quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Austeridade em Portugal: Ponto da Situação (2014)

    A situação económica e social de Portugal continuou a deteriorar-se em 2014, pese embora uma ligeira subida do PIB a partir do 4.º trimestre de 2013, que se está a esboroar, e uma descida da taxa de desemprego cujo real significado já analisámos em http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2014/10/capitalismo-de-mal-pior-ii.html . Há poucos dias a Comissão Europeia (CE) divulgou as suas previsões de Outono para o período 2014-2016. Vejamos o que nos dizem, aproveitando para comparar estas e outras previsões dos defensores do neo-liberalismo com os números oficiais.
*    *    *
1 - Taxa de Crescimento do PIB
    
    Portugal começou a aplicar, em 2014, as novas regras contabilísticas do PIB, cozinhadas pela CE-Eurostat e postas em documento oficial em 2013 ([1-3]). As novas regras (SEC-Sistema Europeu de Contas-2010) são o cúmulo da nojeira neo-liberal. Destinam-se a passar a imagem de um mundo melhor do que o mostrado pelas antigas regras, nomeadamente uma evolução mais «positiva» do PIB e um menor défice. Segundo as novas regras, em que vale tudo, inclusive estimar (!) a «produção» de actividades ilegais como o tráfico de drogas, a prostituição e o contrabando, o PIB dos países europeus em 2014 sobe, milagrosamente, em média 2,4%; o de Portugal sobe 2,9% ([2,4]). Nos EUA, um sistema semelhante – pois claro, o Europeu é decalcado do dos EUA – irá aumentar o PIB em 3%. As novas regras vão também dar uma muito melhor imagem do défice europeu; passará a ser em 2013 de 85%, em vez dos 92,7% segundo as antigas regras que vigoraram durante 15 anos ([5]). Entretanto, os técnicos do Eurostat tiveram que rever os antigos valores de forma a harmonizá-los com os novos valores. Isto é, muitos dos antigos dados, da base de «contas nacionais» e de «distribuição de rendimento» do Eurostat, foram para o caixote do lixo tendo sido substituídos por novos dados. Incluímos no final uma breve análise desta nova nojeira neo-liberal. Desde já, uma chamada de atenção (para detalhes e justificação ver abaixo): as contas segundo o SEC2010 perdem rigor (vários itens baseiam-se em estimativas ad-hoc) e prestam-se a novos cozinhados.
    A 6/5, a OCDE estimava que o PIB crescesse 1,1% em 2014 (variação anual do PIB real). O governo e o BdP, mais optimistas, previam um crescimento de 1,2% ([6]). A 9/10 o BdP descia a taxa de crescimento para 0,9%. É esta a estimativa que consta das previsões de Outono da CE. A previsão da OCDE em 28/10 tinha baixado para 0,8% ([7]); a previsão de 15 de Outubro do NECEP/U-Católica era ainda mais baixa: 0,7% ([8]). A figura que se segue mostra a evolução da taxa oficial de crescimento anual do PIB (Eurostat) e as sucessivas previsões da CE. O valor «oficial» que usámos para 2014 é o do NECEP.
   

   
    O facto de se ter verificado um crescimento positivo do PIB, ainda que débil, tem servido a postura triunfalista do governo. Neste crescimento positivo, para além do impacto positivo e artificial do SEC2010 nas contas do PIB, há também que considerar uma melhoria no clima de negócios da Inglaterra (em 2013 e 2014) e da Alemanha (do 2.º trimestre de 2013 ao 1.º de 2014), grandes compradores de produtos portugueses. Contudo, se olharmos em detalhe para a evolução trimestral do crescimento do PIB (figura abaixo, construída com dados do INE) a impressão que se colhe é bem menos optimista. A variação trimestre-atrimestre tem vindo a diminuir desde o 4.º trimestre de 2013. Quanto à variação homóloga, ano-a-ano (e é esta que preferimos pelas razões indicadas em [9]), registou mesmo um valor negativo (-0,5%) no 1.º trimestre de 2014 e situava-se no 3.º trimestre nuns minúsculos 0,1%. A economia portuguesa não está livre de entrar em segunda recessão técnica conforme temem algumas fontes neo-liberais ([10]), um cenário para que já alertávamos em [9]. Seria uma segunda recessão dentro da evolução da Longa Depressão em que nos situamos (ver os nossos dois artigos de Outubro sobre o panorama actual do capitalismo).


