sábado, 8 de novembro de 2014

A história ignominiosa do PS: de 6 de Setembro a 25 de Novembro de 1975

    No artigo anterior (http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2014/10/a-historia-ignominiosa-do-ps-de-9-de.html ) vimos como a 5/9, na última Assembleia do MFA realizada em Tancos, sob manipulação do Grupo dos Nove e pressão dos seus aliados reaccionários, ficou selado o fim do MFA. A Assembleia afastou Vasco Gonçalves e consagrou o domínio dos Nove, atrás dos quais estava o PS e toda a direita.
Tinham sido alcançados dois grandes objectivos da estratégia contra-revolucionária convergente da CIA-Carlucci & PS-Mário Soares, assente em três vectores:
    1) O vector governamental e de propaganda interna e externa (PS às claras). A propaganda interna e externa (com apoio das sociais-democracias europeias, em particular da alemã, aliadas do PS) berrava atoardas sobre o gonçalvismo, pretensa ditadura militar-comunista. De facto, nunca houve tanta liberdade como nos governos de Vasco Gonçalves. O PS participou maioritariamente em três dos quatros governos de Vasco Gonçalves e pôde fazer e dizer tudo que lhe dava na real gana, inclusive urdir às claras a aliança com a CIA. O gonçalvismo serviu para influenciar militares hesitantes. O primeiro objectivo alcançado em Tancos foi o afastamento de Vasco Gonçalves e consequente liquidação do último governo revolucionário.
   2) O vector militar (PS por detrás dos «Nove»). Segundo objectivo alcançado em Tancos: afastamento e flagelação da esquerda militar, com ascensão a lugares de chefia de militares reaccionários oportunistamente colados aos Nove. No afastamento e flagelação da esquerda militar distinguiu-se Otelo, mais uma vez, pelo seu papel contra-revolucionário: sancionou o assalto e desmantelamento da 5.ª Divisão; proibiu Vasco Gonçalves de visitar qualquer unidade militar para fins de esclarecimento. Uma proibição absolutamente inacreditável. Um autêntico presente para reaccionários, spinolistas e fascistas confessos!
    3) O vector da actividade terrorista na sociedade civil, também com o apoio do PS. A actividade neste vector continuou por todo o período agora em análise.
As nossas afirmações sobre o papel da CIA e sobre a aliança PS-CIA não são meras opiniões. São factos. Quem tenha acompanhado os artigos do nosso blog deve ter certamente notado o cuidado e rigor que procuramos pôr no nosso trabalho. Na série «A história ignominiosa do PS», como dissemos logo no primeiro artigo, o núcleo factual da análise são as próprias declarações das personagens em causa, noticiadas no JN e Diário de Lisboa. Mas há muitas outras fontes autorizadas e factuais que consultámos. Sobre o papel da CIA e sobre a aliança PS-CIA existem as próprias declarações de Mário Soares, bem como entrevistas, depoimentos e memórias dos agentes da CIA, incluindo Frank Carlucci, actuando livremente (!) em Portugal no período revolucionário. Veja-se, p. ex., Lisbon and Washington: Behind the Portuguese Revolution, Foreign Policy, 1976, do «jornalista» americano Tad Szulc, na época em Lisboa. Uma amostra: Carlucci tranquilizou Kissinger a seguir ao 11 de Março, dizendo-lhe que ele «tinha a vantagem de manter contactos em segredo com vários membros moderados do Conselho da Revolução, assim como com os socialistas e outras figuras políticas influentes».
    Apesar de todas estas importantes vitórias da contra-revolução, a esquerda militar não estava ainda liquidada e subsistiam unidades importantes fiéis à revolução, como o RALIS, a PM e os fuzileiros. Fiéis, mas já sem o apoio dos quadros revolucionários da 5.ª Divisão (saneados pós-Tancos) e entregues ao (des)comando de Otelo... Nestas e em algumas outras unidades, não atingidas pela «reestruturação» reaccionária do sexto governo, continuavam vivos os sentimentos de apoio à revolução por parte de sargentos e praças, para além de muitos oficiais. Na sociedade civil era forte a mobilização dos trabalhadores, nomeadamente nas camadas operárias mais conscientes e politizadas das cinturas industriais de Lisboa e Setúbal. A «Comuna de Lisboa» era uma dor de cabeça para a burguesia. Em dado momento chegou-se mesmo a aventar uma mudança do governo para o Norte. O PS reclamava pelo fim da influência dos comunistas, porque sem isso a Europa não iria ajudar Portugal, a economia portuguesa. (O célebre slogan do PS «A Europa Connosco» que era de facto «A Europa com Eles»: PS & Grande Capital, interno e externo.)
    Os Nove e o sexto governo provisório encabeçado por Pinheiro de Azevedo, totalmente controlado pelo PS, cristalizaram as «dores de cabeça» da burguesia. Por trás, toda a direita e extrema-direita. Formou-se uma larga aliança, do PS aos fascistas do ELP/MDLP, passando pelos grupelhos esquerdistas provocatórios, como o MRPP e o PCP(ml), com vista a liquidar de uma vez para sempre a esquerda militar e os comunistas. Quando falamos em liquidação devemos acrescentar que havia planos, de que há testemunhos, para a liquidação física. Como no Chile e na Indonésia. Esses planos existiam nos fascistas, nos spinolistas e também em elementos do PS. O golpe do 25 de Novembro, de há muito premeditado e desencadeado por uma provocação bem montada, foi a forma encontrada pelos Nove para acabar com a esquerda militar e o PCP. O PCP (e o MDP, FSP e outros) só não foram liquidados e só não houve uma hecatombe nas organizações dos trabalhadores, por duas razões: porque o PCP se demarcou da esquerda militar e manteve contactos com o PR e PM na busca de uma solução política; porque -- e esta é talvez a razão mais importante  --  alguns membros dos Nove e seus seguidores começaram a temer que uma liquidação do PCP resultasse mais tarde na sua própria liquidação. Neste aspecto, os Nove (com o lombo a arder) mostraram-se mais de «esquerda» que os PSs; estes conviviam alegremente com spinolistas e fascistas e só desejavam a liquidação, mesmo física, de comunistas e outros democratas consequentes.


