Vimos como o PS,
no período inicial da Revolução, se autoproclamava socialista, marxista e até
revolucionário (http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2014/06/a-historia-ignominiosa-do-ps-de-abril.html
). O abraço de Mário Soares dado a Álvaro Cunhal, quando
este regressou do exílio, parecia sincero. O PS parecia posicionar-se como
defensor de medidas anti-capitalistas colaborante na construção de uma democracia
rumo ao socialismo.
Este
posicionamento do PS, que agora sabemos através de factos objectivos ter sido
uma cortina de fumo, começa a mudar no período agora em análise.
O acontecimento
mais marcante deste período é o golpe militar (putsch) spinolista do 11 de Março de 1975, derrotado pela
mobilização popular dinamizada pelo PCP, MDP/CDE, e outras forças de esquerda.
A atitude do PS perante
o golpe militar irá constituir uma de muitas demonstrações da duplicidade que o
PS assume durante todo o período.
De 1 de Janeiro a 25 de
Abril de 1975
A fase de duplicidade
do PS
|
Vimos como a
seguir à intentona Palma Carlos os II e III Governos Provisórios, encabeçados
pelo coronel (depois, brigadeiro) Vasco Gonçalves, militar que participara na
construção do MFA e gozava da sua inteira confiança, implementaram e apoiaram
uma série de medidas democráticas. Nas autarquias, nas empresas, na zona do
latifúndio, assistia-se a importantes acções de massas reclamando medidas mais
avançadas, de cariz socialista. Os meios do MFA, nomeadamente as suas
assembleias, também se pronunciavam no mesmo sentido.
A seguir à
derrota da intentona spinolista de 28 de Setembro de 1974 o III Governo
Provisório procura ganhar um maior dinamismo na implementação de medidas
democráticas urgentes, que ao mesmo tempo consolidem a revolução. (Procura
também resolver rapidamente as questões levantadas com a independência das
ex-colónias, tema tutelado por Mário Soares enquanto ministro dos Negócios
Estrangeiros. Não iremos prestar atenção a este tema.)
Note-se que todos os governos provisórios tiveram
participação importante do PS. No III Governo Provisório, o PS, embora não criticando substancialmente as
medidas tomadas por esses governos, tratou de começar a propalar a tese de
que os governos de Vasco Gonçalves eram governos comunistas. Esse mito, que
veio mais tarde a ser martelado pela comunicação social já ao serviço do PS e
demais forças de direita, perdura até hoje.
Vejamos,
concretamente, a constituição do III Governo Provisório:
Primeiro-Ministro
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Vasco Gonçalves (oficial do exército)
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Ministros sem pasta
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Vítor Rodrigues Alves (oficial do exército)
Ernesto Melo Antunes (oficial do exército)
Joaquim
Magalhães Mota (PPD)
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Ministro da Defesa Nacional
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Silvano Ribeiro (oficial da marinha)
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Ministro da Coordenação Interterritorial
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António de Almeida Santos (PS)
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Ministro da Administração Interna
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Manuel da Costa Brás (oficial do exército, ministro
do I Gov. Constitucional do PS)
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Ministro da Justiça
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Francisco
Salgado Zenha (PS)
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Ministro da Economia
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Emílio Rui Peixoto Vilar (Presidente da SEDES, ministro
do I Gov. Constitucional do PS)
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Ministro das Finanças
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José da Silva Lopes (independente, veio a fazer
parte do PRD e depois do PS)
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Ministro dos Negócios Estrangeiros
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Mário Soares
(PS)
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Ministro do Equipamento Social e Ambiente
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José Augusto Fernandes (oficial do exército)
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Ministro da Educação e Cultura
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Manuel Rodrigues de Carvalho (oficial do exército)
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Ministro do Trabalho
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José Costa Martins (oficial da força aérea)
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Ministro dos Assuntos Sociais
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Maria de Lurdes Pintassilgo (católica militante,
chefiou o V Gov. Constitucional)
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Ministro da Comunicação Social
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Jorge Correia Jesuíno (oficial da marinha)
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Para além dos
militares, temos 3 PSs, 1 PCP e 1 PPD. Dos independentes, dois são da confiança
do PS (Rui Vilar fez parte do I Governo Constitucional do PS e Silva Lopes primeiro entrou no PRD e depois
no PS) e uma (M. L. Pintassilgo), quando primeira-ministra do V Governo Constitucional,
recheou-o apenas de PSs e PSDs. Quanto aos militares, Vítor Alves e Melo
Antunes, elementos destacados do Grupo dos Nove e co-autores do golpe do 25 de
Novembro, eram claramente pró-PS. Costa Brás também era pró-PS, por isso mesmo
entrou no I Governo Constitucional do PS. Logo, um total de 9 elementos pró-PS: 3 militantes e 6 apoiantes (Rui Vilar, Silva
Lopes, M. L. Pintassilgo, Vítor Alves, Melo Antunes, Costa Brás). Do lado do
PCP, para além de Álvaro Cunhal (ministro sem pasta), só se podem apontar como
elementos sensíveis às posições do PCP -- mas, de forma alguma apoiantes claros
do PCP; não houve, por exemplo, uma versão PCP do «Grupo dos Nove» -- Vasco
Gonçalves, Costa Martins e Correia Jesuíno.
