sexta-feira, 12 de julho de 2013

Desigualdade Social: Portugal e os Outros (I)



Já abordámos parcialmente o tema da desigualdade social em Portugal em artigos de Outubro (http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2012/10/os-99-e-os-1.html) e Novembro de 2012 http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2012/11/os-1-do-topo.html, http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2012/11/os-10-e-os-25-do-fundo.html). Neles focámos certas fatias de rendimento das famílias; das muito ricas em contraposição às muito pobres.
No presente artigo (e seguinte) iremos caracterizar a desigualdade social usando um único valor numérico, que caracteriza globalmente a distribuição de rendimento pelos diversos agregados familiares de um país. Esse valor numérico é chamado índice de Gini ([1]) e designá-lo-emos simplesmente por IG. É um valor entre 0 e 1, tanto mais elevado (próximo de 1) quanto maior for a desigualdade na distribuição de rendimento. IG=1 corresponde ao caso extremo e irreal de um único agregado familiar consumir todo o rendimento disponível de um país (desigualdade absoluta); IG=0 corresponde ao outro caso extremo e irreal de todos os agregados terem exactamente o mesmo rendimento (igualdade absoluta).
A utilização do IG para caracterizar a desigualdade de rendimento está muito vulgarizada, conforme o leitor pode verificar por consulta da Internet.
Desde já uma chamada de atenção: caracterizar a distribuição de rendimento por um único numero é bastante redutor. É impossível com um único número transmitir a informação de toda uma curva. Não obstante a redução severa de informação, o IG é útil para fins de comparação rápida e de revelação de evoluções temporais.
No que se segue começaremos por uma breve explicação de como se calcula o IG. O leitor, se desejar, pode saltar por cima dessa explicação delimitada por linhas de asteriscos.

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A figura seguinte mostra a distribuição dos rendimentos nos EUA em 2010. No eixo horizontal temos valores de percentagens do rendimento (anual) face ao rendimento máximo ([2]). No eixo vertical a percentagem de famílias que auferiram rendimento num certo intervalo (representado por uma barrinha cinzenta).

Distribuição do rendimento nos EUA em 2010 com os quintis assinalados.

Inspeccionando a figura, vê-se, por exemplo, que cerca de 2% de agregados familiares dos EUA auferiram (em 2010) rendimentos num pequeno intervalo em torno de um rendimento cujo valor é de 27,6% do máximo.
Na figura colocámos quatro traços verticais, a tracejado, que dividem toda a gama de rendimentos em 5 intervalos (de Q1 a Q5) de igual percentagem total de agregados familiares: os quintis, assim chamados por representarem 1/5 do total de agregados. Isto é, se o leitor se desse ao trabalho de somar as áreas das barras cinzentas dentro de cada um dos cinco intervalos iria encontrar áreas totais aproximadamente iguais: 20% do total de agregados familiares. A tabela abaixo mostra que percentagem do rendimento total (% PIB, [3]) corresponde a cada quintil, com o último quintil (80 a 100%) subdividido em duas fatias: de 80 a 95% e de 95% a 100%.
                % Famílias            % PIB
                     0-20                      3,3
                   20-40                      8,5
                   40-60                    14,6
                   60-80                    23,4
                   80-95                    29,9
                 95-100                    21,3
A figura abaixo mostra uma forma conveniente de representar os dados da tabela. Segundo o eixo horizontal dispõem-se os valores das percentagens acumuladas de agregados familiares com rendimentos crescentes. Segundo as ordenadas, as correspondentes percentagens acumuladas de PIB. (Nos eixos do gráfico optou-se por representar as percentagens em notação decimal.) Obtém-se um gráfico em «escada» que se pode ler assim: 20% dos agregados familiares (de mais baixos rendimentos) «comem» 3,3% do PIB, 40% dos agregados (idem) «comem» 11,8%  (3,3% + 8,5%) do PIB, etc., 95% dos agregados (idem) «comem» 78,7% do PIB, até que por fim com o consumo brutal dos últimos 5% de agregados mais ricos -- um consumo de 21,3% -- atinge-se os 100% do PIB ([3]).

Distribuição acumulada do rendimento nos EUA em 2010 (traço preto cheio) com área sombreada usada no cálculo do índice de Gini.