De 6 de Setembro a 25 de Novembro de 1975
A 3.ª fase contra-revolucionária do PS

Setembro
Notícia
Comentário
6/9. M. Soares à BBC: «o que está em causa é a via para o socialismo».
Portanto: socialismo, vamos ter. É só uma pequena questão de «via». Assistiremos em breve à construção do socialismo pela «via» de Soares, CIA & C.ª.
10/9. M. Soares entrevistado pela Gazeta Mercantil do Brasil: «[é um] Erro perder  a confiança das multinacionais».
Soares começa a mostrar qual é a sua via para o socialismo. Amor pelas multinacionais é com os PSs. Ainda hoje (http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2014/05/dainiel-bessa-o-amante-das.html ).
11/9. M. Soares atacou na Assembleia Constitucional a social-democracia para os trabalhadores.
Por enquanto interessa a Soares demarcar-se da «social-democracia» do PPD.
14/9. Vasco Lourenço em entrevista ao JN: «pretendemos uma revolução que seja da maioria do povo português».
V. Lourenço tornou-se o PS do «MFA» (a versão contra-revolucionária, pós-Tancos, do MFA). A História regista muitas revoluções; mas uma revolução iniciada pela maioria de um povo a História não regista. Ela só se torna da maioria do povo depois de um período transicional. De facto, a «revolução da maioria do povo» de V. Lourenço era um logro. Consistiu em entregar todo o poder ao PS e restante direita, acabando com a revolução.
15/9. M Soares de regresso de Francfort: «alemães desejam auxiliar a economia portuguesa»
Claro. Pela mão de Soares já cheira aos «alemães» a capitalismo. Do bom e do puro. Do de antigamente.
21/9. M Soares: «Partido socialista é o único que pode salvar Portugal».
Por «Portugal» entenda-se aqui os capitalistas e latifundiários portugueses. Sim, é verdade. Soares irá salvá-los.
22/9. M Soares em Pombal: «PS vai agora tentar remediar erros de pseudo-revolucionários».
Revolucionário há só um, o PS e mais nenhum. Como iremos ver.
24/9 José Luis Nunes (PS) na Assembleia Constituinte: «agora é que vai começar a Reform Agrária».
E não corou ao dizer isso.

    O V Governo Provisório foi compelido a demitir-se a 6/9. Pinheiro de Azevedo, incialmente com aura de esquerda, foi indigitado para PM. Chegou a dizer (10//9) que «as quatro [?] posições dominantes do MFA estarão representadas». Puro embuste. Com o apoio oficial (10/9) dos Nove o VI Governo Provisório tomou posse a 19/9. De 17 ministros, 6 eram do PS (Jorge Campinos, Walter Rosa, Almeida Santos, Eduardo Pereira, Salgado Zenha, Lopes Cardoso) e 8 pró-PS (incluindo três dos Nove: Melo Antunes, Vítor Alves, Vítor Crespo); 2 do PPD e 1 do PCP (Veiga de Oliveira nas Obras Públicas). Isto é o PS e seus aliados pró-PS dominavam por completo o governo (14 de 17 ministros). P. Azevedo rapidamente evoluiu para o PS e acabou a sua trajectória no PDC de extrema-direita!
    Os Nove começam logo a arrumar a casa, removendo a esquerda de postos chave. Retiram Corvacho do QG do Porto, substituindo-o pelo pró-fascista Pires Veloso (13/9). Afastam Fabião (que, aliás, lhes tinha feito todas as vontades) e começam a povoar de elementos de direita as hierarquias de unidades militares, a Academia Militar, e os Estados-Maiores do Exército e da Força Aérea. Esta, iniciou de imediato o saneamento de elementos progressistas e guinou completamente para a direita. Otelo continua o mesmo contra-revolucionário de sempre: devolve material apreendido ao MRPP (11/9); a 22/9, em fase crítica da revolução, segue com Rosa Coutinho para a Suécia para «aprender alguma coisa sobre a via sueca para o socialismo»! À partida diz estar «confiante que não haverá viragem para a direita»! No regresso, a 25/9, sai-se com uma das suas tiradas típicas, combinando o extremo disparate com a extrema condescendência, afirmando que «não aconselha o caminho da Suécia porque é longo», manifestando a sua crença na democracia directa, acenutando que «esta não passa pelos partidos políticos, até porque estes são ainda crianças e se comportam por vezes como tal. É preciso dar-lhes tempo para crescerem»! Perorações catedráticas deste grande revolucionário que, em todas as situações decisivas e tendo os meios para derrotar os planos da reacção, decidiu sempre por esta. Teve o desplante de dizer a 30/9, com a sua modéstia habitual, que «de há alguns meses para cá conseguiu evitar a guerra civil algumas vezes» e que «se tivesse mais cultura política no 25 de Abril de 1974 poderia ter sido Fidel Castro» e ainda (pasme-se!) «que manteve grande silêncio durante a formação do VI Governo para lhe dar uma oportunidade de sobrevivência», que «continua a apoiar a extrema-esquerda e tem posto a si próprio a possibilidade de se demitir ou de assumir o poder». Incrível! Que delírio! Mas é assim Otelo, o revolucionário da extrema-esquerda. Ou eu ou ninguém.
    A imposição de chefias reaccionárias nas unidades militares despoletou o movimento dos SUV («Soldados Unidos Vencerão») que fizeram grandes manifestações em várias cidades (a 11/9 no Porto). Aos SUV, constituídos por praças e sargentos faltaram chefes. Foram rapidamente postos na ordem pelas chefias reaccionárias. Serviram para alimentar o boato de que os Nove tinham acabado com a «indisciplina» das FFAA. Na realidade, foram os saneamentos e golpaças constantes a mando dos Nove que constituíram a verdadeira indisciplina.
    A direita continua a sua farsa de que está com o «socalismo». Sá Carneiro, a 25/9 diz que o PPD não vai virar à direita e ainda que «contra o que se tem afirmado, o socialismo não é só um, como deriva de resto expressamente da própria plataforma constitucional [...] mas o socialismo não se deixa espartihar no modelo soviético, ou em qualquer outro. O socialismo será o que o povo quiser que seja, se o povo o quiser». Para alimentar a farsa o PS e o PPD debatem o marxismo (!) na Assembleia Constituinte a 12/9, e P. Azevedo depois da posse do governo pronuncia: «Vamos todos ao trabalho rumo ao socialismo!». Uma palhaçada total.
    O País pulula de agentes secretos estrangeiros (16/9), nomeadamente da CIA. Os atentados bombistas continuam impunemente, como em Leiria a 23/9, reivindicados pelo ELP. Destruir a unidade dos trabalhadores tornou-se objetivo prioritário da direita; os ataques à unicidade sindical sucedem-se na Assembleia (25/9 e 26/9).
    A 30/9 Jorge Campinos (PS) pinta a situação em cores negras a um jornal francês. A direita militar está mortinha por um pretexto. Tinha criado a 27/9 um corpo de intervenção: o AMI – Agrupamento Militar de Intervenção «para reforçar a autoridade do governo». Note-se a mudança de linguagem. Agora já se diz que é a autoridade do governo que se defende, não a revolução. «Intervenção» para restabelecer a «ordem» ao serviço do Capital contra o povo. O AMI, com tropas de direita, iria suceder ao Copcon logo que possível. Copcon que em toda a revolução, e sob o comando do «revolucionário» Otelo, primou por não fazer nada.
    A 28/9 a UDP oferece um pretexto para a escalada da direita: desencadeia um assalto à embaixada de Espanha. Assalto completamente inútil e disparatado cujo único resultado foi o governo (sem conhecimento do seu único representante do PCP, que aliás protestou o não lhe terem dado conhecimento) ter a justificação para ocupar a 30/9 as estações de rádio e TV «para evitar a declaração do estado de emergência». Isto é, a UDP forneceu o pretexto à direita para experimentar os músculos e a novíssima AMI em exercício preparatório do que estava para vir. Como somos dos que não acreditam em coincidências destas, temos de concluir que a provocação da UDP trazia a direita no ventre.

