domingo, 25 de janeiro de 2015

Acerca da recente queda do preço do petróleo

Em finais de Novembro de 2014 o preço do petróleo iniciou uma queda descendente de 75 $ (dólares) por barril de brent crude para 50 $ no início de Janeiro de 2015, fixando-se depois em 47,5 $ (ver gráfico abaixo). Uma queda espectacular de 1/3 do valor inicial em pouco mais de um mês! Porquê?



Fonte: Nasdaq
A explicação simplista
    A explicação simples da causa do fenómeno, aquela que primeiro ocorre à mente, é a da velha lei da oferta e da procura: aumentou muito a oferta de petróleo e diminuiu a procura. É essa explicação que é avançada quer por economistas convencionais quer mesmo por, pelo menos, um economista marxista. Vejamos os termos da explicação.
    No que se refere à procura global de petróleo, esta tem vindo a afrouxar devido ao baixo crescimento da economia a nível mundial, nomeadamente das chamadas economias emergentes; com particular destaque para a China, cuja taxa de crescimento ainda que importante (cerca de 7% do PIB ao ano) tem vindo a decair. Métodos de uso energético eficiente e fontes alternativas de energia, têm dado algum contributo, ainda que muito modesto, para o afrouxamento da procura de petróleo.
    Quanto à oferta, é de assinalar o seu aumento devido à expansão da produção de petróleo e gás nos EUA (e, em menor grau na China e Canadá) pelo método de fracturamento de xistos: o shale fracking (um método muito contestado devido ao nocivo impacto ambiental). Nos EUA – actualmente, o 3.º maior produtor mundial – a produção de crude subiu de forma espectacular nos últimos três anos, passando de 4,5 mbd (mbd = milhões de barris por dia) em 2011 para 7,45 mbd em 2013.
    Portanto, a explicação simples é a do excesso da oferta face à procura, tendo em conta o preço de início de Novembro. Note-se, porém, que nessa altura tal excesso era reduzido. Segundo a AIE (Agência Internacional de Energia) a oferta mundial andaria pelos 93 mbd e a procura mundial em 92 mbd. Um excesso apenas da ordem de 1%.
    Os países produtores de petróleo a partir de jazidas convencionais teriam um meio simples de corrigir esse excesso forçando a manutenção do preço de início de Novembro: baixar a produção.
Que decidiu, porém, o cartel da OPEC que agrupa vários países que são grandes produtores de petróleo? Decidiu algo, à primeira vista, de muito estranho. Comecemos por atentar que quase todos os países da OPEC «vivem» do petróleo; i.e., para quase todos eles a exportação de petróleo corresponde a grande parte do PIB. Se pagasse as despesas orçamentais do Estado só à custa do petróleo a Arábia Saudita, o 2.º maior produtor mundial, precisaria de vender o petróleo não a 47,5 $/barril mas sim a 95 $/barril; a Venezuela precisaria de vender a 105 $/barril; e o Irão bateria o recorde, precisando de vender a 127 $/barril. Portanto, os países da OPEC estão vitalmente interessados na subida do preço do petróleo; logo, estariam interessados em baixar a produção (excepto o Iraque e a Líbia em fase de reconstrução). Contudo, surpreendentemente, na última reunião da OPEC em Viena em 27 de Novembro de 2014, a Arábia Saudita e o Kuwait pugnaram por que a produção aumentasse, baixando ainda mais os preços, indo contra os desejos de outros países, nomeadamente a Venezuela e o Irão. (Recentemente faleceu o rei Abdullah, mas o seu sucessor, príncipe Salman – um «falcão» que supervisionou a entrega de “donativos” da Arábia Saudita aos jihadistas –, irá continuar a política do pai.)
    A justificação dada pela Arábia Saudita (e seus aliados Kuwait, Qatar e EAU), de deixar o preço baixar é de que assim tornaria não rentáveis os frackers dos EUA, removendo-os do mercado. A reunião da OPEC terminou num empate, com a manutenção dos actuais níveis de produção (30 mbd), o que originou um ainda maior decréscimo do preço do petróleo: numa semana passou de 77 $/barril para 67 $/barril, atingindo os 60 $/barril a meio de Dezembro.
    Ora, a justificação da Arábia Saudita parece não ter grandes pernas para andar. Segundo fontes americanas, embora algumas companhias abandonem certas explorações de fracking, pelo menos temporariamente, o mais certo é muitas outras continuarem com a exploração, reduzindo os respectivos custos. Uma coisa é certa: a Administração de Energia dos EUA prevê um aumento da produção de petróleo dos EUA em 2015 de 0,7 mbd. Portanto, o dumping dos preços da Arábia Saudita para supostamente arrumar com os frackers de um país amigo e aliado, tem pouca credibilidade. Tanto mais que vários grandes firmas financeiras de transacções em derivativos de petróleo (o chamado «papel de petróleo»), designadamente a Nomura Securities, já vieram afirmar que prevêem a subida do preço do barril para 55 $ no final do segundo trimestre de 2015 e o regresso aos 80 $ no final do ano.
    A explicação simples é, portanto, simplista. Demasiado simplista, como vamos ver.