   
2 – Dívida Pública (DP)
   
    A DP continua a aumentar. A «austeridade» da troika (austeridade para os trabalhadores e não para os grandes capitalistas) não produziu efeitos. No OE de 2014 o governo previa que a DP descesse para 126,6% do PIB. Em Outubro a OCDE e em Novembro a CE, ainda mantinham a previsão de 127,7%. No entanto, um Documento de Estratégia Orçamental de Abril já fixava a DP em alta ([11]): 130,2%.
    No final de Agosto a OCDE tinha subido a estimativa para 130,8% e o governo tinha ainda subido mais: 130,9% ([12]). É este o valor que usamos na figura abaixo. Todos os outros valores são os oficiais da CE-Eurostat. Sempre optimistas, como de costume.
    

3 – Défice Orçamental (DO)
    O défice orçamental de Portugal situou-se oficialmente em 4,9% em 2013, um valor abaixo dos 5,5% do PIB, acordados com a troika ([13]). Deveu-se isto a uma artimanha: a receita extraordinária obtida com o perdão de dívidas ao fisco e à Segurança Social, que atingiu os 1.280 milhões de euros. Sem esta artimanha (lançada no final de 2013) o DO atingiria os 5,7%, ultrapassando a meta da troika. É claro que o perdão de dívidas é equivalente à venda dos anéis. A situação é «salva» a curto prazo à custa do agravamento a longo prazo. Daí termos, justificadamente, chamado de artimanha a «operação» de amnistia fiscal. Os grandes capitalistas, no Estado do Grande Capital, são constantemente perdoados e amnistiados.
    O gráfico abaixo mostra a evolução oficial do DO com o valor de -4% em 2014 previsto pelo governo, FMI e OCDE em final de Agosto ([12]). Todos os restantes valores são os das previsões de Outono da CE-Eurostat (que curiosamente mantém a estimativa de -1,3% para 2014…).
    Mas mesmo este valor de -4% parece ser optimista. O governo reviu a sua estimativa em final de Setembro, fixando-a em -4,8%, já segundo as regras do SEC2010 ([14]). (No primeiro semestre de 2014 o DO era de -6,5%! [15])
    
    
    É possível que o DO se agrave em 2015 com a venda do Novo Banco a não cobrir os resgates do governo. O próprio PM acabou por reconhecer em Maio aquilo que já todos sabiam ([16]): «"portugueses não estão completamente livres" de vir a ter encargos com a solução do BES». Só que não são todos os «portugueses», mas sim os trabalhadores (empregados e desempregados), os reformados e os pensionistas.
    Quanto ao FMI prevê que o DO de Portugal exceda os 3% do PIB até 2019, ano em que estima fixar-se em 1,2% ([17]). O FMI tem errado todas as previsões a um ano. Mas sente-se perfeitamente à vontade para fazer previsão de valores exactos a cinco anos. Uns pândegos.
     
4 – Taxa de Desemprego
    
    Uma outra bandeira agitada pelo governo é a da descida da taxa de desemprego que se situava em 14% em Agosto ([18]). Em finais de Agosto a previsão para 2014 era de 14,2%. Em Novembro, a previsão da CE-Eurostat era de 14,5%. É este valor que usamos no gráfico abaixo, embora a previsão do FMI no final de Agosto fosse bem mais alta: 15,7%.
    
