Para além dos dados do PIBpc num dado ano (ver Parte I), utilizados na comparação entre países, interessa também, frequentemente, analisar a evolução temporal do PIB de um dado país com vista a detectar certos eventos que afectaram o crescimento económico. A figura abaixo mostra a evolução do PIBpc dos EUA num período dilatado de tempo ([1]). São claramente visíveis três grandes eventos recessivos da economia dos EUA: A Grande Depressão de 1929 a 1933 (e que continuou até 1939), a recessão pós segunda guerra mundial, e a Grande Recessão de 2008-2009 dita da «bolha imobiliária» (que afectou as economias europeias, incluindo a de Portugal). Os eventos recessivos sobrepõem-se a um crescimento sistemático do PIBpc, de tipo exponencial, conforme mostra a curva a azul da figura ([2]).
Por vezes os períodos recessivos patenteados pela curva do PIB ou PIBpc são bem mais dramáticos, como mostra a figura abaixo para o caso da URSS-Rússia. Para além dos eventos recessivos correspondentes às duas guerras mundiais e ao período da guerra civil que se seguiu à Revolução de Outubro, o PIBpc da URSS começou inicialmente a crescer, principalmente depois do fim da segunda guerra mundial. Sofreu a seguir uma desaceleração a partir dos anos oitenta. Em 1989 deparamos com um evento recessivo de amplitude e duração inéditas! Trata-se da enorme recessão dos anos de 1989 a 1998, associada ao desmantelamento da economia planificada e à transição para o capitalismo brutal, de assalto mafioso aos bens do Estado, por parte de antigos homens do Poder, que decorreu durante esses anos e foi divulgado por toda a imprensa diária da época. Em boa verdade a imprensa e outros meios de comunicação subservientes do capitalismo trataram de esconder a proporção do assalto criminoso aos bens do Estado, por parte de amigalhaços dos grandes capitalistas ocidentais, como o «democrata» Yeltsin e a sua camarilha.
Existem também exemplos de países cujo PIBpc em vez de aumentar (de forma exponencial ou de qualquer outra forma), não só não aumenta mas, pelo contrário, diminui quando se consideram longos períodos de tempo. Um desses raros exemplos é o Haiti, cuja evolução do PIBpc de 1945 a 2009 se mostra na figura abaixo.
Vejamos agora a evolução do PIB de Portugal comparada com a dos países da Zona Euro. É sabido que o PIB (e também o PIBpc) tem decrescido desde que foram implementadas as políticas de austeridade. Isso é visível no gráfico abaixo, que mostra também a tendência de estagnação do crescimento económico desde 2001.
PIB de Portugal em dólares de 2000 (Banco Mundial). Zona de estagnação e decrescimento a cinzento.
Analisemos, para os 17 países da zona euro, o valor da razão do PIB no ano final e inicial dos seguintes períodos:
1 1996 a 2001: 6 anos anteriores à entrada em vigor do euro.
2 2002 a 2008: 7 anos de vigência do euro, até ao início da Grande Recessão (bolha do «crédito fácil»).
3 2008 a 2011: 4 anos de vigência do euro durante a Grande Recessão.
4 2002 a 2011: 10 anos de vigência do euro.
A tabela abaixo mostra os valores das razões do PIB ¾ respectivamente PIB2001/PIB1996 (período 1), PIB2008/PIB2002 (período 2), PIB2008/PIB2011 (período 3), PIB2011/PIB2002 (período 4) ¾ por ordem decrescente. Os dados do PIB são do Banco Mundial (em dólares de 2000).
