segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Charlie Hébdo e a hipocrisia «ocidental» | Charlie Hébdo and the «Western» hypocrisy


    Estamos com os que condenam a matança dos cartunistas de Charlie Hébdo, perpetrada pelos jihadistas islâmicos em Paris. É fácil estar. Basta ser-se anti-fascista. De facto, as milícias jihadistas dos fundamentalistas islâmicos nos diversos países muçulmanos – al-Qaeda, al-Shabab, al-Salaf, Ansar al-Sharia, al-Watan, al-Nour, etc. -- são tropas de choque fascistas desses países.
   Recordemos a definição de fascismo: «ditadura terrorista dos monopólios e latifúndios». Como se sabe, sempre que a chamada «democracia liberal» (democracia ao serviço do grande capital) é incapaz de conter o movimento revolucionário, anti-capitalista, dos trabalhadores, muitos «liberais» convertem-se à solução fascista. A História regista inúmeras demonstrações dessa conversão. Mesmo em tempos não-revolucionários existe sempre uma camada reaccionária da grande burguesia que subsidia grupos fascistas, como tropa de choque contra os movimentos reivindicativos dos trabalhadores e seus partidos. Ora, todos esses jihadistas têm como financiadores elementos da grande burguesia. Por exemplo, a família Bin-Laden é das mais ricas da Arábia Saudita, com interesses em grandes empresas e detentora de grandes latifúndios. Entre os financiadores da al-Qaeda e de outros grupos jihadistas contam-se magnates do petróleo da Arábia Saudita, Kuwait, Bahrain, Qatar, Indonésia, etc. (ver p. ex., [1]), bem como os que controlam o comércio da heroína no Afeganistão. É claro que uma coisa são os financiadores (muitas vezes ocultos), outra coisa são os condottieri fascistas. Assim, o Estado Nazi alemão teve condottieri saídos da pequena burguesia (Hitler) e da média-alta burguesia (Goebbels, Goering), enquanto os financiadores foram os menos-falados donos da Krup, Thyssen, Siemens, etc., bem como os grandes latifundiários da Prússia. Note-se que pagar, armar, treinar  e construir toda a logística de grupos armados custa caro, necessitando de fluxos de financiamento constantes e elevados; necessita de uma «unidade de acção» da grande burguesia. Nos grupos jihadistas, para além dos financiadores poderosos, há também os condottieri da pequena à média-alta burguesia (al-Zawahiri, n.º 2 da al-Qaeda, é um médico saído de uma família rica, Abdel Moneim El Shahat, líder do al-Nour, é um engenheiro e participante de talk shows da TV, Abu Bakr al-Baghdadi, líder do ISIL, é um pequeno-burguês religioso, etc.). Assim, como é de norma entre os condottieri fascistas, encontramos, como líderes dos jihadistas, pequenos e médios burgueses fanatizados por ideologias nacionalistas, raciais e religiosas, assentes em mitologias do passado; não encontramos trabalhadores animados por ideias de progresso e igualdade social. A motivação fundamentalista religiosa do jihadismo não autoriza a classificá-lo numa categoria distinta do fascismo. Os fascismos do Sul da Europa, designadamente os fascismos croata, português e espanhol tiveram uma fortíssima componente religiosa. O fascismo croata dos ustachi foi um fascismo fundamentalista religioso. Na Croácia muitos líderes fascistas eram padres e frades. Campos de concentração onde se cometeram diariamente barbaridades que até chocavam os nazis foram comandados por religiosos. Em nome da fé católica foram perseguidos e mortos por religiosos católicos largos milhares de sérvios pelo simples pecado de serem cristãos ortodoxos. Com isso os ustachi apoderaram-se de riquezas e terras dos sévios. Todos os fascismos se servem de mitologias com raízes nos respectivos povos para fanatizar os seus sequazes. No jihadismo como noutros fascismos a mitologia é a religião.
    Dissemos acima que mesmo em tempos não-revolucionários existe sempre uma camada reaccionária da grande burguesia que subsidia grupos fascistas. Mais do que isso. Todos os dias o imperialismo ianque & C.ª financia grupos fascistas. Oculta ou abertamente. De facto, é sabido como os EUA e aliados financiaram Bin Laden contra o regime progressista do Afeganistão, apoiado pela URSS. De que resultou a queda desse regime e sua substituição pelos taliban. É também sabido como os EUA e aliados ajudaram os jihadistas sunitas que na Síria lutaram contra os movimentos populares e progressistas anti-Assad. Idem, na Líbia. Esta é já uma velhíssima história: em toda a parte do mundo em que um povo se levanta na defesa dos seus interesses, depararemos a breve trecho com EUA e aliados a financiarem grupos fascistas contra o povo. Temos aqui a hipocrisia «ocidental»: atiçam primeiro os cães contra os povos; lamentam depois que os cães lhes mordam nas canelas. Infelizmente os cães não mordem nas canelas dos financiadores do fascismo. Mordem nas canelas dos mais ou menos inocentes – «danos colaterais» --, como os cartunistas do Charlie Hebdo. Alguns dos cartunistas, aliás, não tão inocentes como isso, pois deixavam passar mensagens coloridas de racismo.