Em suma, a influência do PS no governo -- ainda para mais com pastas tão
importantes como a Administração Interna, a Justiça, a Economia, as Finanças, os Negócios
Estrangeiros -- era maioritária. Contudo, fora do governo, quer em Portugal quer no
estrangeiro, o PS comportava-se como oposição ao governo! (Isso mesmo foi
assinalado com perplexidade por Rosa Coutinho em 11/1.) O problema é que,
embora o PS tivesse influência maioritária a sua influência não era total, e
num governo sob vigilância da esquerda militar (Vasco Gonçalves, Costa Martins
e Correia Jesuíno), com MFA e massas populares a reclamar medidas socialistas,
o PS não tinha margem de
manobra para abertamente lançar o marxismo e o socialismo ao charco e construir
o que sempre teve em mente: o capitalismo «social-democrata» da CEE. O
socialismo e marxismo proclamado em palavras pelo PS (pelos seus dirigentes)
era uma cortina de fumo, destinada a aumentar a sua base de apoio entre os
trabalhadores (inicialmente assaz escassa) de forma a poder arremessá-la contra
a revolução, sob a capa da defesa contra uma suposta ditadura do PCP.
O objectivo
central do PS começa a cristalizar-se: combater tudo que seja esquerda
consequente, com um conhecimento fundamentado do que representa uma via
socialista, nomeadamente, nesta fase, a influência do PCP.
Com esse objectivo
o PS exibe, neste período, uma atitude de duplicidade. Por um lado, continua a dizer-se a favor do
socialismo e até aceita conversações com o PCP no seguimento do putsch do 11 de Março. Mantém também,
como vimos, uma participação importante no III Governo Provisório. Por outro
lado, começa a trocar «socialismo» por termos ambíguos («revolução
libertadora») e a preparar uma vasta aliança anti-PCP e anti quaisquer forças
consequentes de esquerda (esquerda militar, MDP/CDE, forças sindicais); aliança
que vai desde as forças declaradamente de direita até aos partidos esquerdistas
demagógicos e virulentamente anti-PCP (MRPP, AOC, OCMLP, FEC-ML; a burguesia
citadina criou-os em grande número). Alguns partidos esquerdistas onde
militavam democratas honestos (UDP, PRP) não participaram nessa aliança;
contudo, as suas tiradas maximalistas e a sua posição frontal contra os
governos de Vasco Gonçalves (os únicos consequentemente de esquerda que alguma
vez existiram em Portugal!!!) foram aproveitadas pelo PS. Nesta vertente, o PS
e os partidos de direita usaram perante o povo despolitizado uma táctica
perversa do tipo «preso por ter cão, preso por não ter»: tanto usavam as
tiradas maximalistas para acusar o PCP de não ser de esquerda, como colavam e
faziam passar por propósitos do PCP o maximalismo da UDP, PRP, etc., para
assustar a população e criar confusão e instabilidade. Os ataques descabelados
e até provocatórios da UDP, PRP, etc., contra os governos de Vasco Gonçalves
figurarão indelevelmente na História como nódoas ignominiosas desses partidos.
