A situação económica e social de Portugal continuou
a deteriorar-se em 2014, pese embora uma ligeira subida do PIB a partir do 4.º
trimestre de 2013, que se está a esboroar, e uma descida da taxa de desemprego
cujo real significado já analisámos em http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2014/10/capitalismo-de-mal-pior-ii.html
. Há poucos dias a Comissão Europeia (CE) divulgou as suas previsões de Outono
para o período 2014-2016.
Vejamos o que nos dizem, aproveitando para comparar estas e outras previsões
dos defensores do neo-liberalismo com os números oficiais.
* *
*
1 - Taxa de Crescimento do PIB
Portugal
começou a aplicar, em 2014, as novas regras contabilísticas do PIB, cozinhadas
pela CE-Eurostat e postas em documento oficial em 2013 ([1-3]). As novas regras (SEC-Sistema
Europeu de Contas-2010) são o cúmulo da nojeira neo-liberal. Destinam-se a
passar a imagem de um mundo melhor do que o mostrado pelas antigas regras,
nomeadamente uma evolução mais «positiva» do PIB e um menor défice. Segundo as
novas regras, em que vale tudo, inclusive estimar (!) a «produção» de
actividades ilegais como o tráfico de drogas, a prostituição e o contrabando, o
PIB dos países europeus em 2014 sobe, milagrosamente,
em média 2,4%; o de Portugal sobe 2,9% ([2,4]). Nos EUA, um sistema semelhante
– pois claro, o Europeu é decalcado do dos EUA – irá aumentar o PIB em 3%. As
novas regras vão também dar uma muito melhor imagem do défice europeu; passará
a ser em 2013 de 85%, em vez dos 92,7% segundo as antigas regras que vigoraram
durante 15 anos ([5]). Entretanto, os técnicos do Eurostat tiveram que rever os
antigos valores de forma a harmonizá-los com os novos valores. Isto é, muitos
dos antigos dados, da base de «contas nacionais» e de «distribuição de
rendimento» do Eurostat, foram para o caixote do lixo tendo sido substituídos
por novos dados. Incluímos no final uma breve análise desta nova nojeira
neo-liberal. Desde já, uma chamada de atenção (para detalhes e justificação ver
abaixo): as contas segundo o SEC2010 perdem
rigor (vários itens baseiam-se em estimativas ad-hoc) e prestam-se a novos cozinhados.
A 6/5, a
OCDE estimava que o PIB crescesse 1,1% em 2014 (variação anual do PIB real). O
governo e o BdP, mais optimistas, previam um crescimento de 1,2% ([6]). A 9/10
o BdP descia a taxa de crescimento para 0,9%. É esta a
estimativa que consta das previsões de Outono da CE. A previsão da OCDE em
28/10 tinha baixado para 0,8% ([7]); a previsão de 15 de Outubro do NECEP/U-Católica
era ainda mais baixa: 0,7% ([8]). A figura que se segue mostra a evolução da
taxa oficial de crescimento anual do PIB (Eurostat) e as sucessivas previsões
da CE. O valor «oficial» que usámos para 2014 é o do NECEP.
O facto de se ter verificado um crescimento positivo do PIB, ainda que
débil, tem servido a postura triunfalista do governo. Neste crescimento
positivo, para além do impacto positivo e artificial do SEC2010 nas contas do
PIB, há também que considerar uma melhoria no clima de negócios da Inglaterra (em
2013 e 2014) e da Alemanha (do 2.º trimestre de 2013 ao 1.º de 2014), grandes
compradores de produtos portugueses. Contudo, se olharmos em detalhe para a
evolução trimestral do crescimento do PIB (figura abaixo, construída com dados
do INE) a impressão que se colhe é bem menos optimista. A variação
trimestre-atrimestre tem vindo a diminuir desde o 4.º trimestre de 2013. Quanto
à variação homóloga, ano-a-ano (e é esta que preferimos pelas razões indicadas
em [9]), registou mesmo um valor negativo (-0,5%) no 1.º trimestre de 2014 e situava-se
no 3.º trimestre nuns minúsculos 0,1%. A economia portuguesa não está livre de
entrar em segunda recessão técnica conforme temem algumas fontes neo-liberais
([10]), um cenário para que já alertávamos em [9]. Seria uma segunda recessão
dentro da evolução da Longa Depressão em que nos situamos (ver os nossos dois
artigos de Outubro sobre o panorama actual do capitalismo).