Ligando os «degraus» da «escada» obtém-se uma certa curva (a tracejado na figura). Se todas as fatias de agregados familiares «comessem» a mesma percentagem do PIB, a curva a tracejado seria simplesmente a recta diagonal a vermelho: todas as fatias teriam a mesma contribuição para o valor acumulado. O afastamento entre a curva a tracejado e a curva a vermelho -- logo, a área sombreada -- mede, portanto, o afastamento da distribuição real de rendimento face ao ideal de uma distribuição igualitária. A distribuição de máxima desigualdade seria aquela em que uma única pessoa consumiria todo o PIB, correspondendo à «curva» a azul e a uma área de valor ½ .
O índice de Gini é definido como o dobro da área sombreada. Varia, portanto, entre 0 (mínimo de desigualdade para a diagonal a vermelho) e 1 (máximo de desigualdade para a «curva» a azul). No caso da figura, IG = 0,45.
No cálculo do IG não é obrigatório usar os quintis como na figura acima. Quantos mais degraus a «escada» tiver, mais suave será a curva definida pelos degraus e melhor estimado estará o IG. A figura abaixo mostra curvas de rendimentos acumulados em percentagem do PIB para Portugal e no período 1994-2001. Vemos que usando decis (10% de agregados familiares) a curva é mais suave. Neste caso: IG = 0,41 usando quintis e IG = 0,44 usando decis.



Distribuição acumulada do rendimento em Portugal, 1994-2001: a) quintis (IG = 0,41); b) decis (IG = 0,44).

Os países diferem muito quanto ao valor de IG. Por exemplo, a Namíbia, apesar de não ser dos países menos desenvolvidos, tinha em 2003 (ver figura abaixo) o índice de Gini mais alto do mundo: 0,74! (Pode-se argumentar que a Namíbia tem etnias específicas -- hotentotes, bosquímanos, herrero -- cujos padrões de rendimento são necessariamente baixíssimos; contudo, tal justificação não parece convincente dado que estas etnias representam menos de 9% da população.) No outro extremo, temos a Suécia com um dos mais baixos IG do mundo: 0,24 em 2008, conforme mostra a figura abaixo. Portugal, país desenvolvido segundo o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da ONU, tinha em 2008 um IG = 0,35. O Uganda, país subdesenvolvido, tinha em 2009 o IG = 0,44. Quer o IG de Portugal quer o do Uganda eram melhores que o dos EUA em 2010! ([4].)

IG de dois países: a) Namíbia, 1993 (IG = 0,74); b) Suécia, 2008 (IG = 0,24).

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Na tabela abaixo apresentamos os valores dos índices de Gini, ordenados por ordem decrescente, de 124 países. Estes valores dizem respeito ao período de 2005 a 2008, com excepção de 12 países em que se apresentam os valores mais recentes que encontrámos: para 9 deles os valores de IG referem-se a 2005 e 2004; para os restantes três o IG refere-se aos anos de 2001, 1998 e 1995 ([5]). Infelizmente os valores de IG não estão disponíveis para todos os anos; porém, o IG tende a não variar muito num período de poucos anos, sendo tais variações de pouca importância para os nossos fins.
A tabela inclui também os seguintes dados: a percentagem da população abaixo do que é estabelecido a nível de cada país como o limiar de pobreza, PBRZ ([6]); o valor do índice de desenvolvimento humano, IDH ([7]). Todos os valores estão representados em notação decimal como números no intervalo de 0 a 1 (e não como percentagens). O IDH foi criado e desenvolvido por economistas no âmbito do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e do Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH) em 1990. Para além do PIB per capita (em PPC, [8]), o IDH toma também em conta os seguintes critérios (a partir do ano 2010):
·                 O acesso ao conhecimento: anos médios de estudo e anos esperados de escolaridade.
·                 A expectativa de vida ao nascer. Este indicador reflecte as condições de saúde e de salubridade.
Os valores do IDH estão codificados em quatro escalões (os valores usados na tabela são os de 2011): 1 = Baixo Desenvolvimento (43 países da tabela); 2 = Médio Desenvolvimento (37 países); 3 = Alto Desenvolvimento (37 países); 4 = Muito Alto Desenvolvimento (38 países).

