Em finais de Novembro
de 2014 o preço do petróleo iniciou uma queda descendente de 75 $ (dólares) por
barril de brent crude para 50 $ no
início de Janeiro de 2015, fixando-se depois em 47,5 $ (ver gráfico abaixo).
Uma queda espectacular de 1/3 do valor inicial em pouco mais de um mês! Porquê?
Fonte: Nasdaq
A explicação simplista
A explicação simples da causa do fenómeno, aquela que primeiro ocorre à
mente, é a da velha lei da oferta e da procura: aumentou muito a oferta de
petróleo e diminuiu a procura. É essa explicação que é avançada quer por
economistas convencionais quer mesmo por, pelo menos, um economista marxista.
Vejamos os termos da explicação.
No que se refere à procura global de petróleo, esta tem vindo a afrouxar
devido ao baixo crescimento da economia a nível mundial, nomeadamente das
chamadas economias emergentes; com particular destaque para a China, cuja taxa
de crescimento ainda que importante (cerca de 7% do PIB ao ano) tem vindo a
decair. Métodos de uso energético eficiente e fontes alternativas de energia,
têm dado algum contributo, ainda que muito modesto, para o afrouxamento da
procura de petróleo.
Quanto à oferta, é de assinalar o seu aumento devido à expansão da produção
de petróleo e gás nos EUA (e, em menor grau na China e Canadá) pelo método de
fracturamento de xistos: o shale fracking
(um método muito contestado devido ao nocivo impacto ambiental). Nos EUA –
actualmente, o 3.º maior produtor mundial – a produção de crude subiu de forma
espectacular nos últimos três anos, passando de 4,5 mbd (mbd = milhões de
barris por dia) em 2011 para 7,45 mbd em 2013.
Portanto, a explicação simples é a do excesso da oferta face à procura, tendo
em conta o preço de início de Novembro. Note-se, porém, que nessa altura tal
excesso era reduzido. Segundo a AIE (Agência Internacional de Energia) a oferta
mundial andaria pelos 93 mbd e a procura mundial em 92 mbd. Um excesso apenas da
ordem de 1%.
Os países produtores de petróleo a partir de jazidas convencionais teriam
um meio simples de corrigir esse excesso forçando a manutenção do preço de
início de Novembro: baixar a produção.
Que decidiu, porém, o cartel da OPEC que agrupa vários países que são
grandes produtores de petróleo? Decidiu algo, à primeira vista, de muito
estranho. Comecemos por atentar que quase todos os países da OPEC «vivem» do
petróleo; i.e., para quase todos eles a exportação de petróleo corresponde a
grande parte do PIB. Se pagasse as despesas orçamentais do Estado só à custa do
petróleo a Arábia Saudita, o 2.º maior produtor mundial, precisaria de vender o
petróleo não a 47,5 $/barril mas sim a 95 $/barril; a Venezuela precisaria de
vender a 105 $/barril; e o Irão bateria o recorde, precisando de vender a 127 $/barril.
Portanto, os países da OPEC estão vitalmente interessados na subida do preço do
petróleo; logo, estariam interessados em baixar a produção (excepto o Iraque e
a Líbia em fase de reconstrução). Contudo, surpreendentemente, na última
reunião da OPEC em Viena em 27 de Novembro de 2014, a Arábia Saudita e o Kuwait
pugnaram por que a produção aumentasse,
baixando ainda mais os preços, indo contra os desejos de outros países,
nomeadamente a Venezuela e o Irão. (Recentemente faleceu o rei Abdullah, mas o seu
sucessor, príncipe Salman – um «falcão» que supervisionou a entrega de “donativos” da Arábia
Saudita aos jihadistas –, irá continuar a política do pai.)