2 – Dívida Pública (DP)
A DP continua a aumentar. A «austeridade» da troika (austeridade para os
trabalhadores e não para os grandes capitalistas) não produziu efeitos. No OE de
2014 o governo previa que a DP descesse para 126,6% do PIB. Em Outubro a OCDE e
em Novembro a CE, ainda mantinham a previsão de 127,7%. No entanto, um
Documento de Estratégia Orçamental de Abril já fixava a DP em alta ([11]):
130,2%.
No final de Agosto a OCDE tinha subido a
estimativa para 130,8% e o governo tinha ainda subido mais: 130,9% ([12]). É
este o valor que usamos na figura abaixo. Todos os outros valores são os
oficiais da CE-Eurostat. Sempre optimistas, como de costume.
3 – Défice Orçamental (DO)
O défice orçamental
de Portugal situou-se oficialmente em 4,9% em 2013, um valor abaixo dos 5,5% do
PIB, acordados com a troika ([13]). Deveu-se
isto a uma artimanha: a
receita extraordinária obtida com o perdão de dívidas ao fisco e à Segurança
Social, que atingiu os 1.280 milhões de euros. Sem esta artimanha (lançada no
final de 2013) o DO atingiria os 5,7%, ultrapassando a meta da troika. É claro que o perdão de dívidas
é equivalente à venda dos anéis. A situação é «salva» a curto prazo à custa do
agravamento a longo prazo. Daí termos, justificadamente, chamado de artimanha a
«operação» de amnistia fiscal. Os grandes capitalistas, no Estado do Grande
Capital, são constantemente perdoados e amnistiados.
O gráfico abaixo mostra a evolução oficial do
DO com o valor de -4% em 2014 previsto pelo governo, FMI e OCDE em final de
Agosto ([12]). Todos os restantes valores são os das previsões de Outono da
CE-Eurostat (que curiosamente mantém a estimativa de -1,3% para 2014…).
Mas mesmo este valor de -4% parece ser
optimista. O governo reviu a sua estimativa em final de Setembro, fixando-a em
-4,8%, já segundo as regras do SEC2010 ([14]). (No primeiro semestre de 2014 o
DO era de -6,5%! [15])
É possível que o DO se agrave em 2015 com a
venda do Novo Banco a não cobrir os resgates do governo. O próprio PM acabou
por reconhecer em Maio aquilo que já todos sabiam ([16]): «"portugueses
não estão completamente livres" de vir a ter encargos com a solução do BES».
Só que não são todos os «portugueses», mas sim os trabalhadores (empregados e
desempregados), os reformados e os pensionistas.
Quanto ao FMI prevê que o DO de Portugal exceda os 3% do PIB até 2019, ano
em que estima fixar-se em 1,2% ([17]). O FMI tem errado todas as previsões a um
ano. Mas sente-se perfeitamente à vontade para fazer previsão de valores
exactos a cinco anos. Uns pândegos.
4 – Taxa de Desemprego
Uma outra bandeira agitada pelo governo é a da descida da taxa de
desemprego que se situava em 14% em Agosto ([18]). Em finais de Agosto a
previsão para 2014 era de 14,2%. Em Novembro, a previsão da CE-Eurostat era de
14,5%. É este valor que usamos no gráfico abaixo, embora a previsão do FMI no
final de Agosto fosse bem mais alta: 15,7%.
O desemprego em 2013-14 já foi por nós
analisado em http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2014/10/capitalismo-de-mal-pior-ii.html. A descida é explicável pela
emigração, pelos «estágios» e pelos contratos episódicos.