A fraseologia dúplice
do PS oscila entre a defesa do «socialismo democrático» e o ataque ao
«social-fascismo» e ao «capitalismo de Estado». Na base do «socialismo
democrático» unem-se o PPD e o CDS que rapidamente compreenderam que nesta fase
lhes convinha encostarem-se ao PS; no ataque ao «social-fascismo» e ao
«capitalismo de Estado», juntam-se os grupos esquerdistas. O PS emerge, assim,
como esgrimista-mor desta aliança anti-PCP perante o MFA, com vista a
desligá-lo do PCP e seus aliados democráticos consequentes; procura também criar
instabilidade e indisciplina militar, desligando por cansaço e frustração os
elementos menos esclarecidos do MFA de uma perspectiva socializante (o que veio
a acontecer).
O ataque do PS ao
rumo socializante do 25 de Abril iniciou-se num comício realizado a 14 de
Janeiro de 1975.
1975
Janeiro
Notícia
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Comentário
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2/1. Mário Soares ao Le Figaro (jornal da direita francesa): «não é vontade do povo
cair noutra ditadura». Diz ainda que o PCP tem tentado eliminar socialistas
da cena política e que o PCE observa com ansiedade a situação criada pelos
comunistas portugueses.
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Já vimos e ainda veremos, mais do que uma vez, Soares a
anunciar no estrangeiro as suas intenções. Vemo-lo aqui inaugurando o mito da
«ditadura» do PCP. O direitista Santiago Carrilho serve-lhe de apoio. O mito
é destinado a justificar a necessidade de afastar o PCP e o honesto e
consequente Vasco Gonçalves e a travar as medidas socializantes em curso
(mais tarde, a liquidá-las inflectindo para o capitalismo neoliberal).
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3/1. Salgado Zenha: «é necessário [efectuar-se] a união
dos partidos democráticos ao MFA».
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Leia-se: «é necessário que PS, PPD, CDS e PPM se unam e
levem o MFA a afastar-se do e afastar o PCP».
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14/1. Manuel Alegre em comício do PS: «quanto mais nos
atacam mais força temos; quanto mais dizem que somos um partido da burguesia
mais trabalhadores acorrem a inscrever-se».
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O PS procurando aparecer como um partido dos
trabalhadores. Atraíu de facto muitos trabalhadores, incluindo os
influenciados pelos emigrantes na França, Alemanha, etc., que diziam
maravilhas da social-democracia.
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14/1. Manuel Alegre em comício do PS diz que, depois de
duas tentativas contra-revolucionárias da direita [crise Palma Carlos e o 28
de Setembro], surgiria uma «tentativa contra-revolucionária de esquerda
encabeçada pelo PCP que visaria um adiar das eleições e a destruição do PS».
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O PS procura apresentar-se como representante civil da
linha do MFA, que propugna eleições, enquanto o PCP seria
contra-revolucionário e planearia adiar eleições. Nunca tal plano ou tentativa
do PCP foi provada existir. Existia, sim, a «tentativa contra-revolucionária» de Spínola de que o próprio Alegre
estava a par. Na realidade, quando Alegre fala de «tentativa
contra-revolucionária de esquerda encabeçada pelo PCP» está premeditadamente
a procurar desviar as atenções no sentido errado.
Toda esta tirada de Manuel Alegre, típica no bombástico
cobrindo como folha de parra o disparate, mostra bem o calibre deste figurão
que até hoje se mascara de esquerda. E convence(u) muita gente, incluindo o
BE!
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14/1. Sotomayor Cardia em comício do PS: «o povo português
recusa ser imolado nos altares do estalinismo».
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Típica tirada dramatico-histérica de Cardia («imolado
nos altares»!) para assustar com o papão do «estalinismo».
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14/1. Mário Soares em comício do PS: «não toleraremos
que os comunistas sejam anti-socialistas».
|
Auto-vitimização e embuste. Veremos mais adiante o PS a
recusar todas as tentativas de
entendimento propostas pelo PCP e até pelo MFA, escolhendo em vez disso um
entendimento com a direita. Isto diz bem da tristeza de Soares por os
comunistas serem «anti-socialistas». E, claro, pretende-se desviar as
atenções do anti-comunismo do PS.
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17/1. Juventude do PS: «para quem se define como
marxista a via para a sociedade socialista deverá ser simultaneamente revolução
dialéctica e oiginal.»
|
A JS ainda não está bem alinhada pela política oficial.
Note-se o uso do termo «marxista» sem entender nada do assunto («dialéctica»
surge a despropósito – toda a revolução é dialéctica --, apenas porque foi
lido esse termo em algum lado e soa bem).