    
O desemprego em 2013-14 já foi por nós analisado em http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2014/10/capitalismo-de-mal-pior-ii.html. A descida é explicável pela emigração, pelos «estágios» e pelos contratos episódicos.
  Quanto à emigração, ela não pára de aumentar (ver figura abaixo). Teoricamente, se todos os desempregados emigrassem, a taxa de desemprego ficaria em 0%. Na prática, é óbvio que com o aumento constante da emigração a taxa de desemprego acabará eventualmente por descer. A descida não se deve, portanto, a nenhum milagre económico. Pelo contrário. Deve-se às políticas brutais dos governos que atiraram desapiedadamente os cidadãos para a emigração e para os contratos tremendamente precários e muito mal remunerados.
     

    
    As PMEs perderam mais de 350 mil trabalhadores entre 2008 e 2013 ([12]). Aliás, o número de insolvências continuava a aumentar segundo dados de Fevereiro ([20]):
   
Número de Insolvências
Ano
2008
2009
2010
2011
2012
2013
N.º
3267
4450
5144
6077
7763
8131
    
    Conforme assinalámos no estudo anterior o desemprego e a emigração têm vindo a ter realce nas elevadas qualificações, que representaram um investimento elevadíssimo do Estado ao longo de muitos anos: 12% dos doutorados estão desempregados, 46,4% dos cientistas querem emigrar ou já emigraram. Assinale-se, ainda, que em Fevereiro se estimava que 81.000 licenciados estavam sem emprego há mais de um ano.
    
5 - Balança Comercial
   
As importações continuam a crescer a ritmo mais elevado (5,6%) do que as exportações (3,7%), continuando a agravar a balança comercial. Os dados do INE são:
    

Importações e Exportações em mil milhões de €
2009
2010
2011
2012
2013
2014
Importações
13
14,1
14,6
13,8
14,3
14,7
Exportações
8
9,3
10,6
11
11,6
11,8
     
6 - Desigualdade Social e Regabofe do Grande Capital
   
    Quanto ao regabofe do Grande Capital assinalemos que as dívidas fiscais não dão mostras de diminuir. Ascendem a 14,02 M€ (milhões de euros) dos quais 81% são dos contribuintes colectivos ([20]). Além disso, 44% da dívida é de devedores que devem mais de 1 M€.
    Entretanto, a alienação dos bens e património para que contribuíram muitas gerações de portugueses não cessa. Para 2015 já estão agendadas as seguintes vendas/entregas ao Grande Capital: Empresa de Manutenção de Equipamento Ferroviário (EMEF), CP Carga, TAP.
   
*    *    *
    A situação económica e social continua a deteriorar-se. A subida episódica do PIB e a descida, inteiramente previsível, da taxa de desemprego serviram para a propaganda do Governo, ecoada a todo o instante por todos os meios de comunicação social. Propaganda que tem vindo a tapar os olhos dos portugueses, transmitindo uma falsa impressão de que «o pior já passou».
    Pensamos, pelo contrário, que o pior está para vir, conforme temos vindo a alertar em anteriores estudos neste blog. Num artigo de Junho passado, do semanário Expresso, dizia assim o autor (Alexandre Abreu, [22]): «Está a formar-se uma gigantesca bolha especulativa à frente dos nossos olhos. Quando rebentar, a grande recessão iniciada em 2007 vai entrar na sua segunda fase aguda». Estamos de acordo, apenas com uma alteração: a recessão de 2007 (iniciada em Dezembro de 1007, pelo que muitos preferem referi-la como sendo de 2008) tornou-se numa Longa Depressão. Discorrendo sobre as causas das crises, diz assim o autor: «A um primeiro nível, mais simples, porque as próprias limitações à rendibilidade do investimento produtivo na esfera real provocam o afluxo de capital à esfera financeira, alimentando a formação das bolhas especulativas. Mas a um segundo nível, mais fundamental, devido ao facto da esfera financeira mais não fazer do que redistribuir o valor que é criado na economia real.» Também estamos de acordo; «as próprias limitações à rendibilidade do investimento produtivo» correspondem, na perspectiva marxista, à queda tendencial e secular da taxa de lucro a que já nos referimos desde o primeiro artigo em 2012. Quanto às razões porque se sentem já os sintomas de nova bolha prestes a rebentar, o autor expõe razões pertinentes que também nos merecem inteira concordância (sublinhados nossos): «um processo que se tem vindo a passar ao longo dos últimos anos, incremental e discretamente mas debaixo dos nossos olhos: um gigantesco e crescente desfasamento entre a capitalização bolsista na generalidade das economias avançadas e a estagnação da esfera real nessas mesmas economias», «Se fizermos o mesmo exercício para outros contextos e índices bolsistas (FTSE-100, CAC-40 ou DAX-30, por exemplo), encontramos um panorama semelhante: enormes aumentos da capitalização bolsista nos anos mais recentes, impossíveis de justificar com base no (inexistente) dinamismo da esfera produtiva real», «Ora, se isto não é uma gigantesca bolha especulativa à espera de rebentar, não sei o que será. Quando isso suceder, teremos uma nova crise financeira global -- e quando esta se transmitir à esfera real, entraremos na segunda fase aguda da grande recessão iniciada em 2007, após alguns anos de estagnação como interlúdio. Desta vez, será impossível ao sector público absorver parte do choque da mesma maneira: a política monetária, inclusive não-convencional, já não tem instrumentos à disposição; e a margem para aumentar o endividamento público é agora muito mais reduzida. Para o bem ou para o mal, as regras do jogo vão voltar a mudar
    Nos bastidores já se fala em segundo resgate.
     