   A hipocrisia também está presente na comoção «ocidental» com o atentado à liberdade de expressão de Charlie Hébdo. Democratas e comunistas foram recentemente perseguidos e liquidados na Ucrânia, pela sua liberdade de expressão. O «ocidente» comoveu-se? Não. O governo ucraniano ilegalizou o partido comunista. O «ocidente» comoveu-se com esta falta de liberdade de expressão? Não. No passado 8 de Janeiro o primeiro-ministro fascista ucraniano Yatsenyuk, em visita a Merkel, declarou que foi a URSS que atacou a Alemanha nazi na 2.ª Guerra Mundial. Será que Merkel e o «Ocidente» ficaram chocados com esta liberdade de expressão? Não. Foi ontem noticiado que um blogger saudita conhecido comentou de forma liberal e suave o que se passa no seu país. Foi condenado a 1.000 chicotadas em público, 50 por dia durante 20 dias, por insultos ao Islão. Uma barbaridade. Os EUA e a França, grandes aliados da ditadura fascista da Arábia Saudita, comoveram-se? Não. E poderíamos continuar com a enumeração de casos. O «Ocidente», a França, só se comovem quando a sua liberdade de expressão é posta em causa. Só condenam o terrorismo dos outros; o terrorismo que eles próprios cometem é «defesa da liberdade» (do grande capital).
    Nos dois a quatro milhões de pessoas que dizem ter tido a manifestação de ontem em Paris, constam, sem dúvida, muitos democratas interessados no progresso social, numa sociedade mais justa, livre dos diktats do grande capital. Mas constam também, muitos e muitos milhares dos fascistas de Le Pen, do Bloco Flamengo e do Partido da Liberdade do holandês Geert Wilders, para quem o pretexto da «liberdade de expressão» (fascistas incomodados com a «liberdade de expressão»!) serve objectivos xenófobos e racistas, as leis anti-emigrante e uma UE cada vez mais dividida entre países de 1.ª e de 2.ª, neocolonizados. Para os fascistas europeus a barbaridade terrorista dos fascistas islâmicos foi um achado!
    A manifestação de ontem é também a imagem epitomizada de uma Europa ideologicamente confusa, acreditando na existência de «bons» e «maus» fascistas, albergando carinhosamente em todos os escalões administrativos e educativos os seus «bons» e muito votados fascistas – que ontem passearam promiscuamente lado a lado com democratas -, que ajudam a lutar contra os «maus» fascistas. Mas só quando estes últimos, de «lutadores pela liberdade» em longínquas paragens, se tornam um verdadeiro incómodo em casa.
    We stand with those that condemn the killing of the cartoonists of Charlie Hébdo, perpetrated by the Islamic jihadists in Paris. It’s an easy standing. You just have to be anti-fascist. In fact, the Jihadist militias of the Islamic fundamentalists in the several Muslim countries – al-Qaeda, al-Shabab, al-Salaf, Ansar al-Sharia, al-Watan, al-Nour, etc. – are fascist shock-troops of those countries.