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23/1. Mário Soares a Le Nouvel Observateur: «Não queremos mais capitalismo de Estado.»
|
Soares sabe que o Le
Nouvel Observateur é porta-voz dos esquerdistas franceses e que estes
caracterizaram o sistema económico da URSS como «capitalismo de Estado». Não
interessa nada que tal caracterização seja falsa e que, provavelmente o
próprio Soares não soubesse muito bem o significado concreto de «capitalismo
de Estado». Não importa. Contra o PCP vale tudo. Que Soares tenha depois
inflectido para o capitalismo neoliberal diz bem da sua suposta repugnância
pelo capitalismo. Mas só o «de Estado», claro.
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26/1. AOC: «União com o PS para combater o
social-fascismo».(*)
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A Aliança Operário-Camponesa de Artur Albarrã nunca
teve operários nem camponeses. A sua existência efémera destinou-se
simplesmente a debitar fel no tempo antena contra os «sociais-fascistas» do
PCP, servindo de apoiante de «esquerda» ao PS. O maoísta MRPP era também um
perito nessa arte, organizando pogroms
contra militantes do PCP.
|
(*) O termo «social-fascista» foi usado pela primeira vez pelos elementos
mais consequentes da esquerda alemã (nomeadamente, o Partido Social-Democrata Independnte,
os chefes conselhistas e a Liga Spartakista depois Partido Comunista Alemão)
para justamente verberar os líderes do Partido Social-Democrata alemão (o
equivalente ao nosso PS) que, tendo começado por liquidar a revolução alemã não
recuando nesse mister em usar forças militares e policiais para chacinar
operários num banho de sangue, veio a aliar-se com a direita abrindo o caminho
à ascensão de Hitler. Em Portugal o termo foi usado ao contrário: pela direita para verberar a esquerda consequente.
O imperialismo
começa a mostrar o músculo: a 6/1 entram no Tejo forças navais da OTAN. A
direita desencadeia greves nos liceus, onde a juventude é facilmente
manipulável; a 13/1 jovens do MRPP e do CDS de um liceu do Porto aparecem unidos
a destruir propaganda e bancas do PCP. O PPD protesta junto ao Ministério de
Educação por o manual de ensino «Introdução à Política» qualificar a
social-democracia de «demotecnocracia» excluindo-a do parágrafo relativo ao
socialismo: «é grave a qualificação e é
grave a insinuação» (21/1). PCP afirma haver provas de que os grandes bancos
financiaram o 28 de Setembro (24/1). Os meios financeiros britânicos queixam-se
por a mão-de-obra barata ter acabado em Portugal (25/1).
O MFA é
institucionalizado (Conselho dos 20) em 8/1. O governo anuncia em 20/1 um plano
económico com 70 medidas urgentes e a 26/1 é aprovada a lei do arrendamento
rural.
Março
Notícia
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Comentário
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5/3. Jaime Gama: «as notícias [de golpe eminente] são
completamente falsas e inserem-se numa campanha anti-socialista que arrancou
há algum tempo»
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A revista alemã Extra noticiava a eminência de um golpe
em Portugal em que estariam envolvidos o governo da RFA e a ala direita do
PS. Embaixadores europeus, incluindo o alemão, consideraram fantasiosa a
notícia. Não era, como se veio a saber. Jaime Gama, da ala direita do PS,
aproveitou para fazer contra-propaganda.
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12/3. Comunicado do PS: «importa confiar nos comandos
do MFA.»
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É noticiado o golpe spinolista do 11 de Março. O papel
do PS nele é dúbio. O comunicado PS é expectante (a ver para onde correm as
águas) e não condenatório do golpe.
Curiosamente o comunicado do PPD é bem mais à esquerda: «Fomos surpreendidos [...]
elementos reaccionários atentaram contra as liberdades [...] apela-se aos
democratas para que se unam e tornem realidade o programa do MFA».
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13/3. PS aceita dialogo com o PCP se PCP aceitar
resultados das eleições renunciando pretensões hegemónicas.
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Fogo de vista para sacudir incómodas suspeições de
envolvimento no 11 de Março. O PS nunca veio a aceitar o diálogo com o PCP. Nunca
se colocou, aliás, a questão do PCP não aceitar resultados de eleições, ou a
questão de uma pretensa hegemonia.