Quanto à
emigração, ela não pára de aumentar (ver figura abaixo). Teoricamente, se todos
os desempregados emigrassem, a taxa de desemprego ficaria em 0%. Na prática, é
óbvio que com o aumento constante da emigração a taxa de desemprego acabará
eventualmente por descer. A descida não se deve, portanto, a nenhum milagre
económico. Pelo contrário. Deve-se às políticas brutais dos governos que atiraram
desapiedadamente os cidadãos para a emigração e para os contratos tremendamente
precários e muito mal remunerados.
As PMEs perderam mais de 350 mil trabalhadores
entre 2008 e 2013 ([12]). Aliás, o número de insolvências continuava a aumentar
segundo dados de Fevereiro ([20]):
Número
de Insolvências
Ano
|
2008
|
2009
|
2010
|
2011
|
2012
|
2013
|
N.º
|
3267
|
4450
|
5144
|
6077
|
7763
|
8131
|
Conforme assinalámos no estudo anterior o
desemprego e a emigração têm vindo a ter realce nas elevadas qualificações, que
representaram um investimento elevadíssimo do Estado ao longo de muitos anos: 12% dos doutorados estão desempregados,
46,4% dos cientistas querem emigrar ou já emigraram.
Assinale-se, ainda, que em Fevereiro se estimava que 81.000 licenciados estavam
sem emprego há mais de um ano.
5 - Balança Comercial
As importações continuam a crescer a
ritmo mais elevado (5,6%) do que as exportações (3,7%), continuando a agravar a
balança comercial. Os dados do INE são:
|
Importações
e Exportações em mil milhões de €
|
|||||
2009
|
2010
|
2011
|
2012
|
2013
|
2014
|
|
Importações
|
13
|
14,1
|
14,6
|
13,8
|
14,3
|
14,7
|
Exportações
|
8
|
9,3
|
10,6
|
11
|
11,6
|
11,8
|
6 - Desigualdade Social e Regabofe do Grande
Capital
Ambos têm aumentado. Ver http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2014/10/capitalismo-de-mal-pior-ii.html.
Quanto ao regabofe do Grande Capital
assinalemos que as dívidas fiscais não dão mostras de
diminuir. Ascendem a 14,02 M€ (milhões de euros) dos quais 81% são dos contribuintes colectivos ([20]). Além disso, 44% da dívida é de devedores que devem mais
de 1 M€.
Entretanto, a alienação dos bens e património
para que contribuíram muitas gerações de portugueses não cessa. Para 2015 já
estão agendadas as seguintes vendas/entregas ao Grande Capital: Empresa de
Manutenção de Equipamento Ferroviário (EMEF), CP Carga, TAP.
* *
*
A situação económica e social continua a
deteriorar-se. A subida episódica do PIB e a descida, inteiramente previsível,
da taxa de desemprego serviram para a propaganda do Governo, ecoada a todo o
instante por todos os meios de comunicação social. Propaganda que tem vindo a
tapar os olhos dos portugueses, transmitindo uma falsa impressão de que «o pior
já passou».
Pensamos,
pelo contrário, que o pior está para vir, conforme
temos vindo a alertar em anteriores estudos neste blog. Num artigo de Junho passado, do semanário Expresso, dizia
assim o autor (Alexandre Abreu, [22]): «Está a formar-se uma gigantesca bolha
especulativa à frente dos nossos olhos. Quando rebentar, a grande recessão
iniciada em 2007 vai entrar na sua segunda fase aguda». Estamos de acordo,
apenas com uma alteração: a recessão de 2007 (iniciada em Dezembro de 1007,
pelo que muitos preferem referi-la como sendo de 2008) tornou-se numa Longa
Depressão. Discorrendo sobre as causas das crises, diz assim o autor: «A um
primeiro nível, mais simples, porque as próprias limitações à rendibilidade do
investimento produtivo na esfera real provocam o afluxo de capital à esfera
financeira, alimentando a formação das bolhas especulativas. Mas a um
segundo nível, mais fundamental, devido ao facto da esfera financeira mais não
fazer do que redistribuir o valor que é criado na economia real.» Também estamos
de acordo; «as próprias limitações à rendibilidade do investimento produtivo»
correspondem, na perspectiva marxista, à queda tendencial e secular da taxa de
lucro a que já nos referimos desde o primeiro artigo em 2012. Quanto às razões
porque se sentem já os sintomas de nova bolha prestes a rebentar, o autor expõe
razões pertinentes que também nos merecem inteira concordância (sublinhados
nossos): «um processo que se tem vindo a passar ao longo dos últimos anos,
incremental e discretamente mas debaixo dos nossos olhos: um gigantesco e crescente desfasamento entre a capitalização bolsista
na generalidade das economias avançadas e a estagnação da esfera real
nessas mesmas economias», «Se fizermos o mesmo exercício para outros contextos
e índices bolsistas (FTSE-100, CAC-40 ou DAX-30, por exemplo), encontramos um
panorama semelhante: enormes aumentos da
capitalização bolsista nos anos mais recentes, impossíveis de justificar com
base no (inexistente) dinamismo da esfera produtiva real», «Ora, se isto não
é uma gigantesca bolha especulativa à espera de rebentar, não sei o que será.