País
|
PIB2001
/
PIB1996
|
País
|
PIB2008
/
PIB2002
|
País
|
PIB2011
/
PIB2008
|
País
|
PIB2011
/
PIB2002
|
Irlanda
|
1,505
|
Eslováquia
|
1,486
|
Eslováquia
|
1.024
|
Eslováquia
|
1,521
|
Estónia
|
1,388
|
Estónia
|
1,415
|
Alemanha
|
1.018
|
Estónia
|
1,360
|
Luxemburgo
|
1,360
|
Eslovénia
|
1,292
|
Bélgica
|
1.014
|
Luxemburgo
|
1,244
|
Finlândia
|
1,249
|
Luxemburgo
|
1,240
|
Malta
|
1.012
|
Eslovénia
|
1,185
|
Espanha
|
1,238
|
Grécia
|
1,233
|
Áustria
|
1.008
|
Finlândia
|
1,171
|
Eslovénia
|
1,226
|
Irlanda
|
1,232
|
Luxemburgo
|
1.004
|
Áustria
|
1,165
|
Portugal
|
1,211
|
Finlândia
|
1,206
|
França
|
1.001
|
Espanha
|
1,154
|
Grécia
|
1,206
|
Espanha
|
1,198
|
Holanda
|
0.989
|
Irlanda
|
1,149
|
Holanda
|
1,202
|
Áustria
|
1,156
|
Chipre
|
0.984
|
Bélgica
|
1,145
|
Chipre
|
1,161
|
Holanda
|
1,145
|
Finlândia
|
0.971
|
Holanda
|
1,132
|
Malta
|
1,155
|
Bélgica
|
1,130
|
Portugal
|
0.968
|
Alemanha
|
1,118
|
França
|
1,152
|
Chipre
|
1,122
|
Itália
|
0.966
|
França
|
1,105
|
Áustria
|
1,149
|
França
|
1,103
|
Espanha
|
0.963
|
Chipre
|
1,104
|
Bélgica
|
1,144
|
Alemanha
|
1,098
|
Estónia
|
0.961
|
Grécia
|
1,054
|
Eslováquia
|
1,144
|
Itália
|
1,054
|
Irlanda
|
0.933
|
Portugal
|
1,019
|
Itália
|
1,107
|
Portugal
|
1,053
|
Eslovénia
|
0.917
|
Itália
|
1,019
|
Valor médio
anual
|
0,033
|
0,025
|
-0,006
|
0,015
| |||
Desvio padrão
|
0,108
|
0,119
|
0.043
|
0,123
|
A inspecção da tabela revela, entre outras coisas, o seguinte:
a) O crescimento médio anual do PIB ¾ média para os 17 países ¾ decresceu com a entrada em vigor do euro. Primeiro de 3,3%/ano para 2,5%/ano, agravando-se a descida a partir de 2008. Nos 10 anos de vigência do euro até 2011 a média de crescimento anual foi de uns míseros 1,5%, sendo que nos últimos 4 anos o crescimento médio anual foi negativo: -0,6%.
b) A dispersão (desvio padrão) das taxas de crescimento, logo da evolução das economias dos diferentes países, aumentou drasticamente com a entrada em vigor do euro (de 0,108 para 0,123). Em vez de convergência das economias, assistimos à divergência das economias.
c) Na tabela estão assinalados a amarelo ou laranja os países com crescimento abaixo da média. Se antes do euro a economia portuguesa crescia acima da média (7.º lugar), a situação inverteu-se radicalmente com a entrada de Portugal no euro. Portugal mergulhou (autenticamente!) para último lugar (17.º) no período dos primeiros 6 anos e praticamente estacionou lá: penúltimo lugar, considerando os 10 anos de 2002 a 2011. Isto desmente cabalmente certas fontes da UE que procuram fazer crer que a entrada de Portugal no euro foi benéfica.
d) Nos 4 anos a seguir ao início da Grande Recessão Portugal teve um crescimento médio negativo de -0,008/ano. Neste mesmo período todos os países assinalados na tabela por uma caixa tiveram crescimentos negativos. Estão todos em recessão ou à beira da recessão.
e) A recessão (declínio do PIB durante dois ou mais trimestres consecutivos) começou em Portugal no 1.º trimestre de 2011. Conforme mostra a figura abaixo a recessão já se mantém há mais de 9 trimestres consecutivos sem mostras de abrandar.
Estas constatações só permitem uma leitura:
A entrada de Portugal no euro foi um «mau negócio». Só agravou a evolução da nossa economia e, inclusive, veio a motivar a aplicação de um programa de resgates que tem destruído a economia (nomeadamente o sector produtivo) provocando a maior recessão de que há memória, sem perspectivas de sair dela nos anos mais próximos.
* * *
É urgente sair do euro. (Esta é uma ideia que temos vindo há muito a defender e ultimamente tem encontrado mais defensores, inclusive entre os economistas convencionais nacionais e estrangeiros, incluindo um prémio Nobel: Paul Krugman). Essa saída, para não descambar em tragédia, terá obrigatoriamente de ser feita por um governo verdadeiramente de esquerda, com a nacionalização da banca e arresto de bens dos responsáveis pela liquidação do país.
Não sair do euro e arrastar a situação presente corresponde a hipotecar os interesses do país (do povo trabalhador, claro) previsivelmente por mais de uma geração. Neste momento só o grande capital nacional e estrangeiro (em particular o alemão e o holandês) não está nada interessado na saída de Portugal do euro. Além do incumprimento da dívida, com repercussões nos grandes bancos e empresas de investimento financeiro, receiam o efeito de contágio.
[1] Dados das Estatísticas Históricas de Angus Maddison expressos em dólares Geary-Khamis de 1990 (GK$1990). O dólar Geary-Khamis é uma moeda fictícia permitindo comparar PIBs em PPC. Entre 1820 e 1870 os dados existentes são de 10 em 10 anos, pelo que os valores do gráfico foram interpolados.
[2] A curva ajustada ao PIBpc tem a expressão (1250+10*exp(0,587*sqrt(ano-1820)))/1000.