Outubro
Notícia
Comentário
1/10. PS manifestou-se no Porto e em Lisboa a favor do 6.º governo. Na manifestação de Lisboa, com Pinheiro de Azevedo, esteve lado a lado com PPD, PCP(ml), e retornados, e com Salgado Zenha e Lopes Cardoso em destaque. M. Soares: «Sexto governo é de esquerda e de esperança para o País». Foram deitados panfletos: «Estamos com o PS na manifestação contra o comunismo. Spínola voltará». Apoios a Fabião e aos Nove, com palavras de ordem: «Vasco é Lourenço», «Fabião», «Melo Antunes», «Ocupação contra a falsa informação», «Disciplina». M. Soares: «Sr. Almirante Pinheiro de Azevedo, tem aqui o povo de Lisboa autêntico, para lhe dizer: o povo de Lisboa, o povo de Portugal, está com o Sexto Governo».
Toda a contra-revolução, do PS aos fascistas. De facto, embora o JN não mencione, estiveram também presentes o CDS, o MRPP, a FEC-ml e (pelo menos) os fascistas do PDC (face política do ELP/MDLP). A palavra de ordem «Estamos com o PS na manifestação contra o comunismo. Spínola voltará» é eloquente.
M. Soares ao dizer «Sexto governo é de esquerda e de esperança para o País», mais uma vez mentiu, como é costume. Na realidade, com o sexto governo iniciam-se os saneamentos à esquerda, o aparelho de Estado é tomado de assalto por PSs e toda a direita incluindo fascistas, e a «esperança para o País» converte-se em «esperança para os capitalistas».
2/10. País mobilizado pelo PS contra possível golpe da extrema-esquerda. Denunciados pelo PS preparativos de golpe de Estado. Comunicado do PS diz: «nós não acusamos o PC mas grupos minoritários de extrema-esquerda».
Ensaio geral do PS, como preparação do 25 de Novembro. Desta vez não acusou o PCP mas de outras vezes acusa.
3/10. O PS garante a existência de planos para o poder ser tomado pela força: «o PC sabia o que estava a ser preparado». Plano incluiria a tomada da Rádio Renascença (R.R.) e do RALIS.
Ora aí está. Afinal, e em oposição ao que disse no dia anterior, o PCP bem sabia. Logo, é cúmplice.
A «tomada da Rádio Renascença» é a chamada às armas do clero caceteiro do Norte e Centro.
4/10. Jaime Neves falou numa manifestação do PS: «os Comandos estão com a maioria do povo português».
O PS dá palco ao fascista Jaime Neves, o criminoso de guerra de Wiryiamu, um grande aliado dos Nove, do PS e de toda a direita e extrema-direita. O MRPP também gostava dele.
9/10. Ataque frontal ao PCP feito por M. Soares em Coimbra: «[manifestações dos] deficientes das forças armadas e SUV são manobras do PCP»
Quer os deficientes das forças armadas quer os SUV manifestavam-se por razões concretas. O PCP pouca influência tinha nos SUV e quase nenhuma nos deficientes. Mas Soares aproveitava tudo para justificar o que tinha planeado com o seu bom amigo Carlucci da CIA.
10/10. Salgado Zenha decide substituir três administradores do BdP dizendo que não se trata de qualquer saneamento político. Contudo, e segundo o JN, a medida é considerada como um saneamento à esquerda.
Salgado Zenha não perde tempo. Não saneou a Justiça de fascistas enquanto teve essa pasta nos governos progressistas. Agora não perde tempo a aplanar o caminho para o regresso dos Espírito Santo, Melos, etc.
11/11 Manifestação gigante do PS foi ao QG do Porto e ao CICAP. Bombas e tiroteio junto à sede da UDP na Av. dos Aliados. M. Soares acusa o PCP de fazer jogo duplo: «A quem serve a desordem?... Aos ditadores que sob a capa de progressistas põem acima dos interesses nacionais a ambição partidária e os interesses dos imperialistas, a fim de impedir a construção do socialismo, por uma via original, como propõe o partido socialista».
PS faz a desordem e acusa os outros dela. Fomos testemunha ocular dos acontecimentos. O cúmulo da mentira e da hipocrisia PS!
Quanto à «construção do socialismo, por uma via original» começamos a assistir a ela. Conduziu ao «socialismo» actual. Quanto aos «interesses dos imperialistas», Soares refere-se aqui aos «sociais-imperialistas soviéticos», de cuja existência se apercebeu com o MRPP, o PCP(ml) e quejandos.
22/10. Deputado do PS na Assembleia Constituinte: «a nossa preocupação foi de consagrar [na Constituição] para se prosseguir na socialização dos meios de produção, salvaguardando-as dos riscos da burocratização estatal e da anarquização ruinosa».
Um deputado preocupado com a «via original para o socialismo». Livre «da burocratização estatal e da anarquização ruinosa». Pois, pois.
24/10. M. Soares: «há que haver uma clarificação nas forças armadas» e «o PS apoia totalmente o sexto governo que é o governo que pode dar mais possibilidade ao avanço da esquerda em Portugal».
M. Soares impaciente por não haver a «clarificação». Carlucci também está. Quanto a o sexto governo ser aquele que «pode dar mais possibilidade ao avanço da esquerda em Portugal», comentários para quê?
29/10. PS no Algarve: «PCP e FUR conluiados em actos violentos». António Macedo (PS) na Assembleia Constituinte lamentou a ausência do PCP na manifestação do Porto, de apoio a Pinheiro de Azevedo.
O mentiroso e o rabuloso.
30/10. Na Assembleia Constitucional discutem-se as expropriações da Reforma Agrária. O PCP defende a sua consagração constitucional. A posição do PS é confusa mas lá vai dizendo que «a posição do PS é em grande parte a defesa das conquistas já feitas da política dos governos anteriores que o sexto governo aceitou...».
Por enquanto o PS não quer levantar muito a lebre da Reforma Agrária. Dentro em breve se verá que a posição do PS não é a defesa «em grande parte», nem em pequena parte, nem em parte nenhuma.
31/10 Na Assembleia Constitucional discutem-se as nacionalizações: Posição de Carlos Lage (PS): «pensamos que [...] todas as nacionalizações [...] são conquistas irreversíveis das classes trabalhadoras e não de qualquer Estado omnipotente ou burocrático [...] Nós entendemos que as nacionalizações não são o socialismo. É preciso ir muito mais adiante». Entre as várias propostas de texto sobre as nacionalizações o PPD preferiu o texto do PS que defendia as nacionalizações «nos sectores básicos da economia e nos serviços colectivos».
O apoio às nacionalizações «nos sectores básicos da economia e nos serviços colectivos» não causou o mínimo embaraço ao PPD. Afinal a Constituição é um simples papel; há as leis e juristas que supostamente a aplicam e as múltiplas revisões. O importante era apoiar o PS-Nove e sua vasta aliança. Note-se a posição de esquerda de Carlos Lage -- «nacionalizações [...] são conquistas irreversíveis das classes trabalhadoras» -- mas sem faltar o remoque dirigido ao PCP, «Estado omnipotente ou burocrático». Era isto que o preocupava. Fora isto, todo prá frentex: «É preciso ir muito mais adiante». O homem não está com meias medidas! Rapidamente se esqueceu destes arroubos revolucionários. Lage é agora um PS puro, «politicamente correcto», presidente da CCDR-N.