Indicadores de desigualdade social de 124 países. A tabela está ordenada por ordem crescente de IG.

Os escalões de IDH estão codificados da seguinte forma:


País
Gini
PBRZ
IDH
País
Gini
PBRZ
IDH
País
Gini
PBRZ
IDH
País
Gini
PBRZ
IDH
SVN
0,234
0,12
0,92
CAN
0,315
0,09
0,97
ISR
0,380
0,24
0,93
USA
0,450
0,13
0,95
SVK
0,237
0,21
0,87
POL
0,320
0,11
0,88
LBR
0,382
0,80
0,36
JAM
0,455
0,10
0,77
SWE
0,240
0,07
0,96
CHE
0,320
0,05
0,96
CMR
0,389
0,40
0,51
MOZ
0,457
0,55
0,37
CZE
0,247
0,09
0,90
TJK
0,326
0,54
0,68
MWI
0,390
0,52
0,46
MYS
0,461
0,08
0,82
DNK
0,251
0,12
0,95
BGD
0,332
0,45
0,52
MLI
0,390
0,47
0,39
RUS
0,462
0,11
0,81
NOR
0,251
0,04
0,97
BDI
0,333
0,67
0,38
MUS
0,390
0,10
0,80
ARG
0,463
0,23
0,86
HUN
0,252
0,09
0,88
GRC
0,334
0,20
0,95
TUR
0,390
0,22
0,80
URY
0,463
0,22
0,86
AUT
0,262
0,06
0,95
AZE
0,337
0,16
0,76
SEN
0,392
0,51
0,50
SLV
0,468
0,40
0,75
FIN
0,263
0,13
0,95
JOR
0,338
0,13
0,77
GIN
0,394
0,44
0,42
MDG
0,472
0,69
0,53
BLR
0,272
0,06
0,82
GBR
0,339
0,14
0,94
BFA
0,395
0,46
0,37
NPL
0,472
0,28
0,53
BEL
0,275
0,15
0,95
LTU
0,340
0,20
0,87
TCD
0,401
0,55
0,39
COG
0,473
0,50
0,62
UKR
0,275
0,28
0,79
TGO
0,344
0,62
0,48
LKA
0,403
0,15
0,74
KEN
0,482
0,46
0,53
NLD
0,276
0,11
0,96
ALB
0,345
0,16
0,81
NIC
0,405
0,46
0,70
CRI
0,489
0,20
0,85
AFG
0,278
0,39
0,40
IND
0,346
0,27
0,61
THA
0,405
0,09
0,79
PAN
0,489
0,33
0,83
HRV
0,280
0,14
0,86
NER
0,346
0,60
0,37
MAR
0,409
0,17
0,65
DOM
0,490
0,38
0,77
BGR
0,282
0,17
0,83
DZA
0,353
0,23
0,75
QAT
0,411
0,00
0,90
PER
0,490
0,36
0,79
SCG
0,282
0,06
0,82
MDA
0,353
0,26
0,72
GEO
0,413
0,43
0,76
ZWE
0,500
0,52
0,38
FRA
0,292
0,13
0,96
VNM
0,356
0,15
0,72
TUN
0,414
0,06
0,76
ECU
0,506
0,35
0,81
KOR
0,292
0,15
0,93
PRT
0,358
0,18
0,90
GAB
0,415
0,33
0,73
GTM
0,507
0,55
0,70
KAZ
0,293
0,15
0,81
IDN
0,359
0,18
0,73
CIV
0,415
0,42
0,43
CHL
0,521
0,14
0,87
ETH
0,298
0,39
0,39
JPN
0,358
0,16
0,96
IRN
0,415
0,18
0,78
PRY
0,521
0,38
0,75
IRL
0,299
0,06
0,96
ROU
0,360
0,14
0,83
MEX
0,423
0,18
0,84
HND
0,525
0,60
0,71
PAK
0,300
0,22
0,56
BIH
0,362
0,19
0,80
SLE
0,423
0,66
0,33
LSO
0,525
0,57
0,50
DEU
0,302
0,14
0,94
MNG
0,365
0,35
0,72
CHN
0,425
0,03
0,76
RWA
0,531
0,52
0,43
AUS
0,305
0,14
0,97
LAO
0,367
0,40
0,61
PHL
0,426
0,26
0,75
ZMB
0,546
0,66
0,45
EGY
0,308
0,22
0,72
UZB
0,367
0,26
0,70
UGA
0,426
0,31
0,49
BRA
0,563
0,24
0,81
ARM
0,309
0,39
0,78
KGZ
0,373
0,40
0,69
GHA
0,428
0,29
0,53
BOL
0,563
0,60
0,72
EST
0,309
0,14
0,87
TZA
0,376
0,33
0,50
NGA
0,438
0,55
0,50
CAF
0,563
0,62
0,35
IRQ
0,309
0,23
0,57
LVA
0,377
0,08
0,86
MKD
0,442
0,25
0,81
COL
0,572
0,42
0,79
ITA
0,310
0,13
0,95
YEM
0,379
0,35
0,57
COD
0,444
0,71
0,36
SYC
0,658
0,18
0,84
ESP
0,313
0,20
0,95
KHM
0,44
0,31
0,58
VEN
0,448
0,33
0,83
ZAF
0,674
0,23
0,67