A justificação dada pela Arábia Saudita (e seus aliados Kuwait, Qatar e
EAU), de deixar o preço baixar é de que assim tornaria não rentáveis os frackers dos EUA, removendo-os do
mercado. A reunião da OPEC terminou num empate, com a manutenção dos actuais
níveis de produção (30 mbd), o que
originou um ainda maior decréscimo do preço do petróleo: numa semana passou
de 77 $/barril para 67 $/barril, atingindo os 60 $/barril a meio de Dezembro.
Ora, a justificação da Arábia Saudita parece não ter grandes pernas para
andar. Segundo fontes americanas, embora algumas companhias abandonem certas
explorações de fracking, pelo menos
temporariamente, o mais certo é muitas outras continuarem com a exploração,
reduzindo os respectivos custos. Uma coisa é certa: a Administração de Energia
dos EUA prevê um aumento da produção de petróleo dos EUA em 2015 de 0,7 mbd.
Portanto, o dumping dos preços da
Arábia Saudita para supostamente arrumar com os frackers de um país amigo e aliado, tem pouca credibilidade. Tanto
mais que vários grandes firmas financeiras de transacções em derivativos de
petróleo (o chamado «papel de petróleo»), designadamente a Nomura Securities, já vieram afirmar que prevêem a subida do preço do barril para 55 $
no final do segundo trimestre de 2015 e o regresso aos 80 $ no final do ano.
A explicação simples é, portanto, simplista. Demasiado simplista, como
vamos ver.
A explicação não simplista
Comecemos
por notar que o baixo preço do petróleo é excelente para estimular a economia
de países como os EUA, o Canadá, o Japão e a Alemanha, com sectores produtivos
importantes e com crescimento económico débil a negativo (respectivamente,
2,7%, 2,6%, -1,2%, 1,2%). (O impacto para Portugal, com grande parte do sector
produtivo em mãos estrangeiras, deverá ser reduzido e poderá até ser negativo,
por estimular a actual tendência deflacionária desestimuladora de
investimento.)
Por outro
lado, é sabido que a Arábia Saudita, o Kuwait e os EAU são grandes aliados do
«Ocidente», dos EUA. É pouco credível a ideia desses países em «guerra de preço
do petróleo» com o «Ocidente».
Efectivamente,
a explicação da baixa do preço de petróleo nada tem a ver com uma suposta
oposição Arábia Saudita vs. EUA. Muito pelo contrário. Ambos estão concertados nesse objectivo. Aquilo que pretendem é
atacar precisamente os países cuja economia assenta em larga medida na
exportação de petróleo e gás natural. Já mencionámos dois: a Venezuela e o
Irão. A Venezuela, em particular, enfrenta neste momento graves dificuldades
(desemprego e inflação elevadas) dada a enorme baixa de receitas do sector
petrolífero.
Mas há um outro
país cuja economia está a ser alvo de ataque: a Rússia. A Rússia é o 1.º
exportador mundial de petróleo e gás natural, que contribuem com mais de 75% das receitas das exportações e metade do activo orçamental do
Estado. A queda do preço
do petróleo e consequente quebra dos proventos do comércio externo, combinada
com as sanções do «Ocidente», tem vindo a afectar as reservas em moeda
estrangeira da Rússia para pagamento de créditos (600 biliões de dólares), levando
o rublo a desvalorizar-se face ao dólar em cerca de 40% neste último ano. O
gráfico no final do presente artigo mostra a evolução do rublo em pouco mais de
dois meses, desde Outubro passado até meados de Dezembro. Note-se como, estando
o rublo a estabilizar a partir do início de Novembro, e até com tendência para
subir devido aos esforços da administração russa, foi precisamente a «machadada»
da Arábia Saudita a 27 de Novembro que fez o rublo mergulhar.
