A situação económica de Portugal tem-se agravado de forma substancial nos últimos meses. As recentes demissões de ministros -- a começar pela do principal responsável pelo descalabro da política de austeridade, o ministro das finanças Vítor Gaspar -- reflectem a preocupação da direita com as consequências das políticas de destruição que têm praticado.
Entendamo-nos: a direita, concretamente neste caso o PSD e CDS, só está preocupada com as consequências da austeridade na medida em que isso mina a confiança da parte da sua base social de apoio (pequena burguesia, parte do proletariado) que pode transferir o seu voto e adesão a outros partidos. As consequências terríveis para os padrões de vida dos trabalhadores preocupam tanto a direita agora como sempre a preocuparam; isto é, quase nada. No fundo, a direita só não diz claramente o que o banqueiro Ulrich disse -- «se os sem-abrigo aguentam porque não havemos de aguentar…» -- porque isso poderia ter consequências eleitorais.
A preocupação da direita (incluindo dirigentes do PS) é sempre a mesma: 1 - como manter a confiança da sua clientela eleitoral mais próxima e tradicional; 2 - como manter o povo trabalhador devidamente atrelado às políticas e soluções da direita. O «como» pressupõe aqui «com a finalidade de manter intacto o domínio do grande capital em Portugal». Ora, as condições materiais em Portugal começam a ser demasiado claras, e demasiado denunciadas pelos movimentos populares de contestação, para não deixarem de ter uma influência importante segundo os critérios acima mencionados. Por isso mesmo, políticos direitistas de todas as cores, desde os mais softs (Cadilhe, Mira Amaral, etc.) até aos reaccionários destacados (Manuela Ferreira Leite, Marques Mendes, João Jardim, etc.) têm-se insurgido e mostrado preocupados com o curso que está a ter a política de austeridade (embora fizessem o mesmo se estivessem no poder).
No fundo, a grande manobra política que está em curso é esta: o PSD-CDS pretende branquear-se de culpas do atoleiro em que mergulhou o país, para voltar mais tarde a aparecer de novo, impoluto e de «cara lavada», para, se possível com o PS, voltar no seguimento de novas eleições a continuar as mesmas políticas. E dizemos «se possível com o PS» porque: não é líquido que o PS venha a obter maioria absoluta em novas eleições; o próprio PS já mostrou por meias palavras que estaria aberto a alianças à direita no âmbito da apregoada «reforma do Estado». A participação de Seguro com Portas na recente reunião do clube Bilderberg (http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2013/06/seguro-portas-na-internacional.html) e, logo a seguir, a súbita «boa vontade» do governo em aprovar 8 das 10 medidas propostas por Seguro (medidas todas elas cosméticas, que não tocam no cerne do problema) são mais uma indicação de uma certa convergência da direita «tout court» com a direita «social court».
Vejamos, agora, quais os números do desastre, números tão graves que mereceram uma menção especial sobre Portugal nos noticiários de canais internacionais de TV , como Al-Jazeera, RT, CNN e France24. (Num dos canais o repórter entrevistado em Lisboa começou assim a sua alocução: «Portugal, considerado o melhor aluno da austeridade…». Isto é, segundo o repórter e segundo muitos outros de que o repórter recebeu a frase, Portugal é visto no estrangeiro como um aluno obediente, que diz sempre sim aos mestres estrangeiros, que nunca protesta, para quem está tudo bem. Já era essa também a imagem transmitida por Selassie, representante da troika pelo FMI, quando disse em Lisboa que apreciava o facto do povo português não ser como o grego, ser bem comportado. Talvez se enganem.)
Dívida Pública
A dívida pública estava em cerca de 94% do PIB quando o governo Sócrates pediu o resgate. Tem, a partir daí, vindo sempre a subir: 108,3% no início de 2012 e estimava a UE que fosse de 123,6% no final de 2012. Já está (final do 1.º trimestre de 2013, segundo o Banco de Portugal) em 127,3%!