Vemos que o IG varia nestes países entre um mínimo de 0,234 (Eslovénia) e um máximo de 0,674 (África do Sul). Metade dos países tem IG superior a 0,38. A figura abaixo mostra a distribuição de IG para os 124 países ([9]). 
Distribuição do índice de Gini para 124 países no período 2005-2008.

Poder-se-á perguntar qual o intervalo típico de variação do IG para o período de 2005-2008. A resposta depende do que se entende por típico. Um entendimento razoável corresponde a dizer que são típicos os países com IG nem muito abaixo nem muito acima de 0,38, o valor médio. Consideremos o «muito» como significando um quarto do total de países. Ora, 25% dos países com menor IG têm este indicador abaixo de 0,32; no extremo oposto, 25% dos países com maior IG têm este indicador acima de 0,45. Por outras palavras, o IG de metade dos países igualmente afastado de valores extremos corresponde ao intervalo de 0,32 a 0,45. Tal como é feito para o IDH podemos usar esta informação para escalonar o IG em quatro escalões: IG inferior a 0,32 é considerado «bom»; entre 0,32 e 0,38 como «medíocre»; entre 0,38 e 0,45 como «mau»; finalmente, um IG superior a 0,45 é «péssimo».
*    *    *
Podemos agora tirar as seguintes conclusões:

1 - De acordo com os valores da tabela os EUA e a Federação Russa têm um IG péssimo (respectivamente 0,45 e 0,46), semelhante ao do Império Romano ([10]), mas sem entrar em conta com o rendimento dos escravos, os quais como «instrumentos falantes» por definição não tinham rendimento, embora constituíssem qualquer coisa como um quarto da população. A China tem um mau IG (0,425); o Reino Unido e Portugal um IG medíocre (respectivamente 0,34 e 0,36); a França tem um bom IG (0,29). De todos os países da Europa, com excepção da Letónia, Portugal é o país com maior IG.

2 - O Índice de Desenvolvimento Humano (grosso modo, o estado civilizacional) de um país revela pouco da sua desigualdade social.
A correlação ([11]) do IG com o IDH é baixa (-0,32) embora estatisticamente significativa ([12]); é, assim, possível encontrar muitos países com um bom índice de desenvolvimento humano mas elevada desigualdade social e vice-versa. Por exemplo, o Chile é do escalão 4 de IDH mas tem um IG péssimo (0,52), enquanto o Afeganistão é do escalão 1 de IDH mas tem um bom IG (0,28). Para além do Chile, note-se no escalão 4 a péssima posição dos EUA e da Argentina. Outros países do escalão 4 com IG elevado (maior que o de Portugal em 2008) são o Japão, Israel e o Qatar.
Muitos países da América Latina são do escalão 3 e não primam por um bom IG. Particularmente mal posicionados (com elevada desigualdade social) estão o Brasil, a Bolívia e a Colômbia. Os melhores posicionados são o México e a Venezuela.
Vários países do Leste Europeu são do escalão 3 e têm um bom IG, como a Bielorússia e a Ucrânia.
Quase todos os países africanos são do escalão 1. O de melhor IG é o Níger (0,346). A República Centro Africana e a África do Sul têm o pior IG (0,563, 0,674).