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19/3. Mário Soares: «É muito bonito falar contra o
capitalismo, falar da revolução socialista, mas é preciso resolver o problema
dos 200 mil desempregados. E se o trabalho escassear quem sofre? Os capitalistas
ou as classes trabalhadoras? [...] não é a fazer festas ao leão que resolveremos
o problema pois poderemos ficar sem um braço»
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Linguagem colorida para disfarçar o oportunismo de
direita. Socialistas à la Soares
sempre arranjam desculpas para adiar o seu auto-proclamado socialismo. Neste
caso como noutros recorrendo a falsas desculpas. Só o socialismo pode
resolver e em todas as experiências históricas resolveu o problema do desemprego. E em 1975 a taxa de desemprego
era bem menor que hoje: 3%!
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19/3. Salgado Zenha: «propomos reformas
anti-capitalistas; devemos optar por uma via de liberdade, de socialismo e de
independência nacional»
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Afirmações grandiloquentes. Nunca o PS e muito menos
Zenha apoiaram ou aplicaram medidas anti-capitalistas e de socialismo. E
sempre conduziram o país numa via de perda de soberania.
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20/3. Mário Soares: «é preciso libertar o povo das suas
angústias». António Macedo do PS: «uma democracia pluralista e progressiva».
Manuel Canijo do PS: «a revolução autêntica é a revolução libertadora.»
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O PS começa a alijar a carga do «socialismo», que pode
trazer «angústias» ao povo, substituindo-a por «revolução libertadora».
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22/3. PS: «socialismo sim, ditadura não»
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O «ditadura não» procura assustar contra uma suposta
ditadura do PCP. O «socialismo sim» esteve na génese do «socialismo» em que
agora vivemos.
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Em Março tinha
chegado a Portugal o novo embaixador dos EUA, Frank Carlucci, que viria mais
tarde a preparar, com a colaboração de Mário Soares, o golpe provocatório do 25
de Novembro. Conotado com a CIA, Carlucci apressou-se a dizer «nunca trabalhei
nem trabalho para a CIA». Era falso, como foi depois confirmado.
A 2 de Março a UDP
acusa a «polícia do PC» de furto de documentos. Nada se provou de tal «furto». Toda
a atitude da UDP, inclusive a fraseologia difamatória («polícia do PC»!)
constitui um exemplo das provocações anti-PCP que tanto ocuparam os esforços da
UDP. O saneamento de elementos fascistas é posto em lei, de forma firme (8/3).
O PCP avisa contra a escalada de provocações e rumores destinados a assustar a
população, nomeadamente o rumor de que os comunistas estariam a preparar uma
«matança da Páscoa» (soube-se mais tarde que este rumor foi criado de propósito
e trazido de Espanha por spinolistas aos seus camaradas e apoiantes em Portugal
para os incitar ao golpe).
A 11 de Março tem
lugar o célebre golpe montado por Spínola e correligionários, com destaque para
oficiais reaccionários da Força Aérea. O RAL 1, onde se aquartelavam as tropas
mais de esquerda e fiéis ao MFA, é bombardeado na manhã de 11 de Março por
aviões, e atacado por forças da GNR e tropas paraquedistas de Tancos. Muitos
populares aproximam-se das forças da GNR e de Tancos convencendo-os de que
estão no lado errado e de que foram manipulados pelos reaccionários (o que era
verdade, pelo menos para a grande maioria). O golpe esboroa-se e Spínola com
outros foge para Espanha. Posteriormente o comandante da GNR e soldados de
Tancos declararam que tinham sido mobilizados para o golpe com o pretexto de
impedir a «matança da Páscoa».
A posição do PS
perante o 11 de Março é dúbia. De facto, sabe-se hoje, por afirmações entretanto colhidas dos próprios socialistas, que:
1.º O PS tinha relações habituais com spinolistas (elementos spínolistas tinham
mesmo assistido ao Congresso do PS em Dezembro de 1974, por convite); 2.º Um
dos elementos de contacto com os spinolistas era o grande «socialista» Manuel
Alegre; 3.º O PS tinha conhecimento do golpe; 4.º O PS não entrou no golpe mas
também não o denunciou; ficou à espera de ver para onde caíam as águas. Como
gritou alguém na manifestação de vitória contra o golpe: «O golpe falhou, o PS
disfarçou». Se o golpe tivesse vencido, comunistas e militares de esquerda teriam
sido presos. No mínimo. Já havia listas de elementos a abater.