Défice Orçamental
Depois do folhetim do final de 2012, em que com truques de malabarismo Vítor Gaspar veio afirmar que o défice tinha cumprido a meta de 5% estabelecida com a troika (ver http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2013/02/austeridade-em-portugal-ponto-da.html), veio a saber-se que houve uma matreirice do governo que não pegou na UE, ficando o défice estabelecido em 6,4%. No final de Maio de 2013 a UTAO (Unidade Técnica de Apoio Orçamental) de Bruxelas veio declarar que o défice orçamental estava no final do 1.º trimestre de 2013 em 8%! Isto é, quase tanto como quando se pediu o resgate!!!
PIB
O crescimento do PIB continua negativo desde há 10 trimestres. Mais: desde o 3.º trimestre de 2011 e até ao 1.º trimestre de 2013 que não parou de se agravar, atingindo -4% (ver http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2013/06/pib-portugal-e-os-outros-ii.html). O valor para o 2.º trimestre de 2013 deve ser próximo, embora a Comissão Europeia diga que pode ficar em -2,3% no final do ano.
Desemprego
A taxa de desemprego continua a aumentar. No 2.º trimestre de 2013 situava-se em 17,7%, admitindo a UE que possa subir para 18,2% até ao final do ano (já está em 18,6% na região Norte). Provavelmente subirá ainda mais e ainda os números oficiais não reflectem a tremenda taxa de desemprego entre os jovens que rondará os 40%. Portugal é já, a seguir à Espanha, o país da UE com maior taxa de desemprego.
Outros indicadores ajudam a complementar a imagem de destruição económica de Portugal:
A dívida externa continua elevada e ao nível da de 2012, as insolvências continuam a aumentar, a produção industrial a baixar, a balança comercial continua negativa (-684 milhões de € em Abril de 2013, vindo a agravar-se relativamente a Janeiro, apesar dos esforços de aumento das exportações e da contracção das importações dada a contracção no consumo), a implementação da austeridade continua a cortar nos salários, nas pensões e noutros benefícios sociais. O recente relatório da Comissão Europeia (JN 27/7/2013) estipula um enorme conjunto de medidas aterradoras para a economia portuguesa, nomeadamente a necessidade de efectuar mais privatizações e de, em 2015, descer o valor médio das reformas em 37%!!!
Entretanto, a falta de confiança na economia portuguesa relativamente à capacidade de pagar os empréstimos, impõe condições cada vez mais penalizadoras do pagamento de juros aos bancos, fundos de investimento e empresas de serviços financeiros, que detêm dívida portuguesa: a taxa de juro dos bilhetes de tesouro a 10 anos (BI-10) que chegou a situar-se em níveis de 6% no final de 2012-início de 2013 (motivando na altura uma grande operação de propaganda do governo), subiu novamente acima de 8%, considerada uma «barreira psicológica» para os investidores; acima de 8% os BI-10 são tóxicos.
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O desprezo da direita pelos interesses do povo trabalhador é, como seria de esperar, abissal. Para dar um exemplo, Vítor Gaspar teve a «lata» de, no próprio dia em que pediu a demissão, assinar um despacho em que impõe ao Fundo de Reserva de Segurança Social (aquele que confere alguma garantia às pensões futuras dos portugueses) a obrigação de comprar até 4 biliões de euros da dívida pública portuguesa até 2015 (JN 4/7/2013). Um acto, quanto a nós inconstitucional, autêntico assalto criminoso às poupanças de anos e anos de gerações de portugueses, assalto que coloca em perigo a vida futura de milhões de portugueses. Acto que deveria num futuro governo de esquerda merecer um julgamento e punição exemplares.