O Novíssimo Sistema Europeu de Contas
A Nova Nojeira do Pensamento Neo-Liberal
    
    Comecemos por notar que as «Contas» têm a ver com o Produto Interno Bruto. Ora, um «produto», qualquer que ele seja, é o resultado de uma «produção», como toda a gente sabe. Mas não é assim que o entendem os economistas liberais, para quem o confusionismo se tornou uma arte e uma segunda natureza (passar o tempo ao serviço do capitalismo tem destas coisas), logo a partir do pecado original de considerarem capital e trabalho em igualdade de circunstâncias e de direitos, como abstractos «factores de produção». Para eles, quer o capitalista quer o trabalhador, «produzem». Mesmo que o capitalista se limite a saber ao fim do mês quais foram os seus lucros. Para eles, também, quer o capitalista quer o trabalhador estão em igualdade de circunstâncias; o capitalista tem o direito de investir ou não; e o trabalhador também tem o direito de trabalhar… ou não (!). Armados destes pensamentos profundos eis que os economistas liberais avançaram para outras paragens. A produção deixou de ser, não apenas a produção de mercadorias mobiliárias (incluindo matérias-primas) e imobiliárias, o transporte das primeiras e a prestação de serviços, para passar a incluir o crédito, os juros, e outros serviços financeiros. Mas a «produção» financeira subiu para um novo patamar depois do fim do keynesianismo em meados dos anos setenta. A «produção» financeira passou a englobar os ganhos em jogatinas de derivados – ganhos que em larga medida representam um saque dos bens dos trabalhadores e a liquidação da produção real, conforme já esclarecemos em anteriores artigos sobre este tema.
    Acontece que, actualmente, nem esta «produção» financeira consegue dar uma boa imagem do capitalismo, sujeito às roubalheiras a que assistimos todos os dias, como as do BPN, BPP, BCP, BES, etc., aos branqueamentos de dinheiro em offshores, às extorsões dos «inside traders» e dos compradores alavancados na licitação de OPAs, aos derivados OTC, e… toda uma enorme plêiade de artes congéneres. (Ver nossos anteriores artigos sobre a especulação financeira.)
    Havia, mais uma vez, que rever a definição de «produção». (Alterem nos dicionários, p.f.) Foi o que fizeram os actuais pensadores neo-liberais. O documento oficial das novas regras da UE ([1]) começa por definir produção como uma «actividade de uma entidade que resulta em bens ou serviços». Até aqui, e na enumeração que depois se segue das actividades -- cinco alíneas de (a) a (e) --, não há muito a apontar. A não ser o conteúdo vago de «serviços» que dá para tudo. Mas, logo a seguir, aparece: «As actividades listadas acima nas alíneas de (a) a (e) são incluídas na produção, independentemente de serem ou não ilegais, ou não sujeitas a imposto, segurança social, autoridades estatísticas ou outras públicas». Isto é, as actividades ilegais passaram a ser juntas a outras consideradas da «economia paralela», que o documento designa por «economia não observada». Uma designação disparatada porque o que não é observável não pode ser medido nem estimado. Para todos os efeitos práticos é como se não existisse. Mas estes fulanos gostam muito de inventar designações confusas.
    Vem depois a seguinte enumeração das actividades da «economia não observada» com os nossos comentários entre «[ ]»:
   
