No passado Sábado realizou-se no Porto a manifestação da Associação de Aposentados, Pensionistas e Reformados (APRe!). Estivemos presentes. Como estávamos a temer, foi uma manifestação com muito poucos participantes. De facto, no actual momento em que pairam ainda grandes ilusões nas massas populares («2014 vai ser melhor», «O PS vai mudar isto», «Mário Soares já está a reunir a esquerda», etc.) e a esquerda parlamentar mantém uma postura moderada e algo ambígua sobre uma alternativa à política de submissão ao grande capital nacional e estrangeiro representado pela Troika (em particular, com o BE a piscar o olho ao PS e ambos, BE e PCP, a divulgarem a ideia de que, quanto à banca, bastará uma regulamentação), as condições de mobilização sectorial não são as melhores.
A atitude expectante das massas permanece. Fragmentar a mobilização popular em sectores é, no nosso entender, um tremendo erro. Não tem qualquer interesse, do ponto de vista da esquerda, organizar manifestaçõezinhas em representação desta ou daquela Associação ou grupo. Pelo contrário: manifestaçõezinhas só servem para ajudar a direita a denunciar a esquerda como um pequeno folclore de radicais sem qualquer importância. O que é preciso é canalizar o descontentamento popular global para a organização de grandes, grandiosas e aguerridas, manifestações, com palavras de ordem bem pensadas, não ambíguas (ver n/ artigo de Março «Que se Lixe a Troika… E NÂO SÓ») com um sentido ao mesmo tempo esclarecedor e incisivamente reivindicativo. (Para dar um exemplo, estavam bem servidos os egípcios se para tirar Mubarak do poder tinham andado a brincar às manifestaçõezinhas da APRe.) Para tal, é necessário haver ideias claras da parte da esquerda. Estudo e análise aturada dos factos são necessários para esse fim. Rigor na construção de uma alternativa política também o é.
Acresce que a manifestação da APRe primava pelo fantástico disparate de várias palavras de ordem. Uma delas, era «O povo unido não precisa de partido». Para já, atente-se no contraditório ridículo de uma das maiores faixas da manifestação ser do BE; para ser consentâneo com a palavra de ordem, faixa e militantes do BE deveriam ter saído da manifestação. Das duas, uma: ou a palavra de ordem era despropositada ou a presença da faixa e militantes do BE o eram. Mas, na realidade, a questão é mais profunda: tratava-se de uma tirada bem ao gosto anarquista da pequena burguesia radical (em palavras, pelo menos) do BE. E isso é ainda mais visível numa outra palavra de ordem da manifestação: «O povo organizado não precisa de Estado». Isto é, para os organizadores da manifestação da APRe é de acabar já com os partidos. Não servem para nada. Bem… talvez com excepção do BE. Seja como for, engrossar a manifestação com militantes e simpatizantes de outros partidos? Nunca! E quanto ao Estado? É acabar já com ele. Quanto a pensões e reformas os «Aposentados, Pensionistas e Reformados» que vão ter com a APRe que ela resolve o assunto sem precisar de um qualquer Estado. Esta de «O povo organizado não precisa de Estado» faz-nos lembrar uma Associação que logo depois do 25 de Abril queria implantar a sociedade sem classes. Já. Enfim, radicais da palavra, que julgam que a abolição do Estado ou a sociedade sem classes se obtêm de imediato, por um acto da vontade. Estão aí, ao virar da esquina, bastando para tal que o BE nos diga como se faz.
Se algum efeito têm estas tiradas radicais, é este: afastar de uma alternativa de esquerda «Aposentados, Pensionistas e Reformados» descontentes com a actual situação mas que não engolem tais tiradas.
Entretanto, como frequentemente acontece com os radicais da palavra, tornam-se estranhamente tímidos quando abordam questões concretas. Uma outra palavra de ordem era o «não à banca» (ou «fora com a banca»). Ora, se o «…não precisa de partido» e «…não precisa de Estado» são questões quase filosóficas, a questão da «banca» não o é. É uma questão concreta e, por sinal, das mais prementes. Que nos dizem os organizadores da APRe sobre esta questão? Apenas um tímido e enigmático «não à banca». Como é, acaba-se com os bancos? E (como exemplo) as poupanças dos trabalhadores? Quanto às dos ricos podem ter a certeza que quando acabarem com a banca cá eles as enviam para a banca estrangeira. De facto, tanto radicalismo para cair numa tirada infantil sem qualquer perspectiva de classe! O mal não está em existir a banca. O mal está sim em que a banca está ao serviço do grande capital. Entre outras coisas, a banca portuguesa actual não está a emprestar às famílias para aquisição de habitação, nem está a investir (de modo significativo) nas PMEs. Não, a palavra de ordem não é «não à banca» mas sim «não à banca ao serviço do capital». Melhor ainda, «banca ao serviço do povo [trabalhador]» ou mesmo (e quanto a nós a que melhor responde às necessidades do momento) «nacionalização da banca». Estas sim, seriam palavras de ordem adequadas ao actual momento, numa perspectiva de classe como incumbe à esquerda; não o mero e patético «não à banca».
Nota final: enquanto uma certa esquerda cultivar as tiradas radicais vazias de conteúdo, parecendo exibir a ignorância quase como uma virtude, permanecerá desadequada a qualquer participação positiva na resolução dos problemas que enfrenta o povo trabalhador português.