


c) "If [everything concerning rules and formulas] seems complex and confusing, it is because it is deliberately so. The goal almost seems to be: to cause people's disinterest for a theme that has a huge impact on their lives.”


(d) “The Vade Mecum should not have legal force. But it has.


(e) “The European Commission's Vade Mecum forces impoverishment”. “The rule limiting the nominal growth of public expenditure requires, in practice, at least, the freezing, if not the nominal reduction of public expenditure on staff and pensions.”

(f) “[...] the Vade Mecum obliges, in the Portuguese case, to reduce salaries of civil servants and pensions in real terms and, eventually, in nominal terms, i.e., requires a continuation of the ‘impoverishment' until the responsible heads of DG Ecfin decide that wages and pensions in Portugal have already sufficiently fallen.


(g) "It is, indeed, a restriction on the nominal increase of civil servants salaries and pensions, and not on the evolution of the public deficit or public debt, which conditions the current proposal of the Government Budget for 2019 [...] The Government, which is ready to spend € 11 million a year on the Web Summit [...] and transfers € 150 million to reduce tariff debts of the National Electricity System [...] for the benefit of electricity production companies [...] is ready to increase the civil servants salaries by only five Euros a month after nine years of frozen wages.”


(h) 'The budgetary rules of the euro area and the way they are interpreted in the European Commission's Vade Mecum are tantamount to a menu à la carte, which allows and even requires the creation of completely different rules and objectives for the budgetary policy of different Member States in a perversion of the basic principle that all are equal before the law."


(i) Notwithstanding the government's great compliance with (submission to) EC rules – RC says: “[...] although the Government anticipates a significant improvement in the budgetary balance and a significant fall in the level of public debt in 2019, meeting the three main budgetary criteria of the euro zone, the fourth criterion [...] appears to be at risk in 2018 and 2019, as was in 2017” – the EC “may consider that the failure to comply with the rule of increased public expenditure constitutes a ‘significant deviation’ [...], and require changes of the State Budget proposal and even recommend the opening of a Significant Deviation Procedure with application of sanctions [...].”


What does this all mean? What is the rationale underlying all these rules?

RC falls short of a scientific answer to these questions.


He stops at an adjectivation of the Vade Mecum -- "demonic or simply Machiavellian", at a somewhat vague remark -- "There are various forces in the euro zone that are trying to implement changes in economic and budgetary policy [...], [which] are reinforcing the straight-jacket, and rules, in which peripheral economies such as the Portuguese are subjected to" ("various forces": which ones? of what kind?; "changes": for whose benefit?) --, and, though saying that the rules “are not impartial”, they are “a form of economic competition in which ‘competition’ among member countries and companies is gained in the details of the secretariat [...]", he concludes with an old aphorism to qualify DG Ecfin: "divide and rule."
 
But what is really needed -- if we do not want to rest on trivialities -- is to clarify who "divides" and who "rules" and why.


If we take into account that the EU economic system is that of state monopoly capitalism – something that even the bosses of big capital have no doubts about though they silence it and call it otherwise -- and that in a system of monopoly capitalism who holds the whip in favor of profits -- here, the Vade Mecum -- are the big monopolies, especially the financial monopolies, we go a big step ahead in understanding who "divides" and who "rules", of why “peripheral economies” such as the Portuguese one are subject to the "straightjacket” and also why the “‘competition’ among member countries and companies” is indeed a fixed “competition” since the dominant monopolies gain “in the details of the secretariat” (and other “details” as well) imposed by the state coercive powers to which they are linked, supranational or not.

Concretely and synthetically:

It is the dominant monopolies of the EU -- the big monopolies of Germany, France, Benelux and Italy, especially of banking -- which necessarily, imperatively -- and not because they are "demonic" or "Machiavellian" (this would be analogous to saying that a lion kills, not because of the objective cause that it is hungry, but because it is an “evil” animal) -- oppress “peripheral economies” because the former are at the top of predatory activity: extortion of large profits and other extortions (such as interest on loans, benefits from EU funds, and even sanctions of third countries for non-compliance with rules).


They are the ones who divide and rule. Putting aside the Vade Mecum, and restricting ourselves to the "magic limits" of 3% and 60%, it is well known that France, Italy, and even Germany -- the alpha predator -- have repeatedly and with impunity surpassed them. And they do not surpass them more often and with greater intensity because of the gains of their predation.

The Vade Mecum is merely the legal cover with which predators better hide their predation. Just see: they do not misbehave; and even go to great lengths to develop complex formulas to constrain us not to misbehave.

Portugal has lost much of its sovereignty because of the EU and EZ; that is, because it is subject to the dictates of the dominant monopolies of the EU. This loss of sovereignty has two components: the destruction of the productive fabric, forcing more imports from the EU; the impossibility, while in the EU and EZ, of freely determining economic and social policies (the latter also depend on the economy). RC’s thoughts from (a) to (i) are an excellent demonstration of this second component in a specific area.


This loss of sovereignty, as far as Portugal remains in the irreformable EU and EZ of the monopolies is unstoppable. And it is unstoppable for objective reasons. As sovereignty is lost, the economy, the productive capacity, becomes weaker; the general impoverishment exerts pressure to accept lower wages and to only hold to subsidiary activities based on low wages, such as tourism and call centers, without increasing investments and modernizing the productive capacity of domestic industries. All this, in turn, leads to a continuous worsening of the balance of trade, as is observed; from this, the maintenance of deficits and even greater ones. It's a vicious circle.


Lions always take the easier prey first. For a country neo-colonized by the EU monopolies, as Portugal turned to thanks to PS, PSD and CDS, the spiral of dependence and impoverishment is unstoppable. The way out of this setting rests only on the workers' struggle for a change of route.