segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

A Economia convencional: uma pseudociência (VI)

VI. Capital e taxa de lucro
Seguindo o livro de Steve Keen (Professor de Economia e um keynesiano; ver artigos anteriores, nomeadamente o primeiro) vamos abordar neste artigo a questão do capital. Os economistas usam o termo «capital» quer para designar uma quantidade de dinheiro quer um conjunto de maquinaria; neste último caso abstraem das diferenças entre máquinas diversas e usam o valor em dinheiro da maquinaria. Contudo, uma análise do processo produtivo pelo qual mercadorias são produzidas usando outras mercadorias e trabalho, mostra que o valor monetário da maquinaria não pode ser usado como um substituto da quantidade de maquinaria usada na produção.
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A economia convencional fornece uma explicação da taxa de lucro em termos análogos à explicação dos salários que vimos na Parte V (o mercado estabelece o salário tendo em conta a produtividade marginal do trabalho): uma firma procurando maximizar o seu lucro pedirá empréstimo de capital até que a sua contribuição para a produção iguale o custo do empréstimo. O custo do empréstimo é a taxa de juro; a contribuição marginal do capital é a taxa de lucro.
A soma de todas as curvas de procura (pedido de empréstimo) de capital corresponde à curva descendente da procura de mercado de capital. A curva ascendente da oferta de capital dependerá da taxa de juro (logo, das vontades individuais de fornecer capitais). Estamos de novo no cenário áureo da economia convencional, que já vimos repetido mais de uma vez nos artigos anteriores: Uma curva de procura descendente intersecta uma curva ascendente de oferta num ponto de equilíbrio: a taxa de lucro de equilíbrio.
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A questão está em saber se faz sentido agregar as curvas de procura e oferta de capital como se faz no caso de mercadorias e de trabalho. No mercado de capital teríamos milhares de produtos (as mais diversas máquinas e dispositivos, instalações, etc.) figurando na rubrica "capital". Uma alteração do preço do capital afectará numerosas indústrias e, por conseguinte, a distribuição de rendimento. Vamos, então, começar por ver, para uma firma, como exprimir o rendimento de trabalhadores e capitalistas:
Rendimento = salário´n.º de trabalhadores + capital´taxa de lucro
A parcela "salário´n.º de trabalhadores" corresponde ao rendimento dos trabalhadores (para simplificar supomos que todos ganham o mesmo). A parcela "capital´taxa de lucro" corresponde ao rendimento dos capitalistas. Se, por exemplo, investiram 100 mil euros de capital e a taxa de lucro é de 15%, o rendimento dos capitalistas será de 15 mil euros.
Podemos, agora, determinar como varia o rendimento com uma variação do capital:
Variação do rendimento com o capital é igual a:
a)      Variação do salário com o capital ´ n.º de trabalhadores, mais
b)      Variação do capital com o capital ´ taxa de lucro, mais
c)      Capital ´ variação da taxa de lucro com o capital.
O argumento neoclássico para uma firma é o seguinte: o salário e a taxa de lucro não variam com o capital. Pode-se aumentar ou diminuir o capital investido que isso não tem influência sobre o salário e a taxa de lucro. Logo, os termos (a) e (c) valem zero. Por outro lado, como o termo "Variação do capital com o capital" vale 1, obtém-se:
Variação do rendimento com o capital = taxa de lucro
Embora esta igualdade seja uma aproximação razoável para uma firma, ela não pode ser usada para um agregado de firmas porque, obviamente, qualquer variação de capital em uma ou mais firmas irá condicionar a respectiva produção com consequências a nível dos salários e das taxas de lucro. Estas variações irão, assim, alterar a distribuição de rendimento entre trabalhadores e capitalistas, alterando também os padrões de consumo. O mesmo argumento é aplicável ao trabalho.
Na realidade, em vez da crença neoclássica de que é o mercado que determina univocamente a distribuição de rendimento, através dos mecanismos de equilíbrio de preços de mercado que já descrevemos (mecanismos baseados na produtividade marginal do trabalho e do capital), pelo contrário, é a distribuição do rendimento que determina os preços. Distribuição de rendimento em grande parte independente das produtividades marginais do trabalho e do capital, mas fortemente dependente do poder político relativo das duas classes sociais.
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Na economia convencional todos os itens correspondentes a capital são agregados com base nos respectivos preços. Contudo, tal prática corresponde a um círculo vicioso: o preço de um item de capital depende da taxa de lucro, e a taxa de lucro varia quando os preços variam! Steve Keen expõe no seu livro a forma como Piero Sraffa resolveu esta questão da agregação de capitais, tendo em conta a taxa de lucro e a relação entre esta e a relativa repartição de mais valia da produção (excedente sobre o capital e os salários) entre trabalho e capital. Vamos aqui omitir esta exposição que não é importante para os nossos propósitos.
Steve Keen desmonta também o argumento de muitos neoclássicos, com especial relevo dos neoliberais, de que, como disse Milton Friedman, uma teoria não deve ser julgada pelas suas assunções mas sim pelas suas predições (!) Logo, para estes «cientistas» uma teoria pode estar completamente incorrecta; logo que forneça boas predições, está tudo bem! Infelizmente, para eles, ocorreram as crises das bolhas (dot.com, bolhas imobiliárias) e a crise do euro, que bem mostraram quão eficientes foram as «teorias» deles nas predições.
O livro de Steve Keen contém também uma larga e interessantíssima discussão sobre o que chama de «loucura» das metodologias usadas pelos economistas neoclássicos bem como a que erros espantosos de análise pode conduzir a crença neoclássica de que a economia pode ser analisada como se fosse uma sequência de situações estáticas, de equilíbrios estáveis, em vez de, pelo contrário, ter em conta o comportamento dinâmico ao longo do tempo; comportamento dinâmico esse que permite ter em conta a possibilidade de ocorrerem equilíbrios instáveis ([1]).
No próximo artigo iremos abordar a questão de porque razão os economistas neoclássicos «não viram o que estava para acontecer» (Why they didn't see it coming, prafraseando uma afirmação de Ben Bernanke, presidente do Banco Central dos EUA, figura incensada por todos os neoliberais, que afirmou publicamente «we didn't see it coming.») relativamente à Grande Recessão da crise imobiliária dos EUA, crise essa que contribuiu como despoletadora da crise do euro (ver nosso artigo «A Crise do Euro»).

[1] Usando o formalismo matemático, o comportamento estático corresponde a resolver sistemas de equações algébricas; o comportamento dinâmico implica a resolução de sistemas de equações diferenciais, uma área bem mais difícil do que a das equações algébricas. Contudo, com os modernos computadores, lidar com sistemas de equações diferenciais passou a ser bem mais fácil dado poderem ser usados métodos de simulação numérica cuja implementação não levanta especiais problemas. Steve Keen, refere, quanto a isto, o grande conservadorismo da Economia, que se atrasou face a todas as ciências no uso de novas áreas de conhecimento matemático e de cálculo numérico.