3 - PBRZ está moderadamente correlacionada com IG ([13]): 0,42. Isto não é muito surpreendente dado que PBRZ é definida em termos da distribuição de rendimento. É aquilo que se chama um indicador relativo de pobreza (relativo à distribuição de rendimento).
Na figura abaixo cada país é representado por um ponto, com o valor de IG segundo o eixo horizontal e o de PBRZ segundo o eixo vertical ([14]). A tendência de associação entre IG e PBRZ é patente. Há, contudo, situações muito diversas. Por exemplo, a Libéria corresponde a um ponto no topo de PBRZ, com elevado PBRZ (80%); contudo, o seu IG tem um valor módico (0,38). Para um valor próximo deste IG é possível encontrar países com PBRZ muito baixo, como o Qatar com PBRZ = 0 e IG = 0,41. Portanto, o Qatar -- país rico, com grandes recursos petrolíferos --, do ponto de vista de desigualdade social está ao nível da Libéria!; só que o IG da Libéria se reporta a um panorama geral de muitíssimos baixos rendimentos e, portanto, de uma percentagem de pobreza elevada. Também para o mesmo nível de PBRZ se encontram países com variados IG. Exemplo: África do Sul e Eslováquia têm valores próximos de PBRZ (0,18, 0,21) e díspares de IG (0,67, 0,24).
Se em vez do PBRZ, fixado por cada país relativamente à respectiva distribuição de rendimento, usássemos um indicador absoluto de pobreza -- por exemplo, 2 dólares/dia em paridade de poder de compra ([15]) -- obteríamos uma baixa correlação entre este índice e o IG, não significativa em termos estatísticos. Quer dizer, a tendência que já se vislumbra na figura abaixo (situações muito diversas de IG e PBRZ) sairia drasticamente reforçada se usássemos um indicador absoluto de pobreza: desigualdade social e pobreza são coisas diferentes. Só são parecidos quando se usa o indicador «politicamente correcto» de pobreza relativa. (Ver a crítica que já fizemos a indicadores relativos de pobreza -- definidos, por exemplo, em termos da mediana da distribuição de rendimento -- bem como à estranha visão do Eurostat sobre o assunto, em http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2012/11/os-10-e-os-25-do-fundo.html  tendente a exibir uma imagem da Europa sem pobreza).

Os 124 países representados em termos de IG e PBRZ.