    O PS sente-se como peixe na água no sexto governo provisório. É a alavanca de que necessitava para legitimar o golpe contra-revolucionário que prepara activamente com toda a direita; a confessa e a mascarada de extrema-esquerda (MRPP, PCP(ml), OCMLP-FEC(ml), AOC, etc.). O PPD, que desde o 28 de Setembro tinha adoptado um low-profile, sente-se agora encantado por ajudar o PS na preparação da contra-revolução, preparação essa que passa pela flagelação incessante do PCP com vista a passar a imagem a toda a população de que o PCP (e seus aliados) era uma força sinistra, culpada de todos os males, passados, presentes e vindouros. Instaurador da ditadura comunista da altura. Propaganda repetida até à exaustão nos púlpitos das igrejas do Norte e Centro pelo clero reaccionário português (e que continua reaccionário). Agora sim, o PPD começa a assumir um high-profile. A 1/10, Sá Carneiro retoma a liderança do PPD, puxando-o mais para direita, tornando-o na voz da grande burguesia. A 2/10, o PPD faz no Porto uma grande manifestação a favor do governo. A 11/10, Sá Carneiro anuncia no Campo Pequeno sinistros perigos dos comunistas: «a hora que vivemos é a mais grave da nossa história [...] não há poder popular com partido único [...] estamos na última fase do processo comunista para a conquista do poder [!]. Obtido o controlo de quase todos os mecanismos de Estado, prepara-se agora a subversão das forças armadas [!]». Isto tudo quando o PS&PPD dominava o Governo e outras instituições e os «moderados» dos Nove dominavam as FFAA. Um autêntico Goebbels este Sá Carneiro! Ao levantar a balela de «a subversão das FFAA» mostra estar já a par da provocação do 25 de Novembro. Repete isso em Coimbra no dia seguinte «vivemos neste momento a subversão militar», acusando de tal o PCP. Na realidade, por esta altura são já muitos os indícios de que um golpe de direita está em preparação. Mantém a mesma toada de contra-informação a 17/10 -- «fala-se de golpe das direitas para preparar um das esquerdas» --, enquanto Cunha Leal do PPD acusa o PCP na Assembleia Constitucional «de subjugar tudo» e um comunicado do PPD afirma ser «imperioso que o governo defina quem são os seus amigos e os seus inimigos». A 19/10, Sá Carneiro em comício em Aveiro toca a mesma tecla: «um golpe de esquerda poderá estar eminente em Portugal». A 24/10, Sá Carneiro perde a compostura e entra pela via da ignóbil difamação, ao dizer que 150 pides estão a colaborar com o PCP. A 25/5 mantém a farsa do «socialismo» para se colar ao PS: «a social-democracia integra-se na via socialista».
    A direita militar começa a preparar a contra-revolução. A 5/10, tendo o major Dinis de Almeida, comandante do RALIS, afirmado «vamos sofrer novo ataque», P. Azevedo dá ordem para transferir o armamento do RALIS para os comandos! Um gesto claro de preparação da contra-revolução. Só a posição firme de Dinis de Almeida impediu a 7/10 uma entrega das armas. No Porto, o pessoal do CICA, unidade progressista extinta pelo direitista Pires Veloso, transfere-se para o RASP e recusa obedecer a Veloso. Têm lugar confrontos junto ao RASP a 9/10 com apoiantes civis alvejados por elementos civis fascistas e do PPD (63 feridos, 2 graves); os manifestantes aguentaram até serem corridos por um tanque às ordens de um oficial fascista. O PPD veio para a rua apoiar Pires Veloso. Carlos Fabião, CEMGFA, desloca-se ao Porto para apoiar Pires Veloso, anunciando a 16/10 que o RASP «voltou à normalidade». Isto é, Fabião voltou a alinhar com a direita. A 18/10, o País fica a saber que «desapareceram» armas, que iriam ser objecto de intensa pesquisa, segundo declaração do EMGFA. A 28/10, são detidos civis com armas em Azambuja. E não, não são comunistas. De facto, grande parte das armas foram «encontradas» depois do 25/11 nas mãos de Edmundo Pedro (PS) e seus apaniguados. A parte restante continua desaparecida...
    A luta entre trabalhadores e patronato agudiza-se. Os trabalhadores mais conscientes têm uma ideia clara do que se está a passar. Os patrões sentem-se mais confiantes e impunes. A 5/10, trabalhadores e empresários envolvem-se em grave desordem na Figueira da Foz. A 7/10, é anunciada uma greve dos metalúrgicos que querem ver aplicada uma portaria do 5.º Governo Provisório. A 16/10, os trabalhadores da Setenave anunciam estar a viver uma «situação deseperada» por causa do boicote capitalista. Os EUA e países da Europa desencadearam uma tremenda campanha de boicote económico à revolução portuguesa, cuja história correcta e global está por fazer. A direita faz todos os possíveis por desunir os trabalhadores, usando para tal o apoio do MRPP, UDP, etc. O objectivo de desunir os trabalhadores é aprovado na Assembleia Constituinte – que desde a vitória do PS em Abril de 1975 assume cada vez mais o comportamento de uma Assembleia Legislativa: a 1/10 é rejeitada por toda a direita a unicidade sindical.
    Em Outubro toda a direita e extrema-direita agitava o espantalho da guerra civil e de uma possível separação de Lisboa com todo o Sul de Portugal do resto do país. Espantalho que servia apenas de pretexto para o que estava para vir.
    No Alentejo progride a Reforma Agrária. Limitamo-nos aqui a um breve apontamento cobrindo o período de 25/7/75 a 25/11/1975, socorrendo-nos do livro «Reforma Agrária. A Revolução no Alentejo de José Soeiro, do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Beja (ver http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2014/08/a-historia-ignominiosa-do-ps-de-26-de.html )
    