    «a) actividades ilegais onde os parceiros consentem numa transacção económica»
[Aqui entram a prostituição, drogas, contrabando, etc. Mas não há nada que impeça classificar assim os roubos no BES, por exemplo. O «consentimento» pode ser a face visível da chantagem ou da corrupção.]
    «b) actividades escondidas ou subterrâneas onde as próprias transacções não são contra a lei, mas não são reportadas para evitar escrutínio oficial»
[Um mimo. Dá para tudo. Capitalistas fraudulentos e ladrões, avante! Um reparo: como é que numa economia não observada -- mesmo que com o acrescento de «directamente» não observada--, se pode «observar» que as «transacções não são contra a lei»?]
    «c) actividades descritas [por quem?] como "informais", tipicamente quando nenhuns registos são guardados» [Esta alínea (c) está contida em (b). Logo, é inútil.]
   
    Mas os brilhantes pensadores neo-liberais não se ficam por aqui. Podíamos apontar muitos mais disparates, todos destinados a dar cobertura legal às fraudes financeiras, às falsas contabilizações de gastos no sector público, e ao uso de ilegalidades para fazer subir o PIB. A certa altura o documento europeu refere que a as actividades da «economia não observada» estão nas fronteiras da produção! Isto é, tanto o picheleiro que conserta uma torneira e é pago sem registo «para evitar escrutínio oficial» como a prostituta que fornece um serviço (perdão, «uma transacção económica») estão na fronteira da produção. Mas o pior ainda está para vir. Numa secção específica, denominada «Casos limítrofes» (!), que os cérebros do Eurostat provavelmente colocaram para aliviar a sua dor de consciência, surge esta preciosa pérola: «As acções económicas ilegais serão consideradas transacções quando todas as unidades envolvidas entram nas acções por mútuo consentimento. Assim, compras, vendas ou trocas de drogas ilegais ou de propriedade roubada são transacções, enquanto o roubo não o é.» Comentários, para quê? Decididamente a cambada europeia neo-liberal que nos (des)governa, e se governa à custa do povo, perdeu toda a vergonha.
    
*    *    *
    Relativamente a Portugal os seguintes três itens do SEC2010 vão influir no PIB:
   
    1) Prostituição, droga e contrabando: aumento de 0,4% em 2014 ([23]). (O valor destas transacções da «economia não observada» é obtido por estimativas. Não dá para entender como. Só por regras ad-hoc, mas isto é desvirtuar o que se entende por estimação.)
    2) Registo das despesas em investigação e desenvolvimento (I&D) como investimento ([2]): aumento de 1,9%. Dantes, estas despesas eram consideradas custos de exploração da entidade em causa. A passagem a «investimento» é justificada pelo facto de patentes e direitos de autor poderem resultar da I&D. Fraca justificação dado que é sabido que só uma pequeníssima parte da I&D resulta em patentes e direitos de autor. A não ser que se tenha em vista liquidar a I&D que não produza tal. Como, p. ex., a investigação em áreas teóricas.
   3) Outras alterações (uma delas é a de que as despesas na aquisição de material militar são investimento!): aumento de 0,1%.
   