[1] Proposto pela primeira vez no trabalho do estatístico italiano Corrado Gini, (1912) Variabilità e mutabilità, C. Cuppini, Bologna. O índice de Gini pode ser usado para caracterizar outras distribuições, embora aqui só nos interesse aplicá-lo à distribuição de rendimento.
[2] Na realidade não se trata da razão face ao rendimento máximo anual, mas face ao valor de 380 mil dólares. O rendimento máximo em 2010 pertenceu a Bill Gates e atingiu o espantoso valor de 3,71 biliões de dólares. Acima dos 380 mil dólares existe na curva de distribuição uma larga cauda de altíssimos rendimentos a que o IG é «cego». Eis um exemplo de como o IG não mede toda a complexidade da situação.
[3] Nem toda a riqueza contabilizada no PIB é consumida pelas famílias. A análise do PIB pela óptica do consumo é constituída pela soma de três parcelas: remunerações do trabalho (RT), excedente bruto de exploração (EBE), Impostos, incluindo subsídios sobre a produção e importações (IP). O EBE corresponde às mais-valias da exploração económica do trabalho e ao excedente sobre a remuneração do trabalho no caso de trabalho improdutivo (já falámos destes temas em artigos anteriores; ver nomeadamente «Classes Sociais I e II, Maio 2013). Para além do que é consumido pelos agregados familiares, representando as várias classes sociais, é preciso ter em conta que do EBE provém a formação de capital fixo (máquinas, edifícios, etc.) e, do IP, o Estado, além de pagar aos seus funcionários, retira os montantes que necessita para construir escolas, hospitais, equipamentos de autarquias, estradas, etc. Em suma, nem toda a riqueza criada e contabilizada no PIB entra como rendimento dos agregados familiares. Quando no texto se diz «% PIB» deve ler-se «% da fracção do PIB correspondente ao consumo dos agregados familiares».
[4] Vários artigos, livros e meios de comunicação oriundos dos EUA se têm referido à desigualdade social do país, colocando inclusive a questão de se os EUA não se estarão a transformar num país do Terceiro Mundo. Encontra-se um número elevado de referências na Internet sobre este assunto. Para dar alguns exemplos, os EUA estavam em 2010 (segundo um artigo do Huff Post) na 47.ª posição em mortalidade infantil (pior, por exemplo, que Cuba), em 50.ª posição em esperança de vida (pior, por exemplo, que a Bósnia) e gastavam uma percentagem do PIB em educação semelhante à da Etiópia.
[5] Para 25 países europeus usaram-se os dados de 2008 do Eurostat. Para os outros países a fonte de dados mais usada (79 em 99 países) foi o repositório do Banco Mundial (http://data.worldbank.org/indicator/ SI.POV.GINI). Usaram-se também dados do trabalho Ortiz,I., Cummins, M. (2011) A Rapid Review of Income Distribution in 141 Countries, UNICEF para 14 países e do UNU-WIDER para 3 países. Consultou-se também: University of Texas Inequality Project (http://utip.gov.utexas.edu/data. html); NDATA Deininger, Klaus and Lyn Squire, "A New Data Set Measuring Income Inequality", The World Bank Economic Review, 10(3): 565-91, 1996; relatórios da UNDP-United Nations Development Programme; EarthTrends, World Resources Institute. Recorreu-se a publicações específicas para alguns países.
[6] Para além da wikipédia consultou-se a base de dados do Banco Mundial e publicações específicas de alguns países.
[7] Valores de 2006. A fonte de referência é: Human Development Indices, Human Development Report 2006, UNDP-United Nations Development Programme.
[8] O índice do rendimento no cálculo do IDH mede o afastamento do PIB per capita face a um valor mínimo (100$) e um valor máximo (40.000$) usando logaritmos, de forma a impor uma subida constrangida do PIB (detalhes em http://hdr.undp.org/en/statistics/data/calculator). A partir de 2011 o IDH passou a usar o PNBpc em vez do PIBpc.
[9] O chamado histograma da distribuição (de IG por países).
[10] O IG do Império Romano, segundo as melhores estimativas, andaria entre 0,42 e 0,44: Scheidel, W., Friesen, S. (2010). The Size of the Economy and the Distribution of Income in the Roman Empire.  Journal of Roman Studies, 99. Este estudo baseou-se numa grande variedade de documentos. Os valores de IG reportam-se a 150 D.C.
[11] A correlação é uma medida de associação entre duas variáveis, calculada pelo produto dos desvios de cada variável face à respectiva média. Este produto é dividido por um termo de normalização de forma a obter valores entre -1 e 1; em ambos estes casos as variáveis estão totalmente relacionadas entre si, mas no primeiro caso (-1) quando uma aumenta a outra diminui, enquanto no segundo (1) ambas aumentam ou diminuem conjuntamente.
[12] «Estatisticamente significativa» significa que a probabilidade de encontrar o valor em causa e nas condições em causa devido ao acaso é muito baixa. Concretamente, no caso presente, a probabilidade de encontrar, por puro acaso, uma correlação de -0.32 entre duas variáveis respeitantes a um conjunto de 124 países é muito baixa: 0,0003.
[13] A correlação de 0,42 entre IG e PBRZ é um valor estatisticamente muito significativo.
[14] O diagrama de dispersão de IG e PBRZ.
[15] Note-se que é de esperar que o limiar de pobreza usado por cada país para definir PBRZ obedeça a considerações de «politicamente correcto». Uma definição imparcial teria de fixar um certo valor de rendimento mínimo per capita (por exemplo, 1,5 ou 2 dólares por dia) e em PPC (paridade de poder de compra). Dados de pobreza segundo esta perspectiva imparcial existem, mas são mais escassos (muitos países não fazem as contas segundo esta perspectiva).