    A Lei da Reforma Agrária foi aprovada no IV Governo Provisório (29 e 30 de Julho), sem nenhuma objecção das forças políticas que aí tinham assento: PS, PPD, PCP, MDP/CDE e MFA. PS e restante direita também não objectaram à Lei depois da publicação. Na altura ainda era cedo para mostrarem a sua verdadeira face.
    Todas as intervenções estatais na zona da Reforma Agrária foram feitas de acordo com a lei e sob controlo dos Conselhos Regionais da Reforma Agrária, com participação de representantes do governo e dos sindicatos dos trabalhadores agrícolas. As intervenções eram analisadas caso a caso, com um sistema de pontuação que tinha em conta a natureza dos terrenos, o tipo de culturas, o estado de aproveitamento agrícola, etc. Já vimos que a lei também previa uma garantia de 50 ha (ajustável) para os agrários atingidos pela expropriação. Além disso, os sindicatos estiveram sempre atentos a manobras provocatórias de grupelhos esquerdistas, impedindo qualquer tentativa de ocupação que não fosse devidamente legal e de acordo com os Conselhos Regionais da Reforma Agrária. Mostraram-se, também, sempre disponíveis a corrigir qualquer situação que pudesse não estar de acordo com as prescrições da lei.
    Aquando da discussão da Lei da Reforma Agrária foram contemplados três modelos jurídicos de propriedade, decorrentes das expropriações: herdades do Estado; cooperativas de produção; herdades colectivas. O Ministério da Agricultura (era ministro Fernando S. Oliveira Baptista, Professor Catedrático do Instituto Superior de Agronomia, conceituado investigador em agronomia, no país e no estrangeiro) definia assim a herdade colectiva (memorando de 12 de Junho de 1975): «é uma unidade produtiva [...] em que a responsabilidade principal pela unidade de produção pertence ao agregado trabalhador e não ao Estado e os meios de produção e os produtos são propriedade deste colectivo de trabalhadores, que todavia continuam a remunerar-se por salários [...]» Foi uma adaptação deste modelo que os próprios trabalhadores vieram a implementar. A 17 de Outubto de 1975, por proposta do sindicato de Beja e por decisão democraticamente expressa pelos trabalhadores é constituída a primeira Unidade Colectiva de Produção Agrícola (UCPA ou UCP) com 68 mulheres e 116 homens, dos quais 57 com menos de 30 anos.
    As UCPs vieram depois a multiplicar-se pelo Alentejo. Promoveram o pleno emprego (logo em 1976 criaram muito perto de 50 mil postos de trabalho, um aumento de 229%), aumentaram a área semeada (em 1976, +154.811 ha, ou seja, um aumento de 181%), aumentaram a produção, nomeadamente das culturas de regadio, e aumentaram a produtividade. Criaram ainda obras de rega, barragens e albufeiras, oficinas mecânicas, instalações para gado, adegas e lagares, celeiros, creches, cooperativas de consumo, etc.; contribuiram, assim, para uma melhoria assinalável das condições de vida. Despertaram uma onda de solidariedade no país e no estrangeiro, nomeadamente na Europa, não só dos países socialistas, com destaque para a URSS (com muitas ofertas de tractores, camiões, alfaias, etc.), mas também de países capitalistas (França, Holanda, Alemanha, Suécia, etc.). Lembramo-nos bem da vinda ao Alentejo de uma delegação holandesa de técnicos agrícolas (não, não eram comunistas) que muito elogiou num relatório a iniciativa, os trabalhos e técnicas usadas pelos trabalhadores das UCPs. Tornou-se, aliás, caso de estudo numa universidade holandesa.
    Logo nos primeiros anos da Reforma Agrária os indicadores económicos das UCPs eram notáveis, conforme ilustram as figuras abaixo.
   
   
    As UCPs, com os traços específicos que lhes deram os trabalhadores do Alentejo, corresponderam a uma experiência socialista plenamente bem sucedida. Foram uma grande demonstração da capacidade dos trabalhadores portugueses de construirem o seu próprio futuro, sem latifundiários e capitalistas. Foram também uma grande demonstração da superioridade socio-económica do socialismo.
    O PS (com toda a direita) berrou contra a Reforma Agrária e as UCPs. Apesar de toda a legalidade que presidiu à sua constituição, chamava-lhes «ocupações selvagens», para meter medo aos pequenos e médios camponeses do Norte e Centro. Mário Soares (o tal do «socialismo autogestionário»; mas o que eram as UCPs senão socialismo autogestionário?) e, mais tarde, António Barreto, foram dos mais encarniçados inimigos das UCPs. Em antes da sua destruição pelos governos PS, este fez tudo para sabotar a Reforma Agrária: aliciamento de trabalhadores para saírem das UCPs e para desanexações oportunistas; aliciamento para transformar as UCPs em herdades do Estado, na mira de que um Estado do PS as viesse a «gerir»; cortes no crédito; não pagamento de produtos entregues ao Estado; roubo da cortiça; roubos armados (GNR) das melhores terras, bem como dos frutos do trabalho e investimentos dos trabalhadores (gados, máquinas, culturas); etc., etc.
    Este ódio de classe tinha várias motivações: o facto de as UCPs constituírem um exemplo dos benefícios do socialismo real (na óptica da direita, um mau exemplo para o povo) e um obstáculo à re-introdução do capitalismo e das práticas semi-feudais dos latifundiários no Alentejo e restante zona de intervenção; o facto de as UCPs, através das suas ligações profundas às comunidades (já vimos que as UCPs criaram barragens, albufeiras, oficinas mecânicas, creches, cooperativas de consumo, etc.), serem um pólo de atracção das populações em geral para uma via socialista; o facto de o Alentejo representar um terço do território nacional e de o único grande partido que estava ao lado dos trabalhadores na Reforma Agrária ser o PCP.
    As UCPs eram a consagração do «Grândola, vila morena» da Revolução Portuguesa: «O povo é quem mais ordena/Terra da fraternidade/Grândola, vila morena//Em cada esquina, um amigo/Em cada rosto, igualdade». Diz com toda a razão José Soeiro no  seu livro: «Nem Cooperativa, nem herdade do Estado, nem divisão de terras, nem exigência de propriedade das mesmas. Eram assalariados dos grandes agrários e como assalariados ficaram, mas de si próprios. Antes, ao serviço de uns poucos. Agora, ao serviço de si próprios e da comunidade em que se integravam. Já não era a terra a quem a trabalhava mas, assumidamente, a terra ao serviço do progresso e do bem-estar de toda a comunidade. Nada do que até então se conhecia pelo mundo fora! Uma nova realidade emanada da utopia de criar uma sociedade livre, mais justa, fraterna, solidária, humanista, de paz e harmonia entre todos! Uma sociedade sem qualquer tipo de opressão ou exploração do homem pelo homem! Uma sociedade orientada pelo supremo objectivo de assegurar e elevar o bem-estar e a qualidade de vida de toda a comunidade! Uma sociedade livre da mesquinhez e da desumanidade capitalistas onde os trabalhadores são usados como mera mercadoria, cujo valor de uso é avaliado apenas pelo lucro que deles se pode obter! Uma sociedade valorizadora do ser humano e respeitadora dos seus direitos fundamentais, há muito reconhecidos, mas não praticados! Uma sociedade onde o Ser se sobreporia ao Ter! Foi essa a utopia que nos animou e que ousámos tentar materializar! Foi dessa utopia que nasceram as Unidades Colectivas de Produção Agrícola, emergentes e base essencial da “Reforma Agrária” - A Revolução no Alentejo!». É isso exactamente que recordamos. Foi isso que o PS destruiu.

