terça-feira, 28 de maio de 2013

O Insucesso dos Ricos

Divulgou o jornal on-line Notícias ao Minuto, no passado 26 de Maio, o seguinte excerto de uma entrevista do ex-secretário de Estado da Cultura, Francisco José Viegas à Rádio Renascença: «Os ricos portugueses andam especialmente tolos e eles são especialmente responsáveis por esta situação, porque podiam fazer e não fizeram. Se alguma coisa falhou nos últimos 40 anos foram estas elites, não fomos nós todos.».
(http://www.noticiasaominuto.com/pais/76647/portugueses-ricos-andam-tolos#.UaM0UZwsayE.)
Francisco José Viegas (FJV) não é o único a emitir opiniões deste tipo. Ele simplesmente expressa a visão comum de muitos intelectuais da nossa praça, que se colocaram indefectivelmente durante todos estes anos ao serviço da ideologia e dos interesses do grande capital. Agora que o capitalismo expõe mais claramente a sua verdadeira face é de bom-tom iniciarem a descolagem de uma simbiose demasiado íntima, que acarinharam durante todos estes anos.
FJV (e seus irmãos espirituais) não está contra o capitalismo; nem mesmo contra o actual capitalismo financeirizado. Ele só está contra o falhanço dos ricos que «podiam fazer e não fizeram». Contra o insucesso dos ricos, como disse o poeta Eduardo Pitta segundo a mesma notícia do Notícias ao Minuto: «O estado a que nós chegámos é o resultado de 40 anos de insucesso».
Pondo as coisas claras: para FJV e consortes o mal da nossa situação não provém do capitalismo, mas sim do facto de os nossos capitalistas não serem bons capitalistas. Mas, espera: então e a Grécia, também tem (teve) maus capitalistas? E os capitalistas da Espanha e da Itália? São também maus capitalistas, especialmente tolos, mal sucedidos, falhados? E a Grande Depressão dos EUA? Também se deveu ao facto de que os capitalistas americanos são uns tolos, uns mal sucedidos?
A FJV e consortes não interessa ver as coisas por esse prisma. No fundo o que os dana é o que os «ricos» «podiam fazer e não fizeram»; isto é, o que os ricos podiam fazer por eles, FJV e consortes, e não fizeram. O não fazerem nada por FJV e consortes é um tremendo insucesso.
O que os dana é o facto do actual regime na sua pura lógica capitalista os estar a pôr de lado. A eles, intelectuais leais e fidedignos na defesa do regime de ditadura liberal que tem vigorado praticamente desde o golpe contra-revolucionário do 25 de Novembro de 1975. Um regime em que as decisões políticas e económicas verdadeiramente importantes dependem dos detentores e defensores do grande capital com total coerção sobre todos os não capitalistas. Note-se, porém, que FJV e consortes não têm dúvidas de que o regime deve ser dos «ricos». Apenas se lamentam por os ricos andarem ultimamente «especialmente tolos» sem cumprirem adequadamente o seu papel. Segundo FJV «Se alguma coisa falhou nos últimos 40 anos foram estas elites». Isto «se alguma coisa falhou»; para FJV ainda não está claro que, de facto, tenha havido qualquer falhanço; se calhar tratou-se mais de uma «tolice». Espanta-nos, também, que FJV e consortes, que sempre foram meninos bonitos da comunicação social, durante 40 anos, quase meio século (!), nunca tivessem dito qualquer coisa como «Oh gentes! Prestai atenção porque as elites, os ricos, andam especialmente tolos e se isto continua vai haver insucesso! Não voteis nos ricos!». Não, nada disso. FJV e consortes andaram estes 40 anos impávidos e serenos sem nunca encontrarem a mais pequena mácula no regime dos «ricos».
Agora que as coisas começam a aquecer FJV e consortes iniciaram já, pelo sim pelo não, a desvinculação ¾ por enquanto só em frases ¾ do grande capital, lavando as mãos como Pilatos ¾ «Se alguma coisa falhou nos últimos 40 anos […] não fomos nós todos [ênfase nosso]» ¾ usando sabiamente, com a «honestidade» intelectual que os caracteriza, termos e expressões suficientemente ambíguos e pudicos ¾ «ricos», «tolos», «se alguma coisa falhou», «elites», etc.
FJV procura, inclusive, fazer esquecer que fez parte do governo PSD/CDS. Diz ele: «Quando me diziam: ‘agora que já estás fora do poder…, eu começava a rir. Poder? Qual poder?». Coitado do FJV que entrou no governo PSD/CDS sem se dar conta dessa espantosa contradição de que o governo não é Poder! Ainda se ao menos o governo PSD/CDS tivesse sido Poder, para que FJV pudesse ter conseguido fazer qualquer coisa, qualquer coisa não tola… Agora só lhe resta rir amargamente…
Nota final: como FJV e consortes declararam agora que «não fomos nós todos» ¾ isto é, emitiram um auto-atestado de bom comportamento ¾ irão provavelmente engrossar aquelas forças «humanistas» de que o PS anda à procura para apoiar o seu próximo governo. Se calhar ainda iremos ver FJV e consortes a engrossar as fileiras do Congresso das Alternativas Democráticas.