Quando isso suceder, teremos uma nova
crise financeira global -- e quando esta se transmitir à esfera real,
entraremos na segunda fase aguda da grande recessão iniciada em 2007, após
alguns anos de estagnação como interlúdio. Desta vez, será impossível ao sector público absorver parte do choque
da mesma maneira: a política monetária, inclusive não-convencional, já não tem
instrumentos à disposição; e a margem para aumentar o endividamento público é
agora muito mais reduzida. Para o bem ou para o mal, as regras do jogo vão
voltar a mudar.»
Nos
bastidores já se fala em segundo resgate.
O Novíssimo Sistema Europeu de Contas
A Nova Nojeira do Pensamento Neo-Liberal
Comecemos por notar que as «Contas» têm a ver
com o Produto Interno Bruto. Ora, um
«produto», qualquer que ele seja, é o resultado de uma «produção», como toda a
gente sabe. Mas não é assim que o entendem os economistas liberais, para quem o
confusionismo se tornou uma arte e uma segunda natureza (passar o tempo ao
serviço do capitalismo tem destas coisas), logo a partir do pecado original de
considerarem capital e trabalho em igualdade de circunstâncias e de direitos,
como abstractos «factores de
produção». Para eles, quer o capitalista quer o trabalhador, «produzem». Mesmo
que o capitalista se limite a saber ao fim do mês quais foram os seus lucros. Para
eles, também, quer o capitalista quer o trabalhador estão em igualdade de
circunstâncias; o capitalista tem o direito de investir ou não; e o trabalhador
também tem o direito de trabalhar… ou não (!). Armados destes pensamentos
profundos eis que os economistas liberais avançaram para outras paragens. A
produção deixou de ser, não apenas a produção de mercadorias mobiliárias
(incluindo matérias-primas) e imobiliárias, o transporte das primeiras e a
prestação de serviços, para passar a incluir o crédito, os juros, e outros serviços
financeiros. Mas a «produção» financeira subiu para um novo patamar depois do
fim do keynesianismo em meados dos anos setenta. A «produção» financeira passou
a englobar os ganhos em jogatinas de derivados – ganhos que em larga medida
representam um saque dos bens dos trabalhadores e a liquidação da produção real,
conforme já esclarecemos em anteriores artigos sobre este tema.
Acontece que, actualmente, nem esta
«produção» financeira consegue dar uma boa imagem do capitalismo, sujeito às
roubalheiras a que assistimos todos os dias, como as do BPN, BPP, BCP, BES,
etc., aos branqueamentos de dinheiro em offshores,
às extorsões dos «inside traders» e
dos compradores alavancados na licitação de OPAs, aos derivados OTC, e… toda
uma enorme plêiade de artes congéneres. (Ver nossos anteriores artigos sobre a
especulação financeira.)
Havia, mais uma vez, que rever a definição de
«produção». (Alterem nos dicionários, p.f.) Foi o que fizeram os actuais pensadores
neo-liberais. O documento oficial das novas regras da UE ([1]) começa por
definir produção como uma «actividade de uma entidade que resulta em bens ou serviços».