Novembro
Notícia
Comentário
2/11. M. Soares em Sacavém: «PS sente-se capaz de formar governo apenas com o MFA».
Com este «MFA» que encarna o «puro espírito do 25 de Abril», agora sim.
7/11. Graves incidentes junto ao Ministério da Comunicação Social: boicote dos trabalhadores à entrada do Secretário de Estado, tenente-coronel Ferreira da Cunha. Diz este: «destruir o 6.º gov é o objectivo da minoria».
Ferreira da Cunha estava conotado com o Grupo dos Nove. Recaíam sobre ele, além disso, suspeitas, apoiadas em documentos, de colaboração com a PIDE/DGS. Não era segredo para os trabalhadores que iria ter como papel a entrega da Comunicação Social ao Capital.
9/11. Manifestação de apoio ao Sexto Governo Provisório e a Pinheiro de Azevedo no Terreiro do Paço em Lisboa.
Esta manifestação é célebre. É a manifestação que consagra e afirma perante o País e o estrangeiro a grande Santa Aliança cujo pivot é o PS-CIA.
Interrompemos aqui o rol de notícias para detalhar o que foi esta manifestação.

Manifestação do 9 de Novembro de 1975
Participantes: PS, Nove&C.ª, PPD, CDS, PPM, PDC, MDLP/ELP, MRPP, PCP(ml), OCMLP/FEC-ml, AOC, grupos reaccionários de retornados das ex-colónias. Por trás, a CIA.
Objectivo: avalizar e autorizar os Nove&C.ª, perante o País e o estrangeiro, a levar adiante o plano do 25 de Novembro de 1975 de terminar a revolução e iniciar a contra-revolução. Para acabar com a «ditadura comunista».
Palavras de ordem: «Pinheiro, em frente, aqui tens a tua gente!», «Vasco há só um, o Lourenço e mais nenhum!», «Pinheiro de Azevedo, em frente, sem medo!», «Socialismo sim, ditadura não!», «Disciplina!», «Retornados estão com o sexto governo!», «Morte ao Cunhal!», «Morte aos SUV e a quem os apoiar!».
   
    A manifestação/comício decorre no Terreiro do Paço com Pinheiro de Azevedo numa varanda, ladeado por Mário Soares e Sá Carneiro. Presente, também, o já idoso capitão Sarmento Pimentel, resistente anti-fascista. Presente, por manipulação do PS (como mais tarde Sarmento Pimentel reconheceu), para «abrilhantar» a sessão. Numa janela, Vasco Lourenço, Melo Antunes, Vítor Crespo, Jorge Campinos (PS), Salgado Zenha (PS). Mais tarde, Mário Soares de punho erguido ao lado de Vasco Lourenço. Bandeiras bem vísiveis do PS, PPD, CDS, PPM e PCP(ml). Grandes faixas do PPD e dos retornados.
    O discurso de Pinheiro de Azevedo, arrastado e cheio de banalidades capciosas, constantemente repetidas («trabalhadores são todos os que trabalham» insinuando que os capitalistas também são «trabalhadores»; «contra-revolucionários são os que não trabalham», só faltando dizer o que diziam e dizem os reaccionários aos trabalhadores sindicalistas, «Vai trabalhar, malandro!», etc.).
    Por cima do ombro, Mário Soares ajuda Pinheiro de Azevedo a ler o discurso. Ouve-se claramente na gravação televisionada a voz de Soares dando-lhe as dicas. Pode-se com toda a legitimidade inferir que o discurso foi escrito por Soares. A certa altura, o cúmulo! Ouve-se Soares a dizer a Pinheiro de Azevedo: «Diga-lhes isso que eles [os manifestantes] gostam!». Sá Carneiro, mais afastado, hirto e com sorriso irónico.
    Pinheiro de Azevedo também diz: «não queremos substituir uma minoria por outra», «custe o que custar as armas têm de regressar aos quartéis», «também eu defendo o Poder Popular». M Soares também perora: «a ambiguidade já nao é possivel», «são precisas medidas concretas para restabelecer a autoridade, punir os culpados e acabar com os bandos armados». Mas não se estava a referir aos caceteiros e aos bandos do MDLP/ELP que incendiavam, agrediam e assassinavam. Não. Referia-se aos comunistas. Que tinham instalado uma tremenda ditadura no País.
   No final, Soares ainda afirmava que a manifestação era uma «grande vitória da democracia» e verberava os «reaccionários mesmo que se chamem comunistas».
    Durante a manifestação são dirigidas provocações aos militares da PM, uma unidade progressista que tinha sido incumbida da protecção à manifestação/comício. As provocações incluiram tiros e ameaças com armas brancas, bem como tentativas de desarmar os soldados. Estes disparam para o ar e não houve feridos entre os provocadores. Vasco Lourenço acabou por intervir, acabando com as provocações. Serviram para num comunicado do PS se afirmar que «O povo português não esquecerá os tiros descontrolados disparados por descontrolados elementos da Polícia Militar que indevidamente vestem as fardas do Exército Português».
    Também não faltou a provocação useira e vezeira da direita nestas andanças. A dado momento rebentam petardos no meio dos manifestantes. Era preciso demonstrar a existência de sinistros comunistas, dispostos a tudo para calar os socialistas. Oportunidade para P. Azevedo gritar teatralmente «O povo é sereno, não há perigo. É só fumaça!». (Como é que ele sabia que não havia perigo?) Oportunidade, também, para M. Soares e Sá Carneiro se cobrirem dramaticamente com um lenço, embora P. Azevedo e outros ao lado não se tivessem coberto. Menor sensibilidade ao fumo ou Soares e Carneiro acharam que um toque dramático ficava bem na TV? Ainda para mais num show para estrangeiro ver? Uma coisa é certa: apesar dos petardos terem rebentado no meio dos manifestantes, não foram encontrados os culpados! Não foram encontrados os sinistros comunistas que os rebentaram. Até hoje! Estranho, muito estranho.
    Certos meios de comunicação não se esqueceram de considerar o discurso de P. Azevedo como «um aviso aoa comunistas e seus ssociados».
   Enfim, uma nojeira. Uma autêntica nojeira no pré-parto do 25 de Novembro e do regime PS-PPD/PSD-CDS que nos governa até hoje. Uma autêntica nojeira que diz bem da ética fundacional dessa gentalha. Mãe de má vida de todas as nojeiras que se sucederam até hoje. Que de parto em parto do «arco da governação» levou à monumental trampa actual.