Entretanto a corrupção continua sempre em aumento. No círculo dos muito ricos -- que aliás ainda ficaram mais ricos em 2012, com os sete mais ricos a verem a sua fortuna a aumentar em 621 milhões de euros! (JN 30/6/2013) -- vive-se um clima de «depois de nós, o dilúvio!». Portugal tem vindo a ficar em cada vez pior posição no «Corruption Perceptions Index». A corrupção vem corroendo e envolvendo como um polvo todas as instituições portuguesas, de forma mais aberta ou encapotada, desde procedimentos em nomeações e realização de concursos tendentes a apurar os «amigos», passando pelo sistema judicial, e indo até aos «arranjos» de fixação de preços entre empresas (como EDP, transportes, comunicações, etc.) e o sector financeiro, «arranjos» que alimentam défices de biliões de euros que mais tarde os bancos vão receber por via dos resgates (ver http://www.youtube.com/watch?v=KhH3diNzhRQ, onde o economista José Gomes Ferreira, uma das raras vozes lúcidas da televisão, entrevistado pela SIC em 25/3/2013, esclarece bem a questão). Isto é, o povo é roubado duplamente: roubado pelos preços elevados e roubado mais tarde para realimentar os cofres bancários -- isto é, roubado a favor dos tubarões e cúmplices que controlam os cofres bancários.
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O capitalismo não tem soluções. O investimento privado tem vindo a decair (caiu 9,9 biliões de euros em 2012 segundo dados do Banco de Portugal) e a rendibilidade nas indústrias continua baixa (ver última figura de http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2013/06/o-restauro-do-euro-meio-cheio-ou-meio.html) apesar da queda brutal dos salários (quarta maior descida na UE, cuja média de salários aumentou 1,9%). A solução capitalista da austeridade é uma solução de miséria: colocar os trabalhadores (incluindo os dos serviços e da «classe média»: professores, quadros técnicos, etc.) numa situação tão miserável que os capitalistas os possam contratar por uma «tigela de arroz». Assim, sim, com salários de miséria e impostos baixíssimos das empresas que já não têm de alimentar os gastos na saúde, educação e benefícios sociais, assim, sim, a rendibilidade do capital produtivo aumentaria e os investimentos também. Sem isso, só resta ao grande capital continuar a saquear o povo e a fazer aplicações especulativas de capital nos mercados de valores mobiliários onde as rendibilidades podem ser elevadas (e, quando há perdas, lá está o Estado --isto é, nós -- para os socorrer). Isto, sem falar nas fraudes de grandes capitalistas que constantemente os media divulgam, fraudes que correm impunes ou quase, com penas reduzidas, em que os arguidos entretanto já colocaram desde há muito tempo o produto das fraudes em offshores a render bons proventos para eles e familiares.
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Já se fala em novo resgate. Mas a questão que se coloca é como Portugal irá pagar novos empréstimos se já nem sequer consegue pagar os actuais (ver também http://www.eugeniorosa.com/Sites/eugeniorosa.com/Documentos/2012/25-2013-situacao-pos-troika.pdf). De facto, a situação em que se encontra Portugal é a de país neocolonizado sujeito a diktats políticos e económicos de grandes bancos internacionais, quer da Zona Euro e com influência no BCE (com destaque para bancos alemães -- Deutsche Bank AG, Norddeutsche Commerzbank AG, Landesbank, etc. --, holandeses -- ING Bank, Rabobank --, franceses – BNP Paribas, Société Générale – e belgas -- KBC Bank, Dexia), quer fora da zona euro (como o HSBC). Todos eles com os seus homens-de-mão no BCE e no FMI, já que são eles que em boa parte suportam esses organismos (no caso do FMI como coadjutores de proeminentes «colegas» americanos). De um país que, segundo as últimas estatísticas demográficas do INE está cada vez com menos habitantes, com habitantes cada vez mais velhos e cada vez com menos dinheiro. Em suma, não há um único ingrediente de tragédia que falte nesta receita, tragédia que vem sendo cozinhada desde o 25 de Novembro de 1975 pelas directivas do grande capital português, subserviente do estrangeiro e traidor aos verdadeiros interesses nacionais. Os cozinheiros foram e são o PS, o PSD e o CDS.