Até aqui, e na enumeração que depois se segue das actividades -- cinco alíneas
de (a) a (e) --, não há muito a apontar. A não ser o conteúdo vago de
«serviços» que dá para tudo. Mas, logo a seguir, aparece: «As actividades
listadas acima nas alíneas de (a) a (e) são incluídas na produção,
independentemente de serem ou não ilegais, ou não sujeitas a imposto, segurança
social, autoridades estatísticas ou outras públicas». Isto é, as actividades
ilegais passaram a ser juntas a outras consideradas da «economia paralela», que
o documento designa por «economia não observada». Uma designação disparatada
porque o que não é observável não pode ser medido nem estimado. Para todos os
efeitos práticos é como se não existisse. Mas estes fulanos gostam muito de
inventar designações confusas.
Vem depois a seguinte enumeração das
actividades da «economia não observada» com os nossos comentários entre «[ ]»:
«a) actividades ilegais onde os parceiros
consentem numa transacção económica»
[Aqui entram a prostituição, drogas, contrabando,
etc. Mas não há nada que impeça classificar assim os roubos no BES, por
exemplo. O «consentimento» pode ser a face visível da chantagem ou da
corrupção.]
«b) actividades escondidas ou subterrâneas
onde as próprias transacções não são contra a lei, mas não são reportadas para
evitar escrutínio oficial»
[Um mimo. Dá para tudo. Capitalistas
fraudulentos e ladrões, avante! Um reparo: como é que numa economia não
observada -- mesmo que com o acrescento de «directamente» não observada--, se pode
«observar» que as «transacções não são contra a lei»?]
«c) actividades descritas [por quem?] como
"informais", tipicamente quando nenhuns registos são guardados» [Esta
alínea (c) está contida em (b). Logo, é inútil.]
Mas os brilhantes pensadores neo-liberais não
se ficam por aqui. Podíamos apontar muitos mais disparates, todos destinados a
dar cobertura legal às fraudes financeiras, às falsas contabilizações de gastos
no sector público, e ao uso de ilegalidades para fazer subir o PIB. A certa
altura o documento europeu refere que a as actividades da «economia não
observada» estão nas fronteiras da produção! Isto é, tanto o picheleiro que
conserta uma torneira e é pago sem registo «para evitar escrutínio oficial»
como a prostituta que fornece um serviço (perdão, «uma transacção económica»)
estão na fronteira da produção. Mas o
pior ainda está para vir. Numa secção
específica, denominada «Casos limítrofes» (!), que os cérebros do Eurostat provavelmente
colocaram para aliviar a sua dor de consciência, surge esta preciosa pérola: «As
acções económicas ilegais serão consideradas transacções quando todas as
unidades envolvidas entram nas acções por mútuo consentimento. Assim, compras,
vendas ou trocas de drogas ilegais ou de propriedade roubada são transacções, enquanto
o roubo não o é.» Comentários, para quê? Decididamente a cambada europeia
neo-liberal que nos (des)governa, e se governa à custa do povo, perdeu toda a
vergonha.
*
* *
Relativamente a Portugal os seguintes três itens
do SEC2010 vão influir no PIB:
1) Prostituição, droga e contrabando: aumento
de 0,4% em 2014 ([23]). (O valor destas transacções da «economia não observada»
é obtido por estimativas. Não dá para entender como. Só por regras ad-hoc, mas isto é desvirtuar o que se
entende por estimação.)
2) Registo
das despesas em investigação e desenvolvimento (I&D) como investimento
([2]): aumento de 1,9%. Dantes, estas despesas eram consideradas custos de
exploração da entidade em causa. A passagem a «investimento» é justificada pelo
facto de patentes e direitos de autor poderem resultar da I&D. Fraca
justificação dado que é sabido que só uma pequeníssima parte da I&D resulta
em patentes e direitos de autor. A não ser que se tenha em vista liquidar a
I&D que não produza tal. Como, p. ex., a investigação em áreas teóricas.
3) Outras alterações (uma delas é a de que as
despesas na aquisição de material militar são investimento!):
aumento de 0,1%.