11/11. PS reuniu com PC espanhol.
Tratava-se da fraude comunista espanhola conhecida por Santiago Carrillo.
16/11. M. Soares fala em unidade dos partidos para a reconstrução nacional, acrescentando: «estamos a assistir a uma tentativa deseperada do PC e seus asseclas para derrubar o sexto governo provisório e implantar um ditadura».
Uma «importante» cimeira do PS, PPD e CDS teve lugar no Porto.
Quanto à «tentativa deseperada do PC» foi pena Soares não mostrar documentos e factos sobre o assunto.
17/11. Viseu: PS e PPD juntos em manifestação de apoio ao sexto governo.
Nesse mesmo dia Spínola pediu apoio aos paises ocidentais ao sexto governo. Curioso, não é? Coincidências!
18/11. Entidades militares desmentem plano de «golpe de direita»: «mais uma provocação» afirmou Vasco Lourenço. «É notícia falsa» diz Costa Gomes.
Iremos ver que não era assim. Iremos ver que Vasco Lourenço mentiu e era participante activo na conjura de direita. Sá carneiro também diz que notícia de golpe é anti-revolucionária. (Grande revolucionário este Sá Carneiro!) Otelo, nesta altura, pensa em mais autocríticas.
20/11. Governo suspende funções por alegadamente não ter condições para governar. Jaime Neves diz que já esperava isto, e Vasco Lourenço afirma: «falta de condições para governar advém das FFAA».
Pois. A golpaça do 25 de Novembro irá proporcionar todas as condições ao sexto governo.
23/11. PS ao ataque em defesa do 6.º governo numa manifestação no Porto. Recusa-se a ter encontro com Costa Gomes e reafirma o apoio a P. Azevedo. Diz num comício: «nunca se implantará em Portugal uma ditadura comunista».
Para o PS, Costa Gomes não está a ser suficientemente colaborante. P. Azevedo, sim. Soares tem razão quando diz «nunca se implantará em Portugal uma ditadura comunista». Nunca se implantará nem nunca se implantou.
24/11. No comício do PS em Vila Real António Barreto pede a demissão do PR.
Estreia do papagaio Barreto.
24/11. O PS em Portalegre repudia num comício o «documento-guia do MFA» sob a palavra de ordem «aqui não há canalha há gente que trabalha».
Pois claro. A «gente de bem» deve temer-se da «canalha». Deve dizer-lhes: «Vai trabalhar, malandro!».

    Durante Novembro surgem várias denúncias, em órgãos nacionais e estrangeiros, de que um golpe de direita estaria em preparação. Logo no dia 2, um oficial denuncia isso, sendo desmentido pelo CEMGFA.
    Otelo continua nos seus dislates. A 2/11 diz que «o poder popular vai sobrepor-se à democracia reprsentativa». A 4/11, que «não é usando linguagem alarmista de esquerda [denúncias do golpe de direita] que se presta serviço à revolução». A 11/11 diz que não participará em mais reuniões do CR com a desculpa que «O CR de revolução tem muito pouco». De facto, é verdade; mas por esse andar também ninguém durante o fascismo o teria combatido. Otelo deserta da luta. A 22/11, diz que irá dirigir a aliança POVO-MFA. A 24/11 é peremptório. «Os partidos politicos têm esfrangalhado a Nação».
    A CIA movimenta-se à vontade. A 4/11, Carlucci diz «tenho confiança no povo português» e nesse dia parte «em visita» para o Norte durante 5 dias.
    Os Nove e toda a direita militar urdem as condições para o 25 de Novembro. A 5/11, é noticiado que os fascistas do MDLP (Kaúlza de Arriaga, Alpoim Calvão) manobram nos bastidores militares. A 7/11, o CR afirma estarem «muitas forças já a trabalhar para que se entre na violência», cortina de fumo que esconde a não repressão dos fascistas e a preparação das próprias golpaças do CR, como por exemplo a dinamitação por sua ordem, a 8/11, dos emissores da R.R., efectuada por tropas pára-quedistas do AMI. Também a explosão com carga plástica à porta do RCP. Muitos outros exemplos do comportamento já contra-revolucionário do CR se podem apresentar, como entregas de armas ao PS (Edmundo Pedro) como se veio a saber mais tarde, e recusa de fornecimento de armas a unidades fiéis à revolução, mesmo quando se tratava de repôr a dotação regulamentar. A 8/11 é desmentida a prática de escutas telefónicas pelo Serviço Director e Coordenador da Informação (SDCI) na dependência do CR, mas sabe-se que de facto existiram e continuariam a existir. A 9/11, são nomeadas pelo CR unidades de prevenção por «tempo indefinido» para «coordenar» a R.R. e reprimir reuniões de trabalhadores; estes perguntam ao CR se a «via original para o socialismo passa pela represão dos trabalhadores?». A 16/11, Costa Gomes diz na TV ir «reestruturar os comandos [das unidades] sem acabar com o Copcon». A 20/11, Pires Veloso, que já recebeu Carlucci, diz que «firme como rocha é a minha posição». A 22/11, a «rocha» que faltava: Vasco Lourenço, planeador do golpe contra-revolucionário do 25 de Novembro, é nomeado comandante da Região Militar de Lisboa.
   Resumindo: ligações aos fascistas; armas para os reaças; escutas activas; comandos de unidades «reestruturados»; Norte (e Centro) firmes como rochas, Vasco Lourenço comandante da RML. A contra-revolução militar está em condições de avançar.
    Os trabalhadores começam a sentir na pele as amabilidades da contra-revolução. A 5/11 o Ministro do Trabalho exonera dois funcionários incomodativos da Comissão de Saneamento. A 7/11, graves incidentes em Santarém provocados pela CAP contra a Reforma Agrária resultam em dois mortos e trinta feridos. A 9/11, o governo anuncia que os problemas salariais de alguns sectores passam à sua exclusiva competência. A 12/11 os trabalhadores da construção civil cercam o Palácio de S. Bento em luta por um aumento salarial prometido e não cumprido. A 14/11, P. Azevedo acede às reivindicações dos trabalhadores. Nesse mesmo dia dão-se recontros no Porto entre assaltantes e defensores na Inter, e o governo anuncia «medidas de austeridade» (vêem como não é novidade?) que incluiem o congelamento da negociação colectiva de contratos trabalho. A 16/11 os profissionais dos Seguros dizem não à Inter.
    Em 25 de Novembro tem lugar o golpe militar contra-revolucionário que acaba com a revolução do 25 de Abril. Segue-se uma brevíssima descrição do golpe.