    Registe-se aqui o tom convencido e catedrático que têm os documentos do INE e principalmente do BdP. Mais papistas que o Papa na afirmação das verdades absolutas neo-liberais. O do BdP começa por dizer que «A organização da economia, as relações entre os agentes e sectores económicos são realidades e conceitos que evoluem com o tempo». Sem dúvida. Só que se esquece de dizer em que sentido «evoluem» e porquê (ao serviço de que interesses evoluem).
    A finalizar vamos referir ainda duas modificações do SEC2010:
    -- O novo tratamento dado às «entidades com fins especiais» (Special Purpose Entities
-SPE), empresas financeiras tipicamente usadas para esconder dívidas, propriedade de activos e transacções em offshores. São estes os «fins especiais» que o INE não esclarece preferindo designá-los como «veículo de “optimização fiscal”»! (Esta da «optimização fiscal» é um achado.) As novas regras ditam que os passivos das SPE controladas pelas administrações públicas no estrangeiro passem a ser contabilizados nas contas das administrações públicas. Em princípio parece uma medida positiva. Até nos lembrarmos que o offshore da Madeira poderá assim transferir para as contas nacionais os seus passivos.

    -- «A fronteira dos activos financeiros foi alargada para permitir uma cobertura mais ampla dos contratos de derivados financeiros». Toca a contabilizar mais «produção» de derivados, agora dos famosos contratos OTC, não regulamentados.
     
Referências
[1] European System of Accounts ESA 2010, Eurostat-European Comission, 2013.
[2] INE, O Sistema Europeu de Contas – SEC 2010: impacto nas Contas Nacionais Portuguesas, 2014.
[3] BdP, Eurosistema: Alterações Metodológicas. SEC2010 e BPM6, 2014.
[4] PIB sobe 2,9% com novas regras estatísticas, http://observador.pt/2014/08/29/ine-pib-sobe-29-com-novas-regras-estatisticas/. A notícia refere: «Sistema europeu de contas (SEC2010), que vigorará a partir de Setembro, coloca prostituição, tráfico de droga e contrabando no cálculo do Produto Interno Bruto (PIB), com um aumento de 0,4 pontos percentuais, segundo avançam responsáveis do Instituto Nacional de Estatística (INE). “Estas atividades ilegais correspondem a 0,4 por cento do PIB”, realçou nesta quarta-feira Pedro Oliveira, director de Contas Nacionais do INE, citado pela Lusa».
[5] Benjamin Fox, New accounting rules save EU deficit, EU Observer, 21/10/2014. http://euobserver.com/news/126169  
[6] «OCDE menos otimista do que Governo e espera que Portugal cresça 1,1%», JN 6/5/2014.
[7] JN 28/10/2014.
[8] Folha Trimestral de Conjuntura, NECEP (Núcleo de Estudos de Conjuntura sobre a Economia Portuguesa)/CEA Univ. Católica, 15/10/2014. http://www.clsbe.lisboa.ucp.pt/resources/Documents/NECEP/FTC38NECEP2014T3_sintese.pdf
[10] Paulo Moutinho, Vem aí uma nova recessão? Ou é exagero dos mercados?, Jornal de Negócios, 17/10/2014, http://www.jornaldenegocios.pt/mercados/bolsa/detalhe/vem_ai_uma_nova_recessao_ou_e_exagero_dos_mercados.html
[11] Dívida pública supera 130% este ano e só começa a cair em 2015, JN 30/4/2014.
[12] JN 29/8/2014.
[13] Oficial: Défice português de 2013 ficou nos 4,9%, Dinheiro Vivo, 31/03/2014.
[14] Governo comunica a Bruxelas défice de 4,8% superior aos 4% previstos, JN 30/9/2014.
[15] Défice orçamental atinge os 6,5% no primeiro semestre, 30/9/2014.
[16] JN 9/5/2014.
[17] Portugal vai ter défice pelo menos até 2019, prevê FMI, JN 9/5/2014.
[18] Desemprego estabiliza nos 14% em Agosto, JN 30/9/2014.
[19] JN 6/2/2014.
[20] Ver o estudo da IGNIOS no JN 7/2/2014.
[21] JN 16/9/2014.
[22] Rebenta a bolha, Expresso, 18 de Junho de 2014.