Com a vitória do
11 de Março a revolução acelera-se. A 14 de Março o MFA institucionaliza o
Conselho da Revolução. São nacionalizados os bancos (14/3) e as companhias de
seguros (16/3). São pedidas explicações ao parlamento de Bona (17/3) sobre
ajudas alemãs a Spínola, bem documentadas no livro de Gunther Wallraf «A
Descoberta de Uma Conspiração» (Bertrand, 1976).
O MFA suspende a
legalização administrativa de três partidos que se tinham destacado em
múltiplas acções provocatórias antes do 11 de Março: AOC, MRPP e PDC (Partido
da Democracia Cristã) (21/3). O PS manifestou-se contra essa ilegalização. Dias
depois (24/3) condena o assalto oficial à sede do MRPP por tropas do MFA. O
general pró-spinolista e anti-comunista ardoroso Galvão de Melo (ex-membro da
JSN) disse, na altura, assim: «Se tivesse 18 anos seria do MRPP».
A 22/3 o senador norte-americano
James Buckley ameaça Portugal com uma intervenção e o patrão das Indústrias Lusitanas
de Óptica Lda. investe de automóvel um grupo de operários que se barricam
dentro da fábrica. Um exemplo da crescente disponibilidade para a violência por
parte do patronato. A 24/3 é publicamente denunciada pelo Quartel-General do
Porto (brigadeiro Corvacho) a existência do ELP (Exército de Libertação
Português) e mostrados documentos deste «exército» contra-revolucionário
actuando no Norte do país e para quem o PCP é o «inimigo n.º 1». São presos
cabecilhas do ELP.
A 27/3 o PCP declara
como urgente levar a cabo a Reforma Agrária (comício no Palácio de Cristal). A
31/3 o MES (onde militou Jorge Sampaio) declara: «denunciámos claramente os
objectivos [contra-revolucionários] do PS».
Abril
Notícia
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Comentário
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2/4 Mário
Soares diz em comício no Algarve que votar no socialismo era «votar por
melhores condições de vida dos trabalhadores. Sem exploradores nem explorados».
Manuel Alegre esclarece: «um socialismo bem português mais avançado e
diferente de muito da Europa.»
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Soares soa ainda a socialismo. Mas o esclarecimento de
Alegre diz-nos como o mestre deve ser interpretado. Socialismo sim, mas «bem
português» de casta comprovada e de barrete na cabeça. Ainda por cima «mais
avançado e diferente de
muito da Europa.». Avançadíssimo e originalíssimo. Nada dessa Europa de
trazer por casa. Este farsante do Alegre é de ir às lágrimas.
|
7/4 Mário
Soares: «A desordem não é revolucionária não é socialista; é fascista. E isso
pova que as sementes do fascismo têm frutificado em certos partidos que se
dizem da esquerda.[...] Não contem connosco para caucionar ditaduras».
|
Ataque cobarde ao PCP. Esquece-se de dizer que quem era
vítima de violência nas sessões de esclarecimento era precisamente o PCP. E
atacado precisamente por PSs de mãos dadas com PPDs e CDSs.
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11/4 Declaração do PS relativa às próximas eleições: «vamos em
conjunto escolher o socialismo e a liberdade».
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Muito bem. Veremos, mais tarde, como a vitória do PS
trouxe o apregoado socialismo e liberdade.
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14/4: Salgado Zenha
em comício em Gaia: «o socialismo não se erguerá com chinfrim no meio da rua.».
|
Nada de chinfrim nas ruas. Tudo sentadinho em suas
casas esperando que o PS construa o socialismo.
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15/4 Militante
do PS num comício: «uma conspiração permanente existe contra o PS tanto porque
o PS é o único obstáculo às tiranias...» .
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Militante sintonizado com a direcção do partido.
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15/4 José Magalhães
Godinho (jurista e militante histórico do PS): «se for necessário dar tiros para
construir o socialismo o PS também os dará».
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Ah, grande PS! Os corajosos e revolucionários doutores
do PS! Sobre «tiros para
construir o socialismo» veremos mais tarde.
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O mês de Abril é
marcado pela campanha eleitoral para a Assembleia Constituinte, com eleições
marcadas, de acordo com o programa do MFA, para 25 de Abril de 1975.