O Golpe Contra-Revolucionário do 25 de Novembro de 1975
    
    Desde 30 de Setembro de 1975 que a conspiração estava a ser gizada. Sabe-se isso por um esquema de transmissões com essa data, usado pelos conspiradores no 25/11.
   A técnica do golpe é simples e tem sido usada múltiplas vezes ao longo da História: agentes provocadores atiçam ou obrigam alguém ou alguma entidade – «o touro picado» -- a revoltar-se isoladamente para dar o pretexto que «legitima» o desencadeamento da repressão geral.
   As tropas pára-quedistas de Tancos desempenharam o papel de touro picado. Foram instigadas a revoltar-se em resposta a várias manobras do CR e do comandante, general Morais da Silva (colocação de bomba nos emissores da R.R. por oficiais dos páras às ordens do CR, aliciamento para alinharem com Nove, integração no AMI por determinação de Morais da Silva sem conhecimento das tropas e contra a vontade de praças, sargentos e muitos oficiais, etc.). CR, Morais da Silva e oficiais ligados aos Nove funcionaram como agentes provocadores. A 9/11, a situação já se degradou tanto que 123 oficiais saiem de Tancos para se colocar às ordens do EMGFA, enquanto muitos sargentos e praças se colocam às ordens do Copcon.
   A 19/11, é dada a picada final no touro: Morais da Silva determina a passagem a licença registada de 1.200 pára-quedistas de Tancos. Estes 1.200 apresentam-se a Otelo que nada faz. Recorde-se que os pára-quedistas tinham tido um papel proeminente no golpe spinolista do 11 de Março, tendo cercado o RALIS. Muitos, aliás, sem entenderem o que se passava, vindo, no seguimento de esclarecimentos, a ser desmobilizados pelos civis. Ardiam agora de desejos de provar que não eram reaccionários, que estavam ao lado do povo.
    Otelo estava a par de tudo. No seu livro de 1977, diz: «Eu tinha a noção, através das informações de que dispunha, de que o general Ramalho Eanes [...] era o elemento fundamental [...] O plano de operações estaria preparado para ser desencadeado quando a esquerda desse um pretexto [...]»
    Eanes encontrava-se em serviço em Angola aquando da revolução de 25 de Abril. Foi um dos que aderiu ao MFA depois deste ter vencido. Regressado a Portugal, veio a ser nomeado presidente do conselho de administração da RTP. Numa reunião no Regimento de Comandos, já perto do 25 de Novembro (provavelmente a 20 de Novembro), Jaime Neves dá conta de um encontro conspirativo com o então major Ramalho Eanes, Vítor Crespo e Melo Antunes, além de comandantes de algumas unidades da RML; «mas dos honestos», diz Jaime Neves. O plano do golpe fica decidido.
    Na manhã de 25 de Novembro tropas pára-quedistas ocupam o Comando da Região Aérea de Monsanto e detêm o comandante, exigindo a demissão de Morais da Silva.
    É o pretexto esperado para a saída aparatosa das chaimites dos Comandos que «tomam» Monsanto aos pára-quedistas. Nenhuma das unidades conotadas com a esquerda (RALIS, PM, fuzileiros) desencadeou qualquer acção. Não só porque não tinham qualquer plano ou ordem para fazer face à situação, como ainda pela simples razão de que estavam às ordens do Copcon, isto é, de Otelo. E Otelo, que foi preciso ir expressamente chamar a casa na manhã do 25/11, só chega à sede do Copcon às 14H00, abandonando-a logo a seguir para se entregar a Costa Gomes. Otelo abandonava assim vergonhosamente o seu posto de comando. Desertava do 25 de Abril.
    Os vitoriosos e heróicos guerreiros do 25 de Novembro, encabeçados por Eanes de pé numa chaimite, de peitaça p’rá frente em ar de grande conquistador, limitaram-se a prender, sem oposição, no 25/11 e dias seguintes, todos os militares de esquerda. Encerraram-os na prisão de Custóias onde permaneceram sem serem levados a julgamento. Para dar um toque dramático, Costa Gomes decreta o estado de sítio na RML!
    Sobre o 25 de Novembro correram e correm ainda as mais diversas versões dos vencedores (muitas da autoria de elementos do PS, incluindo o sobrinho de Soares). Inventando os mais tenebrosos planos de golpes e contra-golpes da esquerda. Sobre esta pilha monumental de mentiras, sempre a aparecer nas prateleiras das livrarias, inventadas para legitimar a contra-revolução e a recuperação capitalista e latifundiária que se lhe seguiu, basta-nos dizer o seguinte: onde estão os documentos sobre esses tenebrosos planos de golpes e contra-golpes da esquerda, nunca encontrados? Qual era o chefe desses planos da esquerda, que também nunca foi encontrado? A dada altura acusaram o resistente anti-fascista coronel Varela Gomes, de ser esse chefe, mas apesar de ele ter desejado ser levado a julgamento nunca o fizeram. Porquê? Porque razão nunca foram julgados Dinis de Almeida, Duran Clemente, Campos de Andrada, e muitos outros oficiais destacados da esquerda, pelo seu suposto golpe ou contra-golpe do 25/11? A resposta é simples: tais julgamentos teriam liminarmente desmascarado e até posto a ridículo os valorosos vencedores do 25/11. Os relatórios (preliminar e definitivo) sobre o 25/11 também não respondem às nossas interrogações.
    Uma outra monumental balela é a de que os bravos guerreiros vencedores do 25/11 teriam impedido uma guerra civil, de iniciativa da esquerda. Já vimos que, desde Outubro, essa balela vinha a ser propalada. No fundo, é a reedição da «matança da Páscoa» que serviu de pretexto ao putsch spinolista do 11 de Março. Nunca houve, por parte da esquerda, quaisquer planos de uma guerra civil. Quanto á direita, já não estamos tão seguros. Há documentos da CIA que indicam que chegou a ser encarada a invasão de Portugal por parte da NATO e de tropas de Espanha.
    Para finalizar, esta reflexão: do lado dos vencedores existe superabundância documental sobre o papel da CIA; mas não querem lá ver que, depois de todas as investigações e estudos de «imparciais» jornalistas e catedráticos historiadores colados aos vencedores do 25 de Novembro, não foi ainda possível apresentar um único – digo bem, um único – documento demonstrando a esquerda a ser «teleguiada pelo Kremlin» e a existência de militares «a soldo de Moscovo»!