Registe-se
aqui o tom convencido e catedrático que têm os documentos do INE e
principalmente do BdP. Mais papistas que o Papa na afirmação das verdades
absolutas neo-liberais. O do BdP começa por dizer que «A organização da
economia, as relações entre os agentes e sectores económicos são realidades e
conceitos que evoluem com o tempo». Sem dúvida. Só que se esquece de dizer em
que sentido «evoluem» e porquê (ao serviço de que interesses evoluem).
A finalizar
vamos referir ainda duas modificações do SEC2010:
-- O novo
tratamento dado às «entidades com fins especiais» (Special Purpose Entities
-SPE), empresas financeiras tipicamente usadas para esconder dívidas,
propriedade de activos e transacções em offshores.
São estes os «fins especiais» que o INE não esclarece preferindo designá-los
como «veículo de “optimização fiscal”»! (Esta da «optimização fiscal» é um achado.)
As novas regras ditam que os passivos das SPE
controladas pelas administrações públicas no estrangeiro passem a ser contabilizados
nas contas das administrações públicas. Em princípio parece uma medida
positiva. Até nos lembrarmos que o offshore
da Madeira poderá assim transferir para as contas nacionais os seus passivos.
-- «A
fronteira dos activos financeiros foi alargada para permitir uma cobertura mais
ampla dos contratos de derivados financeiros». Toca a contabilizar mais
«produção» de derivados, agora dos famosos contratos OTC, não regulamentados.
Referências
[1] European
System of Accounts ESA 2010, Eurostat-European Comission, 2013.
[2] INE, O Sistema Europeu de Contas – SEC 2010:
impacto nas Contas Nacionais Portuguesas, 2014.
[3] BdP, Eurosistema: Alterações Metodológicas. SEC2010 e BPM6, 2014.
[4] PIB sobe 2,9% com novas
regras estatísticas, http://observador.pt/2014/08/29/ine-pib-sobe-29-com-novas-regras-estatisticas/. A notícia refere: «Sistema europeu de contas (SEC2010), que vigorará
a partir de Setembro, coloca prostituição, tráfico de droga e contrabando no
cálculo do Produto Interno Bruto (PIB), com um aumento de 0,4 pontos
percentuais, segundo avançam responsáveis do Instituto Nacional de Estatística
(INE). “Estas atividades ilegais correspondem a 0,4 por cento do PIB”, realçou
nesta quarta-feira Pedro Oliveira, director de Contas Nacionais do INE, citado
pela Lusa».
[5] Benjamin Fox, New accounting rules save EU deficit, EU Observer, 21/10/2014. http://euobserver.com/news/126169
[6] «OCDE menos otimista do que Governo e
espera que Portugal cresça 1,1%», JN 6/5/2014.
[7] JN 28/10/2014.
[8] Folha Trimestral de Conjuntura, NECEP
(Núcleo de Estudos de Conjuntura sobre a Economia Portuguesa)/CEA Univ.
Católica, 15/10/2014. http://www.clsbe.lisboa.ucp.pt/resources/Documents/NECEP/FTC38NECEP2014T3_sintese.pdf
[10] Paulo Moutinho, Vem aí uma nova
recessão? Ou é exagero dos mercados?, Jornal de Negócios, 17/10/2014, http://www.jornaldenegocios.pt/mercados/bolsa/detalhe/vem_ai_uma_nova_recessao_ou_e_exagero_dos_mercados.html
[11] Dívida
pública supera 130% este ano e só começa a cair em 2015, JN 30/4/2014.
[12] JN 29/8/2014.
[13] Oficial:
Défice português de 2013 ficou nos 4,9%, Dinheiro Vivo, 31/03/2014.
[14] Governo
comunica a Bruxelas défice de 4,8% superior aos 4% previstos, JN 30/9/2014.
[15] Défice
orçamental atinge os 6,5% no primeiro semestre, 30/9/2014.
[16] JN 9/5/2014.
[17] Portugal vai ter défice pelo menos até 2019,
prevê FMI, JN 9/5/2014.
[18] Desemprego
estabiliza nos 14% em Agosto, JN 30/9/2014.
[19] JN 6/2/2014.
[20] Ver o estudo da IGNIOS no JN 7/2/2014.
[21] JN 16/9/2014.
[22] Rebenta a bolha, Expresso, 18
de Junho de 2014.