Todos os partidos
de direita se vestem de cores socialistas. Vejamos o caso do PPD: «A liberdade,
a democracia e o socialismo a que o
nosso povo aspira» (propaganda eleitoral, 2/4); «é proposto [aos portugueses] um
caminho progressista que se afasta do oportunismo das opções neoliberais de última
hora» (comício em Torres Vedras em 4/4; estás a ouvir, ó Passos Coelho?); «participação
dos trabalhadores na gestão dos sectores nacionalizados» (J. A. Seabra em
entrevista ao JN, 5/4); «Bases programáticas do PPD: democracia económica;
subordinação do poder económico ao poder político. O PPD não é capitalista, nem
comunista, nem marxista. O PPD é o partido da social-democracia.» (7/4); Emídio
Guerreiro: «[são precisas] medidas revolucionárias para acabar com o desemprego»
(13/4); «a nossa prioridade é acabar com os pobres» (comício em 22/4); Pinto Balsemão:
«temos mesmo de ganhar as eleições; tornaremos Portugal mais rico, mais lúcido,
mais forte e mais esclarecido» (uma pérola de demagogia pronunciada a 32/4).
O CDS também não
fica muito atrás: Galvão de Melo a 10/4 pronuncia-se pelo «socialismo em
liberdade» e Amaro da Costa em comício em Famalicão a 22/4 diz que «CDS é um partido
que defende a liberdade e não a burguesia.»
Entretanto, o PCP
sofre boicotes constantes a comícios e sessões de esclarecimento, em especial
no interior do país, por vezes com violência (7/4, 21/4). Em Aveiro
desencadeia-se uma autêntica campanha anticomunista a cargo dos partidos da
direita e do clero local (18/4) Por todo o país inúmeras missas dominicais são
convertidas pelo clero em comícios anti-comunistas, assustando as populações
com as aldrabices do costume (vão roubar as terras, vão acabar com a religião,
etc.). Correm também rumores. Por exemplo, de que os sapatos fabricados no
nosso país iam ser vendidos abaixo do preço (60$00) à URSS (correu antes de
15/4 e foi desmentido).
A 8/4 a
Assembleia do MFA consagra a opção socialista: «iniciar de forma decidida [a
construção de] uma economia socialista.» A 10/4, o CR do MFA, precavendo-se do
pior, propõe aos partidos políticos a assinatura de um acordo constitucional definindo
a estrutura dos órgãos de poder da futura Constituição e suas atribuições, as
condições de vigência e revisão da Constituição, os pontos programáticos a
incluir na Constituição e o estatuto autónomo das Forças Armadas. Este «1.º
Pacto MFA- Partidos», como ficou conhecido, foi subscrito por 12 partidos: CDS,
FSP, MDP/CDE, PCP, PPD, PS, FEC-ML, LCI, MES, etc.
A revolução
avança: o governo anuncia a 13/4 que vão prosseguir as nacionalizações e será
garantido o preço dos bens essenciais; a 16/4 são nacionalizados os sectores da
energia, dos transportes e das comunicações; a 18/4 é anunciado um projecto de
diploma da segurança social abrangrendo as camadas mais desfavorecidas; a 19/4
o governo anuncia a reforma agrária e o aumento do salário mínimo; a 20/4 é
rconhecido o carácter socialista da revolução.
Vasco Gonçalves
esclarece, contudo, a 9/4, que «antes do
socialismo teremos de percorrer um caminho de transição». O PCP alerta para o
facto de que as reservas financeiras baixam assustadoramente (2 milhões de
contos em 2 meses). Entretanto, a sabotagem económica pelos capitalistas está
em marcha. A 2/4 são denunciadas fraudes e operações ilegítimas da banca,
descobertas depois das nacionalizações: empréstimos de milhares de contos a gente
graúda da banca, financiamento de empresas fantasmas, fugas ao fisco e desvios
de capitais são alguns dos processos da banca para sabotar a economia.
A 25/4 têm lugar
as primeiras eleições em liberdade, após o fascismo.
A 27/4 são
anunciados os resultados oficiais:
PS 37,8 % (115 deputados);
PPD 26,4% (80 deputados)
PCP 12,5% (30 deputados)
CDS 7,6% (16 deputados)
MDP/CDE 4,1% (5 deputados)
UDP 0,8% (1 deputado)