   Let us recall the definition of fascism: “terrorist dictatorship of the monopolies and large landowners”. As is well known whenever the so-called “liberal democracy” (democracy servicing the big capital) is unable to subdue the revolutionary anti-capitalist movement of the workers, many “liberals” convert themselves to the fascist solution. History records numerous demonstrations of this conversion. Even in non-revolutionary times there are always strata of the big bourgeoisie sponsoring fascist groups, as shock-troops against workers’ parties and workers claiming their rights. Now, all those Jihadists have elements of the big bourgeoisie as their financers. For instance, the Bin-Laden family is one of the richest ones of Saudi Arabia, with interests in large corporations and owner of large land estates. Among the financers of al-Qaeda and other Jihadist groups one finds the oil magnates of Saudi Arabia, Kuwait, Bahrain, Qatar, Indonesia, etc. (see e.g., [1]), as well as those controlling the heroin trade in Afghanistan. Of course, one thing are the financers   (often inconspicuous), another thing are the fascist condottieri. As is well-known the German Nazi State had its condottieri coming from the petty-bourgeoisie (Hitler) and the upper-middle bourgeoisie (Goebbels, Goering), whereas the financers were the less conspicuous owners of Krup, Thyssen, Siemens, etc., as well as the big landowners of Prussia. Note that paying, arming, training and building the whole logistics of armed groups requires steady and large financing flows; requires a “unity of action” of the big bourgeoisie. In the Jihadist groups, besides the powerful financers, one also encounters the condottieri from the petty to the upper-middle bourgeoisie (al-Zawahiri, al-Qaeda’s no. 2, is a physician from a rich family, Abdel Moneim El Shahat, leader of al-Nour, is an engineer and participant of TV talk shows, Abu Bakr al-Baghdadi, leader of ISIL, is a religious petty-bourgeois, etc.). Thus, as the rule goes among fascist condottieri, we find as Jihadist leaders petty and middle bourgeois fanaticized by nationalist, racial and religious ideologies, based in mythologies of the past; we do not find workers animated by ideas of progress and social equality. The fundamentalist religious motivation of Jihadism does not give support to classifying it into a category distinct of fascism. The Southern Europe fascisms, namely the Croatian, Portuguese and Spanish fascisms had a very strong religious component. The Croatian fascism of the Ustachi was a fundamentalist religious fascism. Many of the fascist leaders of Croatia were priests and monks. Concentration camps in the fascist Croatia were commanded by religious cadres. In those camps daily barbarities were committed to the point of even shocking the Nazis. Many thousands of Serbs were persecuted and assassinated by catholic religious cadres for the sole sin of being orthodox Christians. With that the Ustachi took possession of the riches and lands of the Serbs. All fascisms make use of mythologies enrooted in the respective folks, in order to feed the fanaticism of their followers. In Jihadism as in other fascisms, the mythology is the religion.
   We mentioned above that in non-revolutionary times there are always strata of the big bourgeoisie sponsoring fascist groups. There is more to it.. No day goes by without the imperialism Yankee & Co financing fascist groups. In a covert or open way. It is now of common knowledge how the USA and its allies financed Bin Laden against the progressive regime of Afghanistan that had the support of USSR. The result was the fall of that regime and its substitution by the Taliban regime. It is also known how the USA and allies helped the Sunni Jihadists who fought in Syria against the anti-Assad popular and progressive movements. Likewise, in Libya. This is already a very old story: in every part of the world where people raises in defense of its interests, one soon will find USA and allies financing fascist groups against the people. And the “Western” hypocrisy emerges from this fact: they first incite the dogs against the people; they next complain when the dogs bite on their legs. Unfortunately, the dogs do not bite the legs of the financers of fascism. They bite on the legs of the more or less innocent – the “collateral damage” --, such as the cartoonists of Charlie Hébdo. Some of the cartoonists, as a matter of fact, not as innocent as was divulged, inasmuch as they conveyed racist-tainted messages.
    Hypocrisy is also present in the “westerners” being outraged by the attack to freedom of expression of Charlie Hébdo. Democrats and communists were recently persecuted and liquidated in Ukraine, for their freedom of expression. Was the “West” outraged? No. The Ukrainian government illegalized the communist party. Was the “West” outraged with this breech of freedom of expression? No. Last January 8, the Ukrainian fascist prime-minister Yatsenyuk declared, during a visit to Merkel, that it was the USSR that attacked Nazi Germany in the Second World War. Were Merkel and the “West” outraged by this fascist misuse of the freedom of expression? No. Yesterday was published in the news that a known Saudi blogger commented in a soft and liberal way what was going on in his country. He was condemned to 1,000 whiplashes in public, 50 per day, during 20 days, for having insulted the Islam. A barbarity. Did the USA and France, grand allies of the fascist dictatorship of Saud Arabia manifest their outrage? No. And we could go on with this case enumeration. The “Western” world, France, only feel outraged when their freedom of expression is at the stake. They only condemn the terrorism of the others; the terrorism that they themselves carry on is “defense of freedom” (of big capital).
    In the two to four million people announced to have participated in the demonstration yesterday in Paris, there were, no doubt, many democrats interested in social progress, in a more fair society, free of diktats of big capital. But were also many and many thousands of the fascists of Le Pen, of the Flemish Block, and of the Freedom Party of the Dutch Geert Wilders. For them the pretext of “freedom of expression” (fascists bothered with “freedom of expression”!) serve xenophobic and racist objectives, anti-immigrant laws and a EU more and more divided between 1st rate and 2nd rate neo-colonized countries. For the European fascists the terrorist barbarity of the Islamic fascists was a true finding!
    Yesterday’s demonstration also is the epitomized image of an ideologically confused Europe, believing in the existence of “good” and “bad” fascists, tenderly hosting in all administrative and educative ranks its “good” and very voted fascists – yesterday promiscuously walking side by side with democrats --, who help fighting against the “bad” fascists. But only when the latter, from “freedom fighters” in remote regions, become a true nuisance at home.