A explicação não simplista
    Comecemos por notar que o baixo preço do petróleo é excelente para estimular a economia de países como os EUA, o Canadá, o Japão e a Alemanha, com sectores produtivos importantes e com crescimento económico débil a negativo (respectivamente, 2,7%, 2,6%, -1,2%, 1,2%). (O impacto para Portugal, com grande parte do sector produtivo em mãos estrangeiras, deverá ser reduzido e poderá até ser negativo, por estimular a actual tendência deflacionária desestimuladora de investimento.)
    Por outro lado, é sabido que a Arábia Saudita, o Kuwait e os EAU são grandes aliados do «Ocidente», dos EUA. É pouco credível a ideia desses países em «guerra de preço do petróleo» com o «Ocidente».
Efectivamente, a explicação da baixa do preço de petróleo nada tem a ver com uma suposta oposição Arábia Saudita vs. EUA. Muito pelo contrário. Ambos estão concertados nesse objectivo. Aquilo que pretendem é atacar precisamente os países cuja economia assenta em larga medida na exportação de petróleo e gás natural. Já mencionámos dois: a Venezuela e o Irão. A Venezuela, em particular, enfrenta neste momento graves dificuldades (desemprego e inflação elevadas) dada a enorme baixa de receitas do sector petrolífero.
    Mas há um outro país cuja economia está a ser alvo de ataque: a Rússia. A Rússia é o 1.º exportador mundial de petróleo e gás natural, que contribuem com mais de 75% das receitas das exportações e metade do activo orçamental do Estado. A queda do preço do petróleo e consequente quebra dos proventos do comércio externo, combinada com as sanções do «Ocidente», tem vindo a afectar as reservas em moeda estrangeira da Rússia para pagamento de créditos (600 biliões de dólares), levando o rublo a desvalorizar-se face ao dólar em cerca de 40% neste último ano. O gráfico no final do presente artigo mostra a evolução do rublo em pouco mais de dois meses, desde Outubro passado até meados de Dezembro. Note-se como, estando o rublo a estabilizar a partir do início de Novembro, e até com tendência para subir devido aos esforços da administração russa, foi precisamente a «machadada» da Arábia Saudita a 27 de Novembro que fez o rublo mergulhar.
    Por conseguinte, a queda do preço do petróleo não é apenas a consequência da oferta e da procura. Para além de estimular a economia de pivots «ocidentais», foi deliberadamente usada como arma económica pelos EUA e seus aliados do Médio Oriente. Com três países atacados: a Venezuela, cuja revolução bolivariana, apesar das suas debilidades, é suficientemente incomodativa dos interesses norte-americanos; a Rússia, travão da progressão do Império, sob os estandartes da NATO, nach Osten; o Irão, aliado do governo sírio, rival xiita das milícias sunitas patrocinadas pela Arábia Saudita, que se opõe à progressão do Império no Médio Oriente. Ao mesmo tempo a Arábia Saudita pune a Rússia e o Irão pelo apoio que prestam ao regime de Damasco.
    Quanto à Rússia, foi o próprio Obama que se referiu ao petróleo numa longa entrevista que concedeu à NPR (grande corporação da rádio do EUA) em 29/12/2014: «E se, efectivamente, formos firmes na aplicação da pressão das sanções -- o que temos sido --, isso em devido tempo tornará suficientemente vulnerável a economia da Rússia, de tal forma que quando houver ruptura séria do preço do petróleo – que, inevitavelmente virá a ocorrer, se não for este ano, será no próximo ano ou no seguinte – «eles» terão enorme dificuldade em gerir isso» (tradução e ênfases nossos).
    Em suma, o petróleo está a ser usado pelo Império como arma de sabotagem económica. Uma arte em que a administração norte-americana e a CIA dispõem de larguíssima experiência. Basta recordar a sabotagem económica do Chile de Allende em 1973, feita pelos EUA com o dumping do preço do cobre.
    Como nota final, assinale-se que a sabotagem económica em 2014-2015 não se move nos mesmos trilhos que a sabotagem económica em 1973, quando o mercado global de derivativos estava na sua infância. Actualmente o preço do petróleo é formado no mercado de futuros sobre o petróleo (ver nossos artigos anteriores sobre derivados, também chamados derivativos) a cargo de grandes empresas financeiras, como a já citada Nomura Securities, a Goldman Sachs, o JP Morgan e o Citigroup. Futuros alavancados em crédito, em capital fictício. Ora, o dumping do preço do petróleo acarreta, como consequência, a dificuldade de pagamento de obrigações das empresas do sector da energia, repercutindo-se na alavancagem dos contratos de futuros. A Barclays e a Wells Fargo têm já perdas de 850 milhões de dólares de duas corporações norte-americanas do petróleo: a Sabine e a Forest. O jogo brutal com o preço do petróleo ameaça com novos desequilíbrios o sector financeiro. Algumas fontes neoliberais mostram-se mesmo preocupadas com a possibilidade de uma nova crise como a de 2008 ser despoletada por enormes perdas do sector financeiro neste jogo (vide artigo do Financial Times de 16/12/2014). Mas, claro, os 0,1% do topo confiam em que passarão incólumes as perdas; os seus Estados obrigarão, como sempre, os trabalhadores a pagá-las.


Gráfico adaptado da Bloomberg.
Referências:
Oil price drop is ‘economic warfare against US enemies, RT, 21/1/2015. Entrevista com jornalista especializado em finanças Willem Middelkoop.
OPEC split into two camps, RT, 16/1/ 2015. Entrevista com especialista no comércio de petróleo Rami Eljundi.
Pepe Escobar, What game is the House of Saud playing? RT, 16/1/2015.
Brad Plumer, Why oil prices keep falling — and throwing the world into turmoil, VOX 6/1/2015: http://www.vox.com/2014/12/16/7401705/oil-prices-falling.

Oil, the rouble and the spectre of deflation, Michael Roberts blog, 8/12/2014.