Por
conseguinte, a queda do preço do petróleo não é apenas a consequência da oferta
e da procura. Para além de estimular a economia de pivots «ocidentais», foi
deliberadamente usada como arma económica
pelos EUA e seus aliados do Médio Oriente. Com três países atacados: a
Venezuela, cuja revolução bolivariana, apesar das suas debilidades, é
suficientemente incomodativa dos interesses norte-americanos; a Rússia, travão
da progressão do Império, sob os estandartes da NATO, nach Osten; o Irão, aliado do governo sírio, rival xiita das
milícias sunitas patrocinadas pela Arábia Saudita, que se opõe à progressão do
Império no Médio Oriente. Ao mesmo tempo a Arábia Saudita pune a Rússia e o
Irão pelo apoio que prestam ao regime de Damasco.
Quanto à
Rússia, foi o próprio Obama que se referiu ao petróleo numa longa entrevista
que concedeu à NPR (grande corporação da rádio do EUA) em 29/12/2014: «E se,
efectivamente, formos firmes na aplicação da pressão das sanções -- o que temos
sido --, isso em devido tempo tornará suficientemente vulnerável a economia da
Rússia, de tal forma que quando houver
ruptura séria do preço do petróleo – que, inevitavelmente virá a ocorrer,
se não for este ano, será no próximo ano ou no seguinte – «eles» terão enorme dificuldade em gerir isso» (tradução e ênfases
nossos).
Em suma, o petróleo está a ser usado pelo
Império como arma de sabotagem económica. Uma arte em que a administração
norte-americana e a CIA dispõem de larguíssima experiência. Basta recordar a
sabotagem económica do Chile de Allende em 1973, feita pelos EUA com o dumping do preço do cobre.
Como nota final, assinale-se que a sabotagem
económica em 2014-2015 não se move nos mesmos trilhos que a sabotagem económica
em 1973, quando o mercado global de derivativos estava na sua infância.
Actualmente o preço do petróleo é formado no mercado de futuros sobre o petróleo (ver nossos artigos anteriores sobre
derivados, também chamados derivativos) a cargo de grandes empresas
financeiras, como a já citada Nomura
Securities, a Goldman Sachs, o JP
Morgan e o Citigroup. Futuros alavancados em crédito, em capital fictício. Ora, o dumping do preço do petróleo acarreta,
como consequência, a dificuldade de pagamento de obrigações das empresas do
sector da energia, repercutindo-se na alavancagem dos contratos de futuros. A
Barclays e a Wells Fargo têm já perdas de 850 milhões de dólares de duas
corporações norte-americanas do petróleo: a Sabine e a Forest. O jogo brutal
com o preço do petróleo ameaça com novos desequilíbrios o sector financeiro.
Algumas fontes neoliberais mostram-se mesmo preocupadas com a possibilidade de
uma nova crise como a de 2008 ser despoletada por enormes perdas do sector
financeiro neste jogo (vide artigo do Financial Times de 16/12/2014). Mas,
claro, os 0,1% do topo confiam em que passarão incólumes as perdas; os seus
Estados obrigarão, como sempre, os trabalhadores a pagá-las.
Gráfico adaptado da Bloomberg.
Referências:
Oil price drop is ‘economic warfare against US enemies, RT, 21/1/2015. Entrevista com jornalista
especializado em finanças Willem Middelkoop.
Ben
Peck, World economy in turmoil as oil price plunges,
19/1/2014, http://www.marxist.com/world-economy-in-turmoil-as-oil-price-plunges.htm.
OPEC split into two camps, RT, 16/1/ 2015. Entrevista com especialista no
comércio de petróleo Rami Eljundi.
Pepe Escobar, What game is the House of Saud playing? RT,
16/1/2015.
Brad Plumer, Why oil prices keep falling — and
throwing the world into turmoil, VOX 6/1/2015: http://www.vox.com/2014/12/16/7401705/oil-prices-falling.
President Obama's Full Interview, NPR 29/12/2014, http://www.npr.org/2014/12/29/372485968/transcript-president-obamas-full-npr-interview.
Oil, the rouble and the
spectre of deflation, Michael Roberts blog, 